○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Presença da mulher na educação Educadoras metodistas no século XIX: uma abordagem do ponto de vista da História da Educação * Methodist educators of the 19th century: an approach from the History of Education Standpoint Maria Lucia S. Hilsdorf Doutora em Filosofia e História da Educação (USP) Professora de História (USP) R e s u m o É inegável a participação das mulheres metodistas na educação brasileira a partir do século XIX. A partir de Martha Watts, a pioneira de todas elas, as mulheres vieram desempenhando seu importante papel missionário ao saírem de seus países de origem para ensinar no Brasil. A história tem inúmeros relatos a respeito da entrada do protestantismo no nosso país por meio dessas educadoras. Unitermos: educação; mulheres; século XIX; missão Synopsis The participation of Methodist women in the Brazilian education, from the 19th Century on, is undeniable. After Ms. Martha Watts, the pioneer of them all, women played an important missionary role, leaving their countries to teach in Brazil. History has a number of reports about how Protestantism entered our country through the lives of these educators. Terms: education; women; 19th century; mission Resumen Es innegable la participación de las mujeres metodistas en la educación brasileña a partir del siglo XIX. A partir de Martha Watts, la pionera entre todas, las mujeres fueron desempeñando su importante papel misionero al salir de sus países de origen para venir a Brasil. La historia cuenta con innúmeros relatos al respecto de la entrada del protestantismo en nuestro país a través de estas educadoras. Términos: educación; mujeres; siglo XIX; misión * Palestra das comemorações dos 120 anos do Colégio Piracicabano - Outubro/2001 Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 93 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ N este texto, pretendo contribuir para a permanência na memória da sociedade brasileira das mulheres ligadas ao metodismo, a partir do entendimento das estratégias locais de atuação do missionarismo protestante norte-americano dos fins do século XIX e do exame de algumas de suas figuras exemplares1 . Existe já, na atualidade, um conhecimento acumulado sobre a história da luta protestante pela conquista de um espaço religioso e cultural na sociedade brasileira. Sabemos, pela historiografia, que o lento processo de penetração e afirmação do protestantismo nesse período tem a ver com as presenças, em nosso país, do povo de fé reformada formado por imigrantes de origem germânica e do missionarismo norte-americano de presbiterianos, metodistas e batistas. Isolado das igrejas-mães, sobrevivendo a duras penas no interior das comunidades de imigrantes das províncias do sul, lutando para manter a fé e a agenda das práticas religiosas pelo recurso dos pastores leigos e da literatura bíblica, o protestantismo de imigração mantevese longe da polêmica e do proselitismo. Para se reproduzir, acionou com regularidade a tradicional via protestante da educação escolar, abrindo pequenas escolas de alfabetização e doutrinação nos próprios edifícios das igrejas: o conjunto templo, escola e cemitério formou o núcleo de referência e o espaço de identidade da colonização alemã e protestante ligada à posse da pequena propriedade. Quando contratados pelos grandes fazendeiros segundo o projeto dos “braços para a lavoura do café”, como foi o caso de São Paulo, os protestantes alemães tiveram dificuldades ainda maio- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ res para manter suas marcas religiosas e culturais. Sem acesso à terra, constrangidos pela lógica de produção capitalista da grande propriedade fundiária, abandonados ao mesmo tempo pelos patrões e pelo Estado, sem vida comunitária, esses colonos desenvolveram como recurso de sobrevivência uma aproximação aos demais grupos etnosociais da região, caipiras, negros escravos e italianos, movimento que diluiu seus traços culturais e deu origem, do ponto de vista religioso, ao que já foi chamado, por Antonio Gouvea Mendonça 2 , de “protestantismo em diáspora”: entrando em dispersão cultural e religiosa, ficariam reconhecidos mais por uma “mentalidade” protestante do que pela sua fé. No seu primeiro momento, a história do protestantismo no Brasil fala, pois, de uma militância não evangelizadora, praticada por um povo protestante, que lutava cotidianamente para manter e propagar a sua fé em meio a dificuldades de toda sorte, inclusive nas suas relações com o governo imperial. Este, influenciado pelas tendências do liberalismo da geração da Independência de apoiar-se na Igreja Católica para a realização de reformas que modernizassem a sociedade brasileira, interpretava restritivamente o princípio da tolerância às demais religiões cristãs consagrado no art. 5o. da Constituição. O protestantismo de missão inscreve-se em um outro contexto. Desde a guinada ultra-conservadora do pontificado de Pio IX, em 1848, os meios liberais nacionais, acompanhando uma tendência internacional, abandonaram os sonhos de reforma da sociedade por intermédio da Igreja Católica e abriramse simultaneamente à reivindicação da A história do protestantismo no Brasil fala de uma militância não evangelizadora 1 Para um tratamento amplo da questão, cf. BARBANTI, M.L.S.HILSDORF. Escolas Americanas de Confissão Protestante Paulo: um estudo de suas origens. S.Paulo: FEUSP, 1977. na Província de São Paulo 2 MENDONÇA, A. G. Protestantes na Diáspora. Dreher, M.N. Imigrações e História da Igreja no Brasil Brasil. Aparecida: Santuário, 1993. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 94 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ política de separação entre Igreja e Estado e ao apoio ao protestantismo como a religião mais adequada para a inserção do país na modernidade ocidental. Que queriam esses liberais? Tomar a terra aos índios, branquear a população, controlar as desordens da rua, defender as fronteiras, modernizar a agricultura, a indústria e o comércio, desenvolver a ciência e a tecnologia, formar a classe média, dizem os historiadores3 . Nesse projeto, o protestantismo tinha um papel importante, evidentemente civilizatório, pois era representado como uma religião ativa, moderna, amante do progresso e do trabalho, própria de “gente ordeira, pacífica, confiável nos negócios e sem traços de ociosidade”.4 Ou seja, justamente aquela religião praticada nos países de cultura anglo-saxônica – a Alemanha, a In glaterra e os Estados Unidos –, considerados os mais adiantados do mundo e paradigmas da sociedade brasileira à época. Vemos então, de uma parte, o Ministro da Justiça Nabuco de Araújo proibir em 1855, a admissão de noviços nos conventos nacionais; e de outra, o Imperador prometer, na Fala do Trono de 1860, mudar a legislação brasileira para garantir aos colonos protestantes o cumprimento da sua agenda religiosa com efeitos de cidadania. O famoso Decreto 3069, de 17 de abril de 1863 (regulamentando a Lei 1144, de 11 de setembro de 1861), iria dar suporte jurídico ao sepultamento de acatólicos nos cemitérios públicos e o respectivo registro de óbito pelo escrivão do Juízo de Paz, bem como legalizar os casamentos realizados perante um pastor reconhecido, dispensando a forma alternativa que vinha sendo praticada do 3 4 5 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ contrato registrado em cartório. Assim, se em conformidade com as práticas liberais, a questão do acesso à terra pelos colonos nunca foi resolvida, as franquias constitucionais em matéria de religião já estavam porém encaminhadas nos inícios da década de 1860. No campo da cultura e da educação, por sua vez, as possibilidades de trabalho dos estrangeiros protestantes eram também bastante amplas, pois as autoridades provinciais liberais promoveram um vigoroso movimento em prol da liberdade de atuação da iniciativa privada. São Paulo, por exemplo, prescreveu pela Lei 54, de 15 de abril de 1868, a liberdade do ensino primário e secundário. Isso quer dizer que os professores particulares e diretores de escola não precisavam mais apresentar atestados de capacidade e moralidade para abrir seus estabelecimentos, com o duplo efeito de legalizar a prática institucional pedagógica de estrangeiros protestantes e permitir-lhes escapar do controle dos párocos, que habitualmente forneciam aqueles documentos. Outra providência da Coroa no sentido de facilitar a penetração protestante foi atrair explicitamente o imigrante norte-americano, representado como “o sangue novo de que carecia o Brasil”. Para facilitar os contatos com os “homens empreendedores, engenheiros civis, industriosos inteligentes, habituados às invenções e eles próprios inventores (...) homens preciosos que superabundam nos Estados Unidos”, como dizia o liberal Tavares Bastos,5 o governo abriu um escritório em Nova York, que começou a funcionar em 1866, sob a chefia de Quintino Bocaiúva. A maior parte dessas notícias e informações apontava a pro- O protestantismo tinha um papel importante, evidentemente civilizatório DREHER, M.N. Protestantismo de Imigração no Brasil. Idem, Ibidem Ibidem. MENDONÇA, A. G. O Celeste Porvir Porvir. São Paulo: Aste, 1995. TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do Solitário Solitário. São Paulo: Nacional, 1938. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 95 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ víncia de São Paulo como a região mais adequada. E, de fato, foi para cá que se dirigiu a atenção dos olheiros norte-americanos que viajaram para examinar as condições locais, recebendo do governo imperial auxílio financeiro, guias e garantias de livre trânsito. A iniciativa oficial e o movimento de propaganda boca a boca trouxeram cerca de 2.000 americanos, embora os que se fixaram fossem na sua maioria fazendeiros sulistas, que fugiam aos rigores da Guerra Civil e da Reconstrução dos fins da década de 1860. Esse interesse pelos Estados Unidos foi alimentado pelos próprios norte-americanos: ao longo do século XIX, eles fizeram circular aqui, com muita receptividade, uma abundante literatura em português sobre o seu país, a qual, de par com a exposição de produtos norte-americanos organizada na Corte, em 1855, por James Fletcher, adido cultural da legação norte-americana, agente da American Bible Society e colportor da Igreja Presbiteriana, ofereceu fatos e argumentos para reforçar os calorosos sentimentos nacionais de simpatia e apoio para com os protestantes americanos. Nesse quadro, não foi mera coincidência que, chegando ao Brasil desde 1859, missionários americanos presbiterianos e metodistas logo iniciassem seus trabalhos de evangelização em São Paulo. Certamente esperavam encontrar nela seus primeiros fiéis: não estavam ali os colonos alemães e suíços da região de Limeira, os imigrantes sulistas instalados na região de Santa Bárbara e Piracicaba, e os trabalhadores ingleses da estrada de ferro SantosJundiaí? Mas, seguramente, auguravam também encontrar o apoio político das lideranças liberais e republicanas que tanto os admiravam, e tinham uma im6 7 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ portante presença nas cidades mais ricas da província: Campinas, Piracicaba, Rio Claro, Araras, além da capital. Para a construção dessa geografia da penetração missionária, os critérios sócioculturais valeram tanto quanto os religiosos, pois esses missionários americanos se apresentavam como zelosos pregadores do Evangelho e do verdadeiro Cristianismo – não a doutrina da Reforma apenas, mas o protestantismo liberal, individualista e pragmatista do século XIX –, e, simultaneamente simultaneamente, como portadores do american way of life. Religião e ideologia não estavam separadas na mente dos missionários, e nem na dos liberais e republicanos “amigos do progresso” que lhes deram suporte. Assim, os pastores praticaram a controvérsia e a polêmica pela imprensa, distribuíram Bíblias e folhetos, fizeram proselitismo a viva voz nas pregações e conferências públicas e abriram colégios de ensino secundário para a população letrada e politizada dessas cidades, com o projeto de mudar não apenas a religião, mas todo o desenho da sociedade paulista. Aplicando o que disse o historiador Léonard, “deram ao Evangelho acompanhamentos humanos, visando a proteger e a facilitar sua tarefa”.6 Os pastores presbiterianos e metodistas acharam seus fiéis em outros estratos da população, como mostrou Mendonça, 7 mas as estratégias missionárias foram instituintes de mudanças em outras esferas da sociedade brasileira, a partir de inovações que introduziram ou reforçaram no campo da cultura escolar. Em Piracicaba, os metodistas instalaram simultaneamente, em setembro de 1881, sua terceira Igreja no país e um colégio para meninas. O empreendimento é exemplar para os propó- De fato, foi para cá que se dirigiu a atenção dos olheiros norte-americanos Os pastores presbiterianos e metodistas acharam seus fiéis em outros estratos da população Cit. in Barbanti, p. 112. O Celeste Porvir Porvir, cit. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 96 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sitos desta apresentação. De um lado, porque “a porta aberta e o chamado” para o trabalho, como descreveu o pastor Ramson, veio dos irmãos Manuel e Prudente de Morais Barros, chefes republicanos da região, membros da loja maçônica local e advogados dos confederados de Santa Bárbara, os quais encaminharam os primeiros alunos do colégio, inclusive seus filhos. Em discurso posterior, Prudente demonstraria clara percepção e total adesão aos objetivos dos missionários, ao dizer que o educador americano tinha por móvel a propaganda religiosa, mas não via o mal que daí pudesse resultar, pois “a doutrina que ensinam é a mesma que tem contribuído nos tempos modernos para o progresso da civilização de que hoje gozamos”.8 De outra parte, porque o próprio trabalho religioso dos pastores foi lançado no solo da cultura americana, já que em 1879, Annie e Mary Newman, do grupo de sulistas de Santa Bárbara, abriram em Piracicaba uma pequena escola para preparar a vinda deles, na expectativa de que o contato com a cultura americana nela praticada levasse à aceitação da doutrina metodista. Finalmente, porque o colégio que os missionários abriram em setembro de 1881, reestruturando a escolinha das misses Newman, apresentou-se sob todos títulos como um produto da pedagogia moderna moderna, adequada aos novos tempos que a sociedade brasileira atravessava. Diferentemente das habituais escolas domésticas do tipo pensionato – empreendimentos familiares que tinham por alvo a guarda, proteção e socialização das meninas para os espaços privados e as funções domésticas do sexo –, o “Piracicabano” era dirigido por uma educadora, miss Martha Watts, 8 9 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ uma mulher sem marido, e voltado para a educação e a instrução, de maneira a permitir às alunas, segundo a ideologia liberal, “a completa evolução de seus poderes pessoais” a partir de um currículo integrado de estudos humanísticos, literários e científicos. Oferecia uma nova organização do espaço e do tempo escolares, com cursos seriados, distribuídos em 8 anos letivos, precedidos de matrícula e encerrados com exames públicos. As alunas eram agrupadas em classes, segundo as idades e o estágio dos estudos, em contraste com as demais escolas da cidade, que reuniam em salas únicas, meninas de 4 aos 16 anos. Ao invés de bancos, carteiras duplas, de modelo e procedência americana. Ao lado dos trabalhos de agulha, aulas de ginástica sueca. No lugar da memorização, o método intuitivo e concreto, que pressupunha lições curtas e graduadas e a observação de objetos reais ou representações figuradas nas aulas de “lições de coisas”. Para tanto, os professores tinham à disposição uma completa utensilagem que incluía campainhas elétricas, quadros-negros, mapas, cartazes, microscópios e toda a aparelhagem dos laboratórios de ciências exatas, físicas e naturais. Pondo em circulação estes saberes escolares, o “Piracicabano” distanciavase até dos mais famosos colégios masculinos da província, os quais, embora convocados a fazê-lo pela pregação dos intelectuais progressistas, não ousavam oferecer ainda estudos regulares de física, química, botânica, zoologia e mineralogia, por falta de interessados.9 No colégio de Piracicaba, no entanto, eles eram ministrados às meninas com o auxílio da demonstração de espécimes de uma coleção que Marie Rennotte, a professora dos cursos de ciências e língua fran- A doutrina que ensinam é a mesma que tem contribuído para o progresso da civilização O “Piracicabano” distanciava-se até dos mais famosos colégios masculinos da província Discurso de 1901, cit. in Barbanti, pp. 112-3. Cf. HILSDORF, M.L.S. Francisco Rangel Pestana Pestana: jornalista, político, educador. São Paulo: Feusp, 1986. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 97 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 11 12 13 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ canos de confissão protestante como um dos “lugares da modernidade”. Miss Watts e Mademoiselle Rennotte aparecem assim, como figuras emblemáticas da estratégia cultural desenvolvida pelo protestantismo de missão norte-americano para modernizar a sociedade brasileira a partir da cultura escolar. Mas há outras missionárias – além das próprias educandas dos colégios – que precisam ser resgatadas do anonimato mediante trabalhos de investigação histórica. O exame do caso do “Piracicabano” já indicia muitas pistas para a relevância da questão: a sociedade brasileira da época sabia muito bem com o que e com quem estava lidando quando a imprensa da capital reproduziu o sermão da Semana Santa de 1883, pronunciado pelo pároco de Piracicaba, no qual chamava os protestantes de “lobos vestidos de ovelhas” e de “judas às moças donzelas, por fora cheias de fitas e elegâncias, por dentro cheias de corrupção como um bem pintado túmulo de um cadáver podre, a recitar algumas frases de francês e a passear em uma sala de baile com o vestido erguido por diante”.13 cesa, organizara com o auxílio da população local.10 Manejando o instrumental da física e da química, ela participava também de conferências científicas noturnas, abertas ao público da cidade, homens e mulheres que buscassem se colocar no patamar do século.11 O interessante é que Marie Rennotte não era missionária, mas foi particularmente associada às representações de liberdade, progresso e inovação que acompanhavam os protestantes americanos à época, pois, além de professora e cientista, era escritora e polemista, não hesitando em difundir em artigos da imprensa local e da capital 12 a sua visão crítica da educação feminina da época, atacando abertamente a educação ministrada pela Igreja Católica e a mentalidade patriarcal que condenavam as mulheres de classe média a uma semi-obscuridade. Martha Watts era a fundadora do “Piracicabano”, a administradora eficiente, mas Mademoiselle Rennotte era o seu pensamento, a sua voz, e tornou-se portadora dos valores que, na sociedade brasileira da década de 1880, identificavam os colégios ameri10 ○ Gazeta de Piracicaba Piracicaba, 14.1.1883. Gazeta de Piracicaba Piracicaba, 5.9.1884. Gazeta de Piracicaba Piracicaba, 14, 21 e 28.1, 16. 3 e 31. 10. 1883. A Província de São Paulo, 28.3.1883. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências bibliográficas BARBANTI, M. L. S. Hilsdorf. Escolas Americanas de Confissão Protestante na Província de São Paulo: origens. São Paulo: FEUSP, 1977. um estudo de suas origens HILSDORF, M. L. S. Francisco Rangel Pestana Pestana: jornalista, político e educador. São Paulo: FEUSP, 1986. MENDONÇA, A. G. Protestantes na Diáspora. Dreher, M.N. Imigrações e História da Igreja no Brasil Brasil. Aparecida: Santuário, 1993. DREHER, M. N. Protestantismo de Imigração no Brasil. Imigrações e História da Igreja no Brasil Brasil. Aparecida: Santuário, 1993. ______________. O Celeste Porvir Porvir. São Paulo: Aste, 1995. TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do Solitário Solitário. São Paulo: Nacional, 1938. A Província de S. Paulo Paulo, 28.3.1883. Gazeta de Piracicaba Piracicaba, 14, 21 e 28.1, 16.3 e 31.10.1883, 5.9.1884. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 98 ○ ○ ○ Ano 11 - n0 20 - junho / 2002