UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA Marcelo Razera Rogério Dedonatti OS DIFERENTES SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO CONSUMO DE DROGAS ATRAVÉS DOS TEMPOS Chapecó- SC, 2010 MARCELO RAZERA ROGÉRIO DEDONATTI OS DIFERENTES SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO CONSUMO DE DROGAS ATRAVÉS DOS TEMPOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia, Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (UNOCHAPECÓ), como requisito para obtenção de grau de Psicólogo. Orientador: Me. Celso Francisco Tondin Chapecó-SC, nov. 2010 Quando alguém desenvolve uma pesquisa voltada ao tema drogas: “Geralmente se relaciona, de maneira estereotipada, ao objeto de estudo, ao próprio pesquisador ou, no mínimo, aos seus desejos políticos. Dessa forma, muitos desconfiam do distanciamento do pesquisador ou de suas motivações teóricas, taxando os esforços de pesquisa na área como uma mera militância política em busca de legitimidade científica e intelectual. Pior do que isso, numa perversa operação que minimiza o que de fato deve ser motivo de discussão científica – o texto, sua argumentação e validação empírica – se atenta às características pessoais daquele que o produziu. Tal como ocorre em campos de estudo sobre raça e sexualidade, nos quais muitas vezes negros (no caso do Brasil) são os que estudam discriminação racial e os homossexuais aqueles que se interessam pelo estudo da homossexualidade, seriam consumidores de “drogas” aqueles que se preocupariam com o estudo dessa temática. Seja qual for a ligação entre o objeto de estudo e o pesquisador, assumir posicionamentos políticos parece ser, desde que não acarrete no comprometimento da objetividade dos trabalhos, não apenas inevitável, mas desejável. O pressuposto da neutralidade científica já foi há muito superado e achamos, sim, que a experiência acumulada em pesquisas acadêmicas deve influenciar o debate, enriquecendo-o.” Beatriz Caiuby Labate MARCELO RAZERA ROGÉRIO DEDONATTI “Os diferentes significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos”. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da UNOCHAPECÓ, como requisito à obtenção do título de Psicólogo, aprovado com conceito [ ]. ___________________________________________ Me. Celso Francisco Tondin - Professor Orientador ___________________________________________ Iselda Pereira – Membro da Banca Examinadora ___________________________________________ Dra. Luciana Suarez Grzybowski - Membro da Banca Examinadora Chapecó (SC), 08 de novembro de 2010 Agradecimentos As seguintes palavras expressam minha gratidão aqueles personagens nos quais edifiquei o êxito de minha formação pessoal e profissional. Mas, não vou me deter a citar os nomes, pois em alguns momentos é desnecessário dar nome as coisas, pessoas ou sentimentos que contribuíram no nosso crescimento, além do mais, a imagem destes será para sempre carregada em minha memória. Enfim... Primeiro quero dizer, OBRIGADO, obrigado universo pela oportunidade! É importante ainda dizer um OBRIGADISSIMO A minha família e amigos pelo apoio financeiro. Obrigado também ao orientador Celso Todin. E quanto a mim, agradeço a mim mesmo, Por acreditar fielmente que: “Não a nada que não se possa vir a ser no tempo certo” MARCELO RAZERA Agradeço a mim mesmo, principal, mas não único responsável pelo aperfeiçoamento de minha vida, essa complexa obra que teve início no dia vinte de fevereiro de mil novecentos e oitenta e dois, e que certamente nunca estará completamente finalizada. Agradeço também a minha família, em especial meus pais, por acreditar em mim quando em alguns momentos eu mesmo tive dúvidas. Ao orientador Celso Francisco Tondin pelas orientações, esclarecimentos e direcionamentos prestados em nossa pesquisa. E em algo “maior”, que aqui irei denominar DEUS, por se revelar somente nos momentos certos. ROGÉRIO DEDONATTI Pela memória de Adilson Dias de Amorim RESUMO Este trabalho trata do tema drogas numa abordagem histórica, trazendo a tona os diferentes significados atribuídos ao uso das drogas no decorrer da história da humanidade. Para nortear o estudo configurou-se como objetivo geral: compreender os diferentes significados atribuídos ao uso/consumo de drogas através dos tempos. Como desdobramento delineou-se os seguintes objetivos específicos: verificar a produção científica sobre uso/consumo de drogas em diferentes épocas históricas; identificar e analisar alguns discursos historicamente construídos sobre o uso/consumo de drogas; conhecer os discursos sobre o uso/consumo das drogas cocaína e LSD. Para a efetivação desta investigação optou-se pela pesquisa qualitativa, enfatizando elementos da Psicologia sócio-histórica. Como estratégia utilizou-se a pesquisa bibliográfica, remetendo à seleção do material utilizado, estabelecendo como critério para a escolha os aspectos históricos associados ao consumo de drogas. Num segundo momento, dividiu-se didaticamente a análise deste material em três categorias, que foram denominadas de discursos sobre o consumo de drogas, assim, contemplou-se o discurso antropológico sobre o uso de drogas; discurso político e moral e por fim, o discurso sobre o consumo de drogas para fins terapêuticos. Dentre os resultados obtidos no processo de análise dos discursos, observou-se que as drogas assumiram distintos significados sociais no decorrer da história. Palavras-chave: drogas, significados, cocaína, LSD, Psicologia sócio-histórica. ABSTRACT This work deals with the theme of drugs in a historical approach, bringing out the different meanings attributed to the use of drugs in the course of human history. To guide the study is a main aim: to know the different meanings attributed to drug use over time, noting the significance of its use in every historical period and its relation to social changes from the Antiquity to the present days. As outcome the following specific objectives were outlined: understand the different meanings attributed to the use/consumption of drugs through the ages. An outcome was outlined the following specific objectives: to assess the scientific literature on use/consumption of drugs in different historical periods, identify and analyze some historically constructed discourses about the use/consumption of drugs; know discourses about the use/consumption of drugs cocaine and LSD. To realize this investigation the qualitative research was chosen, emphasizing elements of the socio-historical Psychology. As strategy it was used the literature research, referring to the material selection, using as criteria for choosing the historical aspects associated to drug use. Secondly, the analysis of this material was didactically divided into three categories who were called discourses on drugs use, as well, it was looked at the anthropological discourse on drug abuse; political and moral discourse and ultimately, the discourse on the drug use for therapeutic purposes. Among the results obtained in the process of discourse analysis, it was found that the drugs have taken different social meanings throughout history SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 12 METODOLOGIA DE PESQUISA ....................................................................................... 12 1.1 Metodologia qualitativa de pesquisa ............................................................................... 12 1.2 Procedimentos metodológicos ............................................................................................ 13 1.3 Análise de Discurso ............................................................................................................ 15 CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 18 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................... 18 2.1 Psicologia Sócio-Histórica ................................................................................................. 18 2.2 Significados e sentidos na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica ............................... 20 CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 25 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS.............................................................. 25 3.1 Apresentação dos estudos analisados ................................................................................. 25 3.1.1 Artigos ............................................................................................................................. 25 3.1.2 Capítulos de livros ........................................................................................................... 28 3.2 Análise do discurso antropológico sobre o uso de drogas nos primórdios da humanidade 31 3.2.1 Os significados sociais atribuídos ao uso da Coca na História ....................................... 33 3.3 Análise do discurso político e moral sobre o consumo de drogas ...................................... 35 3.4 O uso de drogas para fins terapêuticos ............................................................................... 38 3.4.1 O uso medicinal do LSD ................................................................................................. 41 3.4.2 O consumo da “droga” LSD ............................................................................................ 43 3.4.3 O uso de cocaína para fins terapêuticos........................................................................... 46 3.4.4 O episódio de Freud com a cocaína ................................................................................. 47 3.4.5 A Descoberta da Anestesia Local..................................................................................... 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 51 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 54 9 INTRODUÇÃO “O ego procura as drogas para agir com mais liberdade.” S. Rado O assunto das drogas é tão discutido nos dias atuais que inquirimo-nos se haveria algo de novo ou interessante a ser dito. Acreditando que a resposta seja afirmativa, não serão os efeitos das drogas no organismo e nem mesmo as conseqüências associadas ao seu uso, objeto deste estudo. O objetivo desta pesquisa está voltado ao conhecimento dos diferentes significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos. Seguindo tal lógica, a pesquisa vai mostrar que o uso/consumo de substâncias psicoativas popularmente conhecidas como “drogas” é um fenômeno que está presente na humanidade através dos tempos. Por conta disso, a compreensão dos tantos campos de significação do termo “drogas” traz consigo muitas controvérsias que, por sua vez, demandam uma abordagem multidisciplinar capaz de abranger os discursos históricos, políticos, científicos, econômicos, sociais e morais. Acreditando na coerência desta lógica, pode-se concordar com Labate et al. (2008) que esse fenômeno contempla múltiplas redes de significações históricas e culturais. Portanto, classificar as “drogas” como boas ou más não parece ser o caminho mais assertivo, tendo em vista que para o bem ou para o mal as “drogas” são e estão na cultura, e assim sendo, não podem ser entendidas fora dela. Mas, Por onde começar? Por onde começar, então? Pelo vinho, pela cerveja ou por outras bebidas alcoólicas fermentadas? Pelos cogumelos alucinógenos? Pela maconha? Pelo ópio? Mas tudo isso nos levaria longe demais: se não à noite dos tempos, ao neolítico, pelo menos. Além disso, porque essas substâncias e não outras? Decerto, o quadro seria bem diferente se partíssemos do Viagra1, do Prozac2 ou do êxtase. No entanto, é preciso começar. [...] Optou-se aqui por partir de um outro ponto que não o das substâncias, vale dizer, por tomar como ponto de partida a controversa etimologia do vocábulo droga. (ELIAS, 1994 apud VARGAS, 2008, p. 42). 1 Segundo o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (2003-2004), Viagra é um medicamento indicado para o tratamento de disfunção erétil, que se entende como sendo a incapacidade de atingir ou manter uma ereção suficiente para o desempenho sexual satisfatório. 2 De acordo com dicionário de especialidades farmacêuticas (2003-2004), o Prozac da mesma forma que a fluoxetina é um antidepressivo de administração oral, indicadas para o tratamento de depressão, ansiedade, bulimia, e transtorno obsessivo compulsivo (TOC). 10 Conforme destaca Labate et al. (2008), atualmente no sendo comum as pessoas concebe o termo “drogas” como sinônimo de substâncias psicoativas proibidas por lei, tais como: maconha3, crack4, LSD5, cocaína6, ecstasy7. Sendo que o consumo destas substâncias é tratado como um grave problema de saúde pública e entendido socialmente como causa direta da criminalidade e da violência urbana. Partindo deste princípio que as drogas são hoje um problema de saúde pública, vê-se que os transtornos decorrentes do abuso de drogas têm se apresentado como uma nova e crescente demanda aos psicólogos que atuam nos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPSs) e centros de tratamento para dependentes químicos. Por essas razões a temática se encaixa na linha de pesquisa Políticas Públicas do Grupo de Pesquisas Práticas Psicológicas do Curso de Psicologia da Unochapecó, especialmente porque nessa discussão resgata-se as primeiras políticas públicas, que tiveram caráter proibicionista, criadas mundialmente para tratar o “problema das drogas” como estratégia de controle social. Ampliando o que foi dito, objetivamente a pesquisa em questão se propõe a contextualizar fatores socioculturais que possibilitaram o consumo em cada época, almejando responder o seguinte problema de pesquisa: Quais os significados atribuídos ao consumo de drogas em diferentes épocas? O objetivo geral: compreender os diferentes significados atribuídos ao uso/consumo de drogas através dos tempos, com ênfase nas drogas cocaína e LSD. Como objetivos específicos: verificar a produção científica sobre uso/consumo de drogas em diferentes épocas históricas; identificar e analisar alguns discursos historicamente construídos sobre o uso/consumo de drogas desde a Antiguidade (4000 a.C. – a 3500 a.C.) até atualidade; conhecer os discursos sobre o uso/consumo das drogas coca;cocaína e LSD. O desenvolvimento de um estudo que trata aspectos históricos associados ao consumo de drogas tem como relevância o fato de que constata-se a existência de uma grande escassez de estudos desta natureza, em contrapartida, depara-se com uma quantidade 3 “Planta derivada da cannabis sativa obtida da resina de sua floração e dos frutos situados na parte superior. (SCHMIDT, 1976, p. 11). 4 Substância sólida cristalina, obtida pelo tratamento de um sal de cocaína, ou de pasta impura que o contém, com bicarbonato de sódio. Esta droga tóxica e ilegal pode ser fumada, o que intensifica a ação do princípio ativo, que é a cocaína. (FERREIRA,1999). 5 Substância alucinógena cujo nome científico deriva do d-dietilamida do ácido lisérgico. (SCHMIDT, 1976, p. 65). 6 Alcalóide cristalino, incolor, tóxico, encontrado nas folhas de coca. (FERREIRA, 1999, p. 492). 7 droga sintética, constituída principalmente de anfetaminas. (FERREIRA,1999). 11 significativa de pesquisas abordando o tema drogas de maneira descolada da perspectiva histórica, dando maior ênfase à inter-relação entre drogadição e delinquência. Essa pesquisa se difere desta lógica no sentido de que propõe a discutir o surgimento do “problema das drogas” e sua evolução no decorrer da história das civilizações. Para tal, será utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa, proposta por Fernando Luis González Rey, que por sua vez, está embasado na Psicologia sócio-histórica de Vigotski. Nessa perspectiva, segundo Aguiar (2000), fala-se de um homem entendido como um ser mediado pelo social que não pode ser compreendido fora de suas relações históricas e sociais, pois a teoria sócio-histórica parte do pressuposto que o homem constrói sua existência a partir de uma ação sobre a realidade e por meio dessa ação resignifica o mundo, a sua realidade, bem como suas próprias condições de existência. No que diz respeito aos procedimentos metodológicos serão utilizadas como estratégia a pesquisa bibliográfica para abarcar os aspectos históricos associados ao consumo de drogas. Cumpre esclarecer que o trabalho a seguir está exposto e subdividido em três capítulos. O capítulo inicial apresenta a metodologia de pesquisa e tem como objetivo esclarecer aspectos importantes acerca do método empregado, assim como, os procedimentos e critérios para a escolha desse material. O capítulo seguinte contempla a fundamentação teórica do estudo que é embasada na teoria sócio-histórica de Vigotski. No terceiro e último capítulo é realizado a apresentação dos dados e análise dos discursos onde são abordados em um primeiro momento os resumos dos capítulos de livros e artigos utilizados e posteriormente a análise dos três discursos abarcados na pesquisa, discurso antropológico sobre o uso de drogas, discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos e discurso político e moral sobre o consumo de drogas. Por fim, mas não menos importante as considerações finais contemplando algumas impressões pessoais acerca do estudo realizado, além das constatações que surgiram no decorrer do trabalho sob o enfoque da Psicologia sócio histórica de Vigotski e suas relações com a compreensão sobre o uso de drogas na sociedade contemporânea. Pretende-se também que essa pesquisa contribua no sentido de auxiliar as pessoas para a percepção das transformações históricas e dos significados atribuídos ao uso de drogas desde a Antiguidade até os dias atuais, favorecendo a expansão dos conhecimentos sobre o “problema das drogas” além do senso comum, reconhecendo que este uso é uma prática social que atravessou os tempos e foi construída histórica e culturalmente pelos homens. 12 CAPÍTULO I METODOLOGIA DE PESQUISA 1.1 Metodologia qualitativa de pesquisa A partir da decisão em pesquisar a produção de subjetividade associada ao uso de drogas em diferentes épocas da história da humanidade, percebeu-se que a aplicação da metodologia qualitativa traria importantes contribuições ao trabalho. Isso porque de acordo com Rey (2002), a pesquisa qualitativa pode ser definida como um método alternativo bastante adequado para o desenvolvimento de estudos oriundos das Ciências Sociais. Para tanto, seguiu-se os moldes propostos pela pesquisa qualitativa de Rey, modalidade esta que privilegia uma análise voltada à subjetividade produzida individual e culturalmente. A partir desta lógica de compreensão entende-se que, [...]“a complexidade da subjetividade permite que o homem seja capaz de gerar permanentemente processos culturais que, bruscamente, modificam seu modo de vida, o que por sua vez, leva à reconstrução da subjetividade, tanto social quanto individual.” (REY, 2002, p. 37). Tomando tal colocação como evidência de que a subjetividade não é algo imutável, tem-se indícios de que os significados construídos em relação ao ato de consumir drogas sofreram diferentes significações no decorrer da história. Com este entendimento foram tratados os diferentes discursos sociais a respeito do uso/consumo de drogas utilizando como ferramenta de trabalho os conceitos de “sentidos e significados” oriundos da Psicologia sóciohistórica de Vigotski. Assim, “[...] na pesquisa qualitativa proposta não existe coleta de dados como tal: o curso da produção de informações é, simultaneamente, um processo de produção de ideias em que toda a nova informação adquire sentido para a pesquisa” (REY, 2002, p. 97). Freitas (2002) acrescenta que para a teoria de Vigotski produzir um conhecimento a partir de uma pesquisa é necessário antes de tudo que se assuma uma perspectiva de aprendizagem como um processo social, com uma relação entre os sujeitos, nesse sentido suas posições passam a ter importantes consequências para a pesquisa. O pesquisador, portanto, faz 13 parte da própria pesquisa, a neutralidade passa a ser impossível e seu aprendizado inevitável. Na pesquisa qualitativa com enfoque sócio-histórico não se investiga buscando resultados, mas a compreensão de comportamentos. Assim um método reflete sempre a perspectiva que se tem do assunto a ser estudado, de modo que: “[...] as questões formuladas para a pesquisa não são estabelecidas a partir da operacionalização de variáveis, mas se orientam para a compreensão dos fenômenos em toda a sua complexidade e em seu acontecer histórico” (FREITAS, 2002, p. 27). […] os fenômenos humanos são estudados em seu processo de transformação e mudança, procurando compreender os eventos investigados procurando suas possíveis relações, associando aspectos individuais e sociais, portanto, em seu aspecto histórico. [...] Para tal é necessário ir à gênese da questão, procurando reconstruir a história de sua origem e de seu desenvolvimento. (FREITAS, 2002, p. 27). Trata-se, portanto nesse caso, de compreender o assunto das drogas não se limitando a uma mera descrição dos fatos ocorridos, mas procurando entender como ocorreram e suas possíveis relações com outros acontecimentos. Isso significa estudar as drogas recuando ao passado para compreender sua trajetória, restrições e proibições. Levando em consideração todos esses fatores associados aos aspectos individuais, sociais e culturais de cada época específica, “[...] tudo isso dá um tom específico e diferenciador aos estudos qualitativos na abordagem sócio-histórica, que não podem ser percebidos como um encontro de psiques individuais, mas como uma relação de textos com o contexto.” (FREITAS, 2002, p. 30). 1.2 Procedimentos metodológicos A tarefa de “solucionar” o problema de pesquisa que procede a investigar quais os significados atribuídos ao consumo de drogas em diferentes períodos históricos mostra claramente que a pesquisa está direcionada a abranger aspectos históricos, de modo que fica evidente também a necessidade da utilização de um método de pesquisa capaz de obter dados que já pertencem ao passado. Para tal, foi utilizada como estratégia a pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos e periódicos. 14 De acordo com Gil (1987), a pesquisa bibliográfica é indispensável para o desenvolvimento de estudos históricos, podendo ser definida como um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções. Entretanto, é necessário discernir que a pesquisa bibliográfica é diferente da revisão bibliográfica. Conforme Lima e Mioto (2007) alertam, a revisão de literatura é apenas um pré-requisito para a realização de qualquer modalidade de pesquisa. Já a pesquisa bibliográfica é mais ampla, pois possui a delimitação dos critérios e dos procedimentos metodológicos que definem o estudo como sendo bibliográfico. Ao tratar da pesquisa bibliográfica, é importante destacar que ela é sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos. Portanto, difere da revisão bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles existente. (LIMA; MIOTO, 2007, p. 8). A seguir os passos formais sugeridos por Salvador (1981), para sistematização de uma pesquisa bibliográfica. O primeiro passo foi desenvolver um levantamento da bibliografia na base de dados do Scielo e Biblioteca da Universidade Comunitária Regional de Chapecó utilizando as seguintes palavras-chave: drogas, álcool, drogas na história, substâncias psicoativas, coca, cocaína, LSD, proibicionismo. A escolha destas palavras-chave se deu pelo conhecimento prévio de que tais drogas assumiram diversos significados sociais no decorrer da história. Contudo, na busca realizada na Biblioteca Universitária foi encontrado um número reduzido de publicações tratando do assunto. Em contrapartida, a busca na base de dados do Scielo trouxe uma amostra significativa. No entanto, ambas as buscas resultaram num amontoado de publicações abrangendo diferentes abordagens voltadas ao tema drogas. Na etapa seguinte realizou-se uma leitura exploratória do material obtido para selecionar as publicações que pudessem contribuir na resolução do problema da pesquisa. Essa primeira análise possibilitou ampliar a compreensão da dimensão histórica, política e social do consumo de drogas através dos tempos. Num segundo momento, definiu-se como critério selecionar para o estudo apenas as publicações que abordassem o tema “drogas” contemplando aspectos históricos associados ao seu uso/consumo. Seguindo à risca tal critério, foram analisados cinco artigos, oito capítulos de livros, (os títulos, autores e resumos do material utilizado estão dispostos no item 3.1, que trata da apresentação dos dados e análise dos discursos). Cabe ressaltar que utilizou-se mais dois livros não disponíveis na 15 Biblioteca Universitária, o 8primeiro foi acrescentado por ser considerado uma fonte primária. O 9segundo, foi acrescentado por ser um estudo financiado pelo Ministério da Cultura do Brasil, que traz novas perspectivas sobre o tema drogas que enriqueceram a discussão. Os outros dois artigos10 foram utilizados para suprir a falta de material didático segundo o critério estabelecido. (SALVADOR, 1981). Posteriormente, realizou-se uma leitura analítica deste material selecionado visando apontar as ideias centrais, que logo foram esboçadas nos fichamentos. Na sequência elaborou-se as categorias de análise que denomina-se de discursos sobre o consumo de drogas no decorrer da história: o discurso antropológico sobre o uso de drogas; o discurso político e moral sobre o consumo de drogas, e o discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos. Avaliando o processo no geral, pode-se dizer que na pesquisa bibliográfica [...] “a leitura apresenta-se como a principal técnica, pois é através dela que se pode identificar as informações e os dados contidos no material selecionado, bem como verificar as relações existentes entre eles de modo a analisar a sua consistência.” (LIMA;MIOTO, 2007, p. 5). 1.3 Análise de Discurso Quais significados atribuídos ao consumo de drogas através dos tempos? Conforme mostram os três discursos contemplados, a relação entre homem e as drogas é de longa data, identificou-se uma ampla diversidade de significados sociais que as drogas foram assumindo ao longo dos tempos. Deste modo, para a discussão dos dados utilizamos a Análise de Discurso. Segundo Caregnato e Mutti (2006), esta perspectiva teórica teve como principal fundador Michel Pêcheux, que desenvolveu os princípios teóricos como base nos conhecimentos oriundos da Psicanálise, Linguística e Marxismo. A Análise de Discurso concebe a linguagem como mediadora da realidade social, esta mediação consiste no discurso, que permite que o homem transforme a si e a realidade na qual vive. Portanto, a Análise de 8 HOFMANN, Albert. LSD - My Problem Child 1981 pela McGraw-Hill Publicado pela McGraw-Hill Book Company. 9 LABATE, Beatriz C....(et al.) (orgs.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador, EDUFBA, 2008. 10 a) RIBEIRO, Cynara Teixeira. Uso de substâncias tóxicas: História, modalidades e efeitos na subjetividade e nos laços sociais. Rev. Psicologia emFoco. Aracaju, Faculdade Pio Décimo, 2009, Vol. 3 (2) pp. 116-123. b) CHASIN, Alice A. M.; LIMA, Irene V. Alguns aspectos históricos do uso da coca e da cocaína. Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, vol.1, nº1, out, 2008. 16 Discurso problematiza a relação entre língua/sujeito/história, observando analiticamente como o sujeito é afetado pela língua e pela história, deste modo: “[...] para se construir, para (se) produzir sentidos ele (sujeito) é afetado por elas. Ele é assim determinado, pois se não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter a língua e a história ele não se constitui, ele não fala, e não produz sentidos.” (ORLANDI, 2007, p. 49). Orlandi (2007), destaca que a Análise de Discurso considera que a linguagem não é transparente, assim ela tem por objetivo compreender a língua fazendo sentido, observando a influência da ideologia na constituição do sujeito perante a história. “[...] É na língua que a ideologia se materializa. Nas palavras dos sujeitos. Como dissemos, o discurso é o lugar do trabalho da língua e da ideologia” (ORLANDI, 2007, p. 38). Ao passo que este sujeito é atravessado pela linguagem e pela história, o discurso produzido pela sua fala terá sempre uma relação com o contexto sócio-histórico, assim, quando nascemos os discursos já estão em um processo que inevitavelmente nos afetaram pela língua e pela história. A ideologia, por sua vez, apresenta-se como condição para nossa constituição enquanto sujeitos, dando base para a produção de sentidos. Logo, “[...] o que é dito em outro lugar também significa nas nossas palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o que sabe que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele” (ORLANDI, 2007, p. 27). Partindo dos pressupostos referenciados, pode-se dizer que a Análise de Discurso não está interessada no texto em si, apenas busca por meio deste apreender os sentidos contidos nos discursos. E assim compreende que: “[...] O sentido é história. O sujeito do discurso se faz (se significa) na/pela história” (ORLANDI, 2007, p. 95). Análise de Discurso é totalmente voltada para o social e pelo histórico. Desta maneira entende-se que a Análise de Discurso não irá descobrir nada novo, pois segue a proposta de fazer uma nova interpretação, uma espécie de releitura de um determinado discurso, apontando sentidos ainda possivelmente ocultos. (CAREGNATO; MUTTI, 2006). Com este olhar analítico enfatiza-se as determinações históricas dos processos de significação, contemplando o contexto, as condições de produção, as circunstâncias, bem como o modo de funcionamento dos discursos elencados para a análise. Vale salientar que neste processo, o analista é um intérprete enquanto desenvolve sua leitura discursiva. Esta interpretação dada pelo mesmo, não deixa de ser “[...] influenciada pelo seu afeto, sua 17 posição, suas crenças, suas experiências e vivências, portanto, a interpretação nunca será absoluta e única, pois também produzirá seu sentido” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 682). Orlandi (2007), concluí que na Análise de Discurso todo “material bruto coletado” já recebe um tratamento analítico superficial no qual o analista fornece pistas para a compreensão do modo no qual o discurso se textualiza, assim, entende-se que a análise inicia ainda na organização do corpus da pesquisa. Deste modo, tal interpretação é sempre passiva a equívocos, pois em algumas ocasiões os sentidos não são tão evidentes como aparentam ser. Portanto, “[...] a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos ou acabados. Eles estão sempre se fazendo, havendo um processo constante do simbólico e da história.” (ORLANDI, 2007, p. 37). Nesta perspectiva discursiva, realizou-se a análise do discurso antropológico; discurso político e moral e do discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos. 18 CAPÍTULO II FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Psicologia Sócio-Histórica Para dar sustentação teórica à pesquisa, necessário se faz apresentar alguns conceitos acerca da teoria sócio-histórica, visando compreender o ser humano e suas transformações ao longo da história. Para Aguiar (2000), a perspectiva sócio-histórica tem como pano de fundo o materialismo histórico-dialético, isso significa dizer que parte do pressuposto de que o homem é visto como um ser inerentemente social e, como tal, sempre ligado às condições sociais. Falar da teoria sócio-histórica pressupõe falar de Lev Semionovitch Vigotski, criador da mesma, sendo assim, cabe esclarecer que as colocações contidas neste capítulo partem de seus escritos e de autores comentando sua obra. Segundo Freitas (2002), a perspectiva sócio-histórica baseia-se na tentativa de superar por assim dizer, a dicotomia existente no campo da Psicologia, onde ora privilegia a mente e os aspectos internos do sujeito, ora comportamentos externos. Assim a Psicologia sóciohistórica busca construir o que Vigotski chama de uma nova Psicologia capaz de compreender o homem em sua totalidade, corpo e mente, ser biológico e social, considerando dialeticamente aspectos de uma mesma unidade, o ser humano. Trata-se nesse caso de adotar uma visão de indivíduo concreto que não pode ser constituído fora de suas relações e vínculos com o mundo externo. Fala-se de um homem que além de produto da evolução biológica é também histórico, mutável e social. Parte-se do pressuposto que o homem não possui uma natureza humana com características universais, isto é, algo que nele é contido desde o nascimento e que emerge durante a vida. Na teoria Vigotskiana parece ser mais adequado falar de uma condição humana na medida em que o homem constrói sua existência a partir de suas ações sobre a realidade. Dessa forma, o ser humano passa a desenvolver uma relação de apropriação, 19 objetivação e expressão entre sujeito/objeto o que vai caracterizar sua vida. Afirma-se assim, “[...] que a natureza psicológica dos homens representa o agregado de relações sociais internalizadas que se tornam, para o indivíduo, funções e formas de sua estrutura” (AGUIAR, 2000, p. 128). Zanella (2005), por sua vez, afirma que para a teoria sócio-histórica a existência de um eu só é possível pela relação social e, mesmo que singular, só é caracterizado como tal pela interação permanente com o outro. Sendo assim, cada pessoa é um agregado de relações sociais, porém, isso não significa dizer que o ser humano é um mero reflexo de seu meio social. Cada pessoa altera aspectos de sua realidade a partir do que considera relevante, constituindo assim modos de ser singular e social. Para Vigotski é através da atividade humana que o ser humano transforma o contexto social no qual se insere e nesse processo constitui a si mesmo como sujeito, ou seja, constitui o seu psiquismo. A história do desenvolvimento da sociedade e de cada pessoa, portanto, está diretamente relacionada às transformações da atividade humana e dos motivos que a impulsionam. (ZANELLA, 2005, p. 101). Aguiar (2000) acrescenta que nas atividades externas são construídas e reconstruídas as atividades internas, o indivíduo passa a ser determinado pela forma como a sociedade se organiza, algo que só é possível na vida social. Pode-se assegurar que para a Psicologia sóciohistórica o homem é um ser ativo, social e histórico, permitindo-lhe assim constituir formas de pensar, sentir e agir de acordo com sua própria consciência. Desta maneira o homem transforma a natureza e si mesmo na atividade dialética com o social. Trata-se, enfim, de encarar o homem como mediador nesse processo, o ser humano vai se constituindo continuo e progressivamente. Zanella et al. (2007) postulam que a teoria sócio-histórica vem se solidificando no cenário científico em pesquisas que abordam a constituição do sujeito, para tal, essa teoria não apenas permite distinguir aspectos do passado no presente, mas também permite distinguir as contribuições do próprio sujeito. De modo que os processos que o constituem na atualidade, nada mais são do que movimentos dos sujeitos em uma determinada época. Consequentemente as práticas que este desempenha no mundo, tanto são produtos de assimilações passadas quanto de transformação de si mesmo. 20 Em um sentido mais amplo, Sirgado (2000) garante que todas as nossas relações sociais e culturais são determinadas pelo modo de produção da sociedade que, por sua vez, são determinados pelos homens. A maneira como essa produção social se caracteriza traduz a maneira como a sociedade se configura. Assim, pode-se pensar que os acontecimentos que ocorrem no plano pessoal nada mais são do reflexo do contexto social. Para que essa conversão do social para o pessoal e do pessoal para o social ocorra é necessário que haja um mediador, a significação tem esse papel, o que permite a constante produção de sentidos. Este é um processo de mediação onde aspectos internos e externos se integram na constituição de novos sentidos e significados. 2.2 Significados e sentidos na perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica Entende-se que antes mesmo de começar apresentar os referidos discursos, é essencial compreender o que são os “sentidos e significados”. Segundo Aguiar e Ozella (2006), existem categorias de significados e sentidos, que apesar de serem diferentes, se constituem mutuamente e não podem ser singularizadas, nem compreendidas em uma relação dicotômica, descoladas uma da outra, pois uma não existe sem a outra, no entanto, assim como o autor, optou-se em abordá-las separadamente. Para uma melhor compreensão deste assunto se faz necessário buscar elementos na teoria de Vigotski, que diz que o homem transforma a natureza e a si mesmo na atividade, portanto, toda produção cultural, social e pessoal tem como elemento constitutivo os significados. Durante muito tempo acreditou-se que o significado das palavras não passava de uma mera associação entre o som da palavra e o seu conteúdo, deste modo, varias teorias tratavam o pensamento e a linguagem isolados um do outro, considerando-os processos independentes. Como se não bastasse, acreditava-se que o significado seria estático e imutável, ou seja, uma vez estabelecido o significado de uma palavra nunca mais haveria quaisquer alterações. Em contraposição a esta mentalidade, a teoria Vigotskiana enfatiza que o significado é um complexo processo de formulação e reformulação, do pensamento para a palavra e da palavra para o pensamento. “[...] O pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir” (VIGOTSKI, 1998, p. 156-157). Cada pensamento tende a 21 relacionar alguma coisa com outra, estabelecendo assim associações, portanto, é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. Sendo assim, é no significado que podemos encontrar as respostas as nossas questões sobre a relação entre o pensamento e a linguagem. (VIGOTSKI, 1998). Mas afinal, como classificar esse fenômeno, como sendo do pensamento ou da linguagem? Vigotski (1998) esclarece que o significado de uma palavra representa uma junção tão estreita entre pensamento e linguagem que fica difícil definir se é um fenômeno da fala ou do pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio que não mais faz parte da fala humana, sendo assim, o significado passa a ser critério indispensável para a palavra. Do ponto de vista da Psicologia, o significado das palavras é uma generalização ou um conceito, atos de pensamento. No entanto, é possível considerá-lo pertencente a duas esferas diferentes. O Pensamento ganha corpo por meio da fala, e a fala está ligada ao pensamento. O significado é um ato do pensamento, mas ao mesmo tempo, também é parte inseparável da palavra, dessa forma, pertence tanto ao domínio da linguagem quanto ao domínio do pensamento. Uma vez que o significado da palavra é simultaneamente pensamento e fala, é nele que encontra-se o pensamento verbal. Nesta perspectiva, Vigotski (1998) garante que a atividade humana é sempre significada: o homem, no agir humano, tanto no pensamento quanto na fala opera com os significados, ou seja, o que ele internaliza não é o gesto como materialidade do movimento, mas a sua significação, que tem o poder de transformar o natural em cultural. Contudo, é importante aludir que o fenômeno da produção de significados ocorre porque o homem é dotado da capacidade de internalizar os signos. Estes são “[...] instrumentos que reorganizam a operação psíquica na medida em que possibilitam a regulação da própria conduta. Permitem, assim, a inserção do homem na ordem da cultura e o estabelecimento de relações qualitativamente diferenciadas com a realidade” (ZANELLA, 2005, p. 101). Este processo psicológico permite estabelecer uma linguagem capaz de fazer associações para a comunicação com o mundo externo, conosco mesmo e com nossa própria consciência. [...] Os significados são, portanto, produções históricas e sociais. São eles que permitem a comunicação, a socialização de nossas experiências. [...] Os significados referem-se, assim, aos conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos, configurados a partir de suas próprias subjetividades. (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 226). 22 Assim sendo, fala-se de um homem constituído numa relação dialética com o social e com a história, sendo singular e subjetivo. Dessa forma, indivíduo e sociedade mantêm uma relação onde um constitui o outro, ou seja, ao mesmo tempo em que o homem expressa a sua singularidade, também é capaz de produzir os significados sociais, bem como, os sentidos subjetivos. Este processo de produção tanto social como pessoal tem como elemento essencial os significados. Deste modo, a atividade humana é sempre significada: o homem, no atuar humano, realiza atividades externas e internas, e em ambas as situações opera com os significados. (AGUIAR;OZELLA, 2006). Nessa perspectiva de compreensão do sujeito, os significados consistem no ponto de partida entre o pensamento e a linguagem. Sabe-se que estes significados contêm muito mais coisas do que aparentam ter, e por meio de uma análise e interpretação apurada pode-se chegar ao que o autor chama de zonas mais profundas, ou seja, os sentidos. “[...] Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma realidade.” (AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 226-227). O sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica, fluida, complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada. O significado é apenas uma dessas zonas do sentido que a palavra adquire no contexto de algum discurso e, ademais, uma zona mais estável, uniforme e exata. (VIGOTSKI, 2001 apud BARROS et al., 2009, p. 179). Dando continuidade ao raciocínio, Barros et al. (2009) acrescentam que o sentido, assim como os signos, não se encontram nem na mente nem na natureza, muito menos em instâncias transcendentais. Os sentidos seriam, portanto, um sistema dinâmico e integrado construídos nas práticas sociais, por meio da dialética entre os processos psicológicos e as experiências do sujeito no convívio com o outro. Nessa perspectiva, a produção de sentidos estaria associada às dimensões cognitivas e afetivas, bem como, aos processos coletivos e individuais. Decorrente disso, a composição dos sentidos passa a ser entendida como forma singularizada, porém socialmente construída no coletivo. Nesse mesmo viés, Rey (2004) menciona que a produção individual de sentido, tem sua origem no encontro do sujeito com a experiência social. O sentido faz com que compreenda-se o social não como algo externo em relação ao indivíduo, mas como mediador 23 das produções desse sujeito. Nessa perspectiva, é possível ultrapassar as dicotomias consciente e inconsciente, individual e social, afetivo e cognitivo, interno e externo e assim por diante. Smolka (apud BARROS, 2009), aponta que os sentidos podem ser vários e capazes de serem produzidos em múltiplas sensibilidades, sensações, emoções, sentimentos, experiências, posições, decisões. Vale ressaltar, que esses sentidos vão ser produzidos a partir de diversos sentidos já instituídos. Estes sentidos não são determinados de forma aleatória, mas através de uma lógica de produção de outros sentidos já estabelecidos. Nesse raciocínio, não há sentidos pré-definidos, todos são determinados nos processos de significação individual de cada sujeito. “[...] Nenhuma experiência nova do sujeito adquire sentido pelo que ela significa de forma „objetiva‟. Toda nova experiência adquire sentido dentro do processo de subjetivação que caracteriza o desenvolvimento da personalidade.” (REY, 2002, p. 44). Rey (2004) comentando a obra de Vigotski ainda postula que os sentidos também estão inseridos nas palavras, no fluxo do falar. Entretanto, situá-lo na fala não significa situá-lo no significado da palavra, mas sim como um agregado de todos os fatos psicológicos que surgem em nossa consciência com o resultado da palavra. Assim o sentido aparece como uma fonte essencial do processo de subjetivação e é ele quem determina o que o sujeito sente diante da expressão da palavra. Nessa perspectiva, o sentido é o elemento central de integração entre a psique historicamente configurada na experiência atual do sujeito. A análise da relação do sentido com a palavra mostrou que o sentido de uma palavra nunca é completo, é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência. [...] o sentido da palavra é inesgotável porque é contextualizado em relação à obra do autor, mas também na compreensão do mundo e no conjunto da estrutura interior do indivíduo. (NAMURA, 2003 apud AGUIAR; OZELLA, 2006, p. 227). Do mesmo modo, para Rey (2004), os sentidos sempre estão associados ao sujeito, nas conseqüências de suas ações e relações nos diferentes espaços sociais em que se faz presente. O cenário de produção desse sentido é constituído na personalidade e em seu caráter particular, no entanto, nenhum evento adquire sentido isoladamente. A produção de sentidos não é linearmente definida nem do ponto de vista biológico nem do social, nem por entidades mentais como os traços de personalidade. Os sentidos se constroem sobre bases muito 24 variadas, por essa razão sua produção é tão dinâmica e oculta. Assim, esses sentidos serão responsáveis pelas diferentes trajetórias de vida experienciadas por cada sujeito. 25 CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS 3.1 Apresentação dos estudos analisados Neste capítulo serão apresentados os resumos das publicações selecionadas para a investigação que tratam dos aspectos históricos do consumo coca/cocaína e LSD. Após a apresentação dos dados, será desenvolvida a análise do discurso antropológico sobre o consumo de drogas; o discurso político e moral sobre o consumo de drogas, e por fim, o discurso sobre o consumo de drogas para fins terapêuticos. 3.1.1 Artigos CHASIN, Alice A. M. & LIMA, Irene V. Alguns aspectos históricos do uso da coca e da cocaína. Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, São Paulo, n.1, vol.1, Out. 2008. Este periódico aborda alguns aspectos teóricos das transformações ocorridas com a coca e posteriormente com a cocaína ao longo dos anos. Essa linha do tempo traz algumas lendas dos povos andinos acerca da origem da coca. Posteriormente, com a chegada dos colonizadores espanhóis, as atribuições divinas ao arbusto vão sendo esquecidas. Assim, as folhas de coca são transformadas em cocaína e passam assumir um caráter de medicinal. Surgem nesse contexto nomes conhecidos como Sigmund Freud, pai da psicanálise e Karl Koller, descobridor da anestesia local, ambos com uma relação profissional e pessoal muito próxima com a substância. Em seguida o autor enfatiza que surgem as políticas proibicionistas devido ao grande aumento no consumo de cocaína, com a mudança do status legal o preço da cocaína torna-se elevado e passa a ser consumida somente por uma minoria. 26 FERREIRA, Pedro Eugênio M & MARTINI, Rodrigo K. Cocaína: lendas, história e abuso. Revista Brasileira de Psiquiatria. São Paulo, n.2, vol.23, p. 96-99, 2001. O artigo refere-se ao assunto da cocaína como um dos problemas sociais da civilização ocidental, bem como, seu abuso e as consequências deste abuso para os órgãos de saúde pública. O trabalho traz também, aspectos históricos de seu consumo à cerca de 4500 anos atrás por índios Sul Americanos. Com as transformações ocorridas ao longo dos séculos a cocaína passa a ser semi-refinada em seu próprio país de origem como pasta base, barateando os custos de produção e proporcionando uma queda significativa nos preços, levando ao uso crescente e abusivo da cocaína. Com a ascendência dessa substância, a indústria passou a ver o quanto a cocaína poderia ser lucrativa para o mercado. Dessa forma, houve uma rápida explosão de fábricas de medicações utilizando a cocaína em diversos produtos. “[...] Operando na ausência de leis ou regulamentos que limitassem a venda ou o consumo, a cocaína tornou-se presente em farmácias, mercearias e bares” (FERREIRA;MARTINI, 2001,p. 98). REIS JR, Almiro dos. Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Köller (1857-1944) e a descoberta da anestesia local. Revista Brasileira. Anestesiol. São Paulo, n.2, vol.59, p. 244-257, 2009. O texto elucida as pesquisas realizadas por Sigmund Freud sobre os efeitos fisiológicos da cocaína em seres humanos, apresenta também a euforia de Freud diante de um poderoso alcalóide, o qual acreditava ser o “remédio mágico”. No entanto, após a morte de seu amigo Ernest Fleischl-Marxow, viciado em morfina e cocaína, a última receitada pelo próprio Freud, surgem as primeiras críticas da sociedade local frente aos pesquisadores e usuários da cocaína. Nessa mesma época, por volta de 1884, ocorre uma extraordinária descoberta no campo da medicina. Karl Koller, jovem oftalmologista, descobre a anestesia local utilizando cocaína. Diante do feito pioneiro, Koller relata todos os passos realizados por ele na primeira intervenção cirúrgica oftalmológica sob anestesia local. E, por fim, o texto traz as numerosas homenagens recebidas por Koller em várias partes do mundo. 27 GURFINKEL, Decio. O episódio de Freud com a cocaína: o médico e o monstro. Revista Latino americana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo, n.3, vol.11, p.420-436, 2008. O presente artigo aborda as ambições profissionais e pessoais de um jovem médico chamado Sigmund Freud que almejava a possibilidade de realizar uma grande descoberta no campo da Medicina, mais precisamente em sua própria área, a Psiquiatria. Após algumas tentativas frustradas deparou-se com um alcalóide quase desconhecido que poderia ser a tal “descoberta” que tanto sonhara. Posteriormente a uma série de experimentos em amigos, colegas e parentes, Freud publica em 1884 sua primeira monografia sobre o assunto intitulado “Sobre a Coca”. Trata-se de um minucioso estudo sobre a droga, bem como, seus efeitos e possíveis usos terapêuticos. O mesmo Freud, após se dar conta dos equívocos cometidos, publicaria anos mais tarde, em 1892, uma continuação de “Sobre a Coca”, modificando em partes seu ponto de vista. No entanto, Freud passa argumentar não contra a droga em si, mas como uma predisposição adictiva já instalada no próprio sujeito que se droga. RIBEIRO, Cynara Teixeira. Uso de substâncias tóxicas: História, modalidades e efeitos na subjetividade e nos laços sociais. Revista Psicologia em Foco. Aracaju, Faculdade Pio Décimo, Vol. 3 (2), p. 116-123, 2009 A autora demonstra que o uso das mais diferentes substâncias acompanha a trajetória das civilizações e tribos mais antigas até as sociedades mais recentes. Embora cada grupo possuísse seu ritual distinto, o caráter religioso era algo que se assemelhava, desse modo, a substância servia como elo entre o humano e o divino. O estudo nos mostra também, a relação estreita existente entre remédio e veneno para a civilização grega, o mesmo termo, phármakon, era denominação utilizada para ambos os casos, o que distinguiria remédio e veneno seria a dose. Já com a chegada da Idade Moderna as drogas passam a assumir um papel importante, pois a chegada do capitalismo trouxe consigo a valorização do consumo e do lucro, assim as drogas passam a assumir um papel importante na economia. O texto problematiza também a sociedade contemporânea e a busca por prazer imediato, o que vai ao encontro do uso de drogas para alívio de tensões cotidianas. 28 3.1.2 Capítulos de livros LABATE, Beatriz C. et al. (org.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. A autora traz em seu estudo que a problemática das “drogas” é historicamente recente. Assim, pode-se dizer que a produção de conhecimento a esse respeito é ainda escasso e quase sempre pautado em uma lógica negativa. A ciência, por sua vez, em especial as Ciências Biomédicas, sempre assumiu papel contraditório, ora descobrindo, sintetizando e isolando novas moléculas ora propagando seus malefícios. Frente a essa dualidade entre os saberes, é criado o Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Esse grupo é financiado pelo Ministério da Cultura do Brasil, e é composto por pesquisadores, colaboradores e correspondentes de diferentes saberes científicos. Esse espaço de reflexão gerou dentre muitas divergências pontos em comum: “[...]Considera-se que boa parte daquilo que se apresenta como o „problema das drogas‟ não é resultado das propriedades intrínsecas das substâncias, mas sim da atual política proibicionista” (p. 25). Outro ponto em comum entre os estudiosos do tema no que diz respeito à necessidade de respeitar os princípios éticos da autonomia do indivíduo sobre o próprio corpo. Em outras palavras, o (NEIP) está preocupado em analisar todas as implicações culturais associadas ao consumo das drogas, operando com certo desprendimento dos pressupostos que sustentam o proibicionismo. CARNEIRO, Henrique; AYALA, Enrique. Autonomia ou Heteronomia nos estados alterados de consciência. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. O autor inicia a discussão abordando a dificuldade em se estabelecer um parâmetro de classificação do que é ou não é droga, segundo ele, se classificamos drogas como substâncias que produzem alterações psíquicas, então haveríamos de ampliar essa lista com muitas outras substâncias consideradas lícitas. Para este autor, o critério para a classificação entre drogas lícitas ou ilícitas está muito mais ligado a formas de controle e repressão dessa ou daquela droga do que de fato uma categorização pautada na substância em si. Segundo Carneiro (2008), a síntese da problemática das drogas refere-se à natureza da não autonomia do ser humano em decidir sobre si próprio. O estudo traz também a problemática atual de alguns 29 fármacos que em quase nada se diferenciam de algumas drogas ilícitas a não ser a dosagem e tempo de atuação de cada um no sistema nervoso central, problematizando que o mesmo sistema que produz a doença fornece o remédio RODRIGUES, Thiago. Tráfico, Guerra, Proibição. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. Este capítulo aborda que, embora o uso de substâncias psicoativas seja comprovadamente milenar, seu consumo tido como um “problema social” tem menos de um século de existência. Isso porque os Estados Unidos em 1919 instituíram a primeira lei proibicionista, conhecida como Lei Seca. Esta proibia todo e qualquer consumo, venda ou armazenamento de álcool no território americano. Tal repressão teve como objetivo o controle social, mas acabou por alimentar um mercado ilícito de álcool antes não existente. Sendo assim, a Lei Seca é tratada pela maioria dos autores como um fracasso total. O estudo aponta que, por volta da década de 30, a Lei Seca é revogada. Por fim, o autor questiona os motivos de se manter uma guerra perdida, já que as políticas proibicionistas nunca surtiram o efeito desejado. VARGAS, Eduardo V. Fármacos e outro objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia das drogas. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al. (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. Nesta obra o autor destaca o termo droga em uma perspectiva diferente da que estamos acostumados a tratar. Segundo Vargas (2008), corriqueiramente as drogas são atreladas em nossa sociedade somente às substâncias cujo uso é objeto de controle ou de repressão por parte do Estado, também chamadas de ilícitas. No entanto é esquecido de se incluir nessas listas as chamadas drogas farmacêuticas que desde o início do século XX vem tendo um crescimento ininterrupto, também chamado de invasão ou explosão farmacêutica. Sem dúvida o termo “drogas” está cercado de muitas controvérsias. O autor ressalta em especial, a distinção entre drogas e fármacos e a repressão de todas as formas de uso não médico de praticamente todas as drogas psicoativas, apesar de algumas notórias e inexplicáveis controvérsias. 30 TEIXEIRA NETO, Rubens Gabriel. Breve Histórico da Cocaína. In: A cocaína corrói corações. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997. Este capítulo descreve a retrospectiva da história da coca/cocaína até chegar ao estado atual. O autor enfatiza a importância da coca para a cultura Inca na Antiguidade, que naquele contexto considerava esta planta sagrada utilizando-a para diversos rituais religiosos. Teixeira (1997) aprofunda esta questão resgatando várias histórias, lendas que explicariam a origem da planta, observa-se que todas as lendas abordadas evidenciam que o uso de coca é ainda anterior a civilização Inca. HOFMANN, Albert. Como o LSD se originou. In: LSD - My Problem Child. McGraw-Hill Book Company, 1981. Este capítulo introduz a obra descrevendo minuciosamente a descoberta da droga LSD (D-dietilamida do Ácido Lisérgico) pelo químico suíço Albert Hoffmann no ano de 1943. Esta droga foi produzida pelo laboratório psicofarmacêutico da multinacional Sandoz, em essência este medicamento foi testado para ajudar a compreender a natureza das psicoses. Num segundo momento devido aos efeitos terapêuticos que a droga proporcionava, os psicólogos e psicanalistas da época começaram a empregar o LSD nas sessões de psicoterapia como um instrumento complementar para facilitar o processo terapêutico. Em seguida o referido autor se atenta a fazer uma apresentação clássica da história da matéria-prima da qual fez sua descoberta, o fungo (Ergot) encontrado no centeio, e também algumas espécies de cereais de gramas selvagens. Nesta ocasião Dr. Hofmann destaca que esta substância já era utilizada para fins terapêuticos ainda na Idade Média para precipitar o parto. Porém, ressalta que o uso desta substância para este fim não durou muito tempo, pois, “[...] logo os médicos se deram conta do grande perigo para a criança, principalmente devido à grande incerteza da dosagem que, quando muito alta, conduzia a espasmos uterinos” (HOFMANN, 1980, p. 07). HOFMANN, Albert. De remédio para Inebriante. In: LSD - My Problem Child . McGrawHill Book Company, 1980. Neste capítulo Dr. Hoffmann começa a descrever acontecimentos trágicos decorrentes do uso não medicinal do LSD. O autor nos coloca que durante os primeiros dois anos depois da descoberta, o LSD trouxe grande satisfação porque até então a droga era tida como um valioso medicamento que poderia ser utilizado para diversos fins terapêuticos. Porém, após 31 dez anos de pesquisas científicas dos efeitos psíquicos em animais, e também em seres humanos, o LSD começa a se espalhar pelo mundo inteiro nos anos cinquenta como uma droga embriagadora de uso recreativo. A partir de então, surgem pelo mundo, inúmeros incidentes desfavoráveis que provocaram diversas mortes. O autor conclui este capítulo descrevendo a influência do LSD na edificação do movimento hippie que nasce paralelamente impulsionado pelas auto-experiências com LSD de notáveis pintores, escritores, e músicos da época, toda essa produção ficou conhecida como arte psicodélica. SCHMIDT, Ivan. LSD II. In: A ilusão das drogas: um estudo sobre a maconha, LSD e anfetaminas. 2. ed. São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976. Neste capítulo Schmidt (1976) descreve elementos da biografia de Dr. Timothy Leary, enfatizando suas pesquisas científicas com LSD desenvolvidas no campo acadêmico da Universidade de Harvard sobre os efeitos desta droga na mente humana. Cabe ressaltar que Dr. Timothy Leary é tido como um dos principais protagonistas da história desta droga, este é considerado o maior teórico, bem como, um dos principais responsáveis pela propagação do LSD pelo mundo. Após retratar as experiências científicas com LSD, o autor relembra diversos fatos que contribuíram para que as autoridades políticas reprimissem a distribuição desta substância, incluindo-a na lista das drogas ilícitas no ano de 1966. 3.2 Análise do discurso antropológico sobre o uso de drogas nos primórdios da humanidade De acordo com Ribeiro (2009), desde os primórdios da civilização, diferentes sociedades e culturas utilizam certas substâncias, sendo elas, estimulantes, sedativas ou extasiantes, todas capazes de causar alterações no estado de consciência dos que delas fazem uso. Registros históricos mostram que desde os tempos mais remotos diferentes sociedades, bem como muitas tribos indígenas já faziam uso de substâncias hoje consideradas tóxicas. Embora cada qual possuísse seus próprios rituais distintos, algumas culturas se assemelhavam em seu caráter religioso, dessa forma, acreditava-se que as cerimônias serviam para alcançar harmonia entre si, com os deuses e com a natureza. Portanto, o uso dessas substâncias, assim como as músicas e as danças, serviria como elo entre o humano e o divino, 32 ritual capaz também de afastar desgraças e abrandar a dor. Sendo assim, para estas culturas a substância por si só não era percebida como dotada de poderes alucinógenos e sim como parte de um ritual culturalmente estabelecido. (RIBEIRO, 2009). Entretanto, em algumas civilizações antigas, as atribuições para algumas substâncias nem sempre tinham o mesmo propósito, ao mesmo tempo em que serviam para curar e divertir eram usadas para ampliar a consciência, conduzindo os que a usavam a um elevado estado de conhecimento e compreensão, como é o caso do phármakon, termo atribuído pelos gregos, que possui significado similar a remédio ou veneno, ou seja, curiosamente a mesma denominação estava simultaneamente associada a coisas distintas. Os gregos acreditam que o uso moderado dos tóxicos era visto pelos deuses como algo que os favoreceria no estabelecimento de laços sociais, já o uso em excesso os levaria à solidão e loucura (Ribeiro, 2009). Dentre as principais drogas utilizadas na Antiguidade, destaca-se o consumo de ópio, substância retirada do suco coagulado da papoula cujo nome científico é papaver somniferum, muito vinculada ao misticismo há vários séculos pelos povos asiáticos. Destaque também para a maconha, planta conhecida cientificamente como cannabis sativa, já considerada sagrada pelos hindus há mais de mil anos antes de Cristo. Sem esquecer do peiote, substância conhecida como “carne dos deuses”, muito idolatrada pela Civilização Asteca, deste cacto se extrai uma substância chamada mescalina. Sem contar os derivados da folha do arbusto da coca venerada pelos Incas de 2500 a 1800 a.C (SCHIMDT, 1976). Seguindo o curso da história, Ribeiro (2009) acrescenta que a Idade Média foi marcada pelas invasões dos colonizadores em busca de novos territórios por todo mundo e com eles a religião católica pregando ferrenhamente o Cristianismo aos povos colonizados. Nesse contexto de mudanças, as distinções feitas pelos antigos entre o uso moderado e o uso excessivo de substâncias tóxicas foi um pouco esquecido, assim a Igreja Católica, no intuito de coibir o consumo destas substâncias, passa a considerar o consumo imoral e pecaminoso. A Igreja repreendia tais substâncias pregando que não poderia haver prazeres dissociados do sofrimento, ideologia embasada nos valores da ética cristã. Essa época é marcada pela relutância dessas civilizações colonizadas em abandonar o uso das maravilhosas substâncias que lhes ajudavam a desvendar os segredos da alma (SCHIMDT, 1976). Segundo Ribeiro (2009), com a chegada da Idade Moderna e a substituição do modo de produção medieval pelo capitalista as drogas passam a assumir um papel importante. 33 Assim, o consumo e o lucro passam a ser muito valorizados, o que fez com que as atividades comerciais, especialmente por vias marítimas, tivessem um aumento significativo. Desse modo, os produtos já considerados moralmente aditivos nesse período como álcool, tabaco, café, ópio11, cânhamo12, entre outros passaram a circular entre os continentes. 3.2.1 Os significados sociais atribuídos ao uso da Coca na História Conforme destaca Teixeira (1997), os primeiros registros científicos de consumo de coca foram datados de 2500 a 1800 a.C. por pesquisadores que encontraram vestígios de coca nos cabelos de múmias andinas no que hoje é conhecido como território do Peru, no sítio arqueológico de Huaca Prieta. É importante ressaltar que o conhecimento das diversas aplicações do uso de coca pelos Incas é dificultado pela falta da linguagem escrita como registro da história desse povo. No entanto, existem evidências que o uso desta substância é ainda anterior à civilização Inca porque muitas lendas dos povos andinos apontam que o arbusto era considerado uma planta sagrada desde tempos imemoráveis em virtude de sua capacidade curativa de atenuar os efeitos da fadiga, fome, sede e de problemas de saúde. Numerosas lendas se referem a ela em associação aos mistérios sagrados da fertilidade, da sobrevivência e da morte, assim como de práticas curativas. [...] Além do valor nutritivo, esses indígenas buscam o bem estar e a ação euforizante que fazem parte de seus cotidianos. Esse uso está intimamente integrado à cosmovisão dessas tribos. (FERREIRA; MARTINI, 2001, p. 96). Ferreira e Martini (2001) acrescentam que a coca é uma planta nativa dos Andes e seu nome tem origem de uma palavra do Aimará, “Khoka”, que significa “a árvore”. Para os incas a planta sagrada é um presente do Deus Inti ou “Deus Sol”, que teria instruído seu filho Manco Capac a descer do céu sobre as águas do lago Titicaca para ensinar aos povos daquela região a arte, agricultura e presenteando-lhes com o arbusto sagrado. Seguindo o curso da história, percebe-se que devido a suas atribuições divinas, a planta adquire grande influência simbólica no governo Inca, pois era cultivada e reverenciada 11 Substância extraída da papoula causando adormecimento e entorpecimento. (FERREIRA, 1999). Planta herbácea da família da cannabis sativa amplamente cultivada em muitas partes do mundo. (FERREIRA, 1999). 12 34 em virtude de seu significado religioso. Por conta disso, no final do século XV o governo do Topa Inca (1471-1493) se apropriou das plantações de coca, tornando-as como patrimônio estatal, cujo consumo era um privilégio destinado somente ás classes superiores, seu uso era considerado um mérito especial, digno apenas para os soldados durante campanhas militares ou pessoas engajadas em projetos governamentais. Assim, o governo Inca monopolizava as plantações de coca limitando seu consumo, sendo que o mascamento indiscriminado era visto como sacrilégio. Dentre as diversas aplicações da coca pelos incas existem evidências que nesta época já havia também o uso medicinal da planta (CHASIN; LIMA, 2008). […] há razões para se acreditar que a droga pode ter sido usada como analgésico em trepanação craniana. Nos primeiros apontamentos sobre neurocirurgia, eram feitas perfusões na cabeça presumivelmente para permitir a saída dos espíritos maus de suas vítimas. A despeito do procedimento rudimentar envolvido, há evidências arqueológicas que esta operação foi algumas vezes bem sucedida com sobrevivência das vítimas. O uso medicinal é apontado, por vezes, como elemento de explicação para a longevidade daquele povo. (CHASIN; LIMA, 2008, p. 33). Passado algum tempo, com a chegada dos colonizadores espanhóis ao Peru por volta de 1536, a coca perde muito de seu significado místico e religioso, e distintos posicionamentos em relação ao arbusto passam a gerar controvérsias entre os conquistadores. De um lado os missionários posicionam-se contra o uso da coca por parte dos andinos considerando-a um obstáculo para a difusão do cristianismo, tendo a planta como um “Talismã do Diabo”. Por esse motivo o Concílio Eclesiástico de Lima decide proibir o seu consumo nesta época (CHASIN; LIMA, 2008). Por outro lado, havia o reconhecimento que o mascamento da coca não só era necessário, mas também fundamental para a saúde e motivação do índio andino. Sendo assim, em 1569, apoiado nestes fatos o Rei Felipe II da Espanha novamente passa a considerar a coca como essencial para o recrutamento e o trabalho árduo nas minas e lugares similares. Por esse motivo o cultivo, distribuição e o uso voltam a ser estimulado. (TEIXEIRA, 1997). Como pode-se observar, as drogas sempre estiveram presentes em diferentes épocas e nas mais variadas culturas, suas propriedades e seus usos foram assumindo ao longo dos tempos distintos significados dependendo do contexto sociocultural. 35 3.3 Análise do discurso político e moral sobre o consumo de drogas O homem faz uso de substâncias psicoativas desde o começo dos tempos, esse uso é comprovadamente milenar. Contudo, o significado atribuído ao consumo entendido como um “problema social” é algo muito recente perante a história, trata-se de uma construção social com menos de um século de existência. Curiosamente, há cerca de um século praticamente nenhuma das drogas que conhece-se atualmente era controlada por leis proibicionistas, de modo que o consumo jamais era sujeito à criminalização. Do ponto de vista legal os indivíduos possuíam autonomia para consumir quaisquer substâncias psicoativas livremente (LABATE et. al., 2008). No entanto, em 1919 os Estados Unidos proclamam a primeira lei proibicionista contemporânea chamada “Volstead Act”, que ficou conhecida perante a história como a Lei Seca. A referida lei elaborada pelos americanos previa a proibição total de qualquer forma de consumo, venda, ou armazenagem de álcool em seu território. Os Estados Unidos almejavam, por meio desta lei, ampliar o controle social no sentido de extinguir totalmente o consumo do álcool no país. Acreditava o governo daquele país que esta medida proibicionista seria eficaz o bastante para extinguir o consumo de álcool, bem como os hábitos relacionados (RODRIGUES, 2008). Rodrigues (2008) coloca que a Lei Seca foi uma conquista dos grupos puritanos moralistas da época, que em marchas políticas exigiam medidas para reprimir o consumo de álcool, argumentando que o consumo nos bares era imoral, pois nestes espaços se concentravam, segundo eles, os “males” da sociedade, como os jogos e a prostituição. Tais condutas se confrontavam diretamente com os princípios puritanos que previam uma conduta voltada à castidade e sobriedade. “A meta da Lei Seca era sufocar práticas e eliminar uma droga como se ela jamais houvesse existido e sido consumida e desejada” (RODRIGUES, 2008, p. 94). Todavia, o álcool não deixou de ser consumido. Conforme destaca Rodrigues (2008), a repressão ao consumo originou um mercado ilícito de traficantes/negociantes de álcool que passaram a ser muito solicitados. Em suma, a Lei Seca é definida quase por unanimidade pelos autores pela seguinte expressão: “fracasso”. Com a implantação da Lei Seca, “[...] produziu-se um campo de ilegalidades novo e pujante, inventou-se um crime e novos 36 criminosos, e o álcool, talvez para angústia dos proibicionistas mais dedicados, não deixou de ser consumido”. (RODRIGUES, 2008, p. 94). Segundo Rodrigues (2008), com o fracasso do proibicionismo, ao invés da Lei Seca contribuir para o controle social acabou por impulsionar a criminalização de grandes parcelas da sociedade. Ainda sobre essa questão, este autor é ainda mais incisivo ao afirmar que entre 1910 e 1920 as “drogas” e o álcool deixam de ser um “problema sanitário” e passam a ser entendidas como uma “epidemia” quando: […] o hábito de intoxicar-se deixa de ser uma exceção em meio aos filhos da 'boa sociedade', gracejando entre prostitutas, pequenos criminosos, nas classes trabalhadoras urbanas etc. Para o moralismo proibicionista, significava a difusão do 'Mal'; para a classe médica e as autoridades sanitárias, o crescimento de um grave problema de saúde pública; para os estrategistas da segurança pública, a proliferação de criminosos. A um só tempo, um pecado e um crime de lesa sociedade. (RODRIGUES, 2008, p. 95). Passado algum tempo desde sua implantação, a Lei Seca cai por terra no final da década de 30, o álcool então retorna à legalidade. Porém, com o avançar dos anos as políticas proibicionistas voltaram-se para a cocaína e a maconha com intuito de erradicar o consumo destas, e o uso ficou bastante restrito aos “usos médicos”. Nestas circunstâncias o saber médico assume a função de definir categorias de controle das drogas psicoativas, de modo que o consumo de quaisquer substâncias psicoativas deveria ser supervisionado por um médico que, por sua vez, também era controlado pelo Estado. As políticas proibicionistas das quais estamos nos referindo começaram a ser elaboradas a partir de 1945, quando Organização das Nações Unidas (ONU) começou a mobilizar esforços para construção de tratados internacionais visando o controle social no sentido de reprimir totalmente o consumo das drogas consideradas de uso não médico. No entanto, foi em 1961 foram definidas as normas em uma convenção internacional sobre drogas, a partir daí foi implantado o proibicionismo como estratégia para controlar o que chamavam de epidemia das drogas (Rodrigues, 2008). Prossegue o referido autor destacando que a partir destas medidas políticas, logo a maioria dos países do mundo aderiram à lógica proibicionista em virtude do considerável crescimento do consumo de heroína13, cocaína, LSD, e maconha, que passaram a ser utilizadas como uma espécie de combustível do movimento hippie na década de 60. Neste 13 Alcalóide obtido pela ação do anidrido acético sobre a morfina, com uma ação mais acentuada e poderosa que esta (FERREIRA, 1999, p.1037). 37 contexto conflituoso da época, este movimento social era visto como uma afronta aos interesses políticos dos Estados Unidos, ao ponto que o governo em exercício estava determinado a combater com rigidez os traficantes e consumidores. Registros históricos mostram que a declaração de 1972 do então presidente dos EUA, Richard Nixon, na qual proclamou que 'as drogas' eram o novo inimigo número um do país. Nixon sustentava que [...] “para enfrentar tão ameaçador inimigo era urgente declarar guerra as drogas” (RODRIGUES, 2008, p. 99). Rodrigues (2008) enfatiza que, de maneira semelhante da fracassada Lei Seca, o proibicionismo das demais drogas também não surtiu o efeito esperado no sentido de extinguir o consumo destas substâncias, bem como seus mercados. Consequentemente as normas proibicionistas acabaram por inventar o narcotráfico. Para este autor: Quem defende o proibicionismo como modo eficaz para lidar com a 'questão das drogas' transita por discursos médicos, governamentais e moralistas ou caminha determinado na poeira de muitas outras batalhas que não têm como objetivo, pura e simplesmente, a erradicação de substâncias específicas e das práticas sociais a ela relacionadas, mas a manutenção de uma guerra infindável. (RODRIGUES, 2008, p. 102). Ao tratar dos interesses políticos associados ao consumo de drogas, Rodrigues (2008) se referindo às políticas proibicionistas leva à reflexão e questionamentos sobre qual o sentido de manter uma “guerra perdida”? Conforme ressalta o referido autor, passado quase um século depois da implantação das primeiras medidas políticas de controle do consumo de drogas não chegou-se nem perto do objetivo inicial das leis já citadas, que originalmente previam a erradicação total dos hábitos de consumo, bem como seus mercados. Este mesmo autor se posiciona sobre a essa questão salientando que “[...] psicoativos novos e antigos continuam sendo produzidos, comercializados e usados, dando provas da mobilidade dos grupos dedicados ao tráfico que escapam ou se readequam às sempre reeditadas políticas repressivas” (RODRIGUES, 2008, p. 102). Neste item, mesmo que indiretamente fala-se sobre um discurso que tratou as drogas como inimigas da “boa sociedade”. Agora para fazer uma espécie de contraponto, no tópico seguinte vamos apresentar o discurso sobre o uso de drogas para fins terapêuticos, que vai 38 enfatizar que em alguns momentos da história as drogas foram consideradas “benéficas” para a humanidade. 3.4 O uso de drogas para fins terapêuticos De acordo com Vargas (2008), cabe ressaltar antes de tudo que a união entre Farmacologia e Medicina é de longa data, de modo que a Medicina se desenvolveu enquanto Ciência não apenas pelo desenvolvimento das teorias médicas, mas também graças a contribuição significativa da Farmacologia que possibilitou uma prática revolucionária de curar utilizando-se da química. Ackerknecht ( apud VARGAS,2008) coloca que o mérito desta “invenção” foi concedido a Paracelso (1493-1541), que é reconhecido como responsável pelo êxito de introduzir a alquimia, ou seja, a química da época na medicina para fins terapêuticos. Entretanto, foi somente no século XIX, após muitas tentativas por vezes frustradas, que de fato provou-se a eficácia da “terapia através das drogas” com a prática da vacinação. A partir de então, abriram-se novos horizontes para as práticas médicas por meio da terapia medicamentosa. Porém, é válido lembrar que o avanço das terapias por meio das drogas fez muitas vítimas, isso porque ainda não havia formas exatas de administração das drogas, por conta disso, era comum pacientes morrerem pela ingestão de doses excessivas de determinadas drogas. Dentre as primeiras drogas utilizadas pelo saber médico, destaca-se o uso das substâncias: iodo, insulina14 e morfina,15 além destas, a descoberta dos antibióticos 1928, e a introdução dos anestésicos foram descobertas determinantes para o avanço das práticas médicas. (VARGAS, 2008). Como se pode observar nos exemplos, o uso de drogas não trouxe somente prejuízos para a humanidade, pois algumas terapias por meio de drogas foram muito benéficas, especialmente por garantir uma maior expectativa de vida para milhões de pessoas. Diante de tantos maniqueísmos associados ao uso das drogas, Labate et al. (2008) afirmam que é indispensável analisar o sentido amplo do termo drogas, pois as controversas associadas ao vocábulo sobreviveram no tempo, de modo que ainda não existe na atualidade um consenso universal entre os próprios especialistas das ciências biomédicas no que diz respeito ao 14 Hormônio secretado pelo pâncreas, com importante função no metabolismo dos açúcares pelo organismo (FERREIRA, 1999, p. 1120). 15 O principal e mais ativo dos alcalóides extraído do ópio [...] usado como sedativo (FERREIRA, 1999, p. 1367). 39 sentido preciso do termo “drogas”. Contudo, na linguagem mais técnica utilizada pelos especialistas podemos definir drogas como qualquer substância psicoativa capaz de desencadear no corpo uma reação tanto somática quanto psíquica de intensidade variável. „Psicoativo‟ é um dos termos cunhados para referir às substâncias que modificam o estado de consciência, humor ou sentimento de quem as usa – modificações essas que podem variar de um estímulo leve, como o provocado por uma xícara de café, até alterações mais intensas na percepção do tempo, do espaço ou do próprio corpo, como as que podem ser desencadeadas por alucinógenos vegetais, como a ayahuasca, ou „anfetaminas psicodélicas‟ sintéticas, como o MDMA, popularmente conhecido como ecstasy. (LABATE, et al., 2008, p. 14). Labate et al. (2008) afirmam que a expressão “substâncias psicoativas” originalmente deriva do saber biomédico, por conta disso é comumente associada a “medicamento”, por esse motivo carrega menos preconceitos morais que o termo “drogas”, que por sua vez, adquiriu uma conotação pejorativa, remetendo ao narcótico, tóxico, coisa ruim. Tal colocação vem ao encontro de Vargas (2008), que coloca instaurou-se atualmente, uma naturalização da distinção entre “drogas” e “fármacos”, por isso, é necessário ter claro que os fármacos também são todos eles “drogas”. [...] Ocorre, porém, que quaisquer compostos, sejam eles chamados de medicamentos ou „drogas‟, podem causar danos severos: uma dosagem de três gramas de aspirina pode ser letal para um adulto. Não é demais recordar que 'fármaco', conforme a etimologia, é um termo que serve para designar tanto remédios quanto venenos. Assim, mesmo se nos limitamos ao terreno das substâncias e suas propriedades farmacológicas, não cabe falar em 'drogas' significando tóxicos ou venenos em abstrato, mas de certas proporções segundo uma medida. (ESCOHOTADO, 1997 apud LABATE et al. 2008, p. 16). Atento ao assunto, Carneiro (2008) lembra que a “invasão dos fármacos” é relativamente recente, mais especificamente foram produzidos logo após a Segunda Guerra mundial, e receberam a denominação de “fármacos antidepressivos”. Nesta mesma década foram sintetizados também os “fármacos psicodélicos” tais como: o LSD, mescalina,16 16 Alcalóide alucinógeno, encontrados em certos cactos. (FERREIRA, 1999, p. 1322). 40 psilocibina17 e as metanfetaminas18 psicodélicas como o ecstasy, substâncias estas, que atualmente são drogas proibidas por lei. Sobre essa questão, Carneiro (2008) faz uma observação importante destacando que tanto fármacos lícitos (Fluoxetina19 e Prozac), quanto os fármacos psicodélicos ilícitos agem com o mesmo princípio ativo sobre certos neurotransmissores: serotonina, dopamina e noradrenalina, provocando uma significativa melhora no humor e na psicomotricidade. Em virtude destes efeitos terapêuticos algumas destas drogas psicodélicas foram consideradas importantes “remédios” pelos médicos (LSD), que há menos de cinquenta anos atrás utilizavam para tratar diversas “doenças”, tais como: transtorno depressivo maior; ansiedade, quadros de insônia; queixas vagas de infelicidade, dentre outros “males”. Porém, logo se percebeu que os fármacos psicodélicos produziam efeitos mais do que antidepressivos, no sentido de provocarem efeitos euforizantes de intensa exuberância. Com base nos escritos de Carneiro (2008), o destino destas drogas pode ser resumido em poucas palavras. Na atualidade os antidepressivos se tornaram alguns dos “medicamentos” mais vendidos do mundo (Fluoxetina, Prozac), e os “fármacos psicodélicos”, por sua vez, terminaram proibidos e perseguidos pelas leis proibicionistas. Carneiro (2008) acrescenta que: “[...] a diferença é que os antidepressivos agem em doses regulares num longo tempo e tem um efeito discreto e pouco notável enquanto que os psicodélicos agem em doses únicas e possuem um efeito intenso e extraordinariamente notável” (CARNEIRO, 2008, p. 79). A diferença entre essas moléculas psicodélicas e os produtos da indústria psicofarmacêutica reside na sua forma de circulação. As primeiras, como drogas clandestinas, são usadas por escolha própria de seus consumidores, que forjam nessa atividade o que Pignarre (1999) denominou de „artes do consumo‟, e as últimas, como remédios controlados de prescrição médica, transitam por um circuito que vem dos pipelines dos laboratórios e alcançam a rede distribuidora dos fármacos como produtos de monopólio prescritivo entre os membros da profissão médica. (CARNEIRO, 2008 p. 81). Com a chegada das políticas proibicionistas, edificou-se socialmente uma distinção da significação entre “drogas” e “fármacos”, sendo reprimida mundialmente toda a forma de uso 17 Alcalóide [...] alucinógeno encontrado em certos cogumelos nativos do México. (FERREIRA,1999, p. 1662). 18 Substância cristalina e incolor, derivada da anfetamina. (FERREIRA, 1999, p.1327). Segundo o dicionário de especialidades farmacêuticas (2003-2004) a Fluoxetina é um antidepressivo de administração oral, indicado para o tratamento da depressão, associadas ou não com ansiedade, bulimia nervosa, transtorno obsessivo compulsivo (TOC). 19 41 não médico de substâncias psicoativas. Para Carneiro (2008), na atualidade os médicos conquistaram o monopólio e o direito exclusivo de prescrição de medicamentos psicoativos, por se considerar que a prática da automedicação é perigosa, no sentido de que o “consumidor” ou “usuário” não tem competência técnica para buscar seus “remédios para alma”. Este mesmo autor nos coloca que “medicalização da tristeza” a partir do saber médico farmacêutico tornou-se um dos mais lucrativos mercados contemporâneos, o mercado das “drogas”. E assim conclui seu posicionando sobre a questão afirmando que a: […] depressão que caracteriza a nossa época é contextual, política, ecológica e de causas sociais e econômicas. O mesmo sistema que a cria como principal doença trata-a lucrativamente com drogas que permitem a modulação dos humores e a aceitação feliz das mesmas situações a estarem na origem da depressão. (CARNEIRO, 2008, p. 80). A partir dos pressupostos acima descritos, não pode-se esquecer de atribuir também ao campo científico a parte que lhe cabe da responsabilidade no processo de edificação do “problema das drogas”. É preciso reconhecer que a ciência por vezes desempenhou um papel contraditório que acarretou em consequências significativas no sentido de que [...] ora se esforçando em descobrir, isolar e até sintetizar novas moléculas, ora propagando seus malefícios e reivindicando sua proscrição legal. (LABATE, et al., 2008, p. 23). Para melhor compreensão sobre essa questão, segue-se apresentando as mudanças dos significados atribuídos ao uso de LSD e cocaína no decorrer da história. 3.4.1 O uso medicinal do LSD A substância psicoativa que será tratada neste item é nada menos que a mais poderosa droga alucinógena já descoberta. O LSD, abreviatura de d-dietilamida do ácido lisérgico, nome científico atribuído pelos químicos. Segundo Schimidt (1976), o LSD foi “descoberto acidentalmente” no dia 16 de abril de 1943 pelo químico suíço Albert Hofmann. Como podemos observar também na colocação deste autor, é comum encontrarmos fontes bibliográficas declarando que o LSD foi descoberto através de um acidente. No entanto, logo que recorremos ao livro escrito pelo próprio criador da droga Albert Hofmann: LSD – Minha 42 criança problema, percebe-se que tal afirmação é verdadeira somente em parte, pois conforme afirma o mesmo, o LSD estava dentro de um programa de pesquisa sistemático e o “acidente” só aconteceu após cinco anos de experiências laboratoriais com a substância. Após o acidente ocorrido, Dr. Hofmann então decide experimentar os efeitos desconhecidos em si mesmo, segue os detalhes de sua auto-experiência naquela ocasião: [...] Sexta-feira passada, 16 de abril de 1943, fui forçado a interromper meu trabalho no laboratório, no meio da tarde e retornei a minha casa afetado por uma inquietude notável, combinada com uma leve vertigem. Em casa eu me deitei e afundei numa condição não desagradável de um tipo de intoxicação, caracterizada por uma imaginação extremamente estimulada. Num estado como que em sonho, com os olhos fechados, eu achei a luz do dia desagradavelmente brilhante, eu percebia um fluxo ininterrupto de quadros fantásticos, formas extraordinárias com um intenso caleidoscópico jogo de cores. Depois de umas duas horas esta condição diminuiu. (HOFMANN, 1981, p. 10). Hofmann (1981) prossegue seu relato destacando que o LSD é fruto de muitos anos de pesquisas e investigações nos alcalóides do centeio (ergot), tal estudo foi desenvolvido no laboratório da multinacional Sandoz, empresa que opera no ramo psicofarmacêutico. Portanto, antes de assumir a condição atual de uma droga ilícita essencialmente o LSD foi produzido para ser utilizado como um “medicamento”, uma vez que “ [...] a natureza da atividade do LSD poderia conduzir à numerosas possibilidades de uso medicinal/psiquiátrico, como os estudos básicos de W. A. Stoll já tinham mostrado.” (HOFMANN, 1981, p. 23). Em seguida, logo que o LSD foi testado em animais, e não tardou também para ser desenvolvida a primeira pesquisa da substância em seres humanos na Clínica Psiquiátrica da Universidade de Zurique. Os testes foram desenvolvidos com sujeitos de pesquisa “saudáveis” e também com pacientes esquizofrênicos. A partir desta experiência foi publicado em 1947 um relatório científico definindo o princípio ativo do LSD como “fantástico”. Após muitos outros experimentos clínicos, o LSD começou a ser empregado em algumas clínicas psiquiátricas para fins terapêuticos. Num primeiro momento foi utilizado em investigações experimentais da natureza das psicoses, posteriormente passou a ser utilizado nas sessões de psicanálise e psicoterapia (HOFMANN, 1981). A este respeito Hofmann (1981) afirma que, os psicanalistas e psicólogos começaram a introduzir a droga no tratamento psicoterápico, sendo tal prática batizada como terapia 43 psicolítica 20ou, terapia psicodélica21. O uso de LSD em psicoterapia analítica produzia efeitos psíquicos de desintegração e transformação na forma de compreender a realidade cotidiana, isso era considerado um importante benefício no processo terapêutico porque suspendia a barreira Eu-Você, assim os pacientes com problemas egocêntricos podiam ser ajudados a se liberarem de suas fixações e do isolamento. Considerava-se também como benefício o fato de que sob o efeito do LSD os pacientes eram muito mais sugestionáveis, com maior facilidade para reviver conteúdos esquecidos ou reprimidos. Sobre essa questão o psiquiatra francês Jean Delay certa vez salientou: “[...] O LSD não age como um verdadeiro medicamento, tão somente representa o papel de uma droga de ajuda no contexto do tratamento psicanalítico e psicoterápico e serve para canalizar o tratamento mais efetivamente e encurtar sua duração” Delay (apud HOFMANN, 1981, p. 25). 3.4.2 O consumo da “droga” LSD Conforme Hofmann (1981), assim que passaram-se dez anos de pesquisa científica utilizando o LSD para fins medicinais, ao final dos anos cinquenta a droga começa a se espalhar pelo Ocidente, especialmente nos Estados Unidos. Essa rápida difusão pelo resto do mundo ocorreu em virtude de que a publicidade da época fez grande sensacionalismo a respeito do LSD, tornando a droga embriagadora número um em alguns países. A estrondosa propagação desta droga ocorreu não somente pela mídia, mas também porque começaram a surgir publicações norte-americanas descrevendo experiências fantásticas com o uso de LSD. Algumas destas publicações tornaram-se best-sellers para o público leigo. É importante esclarecer que desde então tais publicações já assumiam um caráter mais subjetivo, caracterizando-se como publicações não científicas. A exemplo disso pode-se mencionar elementos de um artigo da Revista Look publicado em 1959 citado por HOFMANN (1981) que ilustra essa lógica propagandista do LSD. 20 O termo terapia psicolítica foi cunhado por Ronald A. Sandison, terapeuta inglês, de orientação Jungiana e um pioneiro da pesquisa clínica do LSD. (HOFMANN, 1980, p. 25). 21 O termo psicodélico, que pode ser traduzido como "manifestação da mente" ou "expansão-mental", foi introduzido por Humphry Osmond, um pioneiro da pesquisa do LSD nos Estados Unidos. (HOFMANN, 1980, p.23. 44 [...] A História Curiosa Atrás do Novo Cary Grant' que deve ter contribuído enormemente para a difusão do consumo do LSD. O famoso astro de cinema tinha recebido LSD numa respeitada clínica na Califórnia, no curso de um tratamento psicoterápico. Ele informou ao repórter da revista Look que ele tinha buscado paz interior durante toda sua inteira vida, mas ioga, hipnose e misticismo não o tinham ajudado. Só o tratamento com LSD o tinha feito um novo e vigorosamente potente homem. (p. 29) O referido autor acrescenta que já estava ciente de que uma droga com tantos efeitos fantásticos na percepção despertaria interesse de pessoas fora das ciências médicas, mas jamais pensou que pudesse assumir o cenário mundial circulando como um inebriante. Acreditava o Dr. Hofmann que a curiosidade em consumir o LSD fora do meio médico surgisse por parte de artistas, pintores, escritores e intelectuais, e isso logo se confirmou. Foi exatamente este público que fez as primeiras experiências não médicas. Logo que estes profissionais começaram a consumir o ácido lisérgico, tiveram extraordinárias experiências que influenciaram diretamente no processo de criação de seus trabalhos, tais obras ficaram conhecidas como arte psicodélica. Alguns destes artistas começaram a enfatizar em suas obras que a descoberta do LSD surgiu para trazer ajuda às pessoas presas aos padrões da vida moderna, nos quais a alienação era fruto do mecânico modo de vida capitalista. Conclui Dr. Hofmann: “[...] Estes são os mesmos fatores que conduziram à origem e ao crescimento do movimento dos hippies que se desenvolveu simultaneamente com a onda do LSD. Os dois não podem ser dissociados” (HOFMANN, 198, p. 29). Para Schimidt (1976), a “evolução” do LSD de remédio para inebriante ocorreu principalmente pelas atividades de Dr. Timothy Leary. Este homem ficou mundialmente famoso como porta-voz número um do ácido lisérgico, sendo considerado o maior teórico do LSD em todo o mundo. Dr. Timothy Leary era um notável Ph.D em Psicologia que na década de cinquenta atuava como professor da Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Em 1958, Dr. Leary com a aprovação do centro de pesquisas universitário começou a desenvolver suas primeiras pesquisas com LSD no campus universitário. Algum tempo mais tarde, em 1961, Dr. Leary desenvolve um projeto de pesquisa envolvendo 35 prisioneiros em uma experiência com duração de dois anos, este estudo tinha por objetivo determinar se, as propriedades do ácido lisérgico poderia despertar nos apenados 45 uma nova compreensão de mundo que alterasse definitivamente qualquer predisposição voltada ao crime. Porém, durante o processo Dr. Leary de certa forma deixou de lado a objetividade científica do estudo, ao passo que em alguns momentos fazia experiências com o ácido lisérgico em si, como também fornecia a droga para os estudantes de Harvard. Após alguns flagrantes, no ano de 1963 a Universidade Harvard expulsou Dr. Timothy Leary de seus encargos alegando que o mesmo era um propagandista do LSD. Após ser expulso, ignorando as repreensões das autoridades políticas que o expulsaram dos Estados Unidos, Dr. Leary retomou suas experiências com LSD na Fundação Internacional para a Liberdade Interna, organização que fundou para todos aqueles que desejavam fazer experiências espirituais com LSD, o público em sua maioria era composto de hippies e intelectuais. (SCHIMIDT, 1976). Hofmann (1981) ressalta que a epidemia do uso não medicinal de LSD nos anos sessenta resultou num grande número de incidentes por falta de supervisão médica. E por conta disso, de 1964 a 1966 o LSD atinge o ponto mais alto de sua publicidade, mas não mais pelos seus fantásticos efeitos terapêuticos, mas sim como a droga dos hippies, pelas constantes ocorrências de acidentes, assassinatos e suicídios. Como as experiências com o LSD frequentemente foram executadas num ambiente de ignorância, do misterioso, do desconhecido, dos efeitos profundos e sem supervisão médica, elas chegavam frequentemente a um final ruim. Com o crescente consumo do LSD no cenário das drogas, aconteceu também um aumento nas „viagens de horror‟ - experiências de LSD que conduziram a condições desorientadas e pânico e frequentemente resultaram em acidentes e mesmo crimes. (HOFMANN, 1981, p. 29). Em virtude destes acontecimentos trágicos, em agosto de 1965 a empresa Sandoz foi forçada a interromper a produção deste medicamento. Pouco depois, em 1966, prezando pela manutenção do controle social o Governo Federal dos Estados Unidos proíbe a venda e distribuição não médica dessa substância. Logo também os demais países do mundo incluíram o ácido lisérgico nas leis antidrogas, porém, está medida não extinguiu o consumo de ácido lisérgico, pois a droga é facilmente adquirida no “mercado negro”. Desta maneira o LSD passou de medicamento terapêutico para droga ilícita (Schmidt,1976). 46 3.4.3 O uso de cocaína para fins terapêuticos O uso e consumo das folhas do arbusto denominado coca, sempre esteve cercado de muitas crenças místicas e religiosas por parte dos que dela fizeram uso. Esse contexto começou a ser mudado à medida que a economia também foi mudando, de modo que, com a chegada do capitalismo, tanto o consumo quanto o lucro passaram a ser amplamente valorizados, e a cocaína então passou a representar um papel importante no âmbito econômico. Sendo assim, o capitalismo passou a demandar um desenvolvimento técnico e científico no intuito de elevar a produção. Em virtude destas transformações o significado atribuído ao consumo desta droga começa a se desvincular do misticismo e da religiosidade (RIBEIRO, 2009). Um exemplo dessas mudanças são as transformações ocorridas no modo de uso desta substância. Até 1885 as folhas da coca eram transportadas da América do Sul para os países europeus, onde eram transformadas em produtos à base de coca. Após essa data um químico da indústria farmacêutica Parke Davis, revolucionou a produção ao descobrir um modo de produzir a cocaína semi refinada, também conhecida como pasta base da cocaína nos próprios países de origem. Assim, além de manter muito mais a concentração química do produto, o grande espaço utilizado para o armazenamento das folhas nos navios deu lugar a uma substância muito mais compacta. Consequentemente houve uma significativa diminuição dos custos de produção e transporte, os preços caíram e o consumo aumentou (FERREIRA; MARTINI, 2001). Dessa forma, houve uma rápida explosão de fábricas de medicações utilizando a cocaína em diversos produtos. Operando na ausência de leis ou regulamentos que limitassem a venda ou o consumo, a cocaína tornou-se presente em farmácias, mercearias e bares. Uma única fábrica, em 1885, oferecia cocaína em 15 diferentes formas, incluindo cigarros, charutos, inalantes, cristais, licores e soluções. (FERREIRA; MARTINI, 2001, p. 98). No Brasil não foi diferente, conforme destaca Teixeira (1997) a cocaína era vendida sem restrições em farmácias, segundo propaganda do jornal Gazeta de São Paulo, em 1910. Certas farmácias ofereciam um serviço ainda mais moderno, entregavam cocaína nas residências, “bastava um telefonema e a droga era entregue em domicílio”. 47 Retomando o raciocínio anterior, em 1855 ocorre um fato importante da história desta droga. É nesse ano que o químico alemão Albert Niemann consegue isolar dentre os vários alcalóides o princípio ativo de maior predominância, o erythroxylene cerca de (80% do total), o qual denominou de cocaína (FERREIRA; MARTINI, 2001). 3.4.4 O episódio de Freud com a cocaína Nesta proposta de descobrir os diferentes significados atribuídos ao consumo desta droga naquela época, surge um episódio extremamente interessante. Trata-se das experiências pessoais e profissionais do pai da psicanálise, Sigmund Freud, com uma das drogas mais conhecidas da contemporaneidade, a cocaína. De acordo com Gurfinkel (2008), o “episódio da cocaína” é pouco conhecido e cercado de muitas controvérsias. Embora o próprio Freud mesmo que ainda jovem tenha escrito uma longa monografia e artigos sobre o tema, curiosamente alguns anos mais tarde em sua autobiografia dedicou ao assunto apenas um único parágrafo. Mas afinal o que teria acontecido para que Freud tivesse sido tão sucinto acerca do tema em seu relato pessoal? Sabe-se que o jovem Freud era um pesquisador apaixonado e dedicado, e que ambicionava realizar uma „grande descoberta‟; tratava-se de uma ambição intelectual que se entrelaçava com uma ambição pessoal.[...] Após algumas tentativas frustradas, deparou-se com um alcalóide quase desconhecido que, conforme lhe pareceu, prometia se tornar a tal 'descoberta'. (GURFINKEL, 2008, p.421). Num primeiro momento, Freud pesquisou tudo que havia na literatura sobre cocaína e entregou-se a seu estudo. Após meticulosa pesquisa publicou em 1884, sua monografia acerca do tema intitulada “Sobre a Coca”, na qual defendeu ferrenhamente seu uso terapêutico no tratamento das mais variadas doenças e transtornos como doenças compulsivas, histerias, exaustão nervosa, desordens digestivas, sífilis, e até mesmo como afrodisíaco. Nesse período, Freud passou a recomendar a substância como estimulante e euforizante para amigos, parentes, colegas de trabalho e até mesmo para sua esposa. O próprio Freud fazia uso de doses diárias de 200 mg de cocaína para o tratamento de sua depressão (FERREIRA; MARTINI, 2001). 48 Reis (2009) acrescenta que nesta época a cocaína parecia ser bastante promissora e inofensiva, um poderoso antídoto para o tratamento de inúmeras doenças, inclusive para dependentes de morfina. Este autor afirma que Freud acreditava não haver dose letal para essa substância, o máximo que poderia ocorrer seria uma intoxicação por ingestões altíssimas. Freud chegou a escrever em uma de suas publicações que a cocaína não produz vício algum, podendo ser abandonada facilmente, inclusive para os que dela fizerem uso prolongado. Na busca incessante de uma grande descoberta, Freud prosseguiu entusiasmado com a possibilidade de que a cocaína pudesse ser a “panaceia”, ou seja, a cura de todos os males físicos e psicológicos. Acreditando ter encontrado um meio de resolver seus males psíquicos, em especial a depressão, mergulhou febrilmente no desejo de curar a si mesmo e aqueles que o cercavam. Talvez este, segundo Gurfinkel (2008), tenha sido o maior equívoco de Freud, tomar a si mesmo como objeto, isto é, a não separação entre o pesquisador e o objeto pesquisado. […] “Se Freud queria fazer uma grande descoberta, não precisaria ter se colocado no lugar de cobaia.” (GURFINKEL, 2008, p. 430). Acreditando ter encontrado o “remédio mágico”, capaz de sanar uma diversidade inimaginável de males, Freud continuou tratando várias pessoas com cocaína, no entanto isso não demorou a se transformar em um problema. Na tentativa de curar um amigo chamado Ernest Von Fleischl Marxow da dependência da morfina, prescrita para um quadro de dor intensa por ter amputado a perna, Freud passou a receitar doses altíssimas de cocaína, cerca de 100 vezes a que o próprio Freud estava acostumado a ingerir. O resultado foi um quadro duplo de dependência. Por conta disso Fleischl veio a falecer algum tempo depois. Assim Freud publicaria anos mais tarde, por volta de 1892 uma continuação de “Sobre a coca” modificando seu ponto de vista, afirmando que estava, em partes, equivocado ao posicionar-se totalmente favorável ao uso da cocaína (FERREIRA; MARTINI, 2001). Nessa mesma publicação, Freud reconhece haver reações muito diferentes para cada usuário. Essa irregularidade aos efeitos da cocaína é atribuída a fatores de predisposição fisiológica e neurológica ou psíquica. Neste sentido, Freud passa a argumentar não contra a droga, mas no mau uso da mesma, pois segundo ele a cocaína por si só, nunca produziu uma vítima, portanto, deve-se evitar tratá-la como uma “agente do mal”. Ao invés disso, “ [...] Freud transfere a responsabilidade ao sujeito que se droga, “uma predisposição ou em um funcionamento adictivo já instalado.” (GURFINKEL, 2008, p. 427). 49 Nesse período da história a cocaína, bem como seus adeptos, sofrem fortes críticas da sociedade local, chega-se a denominá-la como o terceiro flagelo da humanidade, logo depois do álcool e do ópio. Nem por isso Freud e seus colegas deixam de utilizá-la em seus experimentos, e muito menos seus adeptos. É justamente nessa época no ano de 1884 que surge uma descoberta extraordinária no campo da medicina, trata-se da descoberta da anestesia local, feito realizado pelo então jovem oftalmologista de apenas 27 anos, Karl Köller (REIS, 2009). 3.4.5 A Descoberta da Anestesia Local Reis (2009) coloca que até o ano de 1884 o procedimento mais utilizado para tornar insensíveis regiões do corpo era o frio, seja por neve ou pela mistura de gelo e sal. Em virtude da precariedade dos até então métodos empregados, o oftalmologista Karl Koller resolve estudar vários fármacos que pudessem ser úteis para intervenções cirúrgicas em sua área de atuação. Em agosto desse mesmo ano, Koller, após um estudo detalhado da publicação “Sobre a coca” de seu amigo Freud e a revisão de um compêndio de farmacologia da universidade onde estudara, descobre que um alcalóide pouco conhecido causava o entorpecimento da boca e dos lábios dos que dele ingeriam. Depois destas leituras, e após vários experimentos pessoais com a substância, Koller imediatamente percebeu estar diante de um poderoso anestésico local, a cocaína. Diante da recente descoberta, Koller dirigiu-se ao laboratório de anatomia onde fez seu experimento inicial com cocaína como anestésico local. Após diluir a substância em uma pequena quantidade de água pingou uma gota da solução num dos olhos de uma rã, depois de cerca de um minuto Koller observou que a rã deixava sua córnea ser tocada sem qualquer sinal de ação reflexiva ou defensiva, enquanto que no outro olho reagia com agitação ao menor toque. Em seguida realizou testes idênticos com um cachorro e um coelho e posteriormente no seu próprio olho. Ambos os resultados mostraram-se iguais o que evidenciou o sucesso da experiência. A experiência de Koller foi de uma simplicidade impressionante e não durou mais que uma hora, no entanto, teve contribuições inestimáveis para a medicina (REIS, 2009). 50 Depois que Karl Koller descobriu o uso da cocaína como anestésico local para cirurgias oculares, algum tempo mais tarde o médico William Stewart Halsted contribuiu ainda mais para os avanços da medicina, ao desenvolver uma técnica para usar a cocaína através de injeções no centro dos nervos, anestesiando assim regiões específicas do corpo. Diante de tanto entusiasmo gerado pelo uso da cocaína no meio científico, não é de se surpreender que logo essa substância tenha gerado interesses comerciais. Pouco tempo depois a cocaína passou a ser usada para uma grande variedade de problemas de saúde, bem como, para fabricação de tônicos e bebidas estimulantes, de modo que nessa época houve um crescimento desordenado do mercado farmacêutico, uma infinidade de produtos contendo cocaína eram comercializados, inclusive para crianças. Esses iam desde supositórios, spray e pastilhas para a garganta, até vinhos e cigarros de coca. Todos com a promessa de curar inúmeras doenças incluindo alcoolismo, asma, calafrio, dependência de ópio e até doenças venéreas (CHASIN; LIMA, 2008). A comercialização de produtos contendo cocaína passou a ser muito comum. Em 1863, por exemplo, o químico Ângelo Mariani idealizou uma mistura de vinhos com folhas de coca, denominando a bebida de “Vim Mariani.” Esta bebida ficou muito conhecida na época e admirada por pessoas famosas como o Papa Leo XVIII, que teria contemplado o químico com uma medalha de ouro pela criação da bebida, (em média o vinho continha cerca de 150 a 300 ml de cocaína.) Anos mais tarde, em 1886, outro produto mundialmente famoso contendo cocaína foi criado por John Styth Pemberton, que inventou uma bebida isenta de álcool para estar de acordo com a sociedade americana da época, mas com aproximadamente 240 ml de cocaína e com extrato de noz de cola, esta era usada como tônico para o cérebro e para os nervos, assim nasceu a bebida Coca-Cola. Atualmente a cocaína é substituída por cafeína, uma “droga” lícita (FERREIRA; MARTINI, 2001). O destino da cocaína foi muito semelhante ao de outras drogas consideradas “mágicas”, que embora originalmente fossem consideradas seguras, logo tornaram-se inadequadas em virtude dos seus efeitos colaterais indesejáveis que vieram a ocasionar sérios danos a saúde dos usuários. 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após o término da pesquisa pode-se concluir que o uso/consumo de drogas é uma prática social dos homens no decorrer dos tempos. As drogas foram utilizadas por motivos religiosos e místicos, em rituais grupais, outras vezes em comemorações sociais e ainda em pessoas enfermas como paliativos da dor física ou como remédio para as “dores da alma”, nos momentos de tristeza e angústia. Isso tudo sem o estigma de crime ou pecado, apenas porque as substâncias eram encontradas na natureza e delas os seres humanos foram aprendendo as formas de usos que beneficiassem a si e à sociedade onde viviam. Portanto, o uso de drogas era visto como natural, como uma forma de buscar o bem estar em todos os sentidos, sem a conotação de algo obscuro e proibido. Com o avanço dos conhecimentos científicos promovido por pesquisas de algumas substâncias encontradas na natureza, tivemos a transformação de elementos naturais em substâncias sintéticas (LSD e cocaína) produzidas em laboratório e utilizadas como medicamentos que posteriormente vieram a ser proibidas. Podemos dizer que ambas as drogas foram utilizadas para curar ou minimizar problemas de saúde, mas a partir de alguns equívocos ou excessos no uso/consumo destas substâncias, passaram a ser mal vistas por grande parte da sociedade e seu uso considerado um crime. Com o aporte da Psicologia Sócio-histórica compreendemos que o ser humano constrói e reconstrói a si mesmo a partir de suas experiências com o mundo e no mundo. Diante disso o homem é movido pelas transformações que ele mesmo produz sobre a humanidade e que ela produz sobre ele. Com as mudanças da sociedade, as necessidades das pessoas também se modificam. O que era considerado importante em determinada época, em outra pode parecer sem sentido, superado. No caso específico das drogas também ocorreram mudanças nos seus significados. A evolução da humanidade levou a grandes transformações no uso/consumo das drogas, que de características religiosas e místicas, fonte de prazer, do poder de curar, foi acompanhando a trajetória humana e hoje tornou-se um grande problema social e econômico para a sociedade. 52 A sociedade em busca de possíveis soluções acabou por proibir o consumo de determinadas drogas, com o intuito de normatizar e controlar seu uso. Porém, o efeito dessa proibição acabou por aumentar ainda mais seu consumo, levando ao aumento do poder econômico de quem comercializa e em alguns casos a auto destruição de quem as utiliza, pois sendo proibido, os locais onde as drogas são produzidas comumente são de péssima qualidade, além da ânsia pelo lucro, que leva essas pessoas a produzir drogas com muitas misturas, como por exemplo o crack, que coloca a vida dos usuários em risco eminente. O mercado das drogas ganha cada vez mais adeptos pelo sistema de produção econômica, o capitalismo, que trouxe à sociedade, cada vez mais a necessidade de consumo, a busca pelo lucro e a exacerbação do individualismo. As pessoas num comportamento compulsivo de buscar o prazer, tem nas drogas uma possibilidade de tentar dar conta desta realidade. Na atualidade, os significados do consumo de drogas são muito diferentes do foi construído no decorrer dos tempos. Hoje, o mundo tem um grande desafio pela frente, buscar mais conhecimentos sobre o uso das drogas ao invés de apenas realizar campanhas contra elas, porque a força histórica dessa construção só poderá ser modificada através de uma retomada da sabedoria dos gregos, que não apenas classificavam as drogas em boas ou más, mas que buscavam conhecimentos de como utilizá-las da melhor forma, sabendo que o uso demasiado poderia matar e na medida certa poderia curar (RIBEIRO, 2009). O desafio está posto, ou aprende-se a lição, aproveitando o conhecimento sobre os diferentes significados que o uso das drogas teve no decorrer dos tempos, buscando ampliar esses conhecimentos por meio de pesquisas científicas sobre seus usos, seus efeitos maléficos e benéficos, sua melhor utilização, ou continua-se na ignorância e inoperância de apenas proibir, castigar, discriminar os usuários, apostando contra a vida e a favor de falsos moralismos, ignorando a construção histórica da humanidade. Com esta mentalidade acreditamos que embora nossa pesquisa tivesse sido atravessada por dificuldades, como a escassez de referenciais teóricos abordando o tema droga em uma perspectiva histórica, bem como, limitações pessoais acercada da elaboração de uma pesquisa científica, fez com que está não se delineasse de uma melhor forma. No entanto esperamos que este estudo traga contribuições significativas sobre o tema, apontando possibilidades de novas pesquisas relacionadas às drogas. Conforme tratamos neste trabalho a coca a princípio foi consumida para fins religiosos, em seguida, com a chegada do sistema 53 capitalista a substância foi sintetizada assumindo a forma de cocaína, e logo passou a ser utilizada para fins terapêuticos. Porém, atualmente o mesmo sistema capitalista modificou ainda mais essa substância transformando-a no que hoje conhecemos como o crack, pode-se dizer que está droga se configura como terceira “geração” das folhas de coca, que na forma atual de uso parece ter provocado mudança de significados atribuídos ao consumo da substância. Essa hipótese cria margem para o desenvolvimento de nova pesquisa aprofundado este novo significado social atribuído ao consumo de crack. Por fim, esperamos que nossa pesquisa de suporte para o desenvolvimento de novos estudos desta natureza para contribuir na elaboração de políticas públicas vinculadas ao tema. 54 REFERÊNCIAS AGUIAR, Wanda Maria Junqueira e OZELLA, Sergio. Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos. Psicol. cienc. prof , vol.26, n.2, pp. 222-245, 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S141498932006000200006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20/0710. AGUIAR, Wanda Maria Junqueira. Reflexões a partir da psicologia sócio-histórica sobre a categoria "consciência". Cad. Pesqui, n.110, pp. 125-142, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/n110/n110a05.pdf. Acesso em 23/09/10. BARROS, João Paulo Pereira et al. O conceito de "sentido" em Vygotsky: considerações epistemológicas e suas implicações para a investigação psicológica. Psicol. Soc, vol.21, n.2, pp.174-181, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S010271822009000200004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 07/05/10. DMITRUK ORTIZ, Hilda Beatriz. Cadernos metodológicos: diretrizes do trabalho científico. 7. ed. rev. e atual. Chapecó: Argos, 2009. CAREGNATO, Rita Catalina Aquino e MUTTI, Regina. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto contexto - enferm, vol.15, n.4, pp. 679-684, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v15n4/v15n4a17.pdf. Acesso em: 20/10/10. CARNEIRO, Henrique. Autonomia ou heteronomia nos estados alterados de consciência. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. Disponível em: http://www.neip.info/index.php/content/view/88.html. Acesso em : 22/06/10. CHASIN, Alice A. M.; LIMA, Irene V. Alguns aspectos históricos do uso da coca e da cocaína. Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, vol.1, nº1, out, 2008. Disponível em: http://intertox.com.br/index.php. Acesso em: 07/04/10. 55 DICIONÁRIO de especialidades farmacêuticas. :DEF 2003/04. 32. ed. Rio de Janeiro: Ed. de Publicações Científicas - EPUC: 2003-2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteria, 1999. FERREIRA, Pedro Eugênio M and MARTINI, Rodrigo K. Cocaína: lendas, história e abuso. Rev. Bras. Psiquiatr, vol.23, n.2, p. 96-99, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S151644462001000200008&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 01/05/10. FREITAS, Maria Teresa de Assunção. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa. Cad. Pesqui, n.116, pp. 21-39, 2002. Disponílvel: http://www.scielo.br/pdf/cp/n116/14397.pdf. Acesso em:14/10/10. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo : Atlas, 1987. GONZÁLEZ-REY, Fernando L.O social na Psicologia e a Psicologia Social: a emergência do sujeito. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. ________. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. GURFINKEL, Decio. O episódio de Freud com a cocaína: o médico e o monstro. Rev. latinoam. psicopatol. fundam, vol.11, n.3, pp. 420-436, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S141547142008000300006&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 15/06/10. HOFMANN, Albert. LSD - My Problem Child pela McGraw-Hill Publicado pela McGrawHill Book Company, 1981. Disponível em: http://www.4shared.com/get/RK1nGk0M/LsdMinhaCrianaProblema-AlbertH.html. Acesso em: 14/04/10. Obs: O conteúdo deste livro foi traduzido mecanicamente através do Globallink Translator Pro, a obra original está disponível em: http://www.lycaeum.org/books/books/my_problem_child. 56 LABATE, Beatriz C. (et al.) (orgs.) Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador, EDUFBA, 2008. Disponível em: http://www.neip.info/index.php/content/view/88.html. Acesso em: 22/04/10. LIMA, Telma Cristiane Sasso e MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Rev. katálysis, vol.10, pp. 37-45, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v10nspe/a0410spe.pdf . Acesso em: 02/04/10. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do discurso: princípios & procedimentos. 7. ed. Campinas, SP: Pontes, 2007. REIS JR, Almiro dos. Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Köller (1857-1944) e a descoberta da anestesia local. Rev. Bras. Anestesiol, vol.59, n.2, pp. 145- 157, 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S003470942009000200013&lng=en&nr m=iso&tlng=pt. Acesso em: 07/08/10. RIBEIRO, Cynara Teixeira. Uso de substâncias tóxicas: História, modalidades e efeitos na subjetividade e nos laços sociais. Rev. Psicologia em Foco. Aracaju, Faculdade Pio Décimo, Vol. 3 (2) pp. 116-123, 2009. Diponível em: http://www.piodecimo.edu.br/psicologiaemfoco/volume_3. Acesso em 23/04/10. RODRIGUES, Thiago. Tráfico, Guerra, Proibição. Ayala. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. Disponível em: http://www.neip.info/index.php/content/view/88.html. Acesso em: 22/07/10. SALVADOR, A. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica, elaboração e relatório de estudos científicos. Porto Alegre: Sulina, 1981. SCHMIDT, Ivan.A ilusão das drogas – Santo André – São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 1976. SIRGADO, Angel Pino. O social e o cultural na obra de Vigotski. Educ. Soc, vol.21, n.71, pp. 45-78, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010173302000000200003&script=sci_arttext&tlng=es. Acesso em: 23/06/10. TEIXEIRA NETO, Rubens Gabriel. A cocaína corrói corações. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997. 57 VARGAS, Eduardo V. Fármacos e outro objetos sócio-técnicos: notas para uma genealogia das drogas. Ayala. In: LABATE, Beatriz Caiuby et al (Org.). Drogas e Cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. Disponível em: http://www.neip.info/index.php/content/view/88.html. Acesso em: 22/06/10. VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ZANELLA, Andréa Vieira. Sujeito e alteridade: reflexões a partir da psicologia históricocultural. Psicol. Soc, vol.17, n.2, pp. 99-104, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v17n2/27049.pdf. Acesso em: 15/10/10. ZANELLA, Andréa Vieira et al. Questões de método em textos de Vygotski: contribuições à pesquisa em psicologia. Psicol. Soc, vol.19, n.2, pp. 25-33, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19n2/a04v19n2.pdf. Acesso em: 14/10/10.