UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Marcelo Razera
Rogério Dedonatti
OS DIFERENTES SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO
CONSUMO DE DROGAS ATRAVÉS DOS TEMPOS
Chapecó- SC, 2010
MARCELO RAZERA
ROGÉRIO DEDONATTI
OS DIFERENTES SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO
CONSUMO DE DROGAS ATRAVÉS DOS TEMPOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Curso de Graduação em Psicologia, Área de
Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade
Comunitária
Regional
de
Chapecó
(UNOCHAPECÓ), como requisito para obtenção
de grau de Psicólogo.
Orientador: Me. Celso Francisco Tondin
Chapecó-SC, nov. 2010
Quando alguém desenvolve uma pesquisa voltada
ao tema drogas: “Geralmente se relaciona, de maneira
estereotipada, ao objeto de estudo, ao próprio
pesquisador ou, no mínimo, aos seus desejos políticos.
Dessa forma, muitos desconfiam do distanciamento
do pesquisador ou de suas motivações teóricas,
taxando os esforços de pesquisa na área como
uma mera militância política em busca
de legitimidade científica e intelectual.
Pior do que isso, numa perversa operação
que minimiza o que de fato deve ser motivo de
discussão científica – o texto, sua argumentação
e validação empírica – se atenta às características
pessoais daquele que o produziu.
Tal como ocorre em campos de estudo
sobre raça e sexualidade, nos quais muitas
vezes negros (no caso do Brasil) são os que estudam
discriminação racial e os homossexuais aqueles
que se interessam pelo estudo da homossexualidade,
seriam consumidores de “drogas” aqueles que se
preocupariam com o estudo dessa temática.
Seja qual for a ligação entre o objeto de estudo
e o pesquisador, assumir posicionamentos políticos
parece ser, desde que não acarrete no comprometimento
da objetividade dos trabalhos, não apenas inevitável,
mas desejável. O pressuposto da neutralidade científica
já foi há muito superado e achamos, sim,
que a experiência acumulada em pesquisas acadêmicas
deve influenciar o debate, enriquecendo-o.”
Beatriz Caiuby Labate
MARCELO RAZERA
ROGÉRIO DEDONATTI
“Os diferentes significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos”.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Área
de Ciências Humanas e Jurídicas da UNOCHAPECÓ, como requisito à obtenção do título de
Psicólogo, aprovado com conceito [ ].
___________________________________________
Me. Celso Francisco Tondin - Professor Orientador
___________________________________________
Iselda Pereira – Membro da Banca Examinadora
___________________________________________
Dra. Luciana Suarez Grzybowski - Membro da Banca Examinadora
Chapecó (SC), 08 de novembro de 2010
Agradecimentos
As seguintes palavras expressam minha gratidão
aqueles personagens nos quais edifiquei o êxito
de minha formação pessoal e profissional.
Mas, não vou me deter a citar os nomes,
pois em alguns momentos é desnecessário dar
nome as coisas, pessoas ou sentimentos que contribuíram
no nosso crescimento, além do mais, a imagem destes
será para sempre carregada em minha memória. Enfim...
Primeiro quero dizer, OBRIGADO, obrigado universo pela oportunidade!
É importante ainda dizer um OBRIGADISSIMO
A minha família e amigos pelo apoio financeiro.
Obrigado também ao orientador Celso Todin.
E quanto a mim, agradeço a mim mesmo,
Por acreditar fielmente que:
“Não a nada que não se possa vir a ser no tempo certo”
MARCELO RAZERA
Agradeço a mim mesmo, principal, mas não único responsável
pelo aperfeiçoamento de minha vida, essa complexa obra que teve
início no dia vinte de fevereiro de mil novecentos e oitenta e dois, e
que certamente nunca estará completamente finalizada.
Agradeço também a minha família, em especial meus pais,
por acreditar em mim quando em alguns momentos
eu mesmo tive dúvidas.
Ao orientador Celso Francisco Tondin pelas orientações,
esclarecimentos e direcionamentos prestados em nossa pesquisa.
E em algo “maior”, que aqui irei denominar DEUS, por se
revelar somente nos momentos certos.
ROGÉRIO DEDONATTI
Pela memória de Adilson Dias de Amorim
RESUMO
Este trabalho trata do tema drogas numa abordagem histórica, trazendo a tona os diferentes
significados atribuídos ao uso das drogas no decorrer da história da humanidade. Para nortear
o estudo configurou-se como objetivo geral: compreender os diferentes significados
atribuídos ao uso/consumo de drogas através dos tempos. Como desdobramento delineou-se
os seguintes objetivos específicos: verificar a produção científica sobre uso/consumo de
drogas em diferentes épocas históricas; identificar e analisar alguns discursos historicamente
construídos sobre o uso/consumo de drogas; conhecer os discursos sobre o uso/consumo das
drogas cocaína e LSD. Para a efetivação desta investigação optou-se pela pesquisa qualitativa,
enfatizando elementos da Psicologia sócio-histórica. Como estratégia utilizou-se a pesquisa
bibliográfica, remetendo à seleção do material utilizado, estabelecendo como critério para a
escolha os aspectos históricos associados ao consumo de drogas. Num segundo momento,
dividiu-se didaticamente a análise deste material em três categorias, que foram denominadas
de discursos sobre o consumo de drogas, assim, contemplou-se o discurso antropológico sobre
o uso de drogas; discurso político e moral e por fim, o discurso sobre o consumo de drogas
para fins terapêuticos. Dentre os resultados obtidos no processo de análise dos discursos,
observou-se que as drogas assumiram distintos significados sociais no decorrer da história.
Palavras-chave: drogas, significados, cocaína, LSD, Psicologia sócio-histórica.
ABSTRACT
This work deals with the theme of drugs in a historical approach, bringing out the different
meanings attributed to the use of drugs in the course of human history. To guide the study is a
main aim: to know the different meanings attributed to drug use over time, noting the
significance of its use in every historical period and its relation to social changes from the
Antiquity to the present days. As outcome the following specific objectives were outlined:
understand the different meanings attributed to the use/consumption of drugs through the
ages. An outcome was outlined the following specific objectives: to assess the scientific
literature on use/consumption of drugs in different historical periods, identify and analyze
some historically constructed discourses about the use/consumption of drugs; know
discourses about the use/consumption of drugs cocaine and LSD. To realize this investigation
the qualitative research was chosen, emphasizing elements of the socio-historical Psychology.
As strategy it was used the literature research, referring to the material selection, using as
criteria for choosing the historical aspects associated to drug use. Secondly, the analysis of
this material was didactically divided into three categories who were called discourses on
drugs use, as well, it was looked at the anthropological discourse on drug abuse; political and
moral discourse and ultimately, the discourse on the drug use for therapeutic purposes. Among
the results obtained in the process of discourse analysis, it was found that the drugs have
taken different social meanings throughout history
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 12
METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................................................... 12
1.1 Metodologia qualitativa de pesquisa ............................................................................... 12
1.2 Procedimentos metodológicos ............................................................................................ 13
1.3 Análise de Discurso ............................................................................................................ 15
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 18
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................... 18
2.1 Psicologia Sócio-Histórica ................................................................................................. 18
2.2 Significados e sentidos na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica ............................... 20
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 25
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS.............................................................. 25
3.1 Apresentação dos estudos analisados ................................................................................. 25
3.1.1 Artigos ............................................................................................................................. 25
3.1.2 Capítulos de livros ........................................................................................................... 28
3.2 Análise do discurso antropológico sobre o uso de drogas nos primórdios da humanidade 31
3.2.1 Os significados sociais atribuídos ao uso da Coca na História ....................................... 33
3.3 Análise do discurso político e moral sobre o consumo de drogas ...................................... 35
3.4 O uso de drogas para fins terapêuticos ............................................................................... 38
3.4.1 O uso medicinal do LSD ................................................................................................. 41
3.4.2 O consumo da “droga” LSD ............................................................................................ 43
3.4.3 O uso de cocaína para fins terapêuticos........................................................................... 46
3.4.4 O episódio de Freud com a cocaína ................................................................................. 47
3.4.5 A Descoberta da Anestesia Local..................................................................................... 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 51
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 54
9
INTRODUÇÃO
“O ego procura as drogas para
agir com mais liberdade.”
S. Rado
O assunto das drogas é tão discutido nos dias atuais que inquirimo-nos se haveria algo
de novo ou interessante a ser dito. Acreditando que a resposta seja afirmativa, não serão os
efeitos das drogas no organismo e nem mesmo as conseqüências associadas ao seu uso, objeto
deste estudo. O objetivo desta pesquisa está voltado ao conhecimento dos diferentes
significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos. Seguindo tal lógica, a
pesquisa vai mostrar que o uso/consumo de substâncias psicoativas popularmente conhecidas
como “drogas” é um fenômeno que está presente na humanidade através dos tempos.
Por conta disso, a compreensão dos tantos campos de significação do termo “drogas”
traz consigo muitas controvérsias que, por sua vez, demandam uma abordagem
multidisciplinar capaz de abranger os discursos históricos, políticos, científicos, econômicos,
sociais e morais. Acreditando na coerência desta lógica, pode-se concordar com Labate et al.
(2008) que esse fenômeno contempla múltiplas redes de significações históricas e culturais.
Portanto, classificar as “drogas” como boas ou más não parece ser o caminho mais assertivo,
tendo em vista que para o bem ou para o mal as “drogas” são e estão na cultura, e assim
sendo, não podem ser entendidas fora dela. Mas,
Por onde começar? Por onde começar, então? Pelo vinho, pela cerveja ou por outras
bebidas alcoólicas fermentadas? Pelos cogumelos alucinógenos? Pela maconha?
Pelo ópio? Mas tudo isso nos levaria longe demais: se não à noite dos tempos, ao
neolítico, pelo menos. Além disso, porque essas substâncias e não outras? Decerto, o
quadro seria bem diferente se partíssemos do Viagra1, do Prozac2 ou do êxtase. No
entanto, é preciso começar. [...] Optou-se aqui por partir de um outro ponto que não
o das substâncias, vale dizer, por tomar como ponto de partida a controversa
etimologia do vocábulo droga. (ELIAS, 1994 apud VARGAS, 2008, p. 42).
1
Segundo o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (2003-2004), Viagra é um medicamento
indicado para o tratamento de disfunção erétil, que se entende como sendo a incapacidade de atingir ou manter
uma ereção suficiente para o desempenho sexual satisfatório.
2
De acordo com dicionário de especialidades farmacêuticas (2003-2004), o Prozac da mesma forma que
a fluoxetina é um antidepressivo de administração oral, indicadas para o tratamento de depressão, ansiedade,
bulimia, e transtorno obsessivo compulsivo (TOC).
10
Conforme destaca Labate et al. (2008), atualmente no sendo comum as pessoas
concebe o termo “drogas” como sinônimo de substâncias psicoativas proibidas por lei, tais
como: maconha3, crack4, LSD5, cocaína6, ecstasy7. Sendo que o consumo destas substâncias é
tratado como um grave problema de saúde pública e entendido socialmente como causa direta
da criminalidade e da violência urbana.
Partindo deste princípio que as drogas são hoje um problema de saúde pública, vê-se
que os transtornos decorrentes do abuso de drogas têm se apresentado como uma nova e
crescente demanda aos psicólogos que atuam nos Centros de Atendimento Psicossocial
(CAPSs) e centros de tratamento para dependentes químicos. Por essas razões a temática se
encaixa na linha de pesquisa Políticas Públicas do Grupo de Pesquisas Práticas Psicológicas
do Curso de Psicologia da Unochapecó, especialmente porque nessa discussão resgata-se as
primeiras políticas públicas, que tiveram caráter proibicionista, criadas mundialmente para
tratar o “problema das drogas” como estratégia de controle social.
Ampliando o que foi dito, objetivamente a pesquisa em questão se propõe a
contextualizar fatores socioculturais que possibilitaram o consumo em cada época, almejando
responder o seguinte problema de pesquisa: Quais os significados atribuídos ao consumo de
drogas em diferentes épocas? O objetivo geral: compreender os diferentes significados
atribuídos ao uso/consumo de drogas através dos tempos, com ênfase nas drogas cocaína e
LSD. Como objetivos específicos: verificar a produção científica sobre uso/consumo de
drogas em diferentes épocas históricas; identificar e analisar alguns discursos historicamente
construídos sobre o uso/consumo de drogas desde a Antiguidade (4000 a.C. – a 3500 a.C.) até
atualidade; conhecer os discursos sobre o uso/consumo das drogas coca;cocaína e LSD.
O desenvolvimento de um estudo que trata aspectos históricos associados ao
consumo de drogas tem como relevância o fato de que constata-se a existência de uma
grande escassez de estudos desta natureza, em contrapartida, depara-se com uma quantidade
3
“Planta derivada da cannabis sativa obtida da resina de sua floração e dos frutos situados na parte
superior. (SCHMIDT, 1976, p. 11).
4
Substância sólida cristalina, obtida pelo tratamento de um sal de cocaína, ou de pasta impura que o
contém, com bicarbonato de sódio. Esta droga tóxica e ilegal pode ser fumada, o que intensifica a ação do
princípio ativo, que é a cocaína. (FERREIRA,1999).
5
Substância alucinógena cujo nome científico deriva do d-dietilamida do ácido lisérgico. (SCHMIDT,
1976, p. 65).
6
Alcalóide cristalino, incolor, tóxico, encontrado nas folhas de coca. (FERREIRA, 1999, p. 492).
7
droga sintética, constituída principalmente de anfetaminas. (FERREIRA,1999).
11
significativa de pesquisas abordando o tema drogas de maneira descolada da perspectiva
histórica, dando maior ênfase à inter-relação entre drogadição e delinquência. Essa pesquisa
se difere desta lógica no sentido de que propõe a discutir o surgimento do “problema das
drogas” e sua evolução no decorrer da história das civilizações.
Para tal, será utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa, proposta por Fernando
Luis González Rey, que por sua vez, está embasado na Psicologia sócio-histórica de Vigotski.
Nessa perspectiva, segundo Aguiar (2000), fala-se de um homem entendido como um ser
mediado pelo social que não pode ser compreendido fora de suas relações históricas e sociais,
pois a teoria sócio-histórica parte do pressuposto que o homem constrói sua existência a partir
de uma ação sobre a realidade e por meio dessa ação resignifica o mundo, a sua realidade,
bem como suas próprias condições de existência. No que diz respeito aos procedimentos
metodológicos serão utilizadas como estratégia a pesquisa bibliográfica para abarcar os
aspectos históricos associados ao consumo de drogas.
Cumpre esclarecer que o trabalho a seguir está exposto e subdividido em três
capítulos. O capítulo inicial apresenta a metodologia de pesquisa e tem como objetivo
esclarecer aspectos importantes acerca do método empregado, assim como, os procedimentos
e critérios para a escolha desse material. O capítulo seguinte contempla a fundamentação
teórica do estudo que é embasada na teoria sócio-histórica de Vigotski. No terceiro e último
capítulo é realizado a apresentação dos dados e análise dos discursos onde são abordados em
um primeiro momento os resumos dos capítulos de livros e artigos utilizados e posteriormente
a análise dos três discursos abarcados na pesquisa, discurso antropológico sobre o uso de
drogas, discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos e discurso político e moral sobre
o consumo de drogas. Por fim, mas não menos importante as considerações finais
contemplando algumas impressões pessoais acerca do estudo realizado, além das constatações
que surgiram no decorrer do trabalho sob o enfoque da Psicologia sócio histórica de Vigotski
e suas relações com a compreensão sobre o uso de drogas na sociedade contemporânea.
Pretende-se também que essa pesquisa contribua no sentido de auxiliar as pessoas
para a percepção das transformações históricas e dos significados atribuídos ao uso de drogas
desde a Antiguidade até os dias atuais, favorecendo a expansão dos conhecimentos sobre o
“problema das drogas” além do senso comum, reconhecendo que este uso é uma prática
social que atravessou os tempos e foi construída histórica e culturalmente pelos homens.
12
CAPÍTULO I
METODOLOGIA DE PESQUISA
1.1 Metodologia qualitativa de pesquisa
A partir da decisão em pesquisar a produção de subjetividade associada ao uso de
drogas em diferentes épocas da história da humanidade, percebeu-se que a aplicação da
metodologia qualitativa traria importantes contribuições ao trabalho. Isso porque de acordo
com Rey (2002), a pesquisa qualitativa pode ser definida como um método alternativo
bastante adequado para o desenvolvimento de estudos oriundos das Ciências Sociais.
Para tanto, seguiu-se os moldes propostos pela pesquisa qualitativa de Rey,
modalidade esta que privilegia uma análise voltada à subjetividade produzida individual e
culturalmente. A partir desta lógica de compreensão entende-se que,
[...]“a complexidade da subjetividade permite que o homem seja capaz de gerar
permanentemente processos culturais que, bruscamente, modificam seu modo de
vida, o que por sua vez, leva à reconstrução da subjetividade, tanto social quanto
individual.” (REY, 2002, p. 37).
Tomando tal colocação como evidência de que a subjetividade não é algo imutável,
tem-se indícios de que os significados construídos em relação ao ato de consumir drogas
sofreram diferentes significações no decorrer da história. Com este entendimento foram
tratados os diferentes discursos sociais a respeito do uso/consumo de drogas utilizando como
ferramenta de trabalho os conceitos de “sentidos e significados” oriundos da Psicologia sóciohistórica de Vigotski. Assim, “[...] na pesquisa qualitativa proposta não existe coleta de dados
como tal: o curso da produção de informações é, simultaneamente, um processo de produção
de ideias em que toda a nova informação adquire sentido para a pesquisa” (REY, 2002, p. 97).
Freitas (2002) acrescenta que para a teoria de Vigotski produzir um conhecimento a
partir de uma pesquisa é necessário antes de tudo que se assuma uma perspectiva de
aprendizagem como um processo social, com uma relação entre os sujeitos, nesse sentido suas
posições passam a ter importantes consequências para a pesquisa. O pesquisador, portanto, faz
13
parte da própria pesquisa, a neutralidade passa a ser impossível e seu aprendizado inevitável.
Na pesquisa qualitativa com enfoque sócio-histórico não se investiga buscando resultados,
mas a compreensão de comportamentos. Assim um método reflete sempre a perspectiva que
se tem do assunto a ser estudado, de modo que: “[...] as questões formuladas para a pesquisa
não são estabelecidas a partir da operacionalização de variáveis, mas se orientam para a
compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico”
(FREITAS, 2002, p. 27).
[…] os fenômenos humanos são estudados em seu processo de transformação e
mudança, procurando compreender os eventos investigados procurando suas
possíveis relações, associando aspectos individuais e sociais, portanto, em seu
aspecto histórico. [...] Para tal é necessário ir à gênese da questão, procurando
reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento. (FREITAS, 2002, p.
27).
Trata-se, portanto nesse caso, de compreender o assunto das drogas não se limitando a
uma mera descrição dos fatos ocorridos, mas procurando entender como ocorreram e suas
possíveis relações com outros acontecimentos. Isso significa estudar as drogas recuando ao
passado para compreender sua trajetória, restrições e proibições. Levando em consideração
todos esses fatores associados aos aspectos individuais, sociais e culturais de cada época
específica, “[...] tudo isso dá um tom específico e diferenciador aos estudos qualitativos na
abordagem sócio-histórica, que não podem ser percebidos como um encontro de psiques
individuais, mas como uma relação de textos com o contexto.” (FREITAS, 2002, p. 30).
1.2 Procedimentos metodológicos
A tarefa de “solucionar” o problema de pesquisa que procede a investigar quais os
significados atribuídos ao consumo de drogas em diferentes períodos históricos mostra
claramente que a pesquisa está direcionada a abranger aspectos históricos, de modo que fica
evidente também a necessidade da utilização de um método de pesquisa capaz de obter dados
que já pertencem ao passado. Para tal, foi utilizada como estratégia a pesquisa bibliográfica
em livros, artigos científicos e periódicos.
14
De acordo com Gil (1987), a pesquisa bibliográfica é indispensável para o
desenvolvimento de estudos históricos, podendo ser definida como um conjunto ordenado de
procedimentos de busca por soluções. Entretanto, é necessário discernir que a pesquisa
bibliográfica é diferente da revisão bibliográfica. Conforme Lima e Mioto (2007) alertam, a
revisão de literatura é apenas um pré-requisito para a realização de qualquer modalidade de
pesquisa. Já a pesquisa bibliográfica é mais ampla, pois possui a delimitação dos critérios e
dos procedimentos metodológicos que definem o estudo como sendo bibliográfico.
Ao tratar da pesquisa bibliográfica, é importante destacar que ela é sempre realizada
para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que
subsidiam a análise futura dos dados obtidos. Portanto, difere da revisão
bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de dados contidos nas
fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do
significado neles existente. (LIMA; MIOTO, 2007, p. 8).
A seguir os passos formais sugeridos por Salvador (1981), para sistematização de uma
pesquisa bibliográfica. O primeiro passo foi desenvolver um levantamento da bibliografia
na base de dados do Scielo e Biblioteca da Universidade Comunitária Regional de Chapecó
utilizando as seguintes palavras-chave: drogas, álcool, drogas na história, substâncias
psicoativas, coca, cocaína, LSD, proibicionismo. A escolha destas palavras-chave se deu pelo
conhecimento prévio de que tais drogas assumiram diversos significados sociais no decorrer
da história. Contudo, na busca realizada na Biblioteca Universitária foi encontrado um
número reduzido de publicações tratando do assunto. Em contrapartida, a busca na base de
dados do Scielo trouxe uma amostra significativa. No entanto, ambas as buscas resultaram
num amontoado de publicações abrangendo diferentes abordagens voltadas ao tema drogas.
Na etapa seguinte realizou-se uma leitura exploratória do material obtido para
selecionar as publicações que pudessem contribuir na resolução do problema da pesquisa.
Essa primeira análise possibilitou ampliar a compreensão da dimensão histórica, política e
social do consumo de drogas através dos tempos. Num segundo momento, definiu-se como
critério selecionar para o estudo apenas as publicações que abordassem o tema “drogas”
contemplando aspectos históricos associados ao seu uso/consumo. Seguindo à risca tal
critério, foram analisados cinco artigos, oito capítulos de livros, (os títulos, autores e resumos
do material utilizado estão dispostos no item 3.1, que trata da apresentação dos dados e
análise dos discursos). Cabe ressaltar que utilizou-se mais dois livros não disponíveis na
15
Biblioteca Universitária,
o 8primeiro foi acrescentado por ser considerado uma fonte
primária. O 9segundo, foi acrescentado por ser um estudo financiado pelo Ministério da
Cultura do Brasil, que traz novas perspectivas sobre o tema drogas que enriqueceram a
discussão. Os outros dois artigos10 foram utilizados para suprir a falta de material didático
segundo o critério estabelecido. (SALVADOR, 1981).
Posteriormente, realizou-se uma leitura analítica deste material selecionado visando
apontar as ideias centrais, que logo foram esboçadas nos fichamentos. Na sequência
elaborou-se as categorias de análise que denomina-se de discursos sobre o consumo de drogas
no decorrer da história: o discurso antropológico sobre o uso de drogas; o discurso político e
moral sobre o consumo de drogas, e o discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos.
Avaliando o processo no geral, pode-se dizer que na pesquisa bibliográfica [...] “a leitura
apresenta-se como a principal técnica, pois é através dela que se pode identificar as
informações e os dados contidos no material selecionado, bem como verificar as relações
existentes entre eles de modo a analisar a sua consistência.” (LIMA;MIOTO, 2007, p. 5).
1.3 Análise de Discurso
Quais significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos? Conforme
mostram os três discursos contemplados, a relação entre homem e as drogas é de longa data,
identificou-se uma ampla diversidade de significados sociais que as drogas foram assumindo
ao longo dos tempos. Deste modo, para a discussão dos dados utilizamos a Análise de
Discurso. Segundo Caregnato e Mutti (2006), esta perspectiva teórica teve como principal
fundador Michel Pêcheux, que desenvolveu os princípios teóricos como base nos
conhecimentos oriundos da Psicanálise, Linguística e Marxismo. A Análise de Discurso
concebe a linguagem como mediadora da realidade social, esta mediação consiste no discurso,
que permite que o homem transforme a si e a realidade na qual vive. Portanto, a Análise de
8
HOFMANN, Albert. LSD - My Problem Child 1981 pela McGraw-Hill Publicado pela McGraw-Hill
Book Company.
9
LABATE, Beatriz C....(et al.) (orgs.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador, EDUFBA,
2008.
10
a) RIBEIRO, Cynara Teixeira. Uso de substâncias tóxicas: História, modalidades e efeitos na
subjetividade e nos laços sociais. Rev. Psicologia emFoco. Aracaju, Faculdade Pio Décimo, 2009, Vol. 3 (2) pp.
116-123.
b) CHASIN, Alice A. M.; LIMA, Irene V. Alguns aspectos históricos do uso da coca e da cocaína.
Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, vol.1, nº1, out, 2008.
16
Discurso problematiza a relação entre língua/sujeito/história, observando analiticamente como
o sujeito é afetado pela língua e pela história, deste modo: “[...] para se construir, para (se)
produzir sentidos ele (sujeito) é afetado por elas. Ele é assim determinado, pois se não sofrer
os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter a língua e a história ele não se
constitui, ele não fala, e não produz sentidos.” (ORLANDI, 2007, p. 49).
Orlandi (2007), destaca que a Análise de Discurso considera que a linguagem não é
transparente, assim ela tem por objetivo compreender a língua fazendo sentido, observando a
influência da ideologia na constituição do sujeito perante a história. “[...] É na língua que a
ideologia se materializa. Nas palavras dos sujeitos. Como dissemos, o discurso é o lugar do
trabalho da língua e da ideologia” (ORLANDI, 2007, p. 38). Ao passo que este sujeito é
atravessado pela linguagem e pela história, o discurso produzido pela sua fala terá sempre
uma relação com o contexto sócio-histórico, assim, quando nascemos os discursos já estão em
um processo que inevitavelmente nos afetaram pela língua e pela história. A ideologia, por sua
vez, apresenta-se como condição para nossa constituição enquanto sujeitos, dando base para a
produção de sentidos. Logo, “[...] o que é dito em outro lugar também significa nas nossas
palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o que
sabe que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se
constituem nele” (ORLANDI, 2007, p. 27).
Partindo dos pressupostos referenciados, pode-se dizer que a Análise de Discurso não
está interessada no texto em si, apenas busca por meio deste apreender os sentidos contidos
nos discursos. E assim compreende que: “[...] O sentido é história. O sujeito do discurso se
faz (se significa) na/pela história” (ORLANDI, 2007, p. 95). Análise de Discurso é totalmente
voltada para o social e pelo histórico. Desta maneira entende-se que a Análise de Discurso não
irá descobrir nada novo, pois segue a proposta de fazer uma nova interpretação, uma espécie
de releitura de um determinado discurso, apontando sentidos ainda possivelmente ocultos.
(CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Com este olhar analítico enfatiza-se as determinações históricas dos processos de
significação, contemplando o contexto, as condições de produção, as circunstâncias, bem
como o modo de funcionamento dos discursos elencados para a análise. Vale salientar que
neste processo, o analista é um intérprete enquanto desenvolve sua leitura discursiva. Esta
interpretação dada pelo mesmo, não deixa de ser “[...] influenciada pelo seu afeto, sua
17
posição, suas crenças, suas experiências e vivências, portanto, a interpretação nunca será
absoluta e única, pois também produzirá seu sentido” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 682).
Orlandi (2007), concluí que na Análise de Discurso todo “material bruto coletado” já
recebe um tratamento analítico superficial no qual o analista fornece pistas para a
compreensão do modo no qual o discurso se textualiza, assim, entende-se que a análise inicia
ainda na organização do corpus da pesquisa. Deste modo, tal interpretação é sempre passiva a
equívocos, pois em algumas ocasiões os sentidos não são tão evidentes como aparentam ser.
Portanto, “[...] a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos nem os sentidos,
logo, nem o discurso, já estão prontos ou acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo
um processo constante do simbólico e da história.” (ORLANDI, 2007, p. 37). Nesta
perspectiva discursiva, realizou-se a análise do discurso antropológico; discurso político e
moral e do discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos.
18
CAPÍTULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Psicologia Sócio-Histórica
Para dar sustentação teórica à pesquisa, necessário se faz apresentar alguns conceitos
acerca da teoria sócio-histórica, visando compreender o ser humano e suas transformações ao
longo da história. Para Aguiar (2000), a perspectiva sócio-histórica tem como pano de fundo o
materialismo histórico-dialético, isso significa dizer que parte do pressuposto de que o
homem é visto como um ser inerentemente social e, como tal, sempre ligado às condições
sociais. Falar da teoria sócio-histórica pressupõe falar de Lev Semionovitch Vigotski, criador
da mesma, sendo assim, cabe esclarecer que as colocações contidas neste capítulo partem de
seus escritos e de autores comentando sua obra.
Segundo Freitas (2002), a perspectiva sócio-histórica baseia-se na tentativa de superar
por assim dizer, a dicotomia existente no campo da Psicologia, onde ora privilegia a mente e
os aspectos internos do sujeito, ora comportamentos externos. Assim a Psicologia sóciohistórica busca construir o que Vigotski chama de uma nova Psicologia capaz de compreender
o homem em sua totalidade, corpo e mente, ser biológico e social, considerando
dialeticamente aspectos de uma mesma unidade, o ser humano. Trata-se nesse caso de adotar
uma visão de indivíduo concreto que não pode ser constituído fora de suas relações e vínculos
com o mundo externo. Fala-se de um homem que além de produto da evolução biológica é
também histórico, mutável e social.
Parte-se do pressuposto que o homem não possui uma natureza humana com
características universais, isto é, algo que nele é contido desde o nascimento e que emerge
durante a vida. Na teoria Vigotskiana parece ser mais adequado falar de uma condição
humana na medida em que o homem constrói sua existência a partir de suas ações sobre a
realidade. Dessa forma, o ser humano passa a desenvolver uma relação de apropriação,
19
objetivação e expressão entre sujeito/objeto o que vai caracterizar sua vida. Afirma-se assim,
“[...] que a natureza psicológica dos homens representa o agregado de relações sociais
internalizadas que se tornam, para o indivíduo, funções e formas de sua estrutura” (AGUIAR,
2000, p. 128).
Zanella (2005), por sua vez, afirma que para a teoria sócio-histórica a existência de um
eu só é possível pela relação social e, mesmo que singular, só é caracterizado como tal pela
interação permanente com o outro. Sendo assim, cada pessoa é um agregado de relações
sociais, porém, isso não significa dizer que o ser humano é um mero reflexo de seu meio
social. Cada pessoa altera aspectos de sua realidade a partir do que considera relevante,
constituindo assim modos de ser singular e social.
Para Vigotski é através da atividade humana que o ser humano transforma o
contexto social no qual se insere e nesse processo constitui a si mesmo como sujeito,
ou seja, constitui o seu psiquismo. A história do desenvolvimento da sociedade e de
cada pessoa, portanto, está diretamente relacionada às transformações da atividade
humana e dos motivos que a impulsionam. (ZANELLA, 2005, p. 101).
Aguiar (2000) acrescenta que nas atividades externas são construídas e reconstruídas
as atividades internas, o indivíduo passa a ser determinado pela forma como a sociedade se
organiza, algo que só é possível na vida social. Pode-se assegurar que para a Psicologia sóciohistórica o homem é um ser ativo, social e histórico, permitindo-lhe assim constituir formas
de pensar, sentir e agir de acordo com sua própria consciência. Desta maneira o homem
transforma a natureza e si mesmo na atividade dialética com o social. Trata-se, enfim, de
encarar o homem como mediador nesse processo, o ser humano vai se constituindo continuo e
progressivamente.
Zanella et al. (2007) postulam que a teoria sócio-histórica vem se solidificando no
cenário científico em pesquisas que abordam a constituição do sujeito, para tal, essa teoria não
apenas permite distinguir aspectos do passado no presente, mas também permite distinguir as
contribuições do próprio sujeito. De modo que os processos que o constituem na atualidade,
nada mais são do que movimentos dos sujeitos em uma determinada época.
Consequentemente as práticas que este desempenha no mundo, tanto são produtos de
assimilações passadas quanto de transformação de si mesmo.
20
Em um sentido mais amplo, Sirgado (2000) garante que todas as nossas relações
sociais e culturais são determinadas pelo modo de produção da sociedade que, por sua vez,
são determinados pelos homens. A maneira como essa produção social se caracteriza traduz a
maneira como a sociedade se configura. Assim, pode-se pensar que os acontecimentos que
ocorrem no plano pessoal nada mais são do reflexo do contexto social. Para que essa
conversão do social para o pessoal e do pessoal para o social ocorra é necessário que haja um
mediador, a significação tem esse papel, o que permite a constante produção de sentidos. Este
é um processo de mediação onde aspectos internos e externos se integram na constituição de
novos sentidos e significados.
2.2 Significados e sentidos na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica
Entende-se que antes mesmo de começar apresentar os referidos discursos, é essencial
compreender o que são os “sentidos e significados”. Segundo Aguiar e Ozella (2006), existem
categorias de significados e sentidos, que apesar de serem diferentes, se constituem
mutuamente e não podem ser singularizadas, nem compreendidas em uma relação dicotômica,
descoladas uma da outra, pois uma não existe sem a outra, no entanto, assim como o autor,
optou-se em abordá-las separadamente.
Para uma melhor compreensão deste assunto se faz necessário buscar elementos na
teoria de Vigotski, que diz que o homem transforma a natureza e a si mesmo na atividade,
portanto, toda produção cultural, social e pessoal tem como elemento constitutivo os
significados.
Durante muito tempo acreditou-se que o significado das palavras não passava de uma
mera associação entre o som da palavra e o seu conteúdo, deste modo, varias teorias tratavam
o pensamento e a linguagem isolados um do outro, considerando-os processos independentes.
Como se não bastasse, acreditava-se que o significado seria estático e imutável, ou seja, uma
vez estabelecido o significado de uma palavra nunca mais haveria quaisquer alterações. Em
contraposição a esta mentalidade, a teoria Vigotskiana enfatiza que o significado é um
complexo processo de formulação e reformulação, do pensamento para a palavra e da palavra
para o pensamento. “[...] O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por
meio delas que ele passa a existir” (VIGOTSKI, 1998, p. 156-157). Cada pensamento tende a
21
relacionar alguma coisa com outra, estabelecendo assim associações, portanto, é no
significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. Sendo
assim, é no significado que podemos encontrar as respostas as nossas questões sobre a relação
entre o pensamento e a linguagem. (VIGOTSKI, 1998).
Mas afinal, como classificar esse fenômeno, como sendo do pensamento ou da
linguagem? Vigotski (1998) esclarece que o significado de uma palavra representa uma
junção tão estreita entre pensamento e linguagem que fica difícil definir se é um fenômeno da
fala ou do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio que não mais faz parte
da fala humana, sendo assim, o significado passa a ser critério indispensável para a palavra.
Do ponto de vista da Psicologia, o significado das palavras é uma generalização ou um
conceito, atos de pensamento. No entanto, é possível considerá-lo pertencente a duas esferas
diferentes. O Pensamento ganha corpo por meio da fala, e a fala está ligada ao pensamento. O
significado é um ato do pensamento, mas ao mesmo tempo, também é parte inseparável da
palavra, dessa forma, pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do
pensamento. Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é
nele que encontra-se o pensamento verbal.
Nesta perspectiva, Vigotski (1998) garante que a atividade humana é sempre
significada: o homem, no agir humano, tanto no pensamento quanto na fala opera com os
significados, ou seja, o que ele internaliza não é o gesto como materialidade do movimento,
mas a sua significação, que tem o poder de transformar o natural em cultural. Contudo, é
importante aludir que o fenômeno da produção de significados ocorre porque o homem é
dotado da capacidade de internalizar os signos. Estes são “[...] instrumentos que reorganizam
a operação psíquica na medida em que possibilitam a regulação da própria conduta. Permitem,
assim, a inserção do homem na ordem da cultura e o estabelecimento de relações
qualitativamente diferenciadas com a realidade” (ZANELLA, 2005, p. 101). Este processo
psicológico permite estabelecer uma linguagem capaz de fazer associações para a
comunicação com o mundo externo, conosco mesmo e com nossa própria consciência.
[...] Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. São eles que
permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. [...] Os significados
referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são
apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades.
(AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 226).
22
Assim sendo, fala-se de um homem constituído numa relação dialética com o social e
com a história, sendo singular e subjetivo. Dessa forma, indivíduo e sociedade mantêm uma
relação onde um constitui o outro, ou seja, ao mesmo tempo em que o homem expressa a sua
singularidade, também é capaz de produzir os significados sociais, bem como, os sentidos
subjetivos. Este processo de produção tanto social como pessoal tem como elemento essencial
os significados. Deste modo, a atividade humana é sempre significada: o homem, no atuar
humano, realiza atividades externas e internas, e em ambas as situações opera com os
significados. (AGUIAR;OZELLA, 2006).
Nessa perspectiva de compreensão do sujeito, os significados consistem no ponto de
partida entre o pensamento e a linguagem. Sabe-se que estes significados contêm muito mais
coisas do que aparentam ter, e por meio de uma análise e interpretação apurada pode-se
chegar ao que o autor chama de zonas mais profundas, ou seja, os sentidos. “[...] Afirma-se,
assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a
articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma realidade.” (AGUIAR;
OZELLA, 2006, p. 226-227).
O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta
em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida,
complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma
dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e,
ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. (VIGOTSKI, 2001 apud
BARROS et al., 2009, p. 179).
Dando continuidade ao raciocínio, Barros et al. (2009) acrescentam que o sentido,
assim como os signos, não se encontram nem na mente nem na natureza, muito menos em
instâncias transcendentais. Os sentidos seriam, portanto, um sistema dinâmico e integrado
construídos nas práticas sociais, por meio da dialética entre os processos psicológicos e as
experiências do sujeito no convívio com o outro. Nessa perspectiva, a produção de sentidos
estaria associada às dimensões cognitivas e afetivas, bem como, aos processos coletivos e
individuais. Decorrente disso, a composição dos sentidos passa a ser entendida como forma
singularizada, porém socialmente construída no coletivo.
Nesse mesmo viés, Rey (2004) menciona que a produção individual de sentido, tem
sua origem no encontro do sujeito com a experiência social. O sentido faz com que
compreenda-se o social não como algo externo em relação ao indivíduo, mas como mediador
23
das produções desse sujeito. Nessa perspectiva, é possível ultrapassar as dicotomias
consciente e inconsciente, individual e social, afetivo e cognitivo, interno e externo e assim
por diante.
Smolka (apud BARROS, 2009), aponta que os sentidos podem ser vários e capazes de
serem
produzidos
em
múltiplas
sensibilidades,
sensações,
emoções,
sentimentos,
experiências, posições, decisões. Vale ressaltar, que esses sentidos vão ser produzidos a partir
de diversos sentidos já instituídos. Estes sentidos não são determinados de forma aleatória,
mas através de uma lógica de produção de outros sentidos já estabelecidos. Nesse raciocínio,
não há sentidos pré-definidos, todos são determinados nos processos de significação
individual de cada sujeito. “[...] Nenhuma experiência nova do sujeito adquire sentido pelo
que ela significa de forma „objetiva‟. Toda nova experiência adquire sentido dentro do
processo de subjetivação que caracteriza o desenvolvimento da personalidade.” (REY, 2002,
p. 44).
Rey (2004) comentando a obra de Vigotski ainda postula que os sentidos também estão
inseridos nas palavras, no fluxo do falar. Entretanto, situá-lo na fala não significa situá-lo no
significado da palavra, mas sim como um agregado de todos os fatos psicológicos que surgem
em nossa consciência com o resultado da palavra. Assim o sentido aparece como uma fonte
essencial do processo de subjetivação e é ele quem determina o que o sujeito sente diante da
expressão da palavra. Nessa perspectiva, o sentido é o elemento central de integração entre a
psique historicamente configurada na experiência atual do sujeito.
A análise da relação do sentido com a palavra mostrou que o sentido de uma palavra
nunca é completo, é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos
existentes na consciência. [...] o sentido da palavra é inesgotável porque é
contextualizado em relação à obra do autor, mas também na compreensão do mundo e
no conjunto da estrutura interior do indivíduo. (NAMURA, 2003 apud AGUIAR;
OZELLA, 2006, p. 227).
Do mesmo modo, para Rey (2004), os sentidos sempre estão associados ao sujeito, nas
conseqüências de suas ações e relações nos diferentes espaços sociais em que se faz presente.
O cenário de produção desse sentido é constituído na personalidade e em seu caráter
particular, no entanto, nenhum evento adquire sentido isoladamente. A produção de sentidos
não é linearmente definida nem do ponto de vista biológico nem do social, nem por entidades
mentais como os traços de personalidade. Os sentidos se constroem sobre bases muito
24
variadas, por essa razão sua produção é tão dinâmica e oculta. Assim, esses sentidos serão
responsáveis pelas diferentes trajetórias de vida experienciadas por cada sujeito.
25
CAPÍTULO III
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
3.1 Apresentação dos estudos analisados
Neste capítulo serão apresentados os resumos das publicações selecionadas para a
investigação que tratam dos aspectos históricos do consumo coca/cocaína e LSD. Após a
apresentação dos dados, será desenvolvida a análise do discurso antropológico sobre o
consumo de drogas; o discurso político e moral sobre o consumo de drogas, e por fim, o
discurso sobre o consumo de drogas para fins terapêuticos.
3.1.1 Artigos
CHASIN, Alice A. M. & LIMA, Irene V. Alguns aspectos históricos do uso da coca e da
cocaína. Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, n.1,
vol.1, Out. 2008.
Este periódico aborda alguns aspectos teóricos das transformações ocorridas com a
coca e posteriormente com a cocaína ao longo dos anos. Essa linha do tempo traz algumas
lendas dos povos andinos acerca da origem da coca. Posteriormente, com a chegada dos
colonizadores espanhóis, as atribuições divinas ao arbusto vão sendo esquecidas. Assim, as
folhas de coca são transformadas em cocaína e passam assumir um caráter de medicinal.
Surgem nesse contexto nomes conhecidos como Sigmund Freud, pai da psicanálise e Karl
Koller, descobridor da anestesia local, ambos com uma relação profissional e pessoal muito
próxima com a substância. Em seguida o autor enfatiza que surgem as políticas
proibicionistas devido ao grande aumento no consumo de cocaína, com a mudança do status
legal o preço da cocaína torna-se elevado e passa a ser consumida somente por uma minoria.
26
FERREIRA, Pedro Eugênio M & MARTINI, Rodrigo K. Cocaína: lendas, história e abuso.
Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, n.2, vol.23, p. 96-99, 2001.
O artigo refere-se ao assunto da cocaína como um dos problemas sociais da civilização
ocidental, bem como, seu abuso e as consequências deste abuso para os órgãos de saúde
pública. O trabalho traz também, aspectos históricos de seu consumo à cerca de 4500 anos
atrás por índios Sul Americanos. Com as transformações ocorridas ao longo dos séculos a
cocaína passa a ser semi-refinada em seu próprio país de origem como pasta base, barateando
os custos de produção e proporcionando uma queda significativa nos preços, levando ao uso
crescente e abusivo da cocaína. Com a ascendência dessa substância, a indústria passou a ver
o quanto a cocaína poderia ser lucrativa para o mercado. Dessa forma, houve uma rápida
explosão de fábricas de medicações utilizando a cocaína em diversos produtos. “[...]
Operando na ausência de leis ou regulamentos que limitassem a venda ou o consumo, a
cocaína tornou-se presente em farmácias, mercearias e bares” (FERREIRA;MARTINI,
2001,p. 98).
REIS JR, Almiro dos. Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Köller (1857-1944) e a descoberta
da anestesia local. Revista Brasileira. Anestesiol. São Paulo, n.2, vol.59, p. 244-257, 2009.
O texto elucida as pesquisas realizadas por Sigmund Freud sobre os efeitos
fisiológicos da cocaína em seres humanos, apresenta também a euforia de Freud diante de um
poderoso alcalóide, o qual acreditava ser o “remédio mágico”. No entanto, após a morte de
seu amigo Ernest Fleischl-Marxow, viciado em morfina e cocaína, a última receitada pelo
próprio Freud, surgem as primeiras críticas da sociedade local frente aos pesquisadores e
usuários da cocaína. Nessa mesma época, por volta de 1884, ocorre uma extraordinária
descoberta no campo da medicina. Karl Koller, jovem oftalmologista, descobre a anestesia
local utilizando cocaína. Diante do feito pioneiro, Koller relata todos os passos realizados por
ele na primeira intervenção cirúrgica oftalmológica sob anestesia local. E, por fim, o texto traz
as numerosas homenagens recebidas por Koller em várias partes do mundo.
27
GURFINKEL, Decio. O episódio de Freud com a cocaína: o médico e o monstro. Revista
Latino americana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo, n.3, vol.11, p.420-436,
2008.
O presente artigo aborda as ambições profissionais e pessoais de um jovem médico
chamado Sigmund Freud que almejava a possibilidade de realizar uma grande descoberta no
campo da Medicina, mais precisamente em sua própria área, a Psiquiatria. Após algumas
tentativas frustradas deparou-se com um alcalóide quase desconhecido que poderia ser a tal
“descoberta” que tanto sonhara. Posteriormente a uma série de experimentos em amigos,
colegas e parentes, Freud publica em 1884 sua primeira monografia sobre o assunto intitulado
“Sobre a Coca”. Trata-se de um minucioso estudo sobre a droga, bem como, seus efeitos e
possíveis usos terapêuticos. O mesmo Freud, após se dar conta dos equívocos cometidos,
publicaria anos mais tarde, em 1892, uma continuação de “Sobre a Coca”, modificando em
partes seu ponto de vista. No entanto, Freud passa argumentar não contra a droga em si, mas
como uma predisposição adictiva já instalada no próprio sujeito que se droga.
RIBEIRO, Cynara Teixeira. Uso de substâncias tóxicas: História, modalidades e efeitos na
subjetividade e nos laços sociais. Revista Psicologia em Foco. Aracaju, Faculdade Pio
Décimo, Vol. 3 (2), p. 116-123, 2009
A autora demonstra que o uso das mais diferentes substâncias acompanha a trajetória
das civilizações e tribos mais antigas até as sociedades mais recentes. Embora cada grupo
possuísse seu ritual distinto, o caráter religioso era algo que se assemelhava, desse modo, a
substância servia como elo entre o humano e o divino. O estudo nos mostra também, a relação
estreita existente entre remédio e veneno para a civilização grega, o mesmo termo,
phármakon, era denominação utilizada para ambos os casos, o que distinguiria remédio e
veneno seria a dose. Já com a chegada da Idade Moderna as drogas passam a assumir um
papel importante, pois a chegada do capitalismo trouxe consigo a valorização do consumo e
do lucro, assim as drogas passam a assumir um papel importante na economia. O texto
problematiza também a sociedade contemporânea e a busca por prazer imediato, o que vai ao
encontro do uso de drogas para alívio de tensões cotidianas.
28
3.1.2 Capítulos de livros
LABATE, Beatriz C. et al. (org.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA,
2008.
A autora traz em seu estudo que a problemática das “drogas” é historicamente recente.
Assim, pode-se dizer que a produção de conhecimento a esse respeito é ainda escasso e quase
sempre pautado em uma lógica negativa. A ciência, por sua vez, em especial as Ciências
Biomédicas, sempre assumiu papel contraditório, ora descobrindo, sintetizando e isolando
novas moléculas ora propagando seus malefícios. Frente a essa dualidade entre os saberes, é
criado o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Esse grupo é
financiado pelo Ministério da Cultura do Brasil, e é composto por pesquisadores,
colaboradores e correspondentes de diferentes saberes científicos. Esse espaço de reflexão
gerou dentre muitas divergências pontos em comum: “[...]Considera-se que boa parte daquilo
que se apresenta como o „problema das drogas‟ não é resultado das propriedades intrínsecas
das substâncias, mas sim da atual política proibicionista” (p. 25). Outro ponto em comum
entre os estudiosos do tema no que diz respeito à necessidade de respeitar os princípios éticos
da autonomia do indivíduo sobre o próprio corpo. Em outras palavras, o (NEIP) está
preocupado em analisar todas as implicações culturais associadas ao consumo das drogas,
operando com certo desprendimento dos pressupostos que sustentam o proibicionismo.
CARNEIRO, Henrique; AYALA, Enrique. Autonomia ou Heteronomia nos estados alterados
de consciência. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.). Drogas e Cultura: novas
perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.
O autor inicia a discussão abordando a dificuldade em se estabelecer um parâmetro de
classificação do que é ou não é droga, segundo ele, se classificamos drogas como substâncias
que produzem alterações psíquicas, então haveríamos de ampliar essa lista com muitas outras
substâncias consideradas lícitas. Para este autor, o critério para a classificação entre drogas
lícitas ou ilícitas está muito mais ligado a formas de controle e repressão dessa ou daquela
droga do que de fato uma categorização pautada na substância em si. Segundo Carneiro
(2008), a síntese da problemática das drogas refere-se à natureza da não autonomia do ser
humano em decidir sobre si próprio. O estudo traz também a problemática atual de alguns
29
fármacos que em quase nada se diferenciam de algumas drogas ilícitas a não ser a dosagem e
tempo de atuação de cada um no sistema nervoso central, problematizando que o mesmo
sistema que produz a doença fornece o remédio
RODRIGUES, Thiago. Tráfico, Guerra, Proibição. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.).
Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008.
Este capítulo aborda que, embora o uso de substâncias psicoativas seja
comprovadamente milenar, seu consumo tido como um “problema social” tem menos de um
século de existência. Isso porque os Estados Unidos em 1919 instituíram a primeira lei
proibicionista, conhecida como Lei Seca. Esta proibia todo e qualquer consumo, venda ou
armazenamento de álcool no território americano. Tal repressão teve como objetivo o controle
social, mas acabou por alimentar um mercado ilícito de álcool antes não existente. Sendo
assim, a Lei Seca é tratada pela maioria dos autores como um fracasso total. O estudo aponta
que, por volta da década de 30, a Lei Seca é revogada. Por fim, o autor questiona os motivos
de se manter uma guerra perdida, já que as políticas proibicionistas nunca surtiram o efeito
desejado.
VARGAS, Eduardo V. Fármacos e outro objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia
das drogas. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas.
Salvador: EDUFBA, 2008.
Nesta obra o autor destaca o termo droga em uma perspectiva diferente da que estamos
acostumados a tratar. Segundo Vargas (2008), corriqueiramente as drogas são atreladas em
nossa sociedade somente às substâncias cujo uso é objeto de controle ou de repressão por
parte do Estado, também chamadas de ilícitas. No entanto é esquecido de se incluir nessas
listas as chamadas drogas farmacêuticas que desde o início do século XX vem tendo um
crescimento ininterrupto, também chamado de invasão ou explosão farmacêutica. Sem dúvida
o termo “drogas” está cercado de muitas controvérsias. O autor ressalta em especial, a
distinção entre drogas e fármacos e a repressão de todas as formas de uso não médico de
praticamente todas as drogas psicoativas, apesar de algumas notórias e inexplicáveis
controvérsias.
30
TEIXEIRA NETO, Rubens Gabriel. Breve Histórico da Cocaína. In: A cocaína corrói
corações. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.
Este capítulo descreve a retrospectiva da história da coca/cocaína até chegar ao estado
atual. O autor enfatiza a importância da coca para a cultura Inca na Antiguidade, que naquele
contexto considerava esta planta sagrada utilizando-a para diversos rituais religiosos. Teixeira
(1997) aprofunda esta questão resgatando várias histórias, lendas que explicariam a origem da
planta, observa-se que todas as lendas abordadas evidenciam que o uso de coca é ainda
anterior a civilização Inca.
HOFMANN, Albert. Como o LSD se originou. In: LSD - My Problem Child. McGraw-Hill
Book Company, 1981.
Este capítulo introduz a obra descrevendo minuciosamente a descoberta da droga LSD
(D-dietilamida do Ácido Lisérgico) pelo químico suíço Albert Hoffmann no ano de 1943. Esta
droga foi produzida pelo laboratório psicofarmacêutico da multinacional Sandoz, em essência
este medicamento foi testado para ajudar a compreender a natureza das psicoses. Num
segundo momento devido aos efeitos terapêuticos que a droga proporcionava, os psicólogos e
psicanalistas da época começaram a empregar o LSD nas sessões de psicoterapia como um
instrumento complementar para facilitar o processo terapêutico. Em seguida o referido autor
se atenta a fazer uma apresentação clássica da história da matéria-prima da qual fez sua
descoberta, o fungo (Ergot) encontrado no centeio, e também algumas espécies de cereais de
gramas selvagens. Nesta ocasião Dr. Hofmann destaca que esta substância já era utilizada para
fins terapêuticos ainda na Idade Média para precipitar o parto. Porém, ressalta que o uso desta
substância para este fim não durou muito tempo, pois, “[...] logo os médicos se deram conta
do grande perigo para a criança, principalmente devido à grande incerteza da dosagem que,
quando muito alta, conduzia a espasmos uterinos” (HOFMANN, 1980, p. 07).
HOFMANN, Albert. De remédio para Inebriante. In: LSD - My Problem Child . McGrawHill Book Company, 1980.
Neste capítulo Dr. Hoffmann começa a descrever acontecimentos trágicos decorrentes
do uso não medicinal do LSD. O autor nos coloca que durante os primeiros dois anos depois
da descoberta, o LSD trouxe grande satisfação porque até então a droga era tida como um
valioso medicamento que poderia ser utilizado para diversos fins terapêuticos. Porém, após
31
dez anos de pesquisas científicas dos efeitos psíquicos em animais, e também em seres
humanos, o LSD começa a se espalhar pelo mundo inteiro nos anos cinquenta como uma
droga embriagadora de uso recreativo. A partir de então, surgem pelo mundo, inúmeros
incidentes desfavoráveis que provocaram diversas mortes. O autor conclui este capítulo
descrevendo a influência do LSD na edificação do movimento hippie que nasce paralelamente
impulsionado pelas auto-experiências com LSD de notáveis pintores, escritores, e músicos da
época, toda essa produção ficou conhecida como arte psicodélica.
SCHMIDT, Ivan. LSD II. In: A ilusão das drogas: um estudo sobre a maconha, LSD e
anfetaminas. 2. ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976.
Neste capítulo Schmidt (1976) descreve elementos da biografia de Dr. Timothy Leary,
enfatizando suas pesquisas científicas com LSD desenvolvidas no campo acadêmico da
Universidade de Harvard sobre os efeitos desta droga na mente humana. Cabe ressaltar que
Dr. Timothy Leary é tido como um dos principais protagonistas da história desta droga, este é
considerado o maior teórico, bem como, um dos principais responsáveis pela propagação do
LSD pelo mundo. Após retratar as experiências científicas com LSD, o autor relembra
diversos fatos que contribuíram para que as autoridades políticas reprimissem a distribuição
desta substância, incluindo-a na lista das drogas ilícitas no ano de 1966.
3.2 Análise do discurso antropológico sobre o uso de drogas nos primórdios da
humanidade
De acordo com Ribeiro (2009), desde os primórdios da civilização, diferentes
sociedades e culturas utilizam certas substâncias, sendo elas, estimulantes, sedativas ou
extasiantes, todas capazes de causar alterações no estado de consciência dos que delas fazem
uso. Registros históricos mostram que desde os tempos mais remotos diferentes sociedades,
bem como muitas tribos indígenas já faziam uso de substâncias hoje consideradas tóxicas.
Embora cada qual possuísse seus próprios rituais distintos, algumas culturas se
assemelhavam em seu caráter religioso, dessa forma, acreditava-se que as cerimônias serviam
para alcançar harmonia entre si, com os deuses e com a natureza. Portanto, o uso dessas
substâncias, assim como as músicas e as danças, serviria como elo entre o humano e o divino,
32
ritual capaz também de afastar desgraças e abrandar a dor. Sendo assim, para estas culturas a
substância por si só não era percebida como dotada de poderes alucinógenos e sim como parte
de um ritual culturalmente estabelecido. (RIBEIRO, 2009).
Entretanto, em algumas civilizações antigas, as atribuições para algumas substâncias
nem sempre tinham o mesmo propósito, ao mesmo tempo em que serviam para curar e
divertir eram usadas para ampliar a consciência, conduzindo os que a usavam a um elevado
estado de conhecimento e compreensão, como é o caso do phármakon, termo atribuído pelos
gregos, que possui significado similar a remédio ou veneno, ou seja, curiosamente a mesma
denominação estava simultaneamente associada a coisas distintas. Os gregos acreditam que o
uso moderado dos tóxicos era visto pelos deuses como algo que os favoreceria no
estabelecimento de laços sociais, já o uso em excesso os levaria à solidão e loucura (Ribeiro,
2009).
Dentre as principais drogas utilizadas na Antiguidade, destaca-se o consumo de ópio,
substância retirada do suco coagulado da papoula cujo nome científico é papaver somniferum,
muito vinculada ao misticismo há vários séculos pelos povos asiáticos. Destaque também para
a maconha, planta conhecida cientificamente como cannabis sativa, já considerada sagrada
pelos hindus há mais de mil anos antes de Cristo. Sem esquecer do peiote, substância
conhecida como “carne dos deuses”, muito idolatrada pela Civilização Asteca, deste cacto se
extrai uma substância chamada mescalina. Sem contar os derivados da folha do arbusto da
coca venerada pelos Incas de 2500 a 1800 a.C (SCHIMDT, 1976).
Seguindo o curso da história, Ribeiro (2009) acrescenta que a Idade Média foi marcada
pelas invasões dos colonizadores em busca de novos territórios por todo mundo e com eles a
religião católica pregando ferrenhamente o Cristianismo aos povos colonizados. Nesse
contexto de mudanças, as distinções feitas pelos antigos entre o uso moderado e o uso
excessivo de substâncias tóxicas foi um pouco esquecido, assim a Igreja Católica, no intuito
de coibir o consumo destas substâncias, passa a considerar o consumo imoral e pecaminoso. A
Igreja repreendia tais substâncias pregando que não poderia haver prazeres dissociados do
sofrimento, ideologia embasada nos valores da ética cristã. Essa época é marcada pela
relutância dessas civilizações colonizadas em abandonar o uso das maravilhosas substâncias
que lhes ajudavam a desvendar os segredos da alma (SCHIMDT, 1976).
Segundo Ribeiro (2009), com a chegada da Idade Moderna e a substituição do modo
de produção medieval pelo capitalista as drogas passam a assumir um papel importante.
33
Assim, o consumo e o lucro passam a ser muito valorizados, o que fez com que as atividades
comerciais, especialmente por vias marítimas, tivessem um aumento significativo. Desse
modo, os produtos já considerados moralmente aditivos nesse período como álcool, tabaco,
café, ópio11, cânhamo12, entre outros passaram a circular entre os continentes.
3.2.1 Os significados sociais atribuídos ao uso da Coca na História
Conforme destaca Teixeira (1997), os primeiros registros científicos de consumo de
coca foram datados de 2500 a 1800 a.C. por pesquisadores que encontraram vestígios de coca
nos cabelos de múmias andinas no que hoje é conhecido como território do Peru, no sítio
arqueológico de Huaca Prieta. É importante ressaltar que o conhecimento das diversas
aplicações do uso de coca pelos Incas é dificultado pela falta da linguagem escrita como
registro da história desse povo. No entanto, existem evidências que o uso desta substância é
ainda anterior à civilização Inca porque muitas lendas dos povos andinos apontam que o
arbusto era considerado uma planta sagrada desde tempos imemoráveis em virtude de sua
capacidade curativa de atenuar os efeitos da fadiga, fome, sede e de problemas de saúde.
Numerosas lendas se referem a ela em associação aos mistérios sagrados da
fertilidade, da sobrevivência e da morte, assim como de práticas curativas. [...] Além
do valor nutritivo, esses indígenas buscam o bem estar e a ação euforizante que
fazem parte de seus cotidianos. Esse uso está intimamente integrado à cosmovisão
dessas tribos. (FERREIRA; MARTINI, 2001, p. 96).
Ferreira e Martini (2001) acrescentam que a coca é uma planta nativa dos Andes e seu
nome tem origem de uma palavra do Aimará, “Khoka”, que significa “a árvore”. Para os incas
a planta sagrada é um presente do Deus Inti ou “Deus Sol”, que teria instruído seu filho
Manco Capac a descer do céu sobre as águas do lago Titicaca para ensinar aos povos daquela
região a arte, agricultura e presenteando-lhes com o arbusto sagrado.
Seguindo o curso da história, percebe-se que devido a suas atribuições divinas, a
planta adquire grande influência simbólica no governo Inca, pois era cultivada e reverenciada
11
Substância extraída da papoula causando adormecimento e entorpecimento. (FERREIRA, 1999).
Planta herbácea da família da cannabis sativa amplamente cultivada em muitas partes do mundo.
(FERREIRA, 1999).
12
34
em virtude de seu significado religioso. Por conta disso, no final do século XV o governo do
Topa Inca (1471-1493) se apropriou das plantações de coca, tornando-as como patrimônio
estatal, cujo consumo era um privilégio destinado somente ás classes superiores, seu uso era
considerado um mérito especial, digno apenas para os soldados durante campanhas militares
ou pessoas engajadas em projetos governamentais. Assim, o governo Inca monopolizava as
plantações de coca limitando seu consumo, sendo que o mascamento indiscriminado era visto
como sacrilégio. Dentre as diversas aplicações da coca pelos incas existem evidências que
nesta época já havia também o uso medicinal da planta (CHASIN; LIMA, 2008).
[…] há razões para se acreditar que a droga pode ter sido usada como analgésico em
trepanação craniana. Nos primeiros apontamentos sobre neurocirurgia, eram feitas
perfusões na cabeça presumivelmente para permitir a saída dos espíritos maus de
suas vítimas. A despeito do procedimento rudimentar envolvido, há evidências
arqueológicas que esta operação foi algumas vezes bem sucedida com sobrevivência
das vítimas. O uso medicinal é apontado, por vezes, como elemento de explicação
para a longevidade daquele povo. (CHASIN; LIMA, 2008, p. 33).
Passado algum tempo, com a chegada dos colonizadores espanhóis ao Peru por volta
de 1536, a coca perde muito de seu significado místico e religioso, e distintos
posicionamentos em relação ao arbusto passam a gerar controvérsias entre os conquistadores.
De um lado os missionários posicionam-se contra o uso da coca por parte dos andinos
considerando-a um obstáculo para a difusão do cristianismo, tendo a planta como um
“Talismã do Diabo”. Por esse motivo o Concílio Eclesiástico de Lima decide proibir o seu
consumo nesta época (CHASIN; LIMA, 2008).
Por outro lado, havia o reconhecimento que o mascamento da coca não só era
necessário, mas também fundamental para a saúde e motivação do índio andino. Sendo assim,
em 1569, apoiado nestes fatos o Rei Felipe II da Espanha novamente passa a considerar a
coca como essencial para o recrutamento e o trabalho árduo nas minas e lugares similares. Por
esse motivo o cultivo, distribuição e o uso voltam a ser estimulado. (TEIXEIRA, 1997).
Como pode-se observar, as drogas sempre estiveram presentes em diferentes épocas e
nas mais variadas culturas, suas propriedades e seus usos foram assumindo ao longo dos
tempos distintos significados dependendo do contexto sociocultural.
35
3.3 Análise do discurso político e moral sobre o consumo de drogas
O homem faz uso de substâncias psicoativas desde o começo dos tempos, esse uso é
comprovadamente milenar. Contudo, o significado atribuído ao consumo entendido como um
“problema social” é algo muito recente perante a história, trata-se de uma construção social
com menos de um século de existência. Curiosamente, há cerca de um século praticamente
nenhuma das drogas que conhece-se atualmente era controlada por leis proibicionistas, de
modo que o consumo jamais era sujeito à criminalização. Do ponto de vista legal os
indivíduos possuíam autonomia para consumir quaisquer substâncias psicoativas livremente
(LABATE et. al., 2008).
No entanto, em 1919 os Estados Unidos proclamam a primeira lei proibicionista
contemporânea chamada “Volstead Act”, que ficou conhecida perante a história como a Lei
Seca. A referida lei elaborada pelos americanos previa a proibição total de qualquer forma de
consumo, venda, ou armazenagem de álcool em seu território. Os Estados Unidos almejavam,
por meio desta lei, ampliar o controle social no sentido de extinguir totalmente o consumo do
álcool no país. Acreditava o governo daquele país que esta medida proibicionista seria eficaz
o bastante para extinguir o consumo de álcool, bem como os hábitos relacionados
(RODRIGUES, 2008).
Rodrigues (2008) coloca que a Lei Seca foi uma conquista dos grupos puritanos
moralistas da época, que em marchas políticas exigiam medidas para reprimir o consumo de
álcool, argumentando que o consumo nos bares era imoral, pois nestes espaços se
concentravam, segundo eles, os “males” da sociedade, como os jogos e a prostituição. Tais
condutas se confrontavam diretamente com os princípios puritanos que previam uma conduta
voltada à castidade e sobriedade. “A meta da Lei Seca era sufocar práticas e eliminar uma
droga como se ela jamais houvesse existido e sido consumida e desejada” (RODRIGUES,
2008, p. 94).
Todavia, o álcool não deixou de ser consumido. Conforme destaca Rodrigues (2008), a
repressão ao consumo originou um mercado ilícito de traficantes/negociantes de álcool que
passaram a ser muito solicitados. Em suma, a Lei Seca é definida quase por unanimidade
pelos autores pela seguinte expressão: “fracasso”. Com a implantação da Lei Seca, “[...]
produziu-se um campo de ilegalidades novo e pujante, inventou-se um crime e novos
36
criminosos, e o álcool, talvez para angústia dos proibicionistas mais dedicados, não deixou de
ser consumido”. (RODRIGUES, 2008, p. 94).
Segundo Rodrigues (2008), com o fracasso do proibicionismo, ao invés da Lei Seca
contribuir para o controle social acabou por impulsionar a criminalização de grandes parcelas
da sociedade. Ainda sobre essa questão, este autor é ainda mais incisivo ao afirmar que entre
1910 e 1920 as “drogas” e o álcool deixam de ser um “problema sanitário” e passam a ser
entendidas como uma “epidemia” quando:
[…] o hábito de intoxicar-se deixa de ser uma exceção em meio aos filhos da 'boa
sociedade', gracejando entre prostitutas, pequenos criminosos, nas classes
trabalhadoras urbanas etc. Para o moralismo proibicionista, significava a difusão do
'Mal'; para a classe médica e as autoridades sanitárias, o crescimento de um grave
problema de saúde pública; para os estrategistas da segurança pública, a proliferação
de criminosos. A um só tempo, um pecado e um crime de lesa sociedade.
(RODRIGUES, 2008, p. 95).
Passado algum tempo desde sua implantação, a Lei Seca cai por terra no final da
década de 30, o álcool então retorna à legalidade. Porém, com o avançar dos anos as políticas
proibicionistas voltaram-se para a cocaína e a maconha com intuito de erradicar o consumo
destas, e o uso ficou bastante restrito aos “usos médicos”. Nestas circunstâncias o saber
médico assume a função de definir categorias de controle das drogas psicoativas, de modo que
o consumo de quaisquer substâncias psicoativas deveria ser supervisionado por um médico
que, por sua vez, também era controlado pelo Estado. As políticas proibicionistas das quais
estamos nos referindo começaram a ser elaboradas a partir de 1945, quando Organização das
Nações Unidas (ONU) começou a mobilizar esforços para construção de tratados
internacionais visando o controle social no sentido de reprimir totalmente o consumo das
drogas consideradas de uso não médico. No entanto, foi em 1961 foram definidas as normas
em uma convenção internacional sobre drogas, a partir daí foi implantado o proibicionismo
como estratégia para controlar o que chamavam de epidemia das drogas (Rodrigues, 2008).
Prossegue o referido autor destacando que a partir destas medidas políticas, logo a
maioria dos países do mundo aderiram à lógica proibicionista em virtude do considerável
crescimento do consumo de heroína13, cocaína, LSD, e maconha, que passaram a ser
utilizadas como uma espécie de combustível do movimento hippie na década de 60. Neste
13
Alcalóide obtido pela ação do anidrido acético sobre a morfina, com uma ação mais acentuada e
poderosa que esta (FERREIRA, 1999, p.1037).
37
contexto conflituoso da época, este movimento social era visto como uma afronta aos
interesses políticos dos Estados Unidos, ao ponto que o governo em exercício estava
determinado a combater com rigidez os traficantes e consumidores. Registros históricos
mostram que a declaração de 1972 do então presidente dos EUA, Richard Nixon, na qual
proclamou que 'as drogas' eram o novo inimigo número um do país. Nixon sustentava que [...]
“para enfrentar tão ameaçador inimigo era urgente declarar guerra as drogas” (RODRIGUES,
2008, p. 99).
Rodrigues (2008) enfatiza que, de maneira semelhante da fracassada Lei Seca, o
proibicionismo das demais drogas também não surtiu o efeito esperado no sentido de
extinguir o consumo destas substâncias, bem como seus mercados. Consequentemente as
normas proibicionistas acabaram por inventar o narcotráfico. Para este autor:
Quem defende o proibicionismo como modo eficaz para lidar com a 'questão das
drogas' transita por discursos médicos, governamentais e moralistas ou caminha
determinado na poeira de muitas outras batalhas que não têm como objetivo, pura e
simplesmente, a erradicação de substâncias específicas e das práticas sociais a ela
relacionadas, mas a manutenção de uma guerra infindável. (RODRIGUES, 2008, p.
102).
Ao tratar dos interesses políticos associados ao consumo de drogas, Rodrigues (2008)
se referindo às políticas proibicionistas leva à reflexão e questionamentos sobre qual o
sentido de manter uma “guerra perdida”?
Conforme ressalta o referido autor, passado quase um século depois da implantação
das primeiras medidas políticas de controle do consumo de drogas não chegou-se nem perto
do objetivo inicial das leis já citadas, que originalmente previam a erradicação total dos
hábitos de consumo, bem como seus mercados. Este mesmo autor se posiciona sobre a essa
questão salientando que “[...] psicoativos novos e antigos continuam sendo produzidos,
comercializados e usados, dando provas da mobilidade dos grupos dedicados ao tráfico que
escapam ou se readequam às sempre reeditadas políticas repressivas” (RODRIGUES, 2008, p.
102).
Neste item, mesmo que indiretamente fala-se sobre um discurso que tratou as drogas
como inimigas da “boa sociedade”. Agora para fazer uma espécie de contraponto, no tópico
seguinte vamos apresentar o discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos, que vai
38
enfatizar que em alguns momentos da história as drogas foram consideradas “benéficas” para
a humanidade.
3.4 O uso de drogas para fins terapêuticos
De acordo com Vargas (2008), cabe ressaltar antes de tudo que a união entre
Farmacologia e Medicina é de longa data, de modo que a Medicina se desenvolveu enquanto
Ciência não apenas pelo desenvolvimento das teorias médicas, mas também graças a
contribuição significativa da Farmacologia que possibilitou uma prática revolucionária de
curar utilizando-se da química. Ackerknecht ( apud VARGAS,2008) coloca que o mérito desta
“invenção” foi concedido a Paracelso (1493-1541), que é reconhecido como responsável pelo
êxito de introduzir a alquimia, ou seja, a química da época na medicina para fins terapêuticos.
Entretanto, foi somente no século XIX, após muitas tentativas por vezes frustradas,
que de fato provou-se a eficácia da “terapia através das drogas” com a prática da vacinação. A
partir de então, abriram-se novos horizontes para as práticas médicas por meio da terapia
medicamentosa. Porém, é válido lembrar que o avanço das terapias por meio das drogas fez
muitas vítimas, isso porque ainda não havia formas exatas de administração das drogas, por
conta disso, era comum pacientes morrerem pela ingestão de doses excessivas de
determinadas drogas. Dentre as primeiras drogas utilizadas pelo saber médico, destaca-se o
uso das substâncias: iodo, insulina14 e morfina,15 além destas, a descoberta dos antibióticos
1928, e a introdução dos anestésicos foram descobertas determinantes para o avanço das
práticas médicas. (VARGAS, 2008).
Como se pode observar nos exemplos, o uso de drogas não trouxe somente prejuízos
para a humanidade, pois algumas terapias por meio de drogas foram muito benéficas,
especialmente por garantir uma maior expectativa de vida para milhões de pessoas. Diante de
tantos maniqueísmos associados ao uso das drogas, Labate et al. (2008) afirmam que é
indispensável analisar o sentido amplo do termo drogas, pois as controversas associadas ao
vocábulo sobreviveram no tempo, de modo que ainda não existe na atualidade um consenso
universal entre os próprios especialistas das ciências biomédicas no que diz respeito ao
14
Hormônio secretado pelo pâncreas, com importante função no metabolismo dos açúcares pelo
organismo (FERREIRA, 1999, p. 1120).
15
O principal e mais ativo dos alcalóides extraído do ópio [...] usado como sedativo (FERREIRA, 1999,
p. 1367).
39
sentido preciso do termo “drogas”. Contudo, na linguagem mais técnica utilizada pelos
especialistas podemos definir drogas como qualquer substância psicoativa capaz de
desencadear no corpo uma reação tanto somática quanto psíquica de intensidade variável.
„Psicoativo‟ é um dos termos cunhados para referir às substâncias que modificam o
estado de consciência, humor ou sentimento de quem as usa – modificações essas
que podem variar de um estímulo leve, como o provocado por uma xícara de café,
até alterações mais intensas na percepção do tempo, do espaço ou do próprio corpo,
como as que podem ser desencadeadas por alucinógenos vegetais, como a
ayahuasca, ou „anfetaminas psicodélicas‟ sintéticas, como o MDMA, popularmente
conhecido como ecstasy. (LABATE, et al., 2008, p. 14).
Labate et al. (2008) afirmam que a expressão “substâncias psicoativas” originalmente
deriva do saber biomédico, por conta disso é comumente associada a “medicamento”, por esse
motivo carrega menos preconceitos morais que o termo “drogas”, que por sua vez, adquiriu
uma conotação pejorativa, remetendo ao narcótico, tóxico, coisa ruim. Tal colocação vem ao
encontro de Vargas (2008), que coloca instaurou-se atualmente, uma naturalização da
distinção entre “drogas” e “fármacos”, por isso, é necessário ter claro que os fármacos
também são todos eles “drogas”.
[...] Ocorre, porém, que quaisquer compostos, sejam eles chamados de
medicamentos ou „drogas‟, podem causar danos severos: uma dosagem de três
gramas de aspirina pode ser letal para um adulto. Não é demais recordar que
'fármaco', conforme a etimologia, é um termo que serve para designar tanto
remédios quanto venenos. Assim, mesmo se nos limitamos ao terreno das
substâncias e suas propriedades farmacológicas, não cabe falar em 'drogas'
significando tóxicos ou venenos em abstrato, mas de certas proporções segundo uma
medida. (ESCOHOTADO, 1997 apud LABATE et al. 2008, p. 16).
Atento ao assunto, Carneiro (2008) lembra que a “invasão dos fármacos” é
relativamente recente, mais especificamente foram produzidos logo após a Segunda Guerra
mundial, e receberam a denominação de “fármacos antidepressivos”. Nesta mesma década
foram sintetizados também os “fármacos psicodélicos” tais como: o LSD, mescalina,16
16
Alcalóide alucinógeno, encontrados em certos cactos. (FERREIRA, 1999, p. 1322).
40
psilocibina17 e as metanfetaminas18 psicodélicas como o ecstasy, substâncias estas, que
atualmente são drogas proibidas por lei.
Sobre essa questão, Carneiro (2008) faz uma observação importante destacando que
tanto fármacos lícitos (Fluoxetina19 e Prozac), quanto os fármacos psicodélicos ilícitos agem
com o mesmo princípio ativo sobre certos neurotransmissores: serotonina, dopamina e
noradrenalina, provocando uma significativa melhora no humor e na psicomotricidade. Em
virtude destes efeitos terapêuticos algumas destas drogas psicodélicas foram consideradas
importantes “remédios” pelos médicos (LSD), que há menos de cinquenta anos atrás
utilizavam para tratar diversas “doenças”, tais como: transtorno depressivo maior; ansiedade,
quadros de insônia; queixas vagas de infelicidade, dentre outros “males”. Porém, logo se
percebeu que os fármacos psicodélicos produziam efeitos mais do que antidepressivos, no
sentido de provocarem efeitos euforizantes de intensa exuberância.
Com base nos escritos de Carneiro (2008), o destino destas drogas pode ser resumido
em poucas palavras. Na atualidade os antidepressivos se tornaram alguns dos “medicamentos”
mais vendidos do mundo (Fluoxetina, Prozac), e os “fármacos psicodélicos”, por sua vez,
terminaram proibidos e perseguidos pelas leis proibicionistas. Carneiro (2008) acrescenta que:
“[...] a diferença é que os antidepressivos agem em doses regulares num longo tempo e tem
um efeito discreto e pouco notável enquanto que os psicodélicos agem em doses únicas e
possuem um efeito intenso e extraordinariamente notável” (CARNEIRO, 2008, p. 79).
A diferença entre essas moléculas psicodélicas e os produtos da indústria
psicofarmacêutica reside na sua forma de circulação. As primeiras, como drogas
clandestinas, são usadas por escolha própria de seus consumidores, que forjam nessa
atividade o que Pignarre (1999) denominou de „artes do consumo‟, e as últimas,
como remédios controlados de prescrição médica, transitam por um circuito que
vem dos pipelines dos laboratórios e alcançam a rede distribuidora dos fármacos
como produtos de monopólio prescritivo entre os membros da profissão médica.
(CARNEIRO, 2008 p. 81).
Com a chegada das políticas proibicionistas, edificou-se socialmente uma distinção da
significação entre “drogas” e “fármacos”, sendo reprimida mundialmente toda a forma de uso
17
Alcalóide [...] alucinógeno encontrado em certos cogumelos nativos do México. (FERREIRA,1999, p.
1662).
18
Substância cristalina e incolor, derivada da anfetamina. (FERREIRA, 1999, p.1327).
Segundo o dicionário de especialidades farmacêuticas (2003-2004) a Fluoxetina é um antidepressivo de
administração oral, indicado para o tratamento da depressão, associadas ou não com ansiedade, bulimia nervosa,
transtorno obsessivo compulsivo (TOC).
19
41
não médico de substâncias psicoativas. Para Carneiro (2008), na atualidade os médicos
conquistaram o monopólio e o direito exclusivo de prescrição de medicamentos psicoativos,
por se considerar que a prática da automedicação é perigosa, no sentido de que o
“consumidor” ou “usuário” não tem competência técnica para buscar seus “remédios para
alma”. Este mesmo autor nos coloca que “medicalização da tristeza” a partir do saber médico
farmacêutico tornou-se um dos mais lucrativos mercados contemporâneos, o mercado das
“drogas”. E assim conclui seu posicionando sobre a questão afirmando que a:
[…] depressão que caracteriza a nossa época é contextual, política, ecológica e de
causas sociais e econômicas. O mesmo sistema que a cria como principal doença
trata-a lucrativamente com drogas que permitem a modulação dos humores e a
aceitação feliz das mesmas situações a estarem na origem da depressão.
(CARNEIRO, 2008, p. 80).
A partir dos pressupostos acima descritos, não pode-se esquecer de atribuir também ao
campo científico a parte que lhe cabe da responsabilidade no processo de edificação do
“problema das drogas”. É preciso reconhecer que a ciência por vezes desempenhou um papel
contraditório que acarretou em consequências significativas no sentido de que [...] ora se
esforçando em descobrir, isolar e até sintetizar novas moléculas, ora propagando seus
malefícios e reivindicando sua proscrição legal. (LABATE, et al., 2008, p. 23).
Para melhor compreensão sobre essa questão, segue-se apresentando as mudanças dos
significados atribuídos ao uso de LSD e cocaína no decorrer da história.
3.4.1 O uso medicinal do LSD
A substância psicoativa que será tratada neste item é nada menos que a mais poderosa
droga alucinógena já descoberta. O LSD, abreviatura de d-dietilamida do ácido lisérgico,
nome científico atribuído pelos químicos. Segundo Schimidt (1976), o LSD foi “descoberto
acidentalmente” no dia 16 de abril de 1943 pelo químico suíço Albert Hofmann. Como
podemos observar também na colocação deste autor, é comum encontrarmos fontes
bibliográficas declarando que o LSD foi descoberto através de um acidente. No entanto, logo
que recorremos ao livro escrito pelo próprio criador da droga Albert Hofmann: LSD – Minha
42
criança problema, percebe-se que tal afirmação é verdadeira somente em parte, pois conforme
afirma o mesmo, o LSD estava dentro de um programa de pesquisa sistemático e o “acidente”
só aconteceu após cinco anos de experiências laboratoriais com a substância. Após o acidente
ocorrido, Dr. Hofmann então decide experimentar os efeitos desconhecidos em si mesmo,
segue os detalhes de sua auto-experiência naquela ocasião:
[...] Sexta-feira passada, 16 de abril de 1943, fui forçado a interromper meu trabalho
no laboratório, no meio da tarde e retornei a minha casa afetado por uma inquietude
notável, combinada com uma leve vertigem. Em casa eu me deitei e afundei numa
condição não desagradável de um tipo de intoxicação, caracterizada por uma
imaginação extremamente estimulada. Num estado como que em sonho, com os
olhos fechados, eu achei a luz do dia desagradavelmente brilhante, eu percebia um
fluxo ininterrupto de quadros fantásticos, formas extraordinárias com um intenso
caleidoscópico jogo de cores. Depois de umas duas horas esta condição diminuiu.
(HOFMANN, 1981, p. 10).
Hofmann (1981) prossegue seu relato destacando que o LSD é fruto de muitos anos de
pesquisas e investigações nos alcalóides do centeio (ergot), tal estudo foi desenvolvido no
laboratório da multinacional Sandoz, empresa que opera no ramo psicofarmacêutico. Portanto,
antes de assumir a condição atual de uma droga ilícita essencialmente o LSD foi produzido
para ser utilizado como um “medicamento”, uma vez que “ [...] a natureza da atividade do
LSD poderia conduzir à numerosas possibilidades de uso medicinal/psiquiátrico, como os
estudos básicos de W. A. Stoll já tinham mostrado.” (HOFMANN, 1981, p. 23).
Em seguida, logo que o LSD foi testado em animais, e não tardou também para ser
desenvolvida a primeira pesquisa da substância em seres humanos na Clínica Psiquiátrica da
Universidade de Zurique. Os testes foram desenvolvidos com sujeitos de pesquisa
“saudáveis” e também com pacientes esquizofrênicos. A partir desta experiência foi publicado
em 1947 um relatório científico definindo o princípio ativo do LSD como “fantástico”. Após
muitos outros experimentos clínicos, o LSD começou a ser empregado em algumas clínicas
psiquiátricas para fins terapêuticos. Num primeiro momento foi utilizado em investigações
experimentais da natureza das psicoses, posteriormente passou a ser utilizado nas sessões de
psicanálise e psicoterapia (HOFMANN, 1981).
A este respeito Hofmann (1981) afirma que, os psicanalistas e psicólogos começaram
a introduzir a droga no tratamento psicoterápico, sendo tal prática batizada como terapia
43
psicolítica 20ou, terapia psicodélica21. O uso de LSD em psicoterapia analítica produzia efeitos
psíquicos de desintegração e transformação na forma de compreender a realidade cotidiana,
isso era considerado um importante benefício no processo terapêutico porque suspendia a
barreira Eu-Você, assim os pacientes com problemas egocêntricos podiam ser ajudados a se
liberarem de suas fixações e do isolamento. Considerava-se também como benefício o fato de
que sob o efeito do LSD os pacientes eram muito mais sugestionáveis, com maior facilidade
para reviver conteúdos esquecidos ou reprimidos. Sobre essa questão o psiquiatra francês Jean
Delay certa vez salientou: “[...] O LSD não age como um verdadeiro medicamento, tão
somente representa o papel de uma droga de ajuda no contexto do tratamento psicanalítico e
psicoterápico e serve para canalizar o tratamento mais efetivamente e encurtar sua duração”
Delay (apud HOFMANN, 1981, p. 25).
3.4.2 O consumo da “droga” LSD
Conforme Hofmann (1981), assim que passaram-se dez anos de pesquisa científica
utilizando o LSD para fins medicinais, ao final dos anos cinquenta a droga começa a se
espalhar pelo Ocidente, especialmente nos Estados Unidos. Essa rápida difusão pelo resto do
mundo ocorreu em virtude de que a publicidade da época fez grande sensacionalismo a
respeito do LSD, tornando a droga embriagadora número um em alguns países. A estrondosa
propagação desta droga ocorreu não somente pela mídia, mas também porque começaram a
surgir publicações norte-americanas descrevendo experiências fantásticas com o uso de LSD.
Algumas destas publicações tornaram-se best-sellers para o público leigo. É importante
esclarecer que desde então tais publicações já assumiam um caráter mais subjetivo,
caracterizando-se como publicações não científicas. A exemplo disso pode-se mencionar
elementos de um artigo da Revista Look publicado em 1959 citado por HOFMANN (1981)
que ilustra essa lógica propagandista do LSD.
20
O termo terapia psicolítica foi cunhado por Ronald A. Sandison, terapeuta inglês, de orientação
Jungiana e um pioneiro da pesquisa clínica do LSD. (HOFMANN, 1980, p. 25).
21
O termo psicodélico, que pode ser traduzido como "manifestação da mente" ou "expansão-mental", foi
introduzido por Humphry Osmond, um pioneiro da pesquisa do LSD nos Estados Unidos. (HOFMANN, 1980,
p.23.
44
[...] A História Curiosa Atrás do Novo Cary Grant' que deve ter contribuído
enormemente para a difusão do consumo do LSD. O famoso astro de cinema tinha
recebido LSD numa respeitada clínica na Califórnia, no curso de um tratamento
psicoterápico. Ele informou ao repórter da revista Look que ele tinha buscado paz
interior durante toda sua inteira vida, mas ioga, hipnose e misticismo não o tinham
ajudado. Só o tratamento com LSD o tinha feito um novo e vigorosamente potente
homem. (p. 29)
O referido autor acrescenta que já estava ciente de que uma droga com tantos efeitos
fantásticos na percepção despertaria interesse de pessoas fora das ciências médicas, mas
jamais pensou que pudesse assumir o cenário mundial circulando como um inebriante.
Acreditava o Dr. Hofmann que a curiosidade em consumir o LSD fora do meio médico
surgisse por parte de artistas, pintores, escritores e intelectuais, e isso logo se confirmou. Foi
exatamente este público que fez as primeiras experiências não médicas. Logo que estes
profissionais começaram a consumir o ácido lisérgico, tiveram extraordinárias experiências
que influenciaram diretamente no processo de criação de seus trabalhos, tais obras ficaram
conhecidas como arte psicodélica.
Alguns destes artistas começaram a enfatizar em suas obras que a descoberta do LSD
surgiu para trazer ajuda às pessoas presas aos padrões da vida moderna, nos quais a alienação
era fruto do mecânico modo de vida capitalista. Conclui Dr. Hofmann: “[...] Estes são os
mesmos fatores que conduziram à origem e ao crescimento do movimento dos hippies que se
desenvolveu simultaneamente com a onda do LSD. Os dois não podem ser dissociados”
(HOFMANN, 198, p. 29).
Para Schimidt (1976), a “evolução” do LSD de remédio para inebriante ocorreu
principalmente pelas atividades de Dr. Timothy Leary. Este homem ficou mundialmente
famoso como porta-voz número um do ácido lisérgico, sendo considerado o maior teórico do
LSD em todo o mundo. Dr. Timothy Leary era um notável Ph.D em Psicologia que na década
de cinquenta atuava como professor da Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Em
1958, Dr. Leary com a aprovação do centro de pesquisas universitário começou a desenvolver
suas primeiras pesquisas com LSD no campus universitário.
Algum tempo mais tarde, em 1961, Dr. Leary desenvolve um projeto de pesquisa
envolvendo 35 prisioneiros em uma experiência com duração de dois anos, este estudo tinha
por objetivo determinar se, as propriedades do ácido lisérgico poderia despertar nos apenados
45
uma nova compreensão de mundo que alterasse definitivamente qualquer predisposição
voltada ao crime. Porém, durante o processo Dr. Leary de certa forma deixou de lado a
objetividade científica do estudo, ao passo que em alguns momentos fazia experiências com o
ácido lisérgico em si, como também fornecia a droga para os estudantes de Harvard. Após
alguns flagrantes, no ano de 1963 a Universidade Harvard expulsou Dr. Timothy Leary de
seus encargos alegando que o mesmo era um propagandista do LSD. Após ser expulso,
ignorando as repreensões das autoridades políticas que o expulsaram dos Estados Unidos, Dr.
Leary retomou suas experiências com LSD na Fundação Internacional para a Liberdade
Interna, organização que fundou para todos aqueles que desejavam fazer experiências
espirituais com LSD, o público em sua maioria era composto de hippies e intelectuais.
(SCHIMIDT, 1976).
Hofmann (1981) ressalta que a epidemia do uso não medicinal de LSD nos anos
sessenta resultou num grande número de incidentes por falta de supervisão médica. E por
conta disso, de 1964 a 1966 o LSD atinge o ponto mais alto de sua publicidade, mas não mais
pelos seus fantásticos efeitos terapêuticos, mas sim como a droga dos hippies, pelas
constantes ocorrências de acidentes, assassinatos e suicídios.
Como as experiências com o LSD frequentemente foram executadas num ambiente
de ignorância, do misterioso, do desconhecido, dos efeitos profundos e sem
supervisão médica, elas chegavam frequentemente a um final ruim. Com o crescente
consumo do LSD no cenário das drogas, aconteceu também um aumento nas
„viagens de horror‟ - experiências de LSD que conduziram a condições
desorientadas e pânico e frequentemente resultaram em acidentes e mesmo crimes.
(HOFMANN, 1981, p. 29).
Em virtude destes acontecimentos trágicos, em agosto de 1965 a empresa Sandoz foi
forçada a interromper a produção deste medicamento. Pouco depois, em 1966, prezando pela
manutenção do controle social o Governo Federal dos Estados Unidos proíbe a venda e
distribuição não médica dessa substância. Logo também os demais países do mundo incluíram
o ácido lisérgico nas leis antidrogas, porém, está medida não extinguiu o consumo de ácido
lisérgico, pois a droga é facilmente adquirida no “mercado negro”. Desta maneira o LSD
passou de medicamento terapêutico para droga ilícita (Schmidt,1976).
46
3.4.3 O uso de cocaína para fins terapêuticos
O uso e consumo das folhas do arbusto denominado coca, sempre esteve cercado de
muitas crenças místicas e religiosas por parte dos que dela fizeram uso. Esse contexto
começou a ser mudado à medida que a economia também foi mudando, de modo que, com a
chegada do capitalismo, tanto o consumo quanto o lucro passaram a ser amplamente
valorizados, e a cocaína então passou a representar um papel importante no âmbito
econômico. Sendo assim, o capitalismo passou a demandar um desenvolvimento técnico e
científico no intuito de elevar a produção. Em virtude destas transformações o significado
atribuído ao consumo desta droga começa a se desvincular do misticismo e da religiosidade
(RIBEIRO, 2009).
Um exemplo dessas mudanças são as transformações ocorridas no modo de uso desta
substância. Até 1885 as folhas da coca eram transportadas da América do Sul para os países
europeus, onde eram transformadas em produtos à base de coca. Após essa data um químico
da indústria farmacêutica Parke Davis, revolucionou a produção ao descobrir um modo de
produzir a cocaína semi refinada, também conhecida como pasta base da cocaína nos próprios
países de origem. Assim, além de manter muito mais a concentração química do produto, o
grande espaço utilizado para o armazenamento das folhas nos navios deu lugar a uma
substância muito mais compacta. Consequentemente houve uma significativa diminuição dos
custos de produção e transporte, os preços caíram e o consumo aumentou (FERREIRA;
MARTINI, 2001).
Dessa forma, houve uma rápida explosão de fábricas de medicações utilizando a
cocaína em diversos produtos. Operando na ausência de leis ou regulamentos que
limitassem a venda ou o consumo, a cocaína tornou-se presente em farmácias,
mercearias e bares. Uma única fábrica, em 1885, oferecia cocaína em 15 diferentes
formas, incluindo cigarros, charutos, inalantes, cristais, licores e soluções.
(FERREIRA; MARTINI, 2001, p. 98).
No Brasil não foi diferente, conforme destaca Teixeira (1997) a cocaína era vendida
sem restrições em farmácias, segundo propaganda do jornal Gazeta de São Paulo, em 1910.
Certas farmácias ofereciam um serviço ainda mais moderno, entregavam cocaína nas
residências, “bastava um telefonema e a droga era entregue em domicílio”.
47
Retomando o raciocínio anterior, em 1855 ocorre um fato importante da história desta
droga. É nesse ano que o químico alemão Albert Niemann consegue isolar dentre os vários
alcalóides o princípio ativo de maior predominância, o erythroxylene cerca de (80% do total),
o qual denominou de cocaína (FERREIRA; MARTINI, 2001).
3.4.4 O episódio de Freud com a cocaína
Nesta proposta de descobrir os diferentes significados atribuídos ao consumo desta
droga naquela época, surge um episódio extremamente interessante. Trata-se das experiências
pessoais e profissionais do pai da psicanálise, Sigmund Freud, com uma das drogas mais
conhecidas da contemporaneidade, a cocaína.
De acordo com Gurfinkel (2008), o “episódio da cocaína” é pouco conhecido e
cercado de muitas controvérsias. Embora o próprio Freud mesmo que ainda jovem tenha
escrito uma longa monografia e artigos sobre o tema, curiosamente alguns anos mais tarde em
sua autobiografia dedicou ao assunto apenas um único parágrafo. Mas afinal o que teria
acontecido para que Freud tivesse sido tão sucinto acerca do tema em seu relato pessoal?
Sabe-se que o jovem Freud era um pesquisador apaixonado e dedicado, e que
ambicionava realizar uma „grande descoberta‟; tratava-se de uma ambição
intelectual que se entrelaçava com uma ambição pessoal.[...] Após algumas
tentativas frustradas, deparou-se com um alcalóide quase desconhecido que,
conforme lhe pareceu, prometia se tornar a tal 'descoberta'. (GURFINKEL, 2008,
p.421).
Num primeiro momento, Freud pesquisou tudo que havia na literatura sobre cocaína e
entregou-se a seu estudo. Após meticulosa pesquisa publicou em 1884, sua monografia acerca
do tema intitulada “Sobre a Coca”, na qual defendeu ferrenhamente seu uso terapêutico no
tratamento das mais variadas doenças e transtornos como doenças compulsivas, histerias,
exaustão nervosa, desordens digestivas, sífilis, e até mesmo como afrodisíaco. Nesse período,
Freud passou a recomendar a substância como estimulante e euforizante para amigos,
parentes, colegas de trabalho e até mesmo para sua esposa. O próprio Freud fazia uso de doses
diárias de 200 mg de cocaína para o tratamento de sua depressão (FERREIRA; MARTINI,
2001).
48
Reis (2009) acrescenta que nesta época a cocaína parecia ser bastante promissora e
inofensiva, um poderoso antídoto para o tratamento de inúmeras doenças, inclusive para
dependentes de morfina. Este autor afirma que Freud acreditava não haver dose letal para essa
substância, o máximo que poderia ocorrer seria uma intoxicação por ingestões altíssimas.
Freud chegou a escrever em uma de suas publicações que a cocaína não produz vício algum,
podendo ser abandonada facilmente, inclusive para os que dela fizerem uso prolongado.
Na busca incessante de uma grande descoberta, Freud prosseguiu entusiasmado com a
possibilidade de que a cocaína pudesse ser a “panaceia”, ou seja, a cura de todos os males
físicos e psicológicos. Acreditando ter encontrado um meio de resolver seus males psíquicos,
em especial a depressão, mergulhou febrilmente no desejo de curar a si mesmo e aqueles que
o cercavam. Talvez este, segundo Gurfinkel (2008), tenha sido o maior equívoco de Freud,
tomar a si mesmo como objeto, isto é, a não separação entre o pesquisador e o objeto
pesquisado. […] “Se Freud queria fazer uma grande descoberta, não precisaria ter se colocado
no lugar de cobaia.” (GURFINKEL, 2008, p. 430).
Acreditando ter encontrado o “remédio mágico”, capaz de sanar uma diversidade
inimaginável de males, Freud continuou tratando várias pessoas com cocaína, no entanto isso
não demorou a se transformar em um problema. Na tentativa de curar um amigo chamado
Ernest Von Fleischl Marxow da dependência da morfina, prescrita para um quadro de dor
intensa por ter amputado a perna, Freud passou a receitar doses altíssimas de cocaína, cerca de
100 vezes a que o próprio Freud estava acostumado a ingerir. O resultado foi um quadro duplo
de dependência. Por conta disso Fleischl veio a falecer algum tempo depois. Assim Freud
publicaria anos mais tarde, por volta de 1892 uma continuação de “Sobre a coca” modificando
seu ponto de vista, afirmando que estava, em partes, equivocado ao posicionar-se totalmente
favorável ao uso da cocaína (FERREIRA; MARTINI, 2001).
Nessa mesma publicação, Freud reconhece haver reações muito diferentes para cada
usuário. Essa irregularidade aos efeitos da cocaína é atribuída a fatores de predisposição
fisiológica e neurológica ou psíquica. Neste sentido, Freud passa a argumentar não contra a
droga, mas no mau uso da mesma, pois segundo ele a cocaína por si só, nunca produziu uma
vítima, portanto, deve-se evitar tratá-la como uma “agente do mal”. Ao invés disso, “ [...]
Freud transfere a responsabilidade ao sujeito que se droga, “uma predisposição ou em um
funcionamento adictivo já instalado.” (GURFINKEL, 2008, p. 427).
49
Nesse período da história a cocaína, bem como seus adeptos, sofrem fortes críticas da
sociedade local, chega-se a denominá-la como o terceiro flagelo da humanidade, logo depois
do álcool e do ópio. Nem por isso Freud e seus colegas deixam de utilizá-la em seus
experimentos, e muito menos seus adeptos. É justamente nessa época no ano de 1884 que
surge uma descoberta extraordinária no campo da medicina, trata-se da descoberta da
anestesia local, feito realizado pelo então jovem oftalmologista de apenas 27 anos, Karl Köller
(REIS, 2009).
3.4.5 A Descoberta da Anestesia Local
Reis (2009) coloca que até o ano de 1884 o procedimento mais utilizado para tornar
insensíveis regiões do corpo era o frio, seja por neve ou pela mistura de gelo e sal. Em virtude
da precariedade dos até então métodos empregados, o oftalmologista Karl Koller resolve
estudar vários fármacos que pudessem ser úteis para intervenções cirúrgicas em sua área de
atuação. Em agosto desse mesmo ano, Koller, após um estudo detalhado da publicação “Sobre
a coca” de seu amigo Freud e a revisão de um compêndio de farmacologia da universidade
onde estudara, descobre que um alcalóide pouco conhecido causava o entorpecimento da boca
e dos lábios dos que dele ingeriam. Depois destas leituras, e após vários experimentos
pessoais com a substância, Koller imediatamente percebeu estar diante de um poderoso
anestésico local, a cocaína.
Diante da recente descoberta, Koller dirigiu-se ao laboratório de anatomia onde fez seu
experimento inicial com cocaína como anestésico local. Após diluir a substância em uma
pequena quantidade de água pingou uma gota da solução num dos olhos de uma rã, depois de
cerca de um minuto Koller observou que a rã deixava sua córnea ser tocada sem qualquer
sinal de ação reflexiva ou defensiva, enquanto que no outro olho reagia com agitação ao
menor toque. Em seguida realizou testes idênticos com um cachorro e um coelho e
posteriormente no seu próprio olho. Ambos os resultados mostraram-se iguais o que
evidenciou o sucesso da experiência. A experiência de Koller foi de uma simplicidade
impressionante e não durou mais que uma hora, no entanto, teve contribuições inestimáveis
para a medicina (REIS, 2009).
50
Depois que Karl Koller descobriu o uso da cocaína como anestésico local para
cirurgias oculares, algum tempo mais tarde o médico William Stewart Halsted contribuiu
ainda mais para os avanços da medicina, ao desenvolver uma técnica para usar a cocaína
através de injeções no centro dos nervos, anestesiando assim regiões específicas do corpo.
Diante de tanto entusiasmo gerado pelo uso da cocaína no meio científico, não é de se
surpreender que logo essa substância tenha gerado interesses comerciais. Pouco tempo depois
a cocaína passou a ser usada para uma grande variedade de problemas de saúde, bem como,
para fabricação de tônicos e bebidas estimulantes, de modo que nessa época houve um
crescimento desordenado do mercado farmacêutico, uma infinidade de produtos contendo
cocaína eram comercializados, inclusive para crianças. Esses iam desde supositórios, spray e
pastilhas para a garganta, até vinhos e cigarros de coca. Todos com a promessa de curar
inúmeras doenças incluindo alcoolismo, asma, calafrio, dependência de ópio e até doenças
venéreas (CHASIN; LIMA, 2008).
A comercialização de produtos contendo cocaína passou a ser muito comum. Em
1863, por exemplo, o químico Ângelo Mariani idealizou uma mistura de vinhos com folhas de
coca, denominando a bebida de “Vim Mariani.” Esta bebida ficou muito conhecida na época e
admirada por pessoas famosas como o Papa Leo XVIII, que teria contemplado o químico com
uma medalha de ouro pela criação da bebida, (em média o vinho continha cerca de 150 a 300
ml de cocaína.) Anos mais tarde, em 1886, outro produto mundialmente famoso contendo
cocaína foi criado por John Styth Pemberton, que inventou uma bebida isenta de álcool para
estar de acordo com a sociedade americana da época, mas com aproximadamente 240 ml de
cocaína e com extrato de noz de cola, esta era usada como tônico para o cérebro e para os
nervos, assim nasceu a bebida Coca-Cola. Atualmente a cocaína é substituída por cafeína,
uma “droga” lícita (FERREIRA; MARTINI, 2001).
O destino da cocaína foi muito semelhante ao de outras drogas consideradas
“mágicas”, que embora originalmente fossem consideradas seguras, logo tornaram-se
inadequadas em virtude dos seus efeitos colaterais indesejáveis que vieram a ocasionar sérios
danos a saúde dos usuários.
51
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término da pesquisa pode-se concluir que o uso/consumo de drogas é uma
prática social dos homens no decorrer dos tempos. As drogas foram utilizadas por motivos
religiosos e místicos, em rituais grupais, outras vezes em comemorações sociais e ainda em
pessoas enfermas como paliativos da dor física ou como remédio para as “dores da alma”, nos
momentos de tristeza e angústia. Isso tudo sem o estigma de crime ou pecado, apenas porque
as substâncias eram encontradas na natureza e delas os seres humanos foram aprendendo as
formas de usos que beneficiassem a si e à sociedade onde viviam. Portanto, o uso de drogas
era visto como natural, como uma forma de buscar o bem estar em todos os sentidos, sem a
conotação de algo obscuro e proibido.
Com o avanço dos conhecimentos científicos promovido por pesquisas de algumas
substâncias encontradas na natureza, tivemos a transformação de elementos naturais em
substâncias sintéticas (LSD e cocaína) produzidas em laboratório e utilizadas como
medicamentos que posteriormente vieram a ser proibidas. Podemos dizer que ambas as drogas
foram utilizadas para curar ou minimizar problemas de saúde, mas a partir de alguns
equívocos ou excessos no uso/consumo destas substâncias, passaram a ser mal vistas por
grande parte da sociedade e seu uso considerado um crime.
Com o aporte da Psicologia Sócio-histórica compreendemos que o ser humano
constrói e reconstrói a si mesmo a partir de suas experiências com o mundo e no mundo.
Diante disso o homem é movido pelas transformações que ele mesmo produz sobre a
humanidade e que ela produz sobre ele. Com as mudanças da sociedade, as necessidades das
pessoas também se modificam. O que era considerado importante em determinada época, em
outra pode parecer sem sentido, superado.
No caso específico das drogas também ocorreram mudanças nos seus significados. A
evolução da humanidade levou a grandes transformações no uso/consumo das drogas, que de
características religiosas e místicas, fonte de prazer, do poder de curar, foi acompanhando a
trajetória humana e hoje tornou-se um grande problema social e econômico para a sociedade.
52
A sociedade em busca de possíveis soluções acabou por proibir o consumo de
determinadas drogas, com o intuito de normatizar e controlar seu uso. Porém, o efeito dessa
proibição acabou por aumentar ainda mais seu consumo, levando ao aumento do poder
econômico de quem comercializa e em alguns casos a auto destruição de quem as utiliza, pois
sendo proibido, os locais onde as drogas são produzidas comumente são de péssima
qualidade, além da ânsia pelo lucro, que leva essas pessoas a produzir drogas com muitas
misturas, como por exemplo o crack, que coloca a vida dos usuários em risco eminente.
O mercado das drogas ganha cada vez mais adeptos pelo sistema de produção
econômica, o capitalismo, que trouxe à sociedade, cada vez mais a necessidade de consumo, a
busca pelo lucro e a exacerbação do individualismo. As pessoas num comportamento
compulsivo de buscar o prazer, tem nas drogas uma possibilidade de tentar dar conta desta
realidade.
Na atualidade, os significados do consumo de drogas são muito diferentes do foi
construído no decorrer dos tempos. Hoje, o mundo tem um grande desafio pela frente, buscar
mais conhecimentos sobre o uso das drogas ao invés de apenas realizar campanhas contra
elas, porque a força histórica dessa construção só poderá ser modificada através de uma
retomada da sabedoria dos gregos, que não apenas classificavam as drogas em boas ou más,
mas que buscavam conhecimentos de como utilizá-las da melhor forma, sabendo que o uso
demasiado poderia matar e na medida certa poderia curar (RIBEIRO, 2009).
O desafio está posto, ou aprende-se a lição, aproveitando o conhecimento sobre os
diferentes significados que o uso das drogas teve no decorrer dos tempos, buscando ampliar
esses conhecimentos por meio de pesquisas científicas sobre seus usos, seus efeitos maléficos
e benéficos, sua melhor utilização, ou continua-se na ignorância e inoperância de apenas
proibir, castigar, discriminar os usuários, apostando contra a vida e a favor de falsos
moralismos, ignorando a construção histórica da humanidade.
Com esta mentalidade acreditamos que embora nossa pesquisa tivesse sido
atravessada por dificuldades, como a escassez de referenciais teóricos abordando o tema
droga em uma perspectiva histórica, bem como, limitações pessoais acercada da elaboração
de uma pesquisa científica, fez com que está não se delineasse de uma melhor forma. No
entanto esperamos que este estudo traga contribuições significativas sobre o tema, apontando
possibilidades de novas pesquisas relacionadas às drogas. Conforme tratamos neste trabalho a
coca a princípio foi consumida para fins religiosos, em seguida, com a chegada do sistema
53
capitalista a substância foi sintetizada assumindo a forma de cocaína, e logo passou a ser
utilizada para fins terapêuticos. Porém, atualmente o mesmo sistema capitalista modificou
ainda mais essa substância transformando-a no que hoje conhecemos como o crack, pode-se
dizer que está droga se configura como terceira “geração” das folhas de coca, que na forma
atual de uso parece ter provocado mudança de significados atribuídos ao consumo da
substância. Essa hipótese cria margem para o desenvolvimento de nova pesquisa aprofundado
este novo significado social atribuído ao consumo de crack. Por fim, esperamos que nossa
pesquisa de suporte para o desenvolvimento de novos estudos desta natureza para contribuir
na elaboração de políticas públicas vinculadas ao tema.
54
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