_____Psicologia &m foco
Vol. 1 (1). Jul./Dez 2008
Qualidade de Vida em Foco: um ponto de vista
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Vagner Herculano de Souza1
Faculdade de Sergipe – FaSe – Sergipe-Brasil
Este ponto de vista está baseado nas
representações oriundas da interação que
estabelecemos com mundo em que vivemos.
Conviver com a sabedoria científica nos permite
realizar diariamente reflexões sobre a vida e,
algumas vezes, com a certeza que a ciência não
nos permite ter, de que somos os mesmos
personagens do “mito da caverna” do filósofo
Platão: conhecemos apenas a sombra da realidade
humana e não a realidade em si.
Não é de hoje que o indivíduo busca de
forma alienada seu reconhecimento frente à
sociedade, esse mecanismo tem levado as pessoas
a se dilacerarem quando considerados os valores
de qualidade de vida, seja, pessoais ou sociais.
Nas últimas décadas, tem se discutido
exaustivamente sobre a qualidade de vida das
pessoas. Durante muito tempo seu conceito esteve
relacionado ao aumento de anos durante a vida,
esquecendo de acrescentar vida de qualidade aos
anos (KATSCNIG, 1998). Esse pensamento foi
muito utilizado pela ciência médica, como por
exemplo, em pacientes da oncologia que lutavam
pela sobrevida dia após dia, independente do
sofrimento biopsicossocial de que eram
acometidos.
Com o passar dos anos, aconteceram
dezenas de reflexões e discussões sobre que
qualidade de vida era essa, que não buscava
analisar o ser humano como um corpo
multifacetado, que sofre estímulos positivos e/ou
negativos durante toda sua existência, seja no
ambiente de trabalho, seja no ambiente familiar,
seja nos conflitos pessoais que nos acompanha
infinitamente.
A partir daí, mais precisamente no ano de
1995, foi criado o WHOQOL Group – World
Health Organization Quality of Life Group, época
essa que podemos chamar de marco teórico da
qualidade de vida mundial; foi quando deixamos
conceitualmente de considerar a qualidade de vida
como sobrevida e passamos a qualificá-la como a
qualidade de cada variável que influencia a
máquina humana (NAHAS, 2003). Na Figura 1 (ao
final do texto) podemos observar esta ruptura.
Tudo pareceu ficar muito bonito com esse
novo olhar, um olhar social, pessoal e cuidadoso,
no entanto, ao mesmo tempo em que se inicia a
busca pela análise multidimencional do indivíduo,
a ciência avança a passos largos e rapidamente
supervaloriza as especialidades. Tentando dar
sentido a essa reflexão, é como se além das
especialidades, como a cardiologia, oncologia,
pediatria, fosse necessário criar as especializações
das especialidades, seria nada mais que fazer um
ortopedista, que é um especialista em ossos e
articulações, aprofundar seus conhecimentos na
anatomopatologia apenas da mão, ombro ou pé,
tornado o profissional um prático analista de uma
parte do todo.
Inicia-se aí uma luta árdua, onde quem vem
perdendo é a sociedade contemporânea. O domínio
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1 Profissional
de Educação Física, Mestre em Ciências da Saúde e Coordenador do Curso de Educação Física da FaSe,
onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Promoção da Saúde – GEPPS. Endereço eletrônico:
[email protected]
Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2008
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técnico das especialidades tem carregado consigo a
velha problemática da falta de conhecimento dos
motivos e razões que realmente levaram o
indivíduo a procurar um profissional. Um estudo
realizado por Ayres em 2001, demonstra que uma
das maiores reclamações feitas por pacientes é a
falta dos questionamentos sobre o histórico de
vida, entendendo que muitas vezes é partindo dos
registros históricos que se encontra a origem da
doença.
Com essa situação conflituosa entre o olhar
sobre o humano total e o humano parcial, a World
Health Organization - WHO (2005) defende que
analisar o ser humano como ser regido por fatores
biológicos, sociais, econômicos e culturais, que se
cruzam em combinações um tanto quando
complexas é a forma mais adequada de contemplar
o todo. É aí que se reforça a delimitação do
conceito de qualidade de vida, como a percepção
do indivíduo de sua posição na vida no contexto da
cultura e sistema de valores nos quais ele vive e
em relação aos seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações (WHOQOL , 1995).
Como a qualidade de vida passa a ser vista
do indivíduo para o mundo, é necessário agora
entender que quem está influenciando essa pessoa
é o mundo e que atualmente a sociedade em geral
tem passado por uma transição profunda nos
âmbitos
demográficos,
epidemiológicos
e
tecnológicos (NAHAS, 2008) (ver Figura 2 em
anexo).
Se
considerarmos
as
estimativas
demográficas dos últimos anos, observaremos que
é assustador tentar entender como funcionará o
mundo no ano de 2050 com 9 bilhões de pessoas,
se hoje com 6,5 bilhões já estamos enfrentando
sérios problemas sociais. O aumento descontrolado
do número de pessoas no mundo gera aumento no
número de desemprego, que reflete no aumento da
fome, que inevitavelmente desencadeará no
aumento da incidência da violência (IBGE, 2008).
São efeitos como esses que afetam o
indivíduo sem que ele nem mesmo perceba a
origem do mal. Nascimento et al. (2003), em um
estudo realizado na cidade de São José dos
Campos no estado de São Paulo, mostrou que a
poluição, um fator bastante negativo para a
qualidade de vida, tem desenvolvido pneumonia
em crianças e causado aumento no número de
óbito na região, todavia, a população se
naturalizou de tal forma que essa problemática
ambiental não parece estar como prioridade nas
políticas públicas governamentais, nem mesmo
tem mudado o comportamento humano no
combate efetivo desses efeitos maléficos.
Mas existem outros problemas, não
podemos culpar apenas os setores de planejamento
social. O avanço tecnológico com seu poder de
confortabilidade tem colaborado de forma negativa
para alguns comportamentos no cotidiano das
pessoas (Nestle e Jacobson, 2000). É cada vez
maior a quantidade de horas que as pessoas,
principalmente as crianças e adolescentes, têm
dedicado às atividades sedentárias, como assistir
televisão, permanecer em frente ao computador e
se dedicar a praticar jogos eletrônicos (JohnsonTaylor e Everhart, 2006).
Atividades como essas tem resultado no
aumento do peso corporal (obesidade), aumento
das doenças cardíacas (hipertensão, obstrução
coronariana e infarto agudo do miocárdio),
doenças metabólicas (obesidade e síndrome
metabólica) e doenças psicológicas (depressão,
ansiedade, baixa auto-estima e estresse),
(TUNSTALL-PEDOE et al., 1999; BUSS, 2000).
Essas questões são preocupações fundamentais da
ciência epidemiológica, pois estão como as
principais problemáticas que prejudicam a
qualidade de vida da sociedade moderna.
Neste contexto, temos que entender
qualidade de vida como um conceito
multidimencional, tornando-se difícil a escolha de
valores individuais para a boa sobrevivência
social.
Com a certeza de que uma breve
explanação não cessa uma reflexão razoável sobre
Qualidade de Vida, podemos concluir indicando
que a felicidade, o bem-estar, o amor, o prazer, a
realização pessoal, a satisfação das necessidades
de sobrevivência e de demais necessidades
vinculadas à sociedade e cultura, são, basicamente,
alguns dos fatores a serem considerados como
intrinsecamente relacionados ao conceito de
Qualidade de Vida, sem estes, estaríamos
retornando aos anos que antecedem 1995 e
tratando o ser humano de forma reduzida. Esta
constatação
implica
necessariamente
em
considerar que para abranger tais aspectos, a
ciência precisa dirigir um olhar multidimensional
para o conceito de Qualidade de Vida.
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qualidade de vida. Ciência e Saúde Coletiva, v. 5,
n. 1, pp. 163-177, 2000.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
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2008.www.ibge.gov.br/home/disseminacao/online/
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Psicologia &m foco, Aracaju, Faculdade Pio Décimo, v. 1, n. 1, jul./dez. 2008
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Figura 1 - Marco teórico da Qualidade de Vida
WHOQOL
1995
QV = Ausência de doenças
Interesse em aumentar os anos de vida
QV = Conceito Multifacetado
Interesse em dar qualidade aos
anos de vida
Figura 2 - Perspectiva dos fatores de transição na Qualidade de Vida
FATORES
- DEMOGRÁFICO
- EPIDEMIOLÓGICO
- TECNOLÓGICO
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