ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICAS: RETÓRICA, PRESENTE E FUTURO Luis de Miranda Correia1 Promover um sistema de educação que permita educar todos os alunos nas escolas regulares é, desde há cerca de duas décadas, o objectivo dos países que acreditam que é possível responder às suas necessidades tendo em conta as diferenças que os caracterizam. Portugal, um desses países, aderiu também a esse objectivo, subscrevendo o movimento da inclusão. Só que caiu numa ratoeira, enveredando por um discurso iletrado e incoerente que mais não tem feito do que favorecer a retórica em detrimento da ciência. Assim sendo, as sucessivas reformas, reestruturações e reorganizações, sedimentadas em ideias políticas, mais do que científicas e educacionais, têm levado a decisões simplistas, e quantas vezes infundadas, deixando a educação “à beira de um ataque de nervos”. Este cenário envolve também a educação especial, estando os resultados à vista de todos: pais pouco envolvidos na educação dos seus filhos com necessidades educativas especiais (NEE); educadores e professores, confusos e desmotivados, sem perceberem o que se está a passar à sua volta; e alunos com NEE vendo, todos os dias, os seus direitos desrespeitados e coarctados. A situação mais flagrante é a dos alunos com dificuldades de aprendizagem específicas (DAE), que, na maioria dos casos, não está a receber uma educação apropriada às suas características e necessidades, uma vez que a legislação portuguesa não contempla esta categoria. Assim sendo, estes alunos, ao não serem abrangidos por serviços e apoios de educação especial, sentem um prolongado insucesso académico, e até social, que os leva, na maioria dos casos, ao abandono escolar. Este artigo pretende retratar a situação das dificuldades de aprendizagem específicas em Portugal, considerando quatro pontos que nos parecem essenciais: (1) O estabelecimento do conceito de DAE; (2) O nascimento de uma definição portuguesa de DAE; (3) O contexto da política educacional; e (4) O atendimento a alunos com DAE. 1 Presidente do Instituto Português de Dislexia e outras Necessidades Educativas Especiais Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho O estabelecimento do conceito de DAE Embora a categoria das DAE não seja considerada pelo Ministério da Educação como fazendo parte do espectro das NEE, sabe-se hoje em dia que há um grupo de alunos cujas desordens neurológicas interferem com a recepção, integração ou expressão de informação, reflectindo-se, estas desordens, numa discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita ou do cálculo, ou para a aquisição de aptidões sociais. (NJCLD, 1994; Fonseca, 1999; Kavale & Forness, 2000; Fiedorowics, Benezra, MacDonald, McElgunn, Wilson, & Kaplan, 2001; Correia, 2004; Hallahan, Lloyd, Kauffman, Weiss, & Martinez, 2005; Shaywitz, 2005). Contudo, mesmo perante esta situação adversa, que tanto tem lesado os direitos dos alunos com DAE, tem-se assistido em Portugal a um interesse crescente e a uma tomada de posição continuada por parte de alguns especialistas, investigadores, educadores e pais, todos eles empenhados no estudo de processos que possam responder às necessidades das crianças cujos comportamentos são, tantas vezes, incompatíveis com uma aprendizagem típica2 (Correia, 1991). Assim sendo, há vários investigadores e especialistas na matéria que se têm debruçado sobre o assunto, existindo já um caudal de literatura significativo que trata esta problemática. Destacamos, por exemplo, as obras de Fonseca (1984, 1999, 2001), de Correia (1991, 2004; 2005a), de Correia e Martins (1999), de Rebelo (1993) e de Cruz (2003) e os variadíssimos trabalhos, distribuídos por capítulos em livros e artigos publicados em jornais e revistas e, até, online (Fonseca, 2001; Correia, 2003, 2005; Martins, 2006). A grande maioria destes trabalhos chama a atenção para o facto de se tornar crucial considerar as DAE como uma das categorias das NEE, com direito a serviços e apoios de educação especial, quando necessário, para que seja possível criar ambientes de aprendizagem de sucesso nas escolas regulares para os alunos que as apresentem. Para além da problematização das DAE nas NEE uma outra grande preocupação é a de se encontrar um conceito que permita levar à identificação de alunos com DAE (Correia, 2004). O conceito de DAE foi introduzido em Portugal há cerca de 25 anos, tendo como referência os trabalhos de S. Kirk, B. Bateman, D. Johnson, H. Myklebust, W. Cruckshank, D. Hammill, J. Lerner, entre outros, sendo a definição contida na PL 942 Aqui tomada no sentido da aprendizagem normal ou regular no quadro dos critérios fixados para o grupo geral da população num determinado nível de escolaridade formal. 142 (Federal Register, 1977, p. 65083) e considerada de novo no Individuals Disabilities Education Act /IDEA (20 U.S.C. § 1401 (26); 34 C.F.R. § 300.7), a que recebeu maior aceitação por parte dos investigadores e educadores portugueses. Contudo, à medida que iam surgindo interrogações sobre esta definição, quer a nível nacional, quer internacional, os investigadores portugueses voltaram-se para a definição proposta pelo National Joint Committee for Learning Disabilities (NJCLD), uma vez que esta definição, não só tenta mostrar que as dificuldades de aprendizagem também se aplicam à população adulta, mas também pretende esclarecer a ambiguidade contida na frase “processos psicológicos básicos”, referindo que a baixa realização académica é produto de uma presumível disfunção neurológica. Ela tenta ainda clarificar o conceito de DAE, eliminando termos como “dislexia” e “afasia de desenvolvimento”, salientando, também, que as DAE não são causadas por outras condições de discapacidade ou circunstâncias ambientais adversas, embora possa coexistir com elas (Hammill, Leigh, McNutt & Larsen, 1981; NJCLD, 1994). No entanto, as opiniões continuam divididas, devido à interpretação que os investigadores dão aos aspectos identificados nas definições (i.e., discrepância, défices neurológicos) e à falta de uma definição portuguesa que, para além de permitir perceber quais os aspectos mais relevantes a considerar, permitisse, também, a sua operacionalidade, com vista à identificação dos alunos que, eventualmente, fossem portadores de DAE. O nascimento de uma definição portuguesa de DAE Correia tem vindo, há já alguns anos, a chamar a atenção para o facto de, em Portugal, se usar o termo dificuldades de aprendizagem para querer dizer várias coisas que vão desde tudo o que é problema de aprendizagem centrado no aluno até ao que é um problema de aprendizagem provocado por uma dispedagogia (Cohen, 1971). Assim sendo, refere, num pequeno livro publicado em 1999, que, em Portugal, o termo DA se usa em dois sentidos distintos, um sentido mais lato e um sentido mais restrito, justificando esta afirmação da forma seguinte: “No sentido lato, as dificuldades de aprendizagem são consideradas como todo o conjunto de problemas de aprendizagem que grassam nas nossas escolas, ou seja, todo um conjunto de situações, de índole temporária ou permanente, que se aproxima, ou mesmo quererá dizer, risco educacional ou necessidades educativas especiais. Quanto a nós, esta é a interpretação dada ao conceito pela maioria dos profissionais de educação. No sentido restrito, e aqui a interpretação do conceito restringirse-á a uma minoria de especialistas e profissionais de educação, o termo dificuldades de aprendizagem quererá dizer uma discapacidade ou impedimento específico para a aprendizagem numa ou mais áreas académicas, podendo ainda envolver a área socioemocional. Assim, é importante que se note que as dificuldades de aprendizagem não são o mesmo que deficiência mental, deficiência visual, deficiência auditiva, perturbações emocionais, autismo.” (Correia e Martins, 1999, p.6) Correia (2001, 2004) teve ainda o ensejo, de chamar a atenção para ainda mais uma outra interpretação, esta bem mais controversa, assinada por Bairrão e colaboradores (1998) num relatório que elaboraram para o Conselho Nacional de Educação, intitulado Os Alunos com Necessidades Educativas Especiais: Subsídios para o Sistema de Educação, onde afirmavam que: “Nas categorias Dificuldades de Aprendizagem Ligeiras, Dificuldades de Aprendizagem Moderadas ou Dificuldades de Aprendizagem Severas, consoante o grau de dificuldade do aluno, deveriam ser incluídos os alunos que apresentam deficiências ou incapacidades, de grau ligeiro, moderado ou severo, que não se incluem em nenhuma das restantes categorias existentes nos quadros do inquérito e que se traduzem em necessidades especiais a nível das aprendizagens. (...) Por isso, não se considerou a deficiência mental como uma categoria independente das Dificuldades de Aprendizagem. Assim, os alunos que apresentem deficiência mental deveriam ser classificados em função do tipo e grau de dificuldades que essa deficiência acarreta a nível das aprendizagens, ou seja, estes alunos deveriam ser incluídos numa das categorias das Dificuldades de Aprendizagem (Ligeiras, Moderadas ou Severas).” (Correia, 2001, p. 110; Correia, 2004, p. 371) Claro está que, apesar de uma plêiade de especialistas, nacionais e estrangeiros, andar há mais de quarenta anos a tentar tratar o conceito de dificuldades de aprendizagem, ainda há, como se viu, quem não faça a mínima ideia do seu significado, do que realmente são dificuldades de aprendizagem, tentando justificar, com argumentos pouco credíveis, quer uma concepção errónea, quer uma interpretação implausível do conceito. Mais, esta situação é tanto mais grave quanto mais aparente é o facto de, no seio daqueles que não entendem o conceito, embora o usem frequentemente, encontrarmos professores universitários, técnicos superiores de educação, psicólogos, professores dos ensinos secundário e básico, educadores e pais que, com tais atitudes, só estão a lesar os direitos das crianças e adolescentes que apresentam esta problemática, coarctando-lhes o acesso a programas educacionais consentâneos com as suas necessidades e, por conseguinte, impedindo-os de efectuarem aprendizagens com sucesso. A própria legislação interpreta o conceito num sentido incorrecto, de tal forma que o Ministério da Educação inclui a dislexia, a disgrafia e a dispraxia nos problemas de comunicação (DGIDC, 2004), aumentando ainda mais a confusão, e fazendo com que os alunos com DAE não sejam abrangidos por serviços e apoios de educação especial, levando-os a sentir um prolongado insucesso escolar. Assim sendo, a realidade dos factos diz-nos que, pese embora as sucessivas reformas e reorganizações curriculares, a escola ainda não conseguiu dar uma resposta eficaz à constelação de problemas nas áreas da leitura, da escrita e da matemática que grassam no seu seio, tantos deles associados, porventura, a factores que se prendem com as DAE. E, se assim é, torna-se importante dar um sentido conceptual ao termo DAE para, desta forma, iniciarmos um processo que nos irá permitir não só perceber o conceito, mas também chegar a um conjunto de respostas educativas eficazes para estes alunos. Correia, com base na sua experiência, nas definições de DAE existentes e na investigação produzida até à data, propõe uma definição de DAE que, na sua óptica, pode permitir à escola, não só inteirar-se do seu significado, em termos conceptuais, mas também reconhecer que os alunos com DAE, sejam quais forem as suas características, devem poder ser objecto de observações e avaliações cuidadas que levem a planificações e programações eficazes. A definição que propõe diz o seguinte: “As dificuldades de aprendizagem específicas dizem respeito à forma como um indivíduo processa a informação – a recebe, a integra, a retém e a exprime –, tendo em conta as suas capacidades e o conjunto das suas realizações. As dificuldades de aprendizagem específicas podem, assim, manifestar-se nas áreas da fala, da leitura, da escrita, da matemática e/ou da resolução de problemas, envolvendo défices que implicam problemas de memória, perceptivos, motores, de linguagem, de pensamento e/ou metacognitivos. Estas dificuldades, que não resultam de privações sensoriais, deficiência mental, problemas motores, défice de atenção, perturbações emocionais ou sociais, embora exista a possibilidade de estes ocorrerem em concomitância com elas, podem, ainda, alterar o modo como o indivíduo interage com o meio envolvente.” (Correia, 2006, p. 20) Esta definição, que pretende de cariz educacional, contém, do seu ponto de vista, todas as características comuns às definições que até à data têm recebido maior consenso por parte de especialistas e associações envolvidas na defesa dos direitos dos indivíduos com DAE, dando, no entanto, uma ênfase muito especial aos problemas com que eles se confrontam, particularmente no que diz respeito ao processamento de informação. Mas, para além do processamento de informação que pode indiciar a origem neurobiológica desta problemática e portanto, a sua condição vitalícia, ela trata ainda de parâmetros fundamentais como o são o padrão desigual de desenvolvimento, o envolvimento processual, os problemas numa ou mais áreas académicas, a discrepância académica e a exclusão de outras causas. Mais, considera, como o fazem algumas definições, a importância da observação do comportamento socioemocional dos indivíduos que apresentam DAE (NJCLD, 1994). Contudo, embora a definição de Correia procure esclarecer uma problemática tão complexa, como é o caso das DAE, que leva tantos alunos a debaterem-se diariamente para conseguirem perceber o que se passa à sua volta, em termos académicos e socioemocionais, a atenção que lhe foi dada por parte das autoridades educacionais portuguesas foi, até ao momento, nula, continuando o Ministério da Educação, provavelmente dentro de uma política economicista e de pouco saber sobre a matéria, a ignorar as necessidades dos alunos com DAE, impedindo, de certa forma, o seu crescimento educacional, social e emocional e, mais grave ainda, ajudando a promover a erosão da sua auto-estima, tendo como consequência, como já foi dito, o seu insucesso e abandono escolares. O contexto da política educacional Em Portugal, a posição educacional e política, no que concerne aos alunos com DAE, tem sido a de não os considerar como receptores de serviços e apoios de educação especial, apesar de a investigação nos dizer que a chave do sucesso está na elaboração de programações educativas individualizadas que considerem ajustamentos e adaptações curriculares consentâneas com as suas capacidades e necessidades (Correia, 2006a). Assim sendo, a legislação mais recente apenas prevê que estes alunos recebam apoios educativos similares às estratégias usadas na sala de aula, realizados por professores não especializados, ou seja, não considera a necessidade de se fazer apelo aos serviços e apoios de educação especial, quando necessário. Esta posição do sistema educativo português tem feito com que os alunos com DAE não tenham acesso aos serviços educacionais de que necessitam, impedindoos de apreenderem estratégias que facilitem as suas aprendizagens, ou seja, na sua essência, tem impedido que os professores e todos aqueles envolvidos na educação destes alunos adquiram uma noção do conceito de DAE e de como elaborar respostas educativas eficazes que respondam às suas necessidades. Possivelmente, como o conceito nunca foi bem compreendido por professores, pais e pelo próprio sistema educativo, a noção de um atendimento que tivesse em conta a colaboração entre vários profissionais de educação e a elaboração de programações educativas individualizadas nunca foi equacionada, apesar das chamadas de atenção por parte de um grupo de especialistas que acreditam que as DAE, como referem Hallahan, Lloyd, Kauffman, Weiss e Martinez (2005): “...estão directamente associadas a diferenças bioneurológicas existentes entre os indivíduos, podendo manifestar-se numa ou mais áreas do desenvolvimento humano, incluindo a cognição, a atenção, o comportamento social e factores associados, tal como o auto-conceito, a linguagem e, particularmente, a aprendizagem académica.” (p.40) Se estas chamadas de atenção despertassem a nossa atenção quanto à implementação de uma vasta gama de métodos e estratégias que pudessem responder à variedade de características que os alunos com DAE apresentam, através de planificações criativas, inovadoras e flexíveis, então a regra deveria ter a ver com a implementação de um sistema educativo responsável que tivesse por base a colaboração entre os vários agentes educativos, a apropriação de recursos, o envolvimento parental e o respeito pelos direitos do aluno. No momento actual esta não parece ser a regra, fazendo-nos crer que é preciso pensar melhor a educação dos alunos com DAE, especialmente quando ela afecta as suas aprendizagens no dia-a-dia. Neste sentido, Kauffman (2002) sumaria bem aquilo que temos em mente ao afirmar que: “Muitas das coisas ditas acerca de educação e de reforma… não fazem sentido…Elas representam o oposto do pensamento crítico, não correspondendo ao que sabemos sobre como e debaixo de que condições os seres humanos adquirem competências específicas. No entanto, elas são repetidas com frequência, mesmo perfilhadas e promovidas negligentemente por académicos e políticos Esta retórica despropositada produz um efeito negativo profundo na educação. Enjeita-a, desvirtua-a, desfigurando-a até à caricatura. Mutila as práticas educativas, minando os alicerces intelectuais da educação.” (p. 5) As palavras de Kauffman permitem-nos reflectir sobre o estado de coisas que afectam a educação dos alunos com DAE, levando-nos a concluir que a retórica pósmoderna, aliada ao posicionamento do sistema educativo português, constituem-se como barreiras a transpor para que os alunos com DAE possam saborear o cheiro do sucesso. Só assim, com a promoção de padrões educativos eficazes, conseguiremos assegurar aos alunos com DAE uma educação de qualidade que se apoie não só nos atributos e na experiência dos professores, mas também em adequações curriculares eficazes que permitam responder às suas necessidades, maximizando as suas competências, quer nas áreas académica e socioemocional, quer na sua preparação para a vida activa, onde se pretende que eles venham a tornar-se em elementos o mais autónomos e produtivos possível. Finalmente, e posto que, na nossa óptica, as DAE são uma categoria das NEE, com direito a serviços e apoios especializados, então há que reconhecer que os alunos que as apresentam têm direito a planificações e programações individualizadas, elaboradas por um conjunto de profissionais de educação com responsabilidades diversas, no sentido de se darem respostas adequadas às suas capacidades e necessidades (Mercer, 1991; Correia, 1997; Fonseca, 1999; Lerner, 2001). O atendimento a alunos com DAE Por tudo que atrás ficou dito, e na ausência de um processo que leve à adequação de respostas educativas eficazes para os alunos com DAE por parte do sistema educativo português, Correia (1997) propôs um modelo, que designou por Modelo de Atendimento à Diversidade (MAD), ilustrado na Figura 1. Este modelo foi pensado para possibilitar a construção de intervenções para todos os alunos com necessidades especiais (risco educacional, NEE, sobredotação), embora, no caso presente, nos reportemos aos alunos com DAE. O MAD tem por base quatro componentes essenciais: uma que diz respeito à identificação (conhecimento, do aluno e dos seus ambientes de aprendizagem); outra que se refere a uma planificação apropriada, com base nesses conhecimentos; uma outra que se relaciona com uma intervenção adequada que se apoie nas características e necessidades do aluno e dos ambientes onde ele interage (conhecimento) e numa listagem coerente de objectivos curriculares (planificação) e ainda uma outra que diz respeito à verificação, ou seja, a um conjunto de decisões relativas à adequação da programação delineada para o aluno. MODELO DE ATENDIMENTO À DIVERSIDADE IDENTIFICAÇÃO PLANIFICAÇÃO INTERVENÇÃO Conhecimento do aluno; dos seus ambientes de aprendizagem Com base no conhecimento do aluno em contextos naturais Que se apoie no conhecimento e na planificação PRELIMINAR COMPREENSIVA TRANSICIONAL Nível I Intervenção INICIAL Elaboração de um PTI PEI + Activ. Comunitárias Nível II Intervenção INTERMÉDIA Nível III Intervenção COMPREENSIVA VERIFICAÇÃO Conjunto de decisões relativas à adequação da intervenção Figura 1. Modelo de Atendimento à Diversidade A primeira etapa, que Correia denominou por identificação, relaciona-se com o conhecimento do aluno, dos seus estilos de aprendizagem, dos seus interesses, das suas capacidades e das suas necessidades com o fim de se determinarem os seus níveis actuais de realização académica e social (competências adquiridas). Esta etapa diz, ainda, respeito à análise dos ambientes de aprendizagem do aluno (académicos, socioemocionais, comportamentais e físicos). A esta etapa segue-selhe uma segunda, designada por planificação, que é uma etapa de preparação para a intervenção onde se analisa a informação recolhida sobre o aluno e sobre os seus ambientes de aprendizagem. A terceira etapa do MAD diz respeito à intervenção. Esta etapa congrega, quanto a Correia, três fases essenciais: uma preliminar, de carácter preventivo; outra compreensiva, de carácter educacional/reeducativo; e ainda uma outra, de carácter transicional. No que concerne à componente preventiva da intervenção, ela considera dois procedimentos, um primeiro, da responsabilidade do professor de turma, designado por intervenção inicial, e um segundo, designado por intervenção intermédia, que para além do professor de turma pode envolver outros profissionais de educação (i.e., professor de educação especial, psicólogo educacional). A intervenção inicial baseia-se na identificação de alunos que estejam a experimentar problemas de aprendizagem no início do ano escolar e na complementaridade do ensino a nível individual ou de pequeno grupo. Por seu turno, a intervenção intermédia, apoia-se no uso de estratégias comprovadas pela investigação (i.e., ensino directo), tendo como objectivo primeiro minimizar ou até suprimir os problemas de aprendizagem que o aluno está a experimentar, tentando, assim, evitar o seu encaminhamento para os serviços de educação especial. Aqui o trabalho em colaboração deve congregar os esforços dos educadores ou professores de turma e de educação especial e de quaisquer outros técnicos que se julguem necessários, a título consultivo. Caso o aluno não esteja a ter sucesso, então os pais devem ser contactados e deve passar-se à componente seguinte. Esta componente, designada por intervenção compreensiva, apoia-se numa avaliação mais exaustiva e mais completa do que a efetuada na intervenção intermédia, pretendendo traçar o perfil do aluno com base no seu funcionamento global, nas suas características, capacidades e necessidades e na qualidade dos ambientes onde ele interage, pressupondo ainda a elaboração de programações educativas individualizadas (PEI), caso se ache necessário o seu desenvolvimento, que tenham por base a diferenciação pedagógica. Nesta fase, a programação deve poder contar com um conjunto de serviços, muitos deles especializados, devendo tornar-se, portanto, sempre plural e interdisciplinar. Finalmente, há ainda uma outra fase a ter em conta, que continua muito arredada das nossas escolas, que se prende com a preparação dos alunos para o mundo do trabalho e com a sua inserção na sociedade. Esta fase, que Correia denomina por intervenção transicional, diz respeito aos programas que são dirigidos a alunos que não estejam a atingir os objectivos do currículo comum e que, devido à sua idade (14 ou mais anos) e aos seus problemas de aprendizagem, geralmente acentuados, necessitam de um conjunto de medidas que possam facilitar a sua inserção na sociedade e no mundo laboral. Neste caso, os programas, habitualmente chamados de programas educativos de transição individualizados (PETI), não só fazem apelo a adaptações curriculares significativas e generalizadas e ao ensino e aprendizagem em cooperação, como também pedem o envolvimento do aluno em actividades comunitárias, devendo-lhe ser facultada uma atenção muito especial em termos individuais (Hallahan, Kauffman, & Lloyd, 1996; Correia, 1999; West et. al, 1999). Assim, todos os anos, a equipa multidisciplinar deve programar experiências que auxiliem o aluno na transição da escola para as próximas etapas da sua vida. Estas experiências devem ajudar o aluno a perceber as suas áreas fortes e as suas necessidades, bem como proporcionar-lhe os apoios que são necessários para que ele possa vir a experimentar sucesso. A intervenção transicional, para além da interdisciplinaridade, exige também envolvimento comunitário, sem o qual será difícil atingir os objectivos propostos no plano de transição, ou seja, ela deve ajudar o aluno a propor um conjunto de objectivos que se prendam com as suas intenções de trabalho após a sua saída da escola (Correia, 1999). Finalmente, o MAD compreende ainda uma outra componente, denominada por verificação, cujo objectivo é o de nos certificarmos se a programação educacional considerada foi a mais apropriada para responder às necessidades educativas e socioemocionais do aluno ou, se o não foi, conceber um outro tipo de respostas mais adequadas a essas mesmas necessidades. O MAD, como modelo de intervenção faseado, parece-nos adequado para intervir com alunos com DAE, dado que procura encontrar soluções apoiadas nas boas práticas educativas, antes de o encaminhar para os serviços de educação especial. Apesar de Correia ter pensado este modelo há mais de 15 anos, ele assemelhase ao método designado por Resposta-à-Intervenção (Fuchs, Mock, Morgan, & Young, 2003; Gresham, 2002; NRCLD, 2004; Vaughn, 2003) destinado a identificar alunos com DAE, uma vez que usa três níveis de intervenção, sendo crescente a intensidade do ensino em cada um dos níveis. O MAD chama também a atenção para a importância de se intervir precocemente, quando o aluno começa a experimentar problemas nas suas aprendizagens, certificando-se de que ele venha a receber apoios adequados baseados no uso de estratégias apoiadas pela investigação (Gresham, 2002; Correia, 2005b, Heward, 2006). Permite, ainda, que o aluno tenha acesso a intervenções especializadas numa fase mais precoce do seu percurso escolar, mesmo antes de ele ser encaminhado para os serviços de educação especial, aliás como é proposto pelo método resposta-à-intervenção (NJCLD, 2005). Contudo, a implementação de um processo que tenha por base um modelo de atendimento eficaz, promotor de boas práticas educativas para os alunos com DAE, depende, em muito, da posição e das tomadas de decisão do poder político que, até à data, se tem furtado à discussão destes assuntos, ignorando as posições tomadas pelos investigadores e especialistas portugueses, os resultados da investigação e os apelos dos professores e dos pais dos alunos com DAE que, dia-a-dia, vêem a educação dos seus filhos cada vez mais a andar para trás. É preciso que o Ministério da Educação não só reconheça esta categoria como uma das categorias das NEE, para que os alunos com DAE possam ser receptores de serviços e apoios de educação especial quando deles necessitarem, mas também que fomente um processo que permita a elaboração de respostas educacionais eficazes para estes alunos, crie redes de recursos especializados a nível nacional e proponha legislação adequada. Seria aconselhável, também, que para a planificação e implementação do que atrás se propõe fosse criado um grupo de trabalho que envolvesse os investigadores e especialistas mais destacados nesta matéria. Conclusão Na nossa óptica, nenhuma decisão deve ser tomada sobre determinado assunto e nenhuma reforma deve seguir o seu curso, sem que primeiro se investigue ou se atenda à evidência que a investigação já efectuada nos dá. No caso das DAE, a investigação já nos deu muitas certezas. Primeiro, a investigação é concludente no que concerne à sua etiologia. As DAE dizem respeito a uma problemática de origem neurológica que interfere com o processamento de informação (recepção, integração, memória e expressão de informação), caracterizando-se, em geral, por uma discrepância entre o potencial do aluno (aluno inteligente) e a sua realização escolar (académica e socioemocional), reflectindo-se, assim, em termos educacionais, numa discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita ou do cálculo, ou para a aquisição de aptidões sociais. Segundo, o conceito de DAE subentende, de imediato, uma discapacidade (inabilidade) para a aprendizagem, numa ou mais áreas académicas, nada condizente com o potencial intelectual (inteligência) de um aluno, geralmente na média ou acima desta. Terceiro, as DAE congregam um conjunto de desordens das quais destacamos a dislexia (problema significativo centrado na leitura), a disgrafia (problema significativo centrado na escrita), a discalculia (problema significativo centrado na matemática), a dispraxia (problema no planeamento motor) e as dificuldades de aprendizagem não verbais. Quarto, nos casos mais severos de DAE, o acesso a recursos especializados é geralmente necessário, no sentido de se poder avaliar o aluno e proceder à elaboração de um programa educativo individualizado que tenha em conta as suas capacidades e necessidades. Por tudo isto, é por demais evidente que existe um conjunto de alunos que, apesar de ser exposto a um ensino adequado, continua a apresentar problemas na aprendizagem, especialmente nas áreas da leitura, da escrita e da matemática. Estes alunos denominam-se, geralmente, por alunos com DAE, sendo importante que se reconheça que as suas necessidades educativas se inserem no grupo das necessidades educativas especiais, com direito a serviços de educação especial. Contudo, no nosso país os alunos com DAE têm sido negligenciados pelo sistema educativo, continuando a não ter direito a qualquer tipo de serviço que se enquadre no âmbito da educação especial (Correia, 2006b). Assim sendo, face aos resultados da investigação, o sistema de atendimento vigente que orienta as práticas educativas para os alunos com NEE, mais propriamente para os alunos com DAE, deve ser reexaminado, por várias razões de entre as quais destaco: o peso da negligência e da burocracia, traduzido num insucesso escolar marcante, que leva, na maioria dos casos, os alunos com DAE ao abandono escolar; e a incompreensão de um modelo de atendimento eficaz que permita aos alunos com NEE, designadamente aos alunos com DAE, aspirar a uma igualdade de oportunidades em ambientes que lhes ofereçam segurança, acesso às aprendizagens, de acordo com as suas características e necessidades, e que promovam situações de confiança, criadas por professores e pais, rumo a uma cidadania plena. Finalmente, face a uma evidência irrefutável com respeito à pertença das DAE como uma categoria das NEE, é nosso dever pugnar pelo seu reconhecimento. Talvez a melhor forma de o fazermos seja através do esclarecimento das famílias com filhos com DAE, no sentido de estas poderem defender os seus direitos junto do sistema educativo. Se seguirmos o exemplo americano, em que os esforços de um conjunto de pioneiros – S. Kirk, B. Bateman, W. Cruickshank, H. Myklebust, entre outros – aliados à pressão exercida pelos pais sobre o governo americano, levaram à criação de legislação que exigia às escolas a implementação de serviços e apoios especializados para os alunos com DAE (Hammill, 1993; Hallahan & Mercer, 2002; Hallahan, Lloyd, Kauffman, Weiss, & Martinez, 2005), então estaremos, com certeza, no bom caminho. Referências bibliográficas Bairrão, J., Felgueiras, I., Fontes, P., Pereira, F. e Vilhena, C. (1998). Os alunos com necessidades educativas especiais: Subsídios para o sistema de educação. Lisboa: Conselho Nacional de Educação. Cohen, S.A. (1971). Dyspedagogia as a cause of reading retardation: Definition and treatment. B. Bateman (Ed.), Learning disorders: Vol. 4. Reading (pp. 269291). Seattle, WA: Special Child Publications. Correia, L.M. (1991). Dificuldades de Aprendizagem: Contributos para a Clarificação e Unificação de Conceitos. Porto: Associação dos Psicólogos Portugueses. Correia, L.M. (1997). Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto: Porto Editora. Correia, L.M. (1999). O Papel da Escola na Transição para a Vida Activa de Alunos com Necessidades Educativas Especiais. Sonhar, 3, 201-209. Correia, L.M. (2001). Educação inclusiva ou educação apropriada? In D. Rodrigues (Org.), Educação e Diferença, (pp. 121-142). Porto: Porto Editora. Correia, L.M. (2003). Inclusão e Necessidades Educativas Especiais. Porto: Porto Editora. Correia; L.M. (2004). Problematização das dificuldades de aprendizagem nas necessidades educativas especiais. Análise Psicológica, XXII (2), 369-376. Correia, L.M. (2005a). Dificuldades de aprendizagem: Factos e estatísticas. Retrieved from http.//www.portoeditora.pt. Correia, L.M. (2005b). Educação especial e necessidades educativas especiais: Ao encontro de uma plataforma comum. Relatório apresentado ao secretário de Estado da Educação. Lisboa: Ministério da Educação. Correia, L.M. (2006a, May). O Estado da Arte da Educação Especial em Portugal: O Caso dos Alunos com Dificuldades de Aprendizagem. Paper presented at the LD meeting, University of Minho, Braga, Portugal. Correia, L.M. (2006b). Salvem estas crianças. Retrieved from http:// www.portoeditora.pt. Correia, L.M. & Martins, A P. (1999). Dificuldades de Aprendizagem: O que são? Como entendê-las? Porto: Porto Editora. Cruz, V. (1999). Dificuldades de aprendizagem: Fundamentos. Porto: Porto Editora. Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (2004). Necessidades educativas especiais de carácter prolongado. Retrieved from http://www.dgidc.min-edu.pt/especial/areaintervencao_NEECP.asp Fiedorowics, C., Benezra, E., MacDonald, W., McElgunn, B., Wilson, A. e Kaplan, B. (2001). Neurological basis of learning disabilities: An update. Learning Disabilities: A Multidisciplinary Journal, 11 (2), 61-74. Fonseca, V. (1984). Introdução às Dificuldades de Aprendizagem. Lisboa: Editorial Notícias. Fonseca, V. (1999). Insucesso Escolar: Abordagem Psicopedagógica às Dificuldades de Aprendizagem (2ª Ed.). Lisboa: Âncora Editora. Fonseca, V. (2001). Cognição e aprendizagem. Lisboa: Âncora Editora. Fuchs D., Mock D., Morgan, P., & Young, C. (2003). Responsiveness-to-intervention: Definitions, evidence, and implications for the learning disabilities construct. Learning Disabilities: Research and Practice, 18(3), 157-171. Gresham, F.M. (2002). Responsiveness to intervention: An alternative approach to the identification of learning disabilities. In R. Bradly, L. Danielson, & D.P. Hallahan (Eds.), Identification of learning disabilities: Research to practice (pp. 467-519). Mahwah, NJ: Erlbaum. Hallahan, D.P., Kauffman, J.M. e Lloyd, J.W. (1996). Introduction to Learning Disabilities (3rd ed.). Needham Heights, MA: Allyn & Bacon. Hallahan, D. P., Lloyd J. M., Kauffman J. M., Weiss M. P., & Martinez E. A., 2005. Learning disabilities: Foundations, characteristics, and effective teaching (3rd ed.). Needham Heights, MA: Allyn & Bacon. Hallahan, D.P., & Mercer, C.D. (2002). Learning disabilities: historical perspectives. In R. Bradly, L. Danielson, & D.P. Hallahan (Eds.), Identification of learning disabilities: Research to practice (pp. 467-519). Mahwah, NJ: Erlbaum. Hammill, D.D. (1993). A brief look at the learning disabilities movment in the United States. Journal of Learning Disabilities, 26, 295-310. Hammill D.D., Leigh J.E., McNutt G., & Larsen S.C., (1981). A new definition of learning disabilities. Learning Disability Quarterly, 4, 336-342. Heward, W.L. (2006). Porque razão é a educação especial importante. Educare Hoje, special edition, 10-11. Individuals with Disabilities Education Act. (1990). Public Law 101-476, Section 602(a)(19). Washington, D.C.: U.S. Office of Education. Kauffman, J.M. (2002). Education deform: Bright people sometimes say stupid things about education. Lanham, MD: Scarecrow Education. Kavale, K.A., & Forness, S.R. (2000). What definitions of learning disability do and don’t say: A critical analysis. Journal of Learning Disabilities, 33, 239-256. Lerner, J. (2001). Learning Disabilities: Theories, Diagnosis and Teaching Strategies (8th Ed.). Boston: Houghton Mifflin Company. Mercer, C.D. (1991). Dificultades de Aprendizage. Barcelona: CEAC. National Joint Committee on Leaming Disabilities. (1994). Collective Perspectives on Issues Affecting Learning Disabilities: Position Papers and Statements. Austin, TX: PRO-ED. National Joint Committee on Leaming Disabilities. (2005). Responsiveness to intervention and learning disabilities. Retrieved from http://www.njcld.org National Research Center on Learning Disabilities (2004). Understanding responsiveness to intervention in learning disabilities determination. Retrieved from http://www.nrlcd.org Public Law 94-142 (1975). Education for All Handicapped Children Act of 1975, 94th Congress, First Session. Rebelo, A.J.S. (1993). Dificuldades da leitura e da escrita em alunos do ensino básico. Rio Tinto: Edições Asa. Shaywitz, S. (2005). Overcoming Dyslexia: A New and Complete Science-Based Program for Overcoming Reading Problems. London: Vintage Publishers. Smith, T.E.C., Dowdy, C.A., Polloway, E.A. e Blalock, G.E. (1997). Children and Adults with Learning Disabilities. Boston: Allyn and Bacon. Vaughn, S. (2003, December). How many tiers are needed for respons to intervention to achieve acceptable prevention outcomes? Paper presented at the NRCLD symposium, Responsiveness to intervention, Kansas City, MO. Retrieved from http://www.nrcld.org West, L.L., Corbey, S., Boyer-Stephens, A., Jones B., Miller R.J., & SarkeesWircenski, M. (1999). Integrating transition planning into the IEP process.Reston, VA: The Council for Exceptional Children.