Entrevista com Othon Luiz Pinheiro da Silva: ‘Energia nuclear no Brasil é uma coisa indispensável’ MACHADO, Priscila. “Entrevista com Othon Luiz Pinheiro da Silva: ‘Energia nuclear no Brasil é uma coisa indispensável’”. Brasil Econômico, São Paulo, 13 de maio de 2010. Observar a trajetória do vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear – Eletrobras Termonuclear, é acompanhar boa parte do desenvolvimento da tecnologia nuclear no Brasil. Autor do projeto de concepção de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio, ele já atuou como engenheiro naval do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), de 1967 a 1974; foi diretor de Pesquisas de Reatores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), de 1982 a 1984; e fundador e responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para submarinos, de 1979 a 1994. Agora, à frente da estatal, se prepara para a retomada do programa nuclear brasileiro. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) tem afirmado que a energia nuclear está se popularizando no mundo. Há um movimento de novas discussões sobre o assunto e, caso sim, isso pode resultar em uma retomada de investimentos? Existe um preconceito contra a indústria nuclear devido à falta de conhecimento. Então, o debate faz com que a população entenda que, como tudo, ela tem seu lado positivo e seu lado negativo. A retomada dos investimentos já é uma realidade. Energia nuclear no Brasil não é coisa do futuro, é coisa do presente e é indispensável. Essa aceitação da usina nuclear é um reconhecimento ou ela ocorre em detrimento de outras fontes? É a soma do entendimento de que existe uma tecnologia que é segura e de que o aquecimento global pode ser um grande problema para a humanidade. No caso do Brasil, existe ainda uma terceira motivação, que é a de que o nosso sistema integrado é praticamente composto por hidrelétricas. No entanto, desde a década de 1980 o volume de água permaneceu constante. As novas hidrelétricas são muito boas, mas não têm estoque de energia. Então é preciso que agora tenhamos uma complementação de térmicas. Não existe uma energia melhor que a outra. O desafio do administrador é fazer um mix que tenha o menor impacto ambiental e o melhor preço médio para a sociedade. O senhor acredita que possa haver concorrência entre as fontes? Quem trabalha com um tipo de energia acredita que só existe aquela. Não é o meu caso, já trabalhei com outras fontes. Tem até um funcionário que trabalha comigo que costuma dizer que eu sou um espião hidrelétrico no meio nuclear. O segredo é saber como compor. No Brasil, o artista principal tem que ser a hidrelétrica que, assim como as nucleares, tem capital intensivo, ou seja, ali o investimento é alto, mas o combustível é barato. Para a sequência de anos secos, é necessário ter diversas térmicas convencionais, prontas para funcionar como uma apólice de seguro. Não poderíamos colocá-las o ano inteiro para funcionar porque o custo seria alto. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que 60 países cogitam a geração de energia utilizando fonte nuclear e que até 25 unidades devem ser inauguradas nos próximos 20 anos. Como o senhor avalia a participação do Brasil nesse cenário? Nosso programa é menos espetacular do que o da China e o da Índia, porque temos uma riqueza energética, uma quantidade de rios muito grande e enormes reservas de urânio. A térmica, embora indispensável, entra de forma complementar. Os países que não têm fontes naturais se preocupam em ter fonte nuclear, porque é fácil de estocar. Quando não se conta com fontes internas, fica-se sujeito aos humores do mercado. No atual contexto, mais países em desenvolvimento devem aderir a essa fonte? Países que não fecham seu balanço energético com as fontes que têm, no geral fazem contratos de longa duração para conseguir as fontes primárias. Os contratos internacionais são sempre respaldados pela força existente, ou seja, quem faz um contrato internacional tem que ter força. Casos como o do Irã, podem limitar a expansão do uso da energia nuclear? Fechar o balanço com fontes próprias faz com que a vocação do país seja pacífica. No Brasil, fechamos o balanço energético. Outros países que não têm essa vocação, nem fecham dessa maneira, ficam preocupados, temem a extensão do programa. Isso é uma demagogia barata, é o sujeito que proliferou preocupado com quem tem vocação pacífica. Hoje, Angra 3 é o maior projeto brasileiro no segmento nuclear. Quando a usina entrará em operação? Um ano antes da Olimpíada de 2016 ela vai estar em operação. Entre o final de maio e o início de junho de 2015 estará funcionando a plena capacidade. Quais são os outros projetos em andamento liderados pela Eletronuclear? É a instalação de usinas nucleares no Nordeste. A decisão final sobre os lugares onde elas serão instaladas é do Congresso Nacional, mas estamos entregando um cardápio com alguma possibilidades. Só no Nordeste estamos com cinco pratos por estado. Em convênio com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estamos estendendo esse estudo para todo o país. Adequamos os pratos ao gosto regional. Quais outras regiões podem vir a ser alvo de investimentos? Há dois anos, a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) era a de que a prioridade fosse o Nordeste. Está sendo feito um reestudo agora, não por nós, então a decisão sobre onde será exatamente não sabemos, mas estamos preparados para atender onde quer que seja. Então ainda há dúvidas sobre a localização da próxima? Pela decisão do CNPE, a primeira central seria no Nordeste e a segunda, na região Sudeste. Agora parece que estão na dúvida se mantêm essa ordem ou não. Há uma grande possibilidade de mantê-la, mas isso não é decisão nossa. Se for decidido que será no Sudeste, teremos condições de fazer. E se for no Nordeste, já está pronto. Preferimos que mantenham a ordem atual. Alguma região tem vantagens? Sempre tem uma com vantagem sobre a outra. Uma das coisas recomendáveis é a parte de desenvolvimento socioeconômico da região. Se colocamos em local muito pobre, contribuímos para a melhoria das condições naquela região. No Vale do São Francisco, podemos combinar o potencial elétrico já existente no local com energia nuclear e podemos fazer um trabalho muito similar ao vale do Tennessee americano, ou seja, a energia elétrica pode ser um fator de desenvolvimento regional.