OS COMERCIANTES NA ORIGEM DA CIDADE DOIS ALEMÃES E UM LIBANÊS, OS PRIMEIROS NO EMPREENDIMENTO QUE OS JAPONESES CHAMARIAM “COLÔNIA INTERNACIONAL” Widson Schwartz Especial para a ACIL Por momentos, o ceticismo rondou a colonização administrada pelos ingleses no sertão norte-paranaense, tal a conjuntura econômica que sobreveio. Aberta a clareira no marco inicial, em 21 de agosto de 1929, dois meses depois a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, na “quinta-feira negra” (24.10). Veio o repique, a “sexta-feira negra” (29.10), arruinando a economia mundial. E no Brasil, a revolução de 30 havia eclodido em 3 de outubro. A casa comercial de Alberto Koch evoluiu do rancho de troncos de palmiteiro para a casa de madeira de árvores derrubadas no local Mas os britânicos, representados pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), tinham “fôlego” e surgiu o Patrimônio Três Bocas, depois Londrina. O alemão Alberto Koch saiu de São Paulo para ser o comerciante pioneiro, construindo “o primeiro rancho no mato virgem de futuro terreno de Londrina em mês de outubro de 1930, quando cheguei com minha esposa em este lugar”, escreveu. Abrigando a “vendinha”, a construção de troncos de palmiteiro coberta de tabuinhas tinha porta e janelas, mais do que um simples rancho, numa esquina da Avenida Paraná e Rua Heimtal, 1.500 metros a oeste do hotel da colonizadora. Hoje é o cruzamento das avenidas Celso Garcia Cid e Duque de Caxias. Esta via tinha dois nomes a partir do cruzamento: Rua Heimtal ao norte e Rua Cambé ao sul. PÁGINA 4 Em 1931, Koch aconselhou o compatriota Friedrich Schultheiss: “Vá para o mato, que é melhor do que passar fome na cidade!” Força de expressão. O economista Schultheiss era o gerente da Siemens em São Paulo, emprego garantido. ACIL – SETENTA ANOS DE UNIÃO E LUTA Deprimia-o, porém, ser obrigado a dispensar funcionários em meio à recessão, sabendo que eles não teriam outro emprego. “E se não desse certo no sertão?” – pensou Schultheiss, que tinha 33 anos. Consultou a esposa, Helena. “Eu quero arriscar”, respondeu ela, que tinha 22 anos. Adiantar-se-ia com a filha, Freya, de dois anos, e o marido não deixaria o emprego imediatamente. Uma data no patrimônio custava 200 mil réis em prestações de 50 e os Schultheiss compraram quatro na Avenida Paraná, até a esquina vizinha a Koch, que já havia construído casa de tábuas (moradia e comércio). De trem até Cambará e depois em jardineira da CTNP dirigida por Rodolfo Koch (irmão de Alberto), elas chegam em 27 de setembro de 1931. Júlio Fröhlich e o sr. Zibert constroem o rancho dos Schultheiss e a casa, meses depois, com madeira de árvores derrubadas no local. Em abril de 1932 Friedrich deixou a Siemens. Consolidava-se o segundo estabelecimento comercial (futura “Casa Mercúrio”) e a primeira padaria, aos cuidados de Otto Gärtner, “primo distante” de Friedrich. Também no cruzamento da Avenida Paraná e Rua Heimtal/Cambé o segundo estabelecimento comercial com a primeira padaria A casa do libanês David Dequêch precedeu a dos Schultheiss, mas foi ocupada só em 1932 quando ele abriu a “Casa Central”. Naquele ano, ainda, o patrimônio foi denominado Londrina, referência a Londres, por sugestão do dirigente brasileiro da CTNP João Sampaio. Poliglota, formado em História e Contabilidade em Nazaré, antiga Palestina, David Dequêch chegara ao Brasil em 1912. Dedicou-se a diferentes negócios e atraído ao Norte do Paraná, abriu casa de comércio em Cambará. Casara-se em São Paulo, com dona Jamile. Acompanhando a ferrovia, ele compra terreno em Jataí, onde não chega a morar, e transfere para Londrina a “Casa Central”. Os dois alemães e o libanês estavam na primeira célula do que os japoneses PÁGINA 5 Em 1932, ainda, David Dequêch abriu as portas do seu estabelecimento e o patrimônio teve o nome mudado para Londrina chamariam Colônia Internacional. Até russos incompatíveis com a revolução comunista e judeus indesejáveis na Alemanha hitlerista teriam uma nova aurora de liberdade em Londrina. FERROVIA E MUNICÍPIO CONTRA O PESSIMISMO Os ingleses rejeitam avenidas e ruas com 30 metros e 24 metros de largura na planta de Londrina, desenhada pelo engenheiro russo Alexandre Razgulaeff. “Esse Alexandre é louco”, disseram em Londres, com a visão medíocre de que a cidade nunca passaria de 30 mil habitantes. Koch, Schultheiss e Dequêch, entretanto, faziam profissão de fé no povoado, já com mais de 150 habitações em 1932. Dois anos depois, pelo decreto nº 2.519 o interventor Manoel Ribas cria o município (3/12/1934), considerando “o progresso e o elevado grau de desenvolvimento econômico a que atingiu o distrito de Londrina”, além da conveniência de atender ao serviço público. Há pelo menos três mil moradores na cidadezinha e entre sete e oito mil no município, instalado em 10 de dezembro. Circula desde 12 de outubro o semanário Paraná-Norte, que noticia o progresso da comunidade e chega a outros Estados, distribuído pelos corretores da CTNP, e aos escritórios de vendas da Companhia na Europa. Definira-se a colonização de 515 mil alqueires paulistas no Norte Novo ainda na década de 1920, projeto atrelado ao interesse do governo paranaense, que “não havia poupado medidas de proteção à lavoura cafeeira” então oferecendo a perspectiva de se converter na “principal fonte de riqueza particular e pública do Estado do Paraná a partir do exercício de 1929-1930”. Deposto o presidente estadual, Affonso Alves de Camargo, a Revolução de 30 nomeia Manoel Ribas interventor e avaliza a colonização que, pautada pela venda de pequenos e médios lotes, corresponde ao interesse de povoar. Considerando a vocação para a cafeicultura da clientela em potencial, o novo governo garante ao Paraná o direito de plantar 50 milhões de pés, independente de acordos envolvendo Estados cafeeiros preocupados em conter a superprodução. Outro fator de sucesso do empreendimento, a Estrada de Ferro São PauloParaná atinge Londrina em junho de 1935, permitindo que se aumente a exportação de produtos primários e se fortaleça a economia local. PÁGINA 6 “Cerca de 100 milhões de cruzeiros foram gastos nessa benéfica iniciativa [a ferrovia] e o Estado, reconhecendo o alcance da obra e o esforço, não lhe foi indiferente. Contribuiu com o subsídio de 28.800 cruzeiros por quilômetro”, disse o dirigente da CTNP Aristides de Souza Mello. “E assim se começou a colonizar.” Depois da criação do município, o tráfego ferroviário a partir de junho de 1935 fortaleceu a economia regional PÁGINA 7 Década de 1940, primeiro andar do edifício construído pela Associação Comercial poucos anos antes. Getúlio Vargas acabara de encerrar seu longo período à frente da república, na condição de ditador, e já preparava seu retorno cinco anos depois, agora como eleito. A mesa do grande salão da entidade havia se transformado numa espécie de centro de discussões sobre os rumos da economia da região e sobre o futuro da Cidade – para variar, a política econômica sempre à sombra dos humores da Capital. Ora ocupada pelos diretores da ACL, ora por representantes de diferentes segmentos, a mesa presenciou decisões que mudariam ou definiriam os rumos do município. Foi palco, principalmente, da união do londrinense, a nova denominação assumida por pessoas vindas de todos os cantos do mundo, com formações, credos, costumes e habilidades próprios. Desse caldo cultural nasceu uma comunidade próspera, com personalidade forte, crítica e inclusiva. Na mesa da ACL, todos os encontros eram construtivos. ACIL – SETENTA ANOS DE UNIÃO E LUTA À MESA