A mulher dentro do uniforme Teresa Raquel Bastos sessão A mulher dentro do uniforme Teresa Raquel Bastos Dedicatória Aos meus pais, Beatriz e Wener, por todo o esforço e dedicação. Aos meus avós, Manoel e Nóris, pelo amor de sempre. Às minhas companheiras de Rugby de Calcinha, especialmente Anna Joana e Renata, por estarem comigo nesse projeto. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 7 8 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Agradecimentos A luta para terminar o curso de jornalismo vem antes mesmo de pôr os pés na PUC. Vem do esforço dos meus pais, da minha força de vontade e de, claro, contar com inúmeros anjos que cruzaram meu caminho. Só posso agradecer por ter caído em uma família incrível. Herdei o gene da comunicação de minha avó Elvira Raulino, exímia comunicadora e que tanto tem a ver com meu tema de TCC. Foi com ela que tive minhas primeiras aulas de feminismo, quando me orgulhava de seus feitos “rebeldes” em tempos mais distantes. Com ela, também vivenciei os bastidores de rádios, programas de TV e redações de jornais. Obrigada por ter me proporcionado tudo isso! Ainda pelos laços de sangue, agradeço à existência de todos os jornalistas da família (na última contagem, foram onze!), pois com vocês também pude enxergar na minha escolha uma profissão que é mantida de amor e dom. Aos meus avós Nóris e Nelito, que durante os quatro anos de curso nunca me deixaram esquecer o quanto sou amada, adorada e apoiada, mesmo distante. Todo o meu amor é de vocês e que esse diploma traga muita felicidade, como forma de agradecimento eterno. Ao Anderson, meu sobrinho, que com sua simples existência me dá um gás enorme de tentar transformar o seu mundo em um lugar menos machista e violento. Que sua titia seja um bom exemplo para sua educação. Devo toda a minha vida escolar à equipe da Escola Dom Bosco, que meu deu a base de tudo o que sei, sempre estimulando o aprendizado. Não posso deixar de agradecer especialmente à tia Aldinha, bússola da instituição que chamei de segunda casa por tantos anos. Aos meus professores, todos eles, que de uma forma clássica ou menos tradicional me ensinaram alguma coisa. Aos funcionários, que sempre enriqueceram meu dia a dia com conversas, brincadeiras e amor. Aos coordenadores Amélia, Rosângela, Mário, Sr. Chiquinho. À minha amiga querida Aldenora, pelas horas de conversas e conselhos. Ao meu amado segundo pai, Sr. Mello (in memorian), que acreditava em mim quando até eu mesma duvidava, que teve tanta paciência e que, lá do céu, me guia para o sucesso, para sempre. E aos meus amigos de turma que dividiram comigo os períodos das manhãs. Sem amigos, não somos nada: Maiara, Diego, Amanda e César, que formaram comigo o grupo ProUnidos, um porto seguro na graduação. Sem vocês, tudo seria mais difícil em São Paulo, na Pontifícia louca que nós conhecemos! Aos que entraram na minha vida através do rugby, em especial minhas amigas de Rugby de Calcinha – com todo amor às fundadoras dessa iniciativa: Anna Joana e Renata Barros, além das que entraram mais tarde (Leca, Carla, Ana Diva, Babi). Aos times dos quais participei como atleta (Teresina Rugby e Rio Branco Rugby), obrigada por me ensinarem valores que levo para a vida inteira e, claro, para a minha profissão. À Amanda Abed, que sempre foi muito querida quando precisei contatar a CBRu. Aos fãs do site que criamos com tanto amor e dedicação, obrigada por fazerem do RdC não só uma marca, mas um sinônimo de rugby feminino no Brasil. É por vocês também esse trabalho. Aos amigos que moram longe, mas que estão sempre me apoiando (não citarei nomes para não cometer o crime de esquecer alguém). Ao Igor Girão, que se colocou à disposição para fazer a maior parte das fotos lindas destes trabalhos. à Tânia Samara por me ajudar a organizar as entrevistas. Às minhas entrevistadas, que compartilharam comigo um pouco da intimidade, de uma forma tão sincera, franca e divertida. Ao Alan Malta, o responsável pelos melhores momentos de lazer e relaxamento durante esse período corrido que é a elaboração do TCC. Sem você, eu teria surtado! RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 9 AS RAZÕES DO RUGBY “Como saberá o que é o amor se sua velha nunca costurou sua camiseta apesar de sofrer toda vez que você entra em campo? Como saberá o que é a dor se você nunca tomou um tackle de ficar sem poder amarrar o tênis por um mês? Como saberá o que é o prazer se você nunca ganhou um clássico de barro? Como saberá o que é chorar se jamais perdeu uma final na última hora com um penal duvidoso? Como saberá o que é carinho se nunca acariciou a ovalada sem perceber enquanto escutava seu técnico falar? Como saberá o que é solidariedade se jamais protegeu um companheiro indefeso no chão? Como saberá o que é poesia se nunca deu um drop com a marcação em cima? Como saberá o que é humilhação se nunca te presentearam com um chute perfeito que você simplesmente não chego na bola? Como saberá o que é pânico se nunca te surpreenderam mal posicionado em um contra ataque? Como saberá o que é morrer um pouco se você nunca foi buscar a bola depois do H? Como saberá o que é solidão se nunca ficou de fullback para parar um ataque de gente disposta acabar com suas esperanças? Como saberá o que é barro se nunca se atirou aos pés de ninguém para evitar um try? Como saberá o que é egoísmo se nunca perdeu a bola por ir sozinho enquanto a ponta estava livre? Como saberá o que é o sacrifício se nunca treinou no inverno, chovendo, depois de trabalhar o dia inteiro? Como saberá o que é arte se nunca improvisou uma jogada com o half ? Como saberá o que é o subúrbio se nunca acabou ficando de ponta? Como saberá o que é ser prestativo se nunca foi forward? Como saberá o que é injustiça se nunca foi penalizado por um árbitro que estava longe da jogada? Como saberá o que é a insônia se nunca caiu na tabela do campeonato? Como saberá o que é perdão se nunca encheu a cara com quem te mandou pro hospital? Como saberá o que é valor se nunca virou uma partida que parecia perdida? Como saberá o que é amizade se nunca participou de um terceiro tempo? Como saberá o que é a VIDA, se você nunca jogou RUGBY?” Autor desconhecido EXPEDIENTE CAPA Teresa Raquel Bastos DIAGRAMAÇÃO Alan Malta Leitão FOTOS Igor Girão Teresa Raquel Bastos Lee Lousam Tommaso Chiavistelli CBRu Denys Flores Matheus Gonçalves Marco Maia REVISÃO ORTOGRÁFICA Alice Vasques Camargo DECUPAGEM DE ENTREVISTAS Tânia Samara Lemos ORIENTAÇÃO Salomon Cytrynowicz BANCA AVALIADORA Prof. Anna Flávia Feldmann (PUC-SP e especialista em estudos de gênero) Amanda Abed (Coordenadora de comunicação da CBRu) AUTORA: Teresa Raquel Bastos E-MAIL: [email protected] PALAVRAS-CHAVE: Gênero, esportes, rugby, rúgbi, feminismo 12 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme 13. INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 19. Origens da discussão de gênero CAPÍTULO 2 - A MULHER NO ESPORTE 27. História do esporte feminino 32. Aspectos sociais impostos pelo esporte 35. Corpos atléticos e femininos CAPÍTULO 3 43. A mulher dentro do uniforme de rugby 57. 65. 85. 95. 87. ENTREVISTAS: Edna Santini Ana Carolina Diva Manuela Nunes Fernanda Lima Nayara Lima 119. CONSIDERAÇÕES FINAIS 122. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 124. ANEXO RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 13 14 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Introdução f Falar sobre mulheres nos esportes é difícil porque esta temática transcende o que pode ser visto simplesmente como uma escolha. Ser atleta, de fato, é uma escolha, mas não apenas isso. A mulher que decide ser atleta, sobretudo se escolher um esporte considerado masculino, não se destitui das questões de sexo e gênero. Ao contrário: este é um campo em que ocorre uma natural exacerbação de preconceitos. O desempenho das mulheres atletas em esportes predominantemente masculinos é tema na mídia, nas arquibancadas ou nas mesas de bar, e, em geral, os comentários vão além da discussão sobre a performance delas em quadras, campos, ringues ou pistas. Seus corpos e sua sexualidade são um objeto de atenção mais chamativo do que a arte que elas demonstram ao público durante as atividades de desporto. A mulher que assume a prática de um esporte “masculino” quase não é vista como uma atleta, mas como um desvio social, um alguém que se expõe ao público fazendo algo que não devia. Não é por acaso que a discussão sobre gênero e sexo tem sido cada vez mais frequente nos estudos do campo da eduRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 15 introdução cação física, que busca o equilíbrio entre biologia e cultura. Afinal, há duas formas de ver a mulher: no seu aspecto biológico e imutável de ser feminino, e sua representação que se transforma com o tempo, com suas lutas e conquistas. A escolha do rugby feminino como objeto de análise foi feita porque este é um esporte considerado eminentemente masculino e pouco conhecido no Brasil, mas cujo número de praticantes do sexo feminino cresce bastante e produz bons resultados: a Seleção Brasileira Feminina foi campeã de todos os nove jogos sul-americanos já realizados. O simples desconhecimento desses resultados mostra a desimportância a que foi relegado o rugby feminino brasileiro. Diversos preconceitos orbitam em torno das atletas. O maior deles é traduzido em uma pergunta: mulher pode jogar rugby? Compreender a questão do gênero no esporte ajuda a desmontar estes pensamentos criados a partir de visões machistas, religiosas e comerciais nos esportes. Existem esportes O RUGBY TEM UMA que, segundo o senESTÉTICA CONSIDERADA so comum forjado MASCULINA, MAS NO por essas visões, são BRASIL, AS MULHERES considerados masculinos e masculiniSÃO EXEMPLO zadores. Nada mais DE VITÓRIA justo que desmistificar essa classificação e as atividades “mais indicadas” para o corpo feminino. Negar a possibilidade de escolha da mulher por esses esportes é desconhecer que eles podem trazer a ela a capacidade de superação de um patamar de força e potência. 16 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Neste trabalho de conclusão de curso, serão abordados os seguintes temas: as origens da discussão de gênero, o papel feminino no esporte, a mulher rugbier e os discursos que permeiam as práticas esportivas femininas. Além dos referenciais teóricos, que vão da teoria de gênero e feminismo até uma análise acadêmica das mulheres nos esportes, foram entrevistadas cinco personagens que estão no rugby amador e no alto rendimento (atletas que começam a viver de esporte, abdicando de estudos e profissões, e que competem em jogos de alto nível de exigência, a exemplo das Olimpíadas). Entender as visões dessas mulheres sobre o esporte e conhecer suas vivências nesse meio ajuda a compreender o rugby feminino brasileiro e situá-lo no panorama de discussão de gênero. Olhar para as mulheres atletas de uma perspectiva feminista e feminina indica um fazer científico não neutro, mas repleto de opções individuais e políticas. A articulação em torno dessa temática propõe uma reflexão sobre o papel da mulher no rugby, questionando alguns dos estereótipos que crescem férteis no imaginário coletivo. Não só a mulher é tratada neste trabalho, o papel centralizador masculino predominante no rugby também entra em pauta. O esporte retratado aqui possui suas origens, culturas e práticas voltadas para referenciais masculinos e, com frequência, é palco para a reafirmação da masculinidade de seus praticantes. Com o trabalho, pretende-se entender a inserção e permanência feminina nesta modalidade, numa constante intenção (seja ela explícita ou não) de superar as relações de poder. XXXXXX • 17 introdução Coletar dados e depoimentos de pes- tradicional Bandeirantes Rugby e cujo soas-chave na prática de rugby no Brasil corpo musculoso é alvo de comentáé uma forma de desvendar e explicitar rios; Fernanda Lima, jogadora do prias discriminações e preconceitos asso- meiro time de rugby do país, o SPAC, ciados à questão do gênero. Este é um e que é assumidamente homossexual; e conhecimento militante: entender a for- Nayara Rúbia, uma das poucas árbitras ma como o preconceito se manifesta é de rugby do país e uma das primeiras a uma forma de combater relações auto- desempenhar este papel. ritárias, questionar o porquê de cada siCada uma destas jogadoras tem, em sua tuação do tipo e tentar apontar um meio trajetória no rugby, histórias importantes equilibrado para as relações “familiares” quanto às suas vivências femininas em um entre jogadores, levando em conta que, esporte tão “masculino”. São relatos de no rugby, os times são preconceitos, comenconsiderados “uma setários, sentimentos CINCO ENTREVISTADAS gunda família” para as quanto à sexualidade praticantes. e relações interpessoCONTAM COMO Como metodologia, ais com amigos, famiÉ A VIDA DE UMA foi importante coletar liares e companheiros MULHER NO RUGBY, depoimentos e analisáamorosos. SEUS DESAFIOS E -los quanto à esfera do Elas vivem o espordiscurso, observando e te de forma singular. CONSQUISTAS questionando as entreConciliam seus treivistadas sobre como se nos com jornadas de veem enquanto mulheres de rugby e sua trabalho, demonstrando a múltipla face autorrepresentação: seus corpos, suas ha- da mulher moderna, que alia trabalho e bilidades e sua sexualidade. lazer na correria da rotina. Isso mostra o A escolha das personagens aconte- avanço feminino desde as lutas feminisceu por serem cercadas de estereótipos tas, quando eram reivindicados os direino meio em que convivem no esporte. tos mais básicos, como melhorias no traForam elas: a Edna, atual jogadora de balho e estudo. Mas os mesmos relatos destaque da Seleção Brasileira de Ru- confirmam que há muito mais para progby Feminino 7’s; Ana Carolina “Diva”, gredir, lutando contra o machismo nosex-jogadora da Seleção, mãe do Davi so de cada dia. E especialmente em um e dona de curvas consideradas pou- meio de dominação masculina: o esporte. co atléticas; Manuela Nunes, atleta do E ainda mais: o rugby. 18 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme XXXXXX • 19 20 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Origens da discussão de gênero o O movimento feminista é tido como movimento político transformador que interroga e desconstrói a naturalização dos corpos em papéis e práticas sociais e, como conhecimento crítico, interroga os discursos sociais em seus desdobramentos de etnia, raça, classe, gênero, sexualidade, além de interrogar o próprio sexo biológico na constituição do sujeito “mulher” (SWAIN, 2009). Há uma grande contradição quanto à imagem feminina, que é considerada o “sexo frágil”. Quando se estuda o papel da mulher na sociedade, pode-se perceber a constante quebra de regras e normas que a impediam de se expressar e revoltar-se quanto à sua função, designada pela comunidade, que era ficar confinada à esfera doméstica, restringida a tarefas como cuidar da casa e dos filhos, pari-los, entre outras. Esses valores eram passados pela educação de geração em geração, com a tradicional crença de que a mulher não podia expressar nenhuma de suas revoltas (TOJAL, 2003). De acordo com Knijnik (2003), “o corpo delas sempre foi absolutamente visto como um mero objeto, que dá filhos, que quebra a um toque, que deve ser gracioso para enfeitar o ambiente, enfim, que só RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 21 origens da discussão do gênero existe para cumprir funções predeterminadas, não para ser”. Essa representação tem ligação com um dos mitos que permeiam o cenário das conquistas femininas: o do “belo sexo”, explicado por Lipovetsky (2000, p. 29): A idolatria do “belo sexo” é uma invenção da Renascença: de fato, é preciso esperar os séculos XV e XVI para que a mulher seja alçada ao pináculo como personificação suprema da beleza. Pela primeira vez na história, realiza-se a conjunção das duas lógicas que instituem o reino cultural do “belo sexo”: reconhecimento explícito e “teorizado” da superioridade estética do feminino e glorificação hiperbólica dos seus atributos físicos e espirituais. Este conceito é perpetuado nas relações interpessoais femininas, seja em casa, no trabalho ou na carreira esportiva. O reconhecimento está, muitas vezes, ligado à beleza, diminuindo sua inteligência e esforço. No esporte, são muito mais recoO CORPO DELAS nhecidas pelos atriSEMPRE FOI butos físicos (por ABSOLUTAMENTE serem estes padrões VISTO COMO UM “femininos” ou desviantes, másculos) MERO OBJETO, QUE DÁ do que pelas habiFILHOS, QUE QUEBRA A lidades dentro da UM TOQUE, QUE DEVE área de jogo. SER GRACIOSO PARA Por isso, estudar as conquistas femiENFEITAR O AMBIENTE ninas continua sendo um grande desafio, pois é possível perceber, na rotina atual da mulher, esses valores enraiza22 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme dos, inclusive no âmbito esportivo. Como argumentos utilizados na perpetuação desses valores, os aspectos biológicos viram “inquestionáveis”, fatos sobre o corpo da mulher e sua função decorrente dele. Devido a isso, as teorias feministas, que abordam o gênero e não apenas o sexo, são uma crítica ao quadro epistemológico no qual se insere o próprio discurso. Mas a ciência é apenas um modo de ver o mundo, e ela pode e deve ser questionada (SWAIN, 2009). Mas o que é o gênero, afinal? Segundo Scott (1988), o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, sendo fundado nas diferenças percebidas entre os sexos, comportando como primeiro significado as relações de poder. É no campo social que se constroem e se reproduzem as relações desiguais entre os sujeitos. Logo, as diferenças são baseadas nos arranjos sociais, e não na diferença biológica dos indivíduos. Recorrentemente, as diferenças dos corpos masculinos e femininos são utilizadas como argumentos para a inferiorização da mulher, o que reafirma o senso comum de subordinação do sexo feminino. “O argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que as relações entre ambos decorrem dessa distinção” (LOURO, 2007, p. 20) serviu e serve ainda hoje para justificar essa desigualdade de gênero. Logo, a discriminação da mulher começa com a descoberta do sexo ainda na barriga, direcionando sua imagem na família e sociedade como um todo, reservando a ela os padrões de conduta divididos por gênero. O termo e suas interpretações estão atrelados às lutas das mulheres, das feministas, ao serem usados desde o iní- RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 23 origens da discussão do gênero cio nos discursos e nos contextos de luta, sempre se contrapondo à naturalização do feminino e do masculino. “O conceito carregou as marcas dessa luta” (LOURO, 1995, p. 229). A feminista Simone de Beauvoir, quando diz “não se nasce mulher, torna-se”, aborda exatamente um dos conceitos de gênero e sexo. A apropriação da imagem e significação de “mulher” é construída, apropriada pelo humano, e não simplesmente entregue de mãos beijadas ao personagem. Sua obra O Segundo Sexo, publicada originalmente em 1949, tida como precursora da definição de gênero, começa com o questionamento “O que é uma mulher?”, para, em seguida, questionar se “ser mulher” é apenas possuir um útero. Ao refutar essa correspondência direta, Beauvoir (1980, p. 13) chega à seguinte conclusão: “Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade”. Justamente sobre esse ponto, tão complexo e contraditório, reside o conceito de gênero. No entanto, diferentes visões sobre esse mesmo ponto lançaram interpretações distintas. Assim, uma simples mudança de uma vogal no fim de palavras como “menina” e “menino” vem carregada de significados e interpretações que transcendem a origem gramatical. Desde sua origem, o gênero foi, sim, um termo emprestado da gramática. Veio da língua inglesa, mais especificamente da palavra “gender”. A princípio, o termo foi apropriado por psicólogos norte-americanos dos anos de 1960 para 24 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme designar uma “identidade de gênero” somada a um corpo, seja lá que corpo fosse este. Esses psicólogos estavam interessados em entender as pessoas com “sexo ambíguo”, isto é, aqueles que apresentavam, no mesmo corpo, características do sexo feminino e do sexo masculino (CARVALHO, 2011). Dessa forma, o termo gênero era particularmente interessante para eles, uma vez que a “identidade de gênero” daqueles sujeitos não poderia ser uma decorrência natural de características corporais. Cria-se, então, uma dicotomia entre um conceito de sexo (o corpo, a natureza) e gênero (a cultura, as atitudes), sobre uma teoria que diz respeito, essencialmente, a indivíduos e como estes lidam com seu sexo e seu gênero. Porém, não se deve desvincular o sexo do gênero. Dizer que gênero está baseado em diferenças corporais não é recair na dicotomia sexo x gênero. Para Scott (1988), o gênero não é uma mera decorrência dos corpos, mas parte das diferenças que é percebida e, ao serem percebidas, são hierarquizadas. Pensar relações de gênero sem discutir o corpo é como pensar relações raciais sem discutir a cor de pele. Perde-se o referencial no corpo, por mais variável que esse corpo seja, cria-se um conceito frouxo, inespecífico, que poderia ser utilizado para qualquer relação de poder. Os corpos entram na discussão de gênero porque sobre ou a partir deles surgem os discursos de discriminação. É importante frisar que a discussão de masculino e feminino não provoca uma opinião separatista, mas sim um aprofundamento da necessidade de desfazer o cotidiano predominante de supremacia do gênero masculino sobre o feminino (SCOTT, 1988). Discutem-se alguns elementos relacionados ao discurso de gênero: as mar- cas que evocam as representações simbóli- natural, muito menos invariável. As identicas, os conceitos normativos que induzem dades sexuais, portanto, não são naturais, e a interpretações destas representações, as sim adquiridas. O discurso de heteronormaorganizações sociais (trabalho, grupos so- tividade sexual é uma obsessão social norciais, família, entre outros) e identidades matizante quando há repetidamente o dissubjetivas, que não devem ser reduzidas curso sobre a condição homossexual como às concepções biológicas, negando assim “desviante”. Com isso, os estudos de gênero a carga história de sua representatividade e feministas também se encontram com os (SCOTT, 1988, p. 86-87). estudos gays e lésbicos. Na sociedade, as feminilidades e masTodas estas vertentes de discursos acerculinidades permeiam as relações entre in- ca de gêneros atingem em cheio a concepdivíduos por diversas vias que retratam a ção e interação com corpos. É nesse “lugar” cultura utilizando linguagem escrita, visu- que ocorrem fisicamente as marcas desse al, corporal, midiática. Dessa forma, as con- discurso, definido a partir de traços culcepções e significações de mundo são orga- turais, que posicionaa os gêneros de acornizadas socialmente e culturalmente pela do com as semelhanças e diferenças entre linguagem, perpetuando representações e eles. Para compreender essa relação gênero estereótipos. x corpo, é importante superar os aspectos Falar de identibiológicos imutádades desta forma veis e entrar na inÉ IMPORTANTE FRISAR é considerar que vestigação do corelas são definidas po como construQUE A DISCUSSÃO DE no âmbito da cultor histórico, cultuMASCULINO E FEMININO tura e da história. ral, social e político. NÃO PROVOCA UMA Identidades estas Ter o corpo OPINIÃO SEPARATISTA, MAS que se diferem incomo outdoor vai dividualmente por de acordo com o SIM UM APROFUNDAMENTO gênero, raça, etnia, pensamento de DA NECESSIDADE DE sexualidade, entre Guacira Louro: DESFAZER A SUPREMACIA outros. Logo, essa “[...] os corpos são DO GÊNERO MASCULINO identidade é mutásignificados, revel – e por que não? presentados e inSOBRE O FEMININO – contraditória. terpretados cultuCitando a sexuaralmente” (2000, lidade como forma de identidade, é necessá- p. 62). É preciso pensar no corpo não sorio apontar as discussões atuais envolvendo mente como portador de funções vitais, este aspecto. A polêmica em torno dela está mas sim como estrutura simbólica de reem acorrentar um determinado sexo (bioló- presentação e “lugar” onde são projetagico) a um gênero específico, relacionando o das as mais diferentes culturas. desejo sexual com o sexo oposto. No campo dos estudos dos esportes, Para Louro, os termos sexo, gênero e se- mais especificamente na formação de eduxualidade não são uma sequência fechada e cadores físicos, a discussão de gênero esteRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 25 origens da discussão do gênero ve, desde o princípio, baseada em análises biologicistas, inclusive em suas pesquisas. Por isso, priorizar a discussão no lado sociocultural é um caminho relativamente novo e pouco explorado. No período em que despontavam os primeiros estudos, as feministas denunciavam o tratamento de inferioridade recebido pela mulher, bem como os estereótipos sexuais enraizados na disciplina de Educação Física na escola e fora dela, com práticas em competições oficiais. Já havia também o debate por parte das mulheres referente à performance esportiva e as diferenças entre homens e mulheres. Em muitas dessas discussões, gênero e sexo eram relatados como sinônimos (LUZ, 2003 apud ALMEIDA, 2008, p. 39). Buscando um ponto de partida, alguns autores (LOURO, 1997; MEYER, 2003) dividem o movimento feminista em duas ondas. A primeira surge no final do século XIX, com a luta das mulheres pelo direito ao voto (sufragistas), por estudo e trabalho. Já a segunda, mais recente, aconteceu entre 1960 e 1970 com a grande agitação intelectual dos movimentos sociais e políticos da época da ditadura brasileira. Foi como se a produção acadêmica voltada para a prática esportiva com relação à questão de gênero tivesse pegado uma “carona” na onda de elucidação política do momento histórico, com início de produção estipulado na década de 1980. 26 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Entretanto, é errado classificar o movimento feminista como uniforme. Há várias correntes de pensamento, ora caminhando para um mesmo discurso, ora conflitantes. Talvez o principal tema em comum entre todas essas correntes seja o questionamento do papel feminino, considerado, na maior parte das vezes, inferior na sociedade contemporânea. Este pensamento comum também converte-se em agitação por mudanças. A segunda onda feminista, citada acima, questionava a centralização de poder no homem branco de classe média e a citação dos feitos femininos como desviantes. Segundo Silva (2006), as principais vertentes do feminismo são: radical, liberal, social-marxista, psicanalíticas, raciais e étnicas, culturais e pós-modernas. Com isso, um crescente número de dissertações acadêmicas, trabalhos e análises é produzido no período, havendo, no contexto atual, uma boa produção analítica e um aumento significativo de estudiosos de gênero e sexo focados em destrinchar o tema no campo do esporte. Os estudos de gênero possuem trajetória de rupturas, desconstruções, questionamentos, são incapazes de ser esgotados e demasiadamente definidos, mas são passíveis de interpretações e apropriações de discurso. Toda essa luta pode ser trazida para a vida esportiva da mulher, como mostra o capítulo a seguir. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 27 28 • XXXXXX A mulher no esporte h HISTÓRIA DO ESPORTE FEMININO O esporte pode ser considerado um meio social capaz de produzir e reproduzir valores, símbolos e representações de determinados contextos culturais, passível de inúmeras interpretações e análises. Logo, se assim o é, alguns aspectos da sociedade patriarcal dominante são transferidos para esse meio, fazendo-se necessária a discussão do tema, para que seja possível superar as relações sociais de poder (FURLAN e SANTOS, 2008, p. 29). Refletir sobre o esporte deve levar em conta suas diferentes camadas sociais, as intenções dos jogos (que vão do lazer ao alto rendimento), os investimentos econômicos feitos nas modalidades, sua capacidade de arrastar multidões e provocar sentimentos apaixonados. Tudo isso torna-o um meio marcado por interesses, negociações ou disputas, ou seja, relações de poder (FOUCAULT, 2002 apud ALMEIDA, 2008, p. 27). Dessa maneira, a constante discussão sobre as representações de atletas para a sociedade é um campo fértil para estudos sociais dessas relações, com possibilidades de olhares e contextos diferentes, que variam, entre outros motivos, com as modalidades trabalhadas nesses discursos. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 29 origem do esporte O debate sobre a participação feminina é ainda um nicho muito pequeno nos estudos dos esportes, que assim como tantos outros temas, é primariamente relativizado como masculino, branco, heterossexual, sendo o esporte feminino um desvio dessa condição, ainda mais quando as personagens são negras, pobres ou lésbicas. Considerando o esporte mundial, não apenas o brasileiro, é possível afirmar que as mulheres estão praticando todas as modalidades e práticas esportivas. Entretanto, há, na grande maioria delas, a discriminação, que fica evidente quando a participação delas é deixada de lado em jogos classificados como “feitos para homens”. Grande parte da população imagina o esporte feminino por concepções machistas e paradigmas tradicionais, pois sempre relaciona o esporte às práticas do gênero masculino. O papel da mulher na sociedade e sua representação diante dos indivíduos com quem convive levam ou levaram-na a encontrar barreiras culturais e sociológicas para ser aceita no mundo dos esportes. Esses obstáculos podem ser encontrados nos regulamentos de esportes, na literatura, na mídia, nas leis do passado, além dos valores vividos no dia a dia. Questionar essa rotina de preconceitos vivida estimula as mulheres atletas a não serem apenas espectadoras das vitórias masculinas, mas sim sujeitos ativos nas suas próprias conquistas. Para analisar essa questão, é preciso voltar algumas décadas, citando as vitórias e derrotas femininas perante os órgãos reguladores dos esportes e sua constante luta para inserção e permanência nas competições, indo contra a construção 30 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme social que vincula a prática aos homens e à “masculinidade”. Para comprovar essa relação tão óbvia, Rubio (1999 apud ALMEIDA, 2008, p. 33) aponta: [...] a mulher foi considerada como usurpadora ou profanadora de um espaço consagrado ao usufruto masculino. Fosse como atividade de lazer, fosse como prática sistemática com finalidades bélicas o esporte unificou, desde então o conjunto de adjetivos que representam o mundo masculino: força, determinação, resistência e busca de limites. Essa visão da mulher como intrusa no esporte começa pelo grande espetáculo esportivo: as Olimpíadas. Nas primeiras edições, não era permitida a participação feminina, devido à intenção de corresponder ao que eram os jogos gregos da antiguidade, que não permitiam às mulheres competir nos esportes, limitando sua participação apenas à coroação dos vencedores (KNIJNIK, 2003). Os argumentos utilizados para mantê-las longe pregavam que as mulheres, assim como os escravos, não eram cidadãs, além de afirmarem que a função da mulher era a reprodução e que seus corpos e órgãos deveriam ser preservados para a maternidade. Esportes de qualquer tipo eram tidos como riscos para as futuras parturientes. Estas visões sobre a mulher e seu papel social eram vigentes na sociedade patriarcal da Grécia Antiga. Com o início dos Jogos Olímpicos modernos, com a primeira edição datada em 1896, Pierre Cobertin, primeiro presidente do Comitê Olímpico Internacional, perpetuou essa redução do papel da mulher nos esportes de acordo com o RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 31 origem do esporte ambiente esportivo hostil do fim do século XIX. O espaço, segundo ele, era para mostrar o potencial masculino dos homens, da virilidade e da força, valorizados no evento. De acordo com ele, os jogos eram um modo de preparar os jovens para a vida militar, os papéis de liderança no governo e nos negócios. Dessa forma, a participação do mulherio era “irrelevante”. Além disso, Cobertin tinha a crença de que as atividades pesadas dos esportes fariam as mulheres perderem o “charme feminino” (WELCH e COSTA, 1994 apud KNIJNIK, 2003). Com isso, amarrando as mulheres à teoria da incapacidade menstrual, a sociedade inseria na mente feminina a sua inaptidão imutável de ser atleta, pois deveriam se restringir apenas a serem mães. Isso limitava suas capacidades físicas e atléticas, mas, por outro lado, ter força física e saúde era desejável às mulheres que virariam mães (KNIJNIK, 2003, p. 48). A partir disso, alguns esportes foram sendo permitidos, mas estes preservavam o lado feminino desejado na época, como o ciclismo. A participação feminina só foi permitida nos Jogos Olímpicos em 1900, por meio do tênis e do golfe, com somente 16 atletas. As atletas vestiam uniformes que cobriam totalmente os corpos, e isso só foi permitido porque as modalidades não envolviam contato físico entre elas, e as práticas e movimentos eram esteticamente belos (RUBIO, 1999, e LENK, 2003 apud ALMEIDA, 2008). Durante a história da competição, anualmente, após a realização dos jogos, crescia o número de mulheres atletas participantes, mas com resistência dentro e fora do ambiente esportivo. Por exemplo, em 32 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Estocolmo (1912), a natação feminina foi permitida, causando a fúria de grupos conservadores que protestaram publicamente entoando xingamentos às atletas, consideradas por eles “mulheres sem moral” (ALMEIDA, 2008, p. 35). A porcentagem de mulheres nos Jogos Olímpicos só alcançou 10% em relação ao número de atletas do sexo masculino em Amsterdã (1928). Já nas edições mais recentes, esse número orbita em 40% da soma dos atletas. Hoje, a competição é uma das principais chances das atletas femininas demonstrarem seus atributos técnicos e táticos para todos, já que é o maior evento esportivo do mundo. Essa inserção nas Olimpíadas só foi possível devido às lutas e ao empenho das mulheres para participarem não só dos esportes mas da sociedade no geral, conquistando também o ingresso no mercado de trabalho e o direito ao voto. O esporte, inclusive, torna-se fator de impulsão à liberdade feminina. Já em 1941, a proibição de mulheres em esportes “não femininos” veio por meio de lei, em pleno Estado Novo, da Era Vargas. Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país. (BRASIL, 1941) Essa proibição também inspirou acadêmicos a dissertarem sobre o tema, um exemplo é o tratado de fisiologia de Pini (1978 apud KNIJNIK, 2003, p. 57). Em nosso ver, a mulher não deve participar de modalidades esportivas como o rugby, o futebol, as lutas, além de outras, por exigirem condições especiais de treinamento e pelo enorme desgaste físico que acarretam, além da violência dos contatos físicos que podem surgir no ardor das disputas [...]. Pelas razões expostas, a mulher deve dedicar-se apenas às modalidades esportivas que favoreçam e exaltem a sua beleza física, a delicadeza e a graça de seus movimentos. Esses trechos trazem à tona o conceito sobre o corpo feminino, que deve ser mantido frágil, belo e delicado, e que estes esportes iriam contra isso. É o que Lipovetsky (2000) diz quanto ao belo sexo: é esperado pela sociedade a manutenção da mulher “em seu lugar” de procriadora e objeto de desejo para homens. E tudo o que afastaria estas personagens de sua “missão”, deveria ser proibido. Ou seja, por trás destes esportes, há um medo geral de que as mulheres que os praticassem fossem masculinizadas. A lei ficou vigente até 1979 e só caiu por intermédio de um acontecimento inusitado que marcou a história do esporte feminino brasileiro, que não mostra um confronto explícito para colocar o “belo sexo” no meio esportivo, e sim uma infiltração lenta e camuflada. A modalidade responsável pela mudança foi o judô, outro esporte em que a presença feminina é forte (nas Olimpíadas de 2012, a piauiense Sarah Menezes foi a primeira brasileira a conquistar a medalha de ouro no esporte, na categoria até 48 kg), mas que não está livre de estereótipos de gênero. A participação feminina era liberada em outros países e, inclusive, era importante para a pontuação no ranking mundial, que somava os pontos das categorias femininas e masculinas. Como o Brasil proibia a participação de mulheres em competições esportivas (mas não impedia os treinos), o país estava atrás na pontuação mundial. Sendo assim, no mesmo ano da queda da lei, a Confederação Brasileira de Judô inscreveu suas atletas para o campeonato sul-americano da modalidade, com edição na Argentina. Entretanto, para não serem descobertas, usaram nomes fictícios masculinos. A façanha foi descoberta logo após o fim da competição, quando as atletas ganharam o torneio, fazendo o país ficar em primeiro lugar no ranking geral. Elas apresentaram-se em Brasília, com medalhas no peito, o que fez com que o mito do sexo frágil caísse por terra, assim como a lei. Como poderiam aqueles corpos voltados para a maternidade e a subserviência matrimonial voltarem ao país vitoriosos em uma modalidade tão masculina? A resposta veio com a volta da permissão para as mulheres praticarem esportes (e competirem). Antes disso, nos anos 1960, buscando um referencial feminino no esporte, apenas vedetes, modelos e atrizes simulavam jogos de futebol no Brasil, o que se assemelha hoje ao grande espetáculo de futebol americano feminino, o Lingerie League, que, como o próprio nome sugere, coleciona jogadoras de porte físico e beleza no padrão desejado pelos homens trajando apenas lingerie e algumas partes do uniforme exigido pelo esporte, as armaduras. Só este “espetáculo” já mostra como o machismo perdura até hoje. Segundo RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 33 origem do esporte Hult (1994 apud KNIJNIK, 2003, p. 50), Theodore Roosevelt teria dado o seguinte depoimento acerca do futebol americano: Somente esportes agressivos poderiam criar “a musculatura, o espírito, a camaradagem e a vivacidade dos homens”. O campo de futebol americano, dizia Roosevelt, “é o único local aonde a supremacia masculna é incontestável”. Hoje, as mulheres no esporte não estão só com a bola nas mãos ou nos pés, com uniformes de jogos, estão também na parte técnica, arbitragem, reportagem esportiva, empresariado... Enfim, cada vez mais presentes nas áreas esportivas, e até em modalidades que, em outros tempos, eram “exclusivamente masculinas”. ASPECTOS SOCIAIS IMPOSTOS PELO ESPORTE – educação física como formadora e diferenças entre homens e mulheres criadas pela cultura A separação dos gêneros em meio às práticas esportivas já acontece na escola, antes mesmo de chegar ao esporte competitivo e de alto rendimento. São nas aulas de educação física que aparecem os primeiros mecanismos de classificação, ordenamento e hierarquização. É na instituição responsável pela educação intelectual e social de indivíduos que são reproduzidos os valores sociais da cultura machista que separam e demarcam os aspectos pertencentes ao mundo masculino e feminino (PEREIRA, 2004). Quando as aulas separam os meninos para o futebol e as meninas para jogarem queimada, por exemplo, a segregação de fora dos portões da escola está sendo re34 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme produzida dentro da sala de aula, apontando que meninos jogam futebol e meninas, queimada. Essa situação não só reproduz como ajuda a criar essa imagem masculina diretamente associada aos esportes, reduzindo o esporte feminino à mera brincadeira. A criação dessa barreira biológica sempre colocava (e coloca) os atletas do sexo masculino como personagens principais do sucesso nos esportes considerados masculinos. Isso reforça o preconceito contra as mulheres e suas jornadas dentro desses esportes para “machos”. A formação dessa imagem a partir da educação escolar integra o consenso do contexto sociocultural em que estão designados os papéis femininos e masculinos. Por isso, são direcionadas atividades diferentes para indivíduos iguais, exceto pelo sexo: mesma idade, mesmos professores, mesma grade escolar. Essa diferenciação quanto às atividades propostas para cada um dos sexos se perpetua até a fase adulta, quando, por exemplo, decidem seguir a carreira esportiva. Dessa forma, foi imposto na sociedade que esportes de contato, tidos como mais violentos, são destinados aos homens, e atividades de menor contato e que contemplem sua fragilidade, como vôlei e balé, são destinadas às mulheres. Antigamente, no fim do século XIX e começo do XX, a educação física servia como preparo para a vida militar, em época de constantes guerras. Essa prática bélica era inacessível às mulheres até pouco tempo atrás (KNIJNIK, 2003, p. 39). Por isso, as primeiras professoras de educação física surgiram entre 1860 e 1900, e com elas o acesso feminino às aulas, “à alegria do esporte”. Essas professo- RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 35 origem do esporte ras foram as primeiras a descobrir outra forma de serem mulheres, dando aula em um campo “masculino”, mas ainda assim carregavam o estigma do sexo nos seus trabalhos: controlar as crianças era como ser uma dona de casa, uma mãe. O mais impressionante sobre essas mulheres é que 90% delas permaneceram solteiras (KNIJNIK, 2003, p. 51). Ao ser colocada na grade curricular da escola, a educação física, em nenhum momento, colocava claramente a discriminação de sexo quanto à sua prática, mas cada estado deliberava sobre a participação feminina. O governo do Amazonas, em 1852, por exemplo, foi taxativo ao regulamentar a prática da educação física: “As meninas não farão exercícios ginásticos” (ROSEMBERG, 1995, p. 279 apud KNIJNIK, 2003, p. 59). Na época, essa decisão era endossada pelas famílias das meninas, que opunham-se à prática dos exercícios por parte destas. Rui Barbosa, o grande mentor da educação física nacional, deu seu parecer ao projeto educacional de reforma do ensino primário, em 1882, entendendo que a ginástica deveria ser obrigatória para ambos os sexos em todo o país. “[...] tendo em vista, em relação à mulher, a harmonia das formas femininas e as exigências da maternidade futura”. (ROSEMBERG, 1995, p. 126 apud KNIJNIK, 2003, p. 59). Esse trecho mostra que, mesmo quando liberados os exercícios na educação física, estes têm como objetivo perpetuar a qualificação da mulher em ser mãe e bela. Mostra-se também que a ginástica é permitida, o que não acontece com os esportes. 36 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Dessa forma, pelo fato de os esportes terem sido direcionados ao sexo masculino desde cedo e desde sempre, a imagem do homem é associada ainda na infância à força e virilidade, dependendo da modalidade (ALTMANN, 1998 apud FURLAN e SANTOS, 2008). Dentre as opções na escola, o futebol é considerado o mais masculino dos esportes, ficando o vôlei mais direcionado para as alunas. De acordo com análise de campo de Furlan e Santos (2008, p. 33), no momento de introdução dos esportes na educação física escolar brasileira, as alunas foram classificadas como seres “frágeis e dóceis”, e os alunos como “fortes, dominantes e poderosos”. Também é no esporte que os ideais de sexo e normas de socialização, traços de personalidade, gostos e comportamentos, são adaptados para cada um dos sexos, segundo Lipovetsky (2000, p. 300). O autor francês ainda afirma que, na educação, “o espírito de independência e de competição era mais bem desenvolvido nos meninos que nas meninas”. Culturalmente, o esporte é uma área na qual a prática serve para reafirmar a masculinidade, isto é, valorizar o homem e desvalorizar a mulher. Ou seja, é visível que essa educação vai aparecer nas relações sociais fora do espaço esportivo, já que a matéria de educação física ajuda na formação de cidadãos fora das paredes da escola. Goellner (2007, p. 184-185) completa esse pensamento ao afirmar que “para as mulheres, em grande medida, é incentivado viver o espetáculo esportivo desde que não deixe de lado, por exemplo, a graciosidade, a delicadeza e a beleza, atributos colados a uma suposta ‘essência feminina’”. Essa diferenciação demarca seus espaços de sociabilidade, pois insiste-se em afir- mar que certas modalidades não foram criadas para seus corpos, tidos como frágeis, a exemplo do rugby. Os corpos são, enfim, um dos grandes “espaços” de debate sobre o ser feminino. CORPOS ATLÉTICOS E FEMININOS – quando a máquina de resultados é alvo de comentários acerca de sua representação social O corpo da mulher atleta é o que pode-se chamar de arena de conflitos dos discursos feministas versus sexistas-machistas. É sobre ele que são destilados os comentários maldosos a respeito da representação feminina na sociedade. São adjetivos como “feminina” e “masculina” que ajudam a formar a imagem da mulher em seu convívio. No esporte não seria diferente. Como explicam bem Maria Regina da Costa e Gabriela Ribeiro (2008 apud FURLAN e SANTOS, 2008, p. 38), quem foge do padrão normativo que a sociedade amarra à imagem da mulher (o de ser feminino, delicado, gracioso) é taxada de “masculina, sapatão, machorra, etc.”. Quando as atletas não atendem a essa exigência, mostrando-se mais fortes ou mais habilidosas com o esporte que escolheram, vão contra o discurso biologicista das diferenças de gênero, que afirma e crava a posição da mulher como abaixo das expectativas de força e habilidades esportivas. De acordo com Goellner (2007, p. 46), “o temor que a mulher rompa algumas barreiras que delimitam as diferenças culturalmente construídas para cada sexo torna imperiosa a sua feminização, caso contrário, diz o discurso dominante, ela estará se masculinizando”. Dessa forma, o corpo feminino vai culturalmente sendo posto como inadequado para algumas habilidades esportivas. Se algumas garotas vão contra isso, ou seja, praticam algum esporte e, consequentemente, mudam seus corpos para algo mais distante do “ideal feminino”, são prontamente questionadas quanto à sua sexualidade. Entretanto, se a inserção no meio esportivo for acompanhada de vaidade e busca por manter o padrão de beleza vigente, logo as atletas são consiQUEM FOGE DO PADRÃO deradas “marias chuteiras”, desNORMATIVO QUE A merecendo mais SOCIEDADE AMARRA uma vez as habiÀ IMAGEM DA MULHER lidades e desejos (O DE SER FEMININO, esportivos destas mulheres. DELICADO, GRACIOSO) É O discurso seTAXADA DE MASCULINA, xista em torno da SAPATÃO, MACHORRA, ETC. mulher carrega tanto os preconceitos sociais quanto os argumentos biológicos. O corpo dela é considerado um templo destinado apenas para fins maternais e sexuais (com homens, diga-se). Evitar esportes que as transformem em algo parecido com a fisiologia recorrentemente masculina (músculos definidos) se transformou em regra desde o surgimento de competições esportivas. Não é de hoje que a arena esportiva tem sido um espaço de luta para a reafirmação do valor da mulher em um espaço voltado para homens. É lá que, culturalmente, o homem mostra sua virilidade e masculinidade. E este fator limita e inibe a participação feminina, já que é imposto pela sociedade machista um padrão de “delicadeza” que as mulheres, ao praticar esportes, RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 37 origem do esporte “perdem”, na visão das pessoas com quem se relacionam. Contra as mulheres esportistas já houve um forte movimento de médicos e cientistas que argumentavam utilizando pesquisas e relatos que depunham a favor apenas da maternidade como função feminina. Afirmavam, entre outras atrocidades, que as mulheres eram incapazes de fazer duas coisas ao mesmo tempo, gastando energia demais no trabalho físico e intelectual proposto pelo esporte, quando o certo seria gastá-la com suas crias. Caso não seguissem essa regra, os resultados seriam fraqueza, doenças, infertilidade ou danos para as futuras gerações (VERTINSKY, 1994 apud KNIJNIK, 2003). Hoje, as mulheres superaram a proibição, mas convivem com estereótipos e chavões de beleza que a sociedade fora do esporte impõe. Essas regras sobre seus corpos parecem incomodar as atletas de alto rendimento, já que elas são vistas, na grande maioria das vezes, por esse viés da beleza, e não por suas habilidades. Isso leva a crer que a busca em manter-se “feminina”, mesmo com a atividade muscular desenvolvida, é uma pressão que sofrem para serem reconhecidas. “Jogo rugby, mas sou feminina” é uma frase que repetem para si mesmas e para os amigos e familiares. O mito do belo sexo é uma pedra no caminho das atletas. É constante na história do esporte feminino a reclamação das atletas por serem forçadas a responder a padrões estéticos e de feminilidade que são alheios às práticas que escolheram adotar (KNIJNIK, 2003, p. 30). Atletas que praticam esportes de contato, como rugby ou futebol, que precisam desenvolver a musculatura, estão entre as que mais sofrem. 38 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Bem como as praticantes do fisiculturismo, que impõe como regra um limite aceitável do corpo da mulher para ser feminino. Se ultrapassar esse limite, a atleta é desclassificada. O mesmo acontece com o esporte masculino? Não. Não existe na história atletas homens que sejam desclassificados por não atenderem ao padrão de beleza masculino ou de masculinidade. Por isso, mais uma vez, a arena esportiva é lugar para reafirmar as relações de gênero. De acordo com Kolnes (1995, p. 71 apud KNIJNIK, 2003, p. 30): Enquanto homens atletas são descritos em termos de suas façanhas, de competitividade, de sua força física e psicológica, de sua bravura por jogar mesmo estando seriamente machucados, as mulheres atletas são descritas em termos de sua aparência física, feminilidade, comportamento não competitivo e relacionamentos. O trecho mostra que a imagem corporal feminina acaba sendo uma das prioridades para o trabalho esportivo hoje. O esporte, que foca exatamente no corpo e seu desempenho, lida com essa área como nenhuma outra. Por isso, é importante saber das atletas como elas veem seus corpos em suas respectivas modalidades. Há uma contradição nos discursos, que misturam habilidade e feminilidade, quando, na verdade, uma não devia estar atrelada à outra e amarrada às mulheres. Legislar em cima desses corpos impede seu uso livre, especialmente com o esporte. Se a mulher o utiliza para o alto rendimento ou simplesmente por lazer, seu corpo é um meio para medir a escala de feminilidade (ou a ausência dela). A RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 39 origem do esporte ele é imposta uma disputa fora do âmbito dos esportes e sem sequer ser solicitada. “A mais bonita” ou “a mais gostosa” são frases utilizadas dentro e fora das modalidades para classificar atletas dos mais variados esportes. A trajetória da atividade corporal feminina deixa claro que as mulheres foram, e talvez ainda sejam, reguladas pelas concepções sociais e culturais do que seu corpo deve ser (KNIJNIK, 2003, p. 65), como se seu intelecto e seus sentimentos fossem desligados da sua parte física, e como se esses fatores não fossem SEMPRE QUE VAI SE misturados. Mas seria o corpo apeFALAR DAS MULHERES nas um objeto funESPORTISTAS, É NA cional? Claro que ESFERA DA BELEZA não, já que esse FÍSICA, ADMIRANDO corpo se move de acordo com deseSEUS CORPOS.. QUASE jos da mente de NÃO SE COMENTA quem o habita. SUAS HABILIDADES O corpo feminino foi, por anos (e ainda é), o argumento para manter a mulher fora dos esportes. Entretanto, com o avanço delas na sociedade, bem como suas conquistas em campos como trabalho e sexualidade, foram alcançados benefícios também para o esporte. Mas é também nesse campo que as mulheres sofrem golpes que tentam minimizar suas conquistas. Um deles é controlar o corpo feminino esportista não pelos atributos atléticos, maximizando suas vitórias em campo, mas sim focando nos atributos físicos, mais especificamente aos que são ligados à manutenção de sua feminilidade. É possível perceber bem isso na mídia 40 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme ou nas propagandas relacionadas aos esportes. Sempre que vai se falar das mulheres esportistas, é na esfera da beleza física, admirando sua beleza “mesmo jogando algum esporte”. Um exemplo é quando apenas atletas que atendem ao padrão de beleza feminino estrelam campanhas publicitárias. É fácil acessar uma página on-line de esportes e buscar, entre as poucas matérias sobre esporte feminino, o enfoque machista dado no texto. Como exemplo, está essa matéria sobre a jogadora de vôlei americana Miss Oregon 2012, capas de revistas de beleza, Alaina Bergsma foi eleita a melhor jogadora universitária dos EUA Alaina Bergsma, a nova contratada da equipe de Minas Gerais, com o título “Minas acerta com musa e revelação do vôlei americano para Superliga – Eleita Miss Oregon em 2012 e figura constante em” (GLOBOESPORTE.COM, 2013). É noticiado, antes de suas habilidades dentro da quadra, o seu atributo físico e o caso de ter vencido um concurso de beleza. No resto do texto, todos os parágrafos associam a atleta à sua segunda profissão, de modelo, e seus gostos musicais. Em nenhum momento foram questionadas suas habilidades, dificuldades de se adaptar ao campeonato brasileiro, ou como enxerga seu futuro no esporte. Os comentários da matéria também não abordam suas características como jogadora, mas sim quão bonita a atleta é. Ou seja, não há ninguém torcendo realmente para que faça pontos, e sim para que apareça de short curto em quadra. Outro caso de fácil acesso na memória dos brasileiros é a dupla do nado sincronizado, Bia e Bianca. As irmãs gêmeas chegaram ao status de celebridade por exi- XXXXXX • 41 origem do esporte birem seus corpos em revistas sensuais e apresentarem programas de TV, enquanto ninguém lembra da sua última colocação em campeonatos da modalidade. Ao que parece, ninguém está interessado em quão boas são, mas sim em quão sexy. Enquanto isso, atletas de alto rendimento e com ótimos resultados, como Martha, do futebol, e até mesmo as jogadoras de rugby, como Edna Santini (uma das entrevistadas neste trabalho), estão fora da mídia por serem fortes demais ou se distanciarem da identidade de gênero desejada pelos apreciadores de esportes. A mulher atleta, assim, é separada do seu corpo. O QUE VEMOS POR AÍ O que ela busca SÃO ATLETAS QUE SÃO (desempenho, reESTEREOTIPADAS PELOS sultados) é obtido pelo físico, enSEUS CORPOS E QUE, tretanto, deve asPOR CONSEQUÊNCIA, sumir uma forma ACABAM SOFRENDO que não é: “femiRETALIAÇÕES SOCIAIS nina” no que diz respeito à pureza e POR NÃO SEGUIREM O fragilidade. PADRÃO DESEJADO Quem desenvolve carreira esportiva, seja de alto rendimento ou não, tem atrelado à sua rotina um programa de fortalecimento físico para conseguir melhorar seus resultados. Com isso, corpos que antes eram mais próximos do ideal feminino (frágil, com pouca musculatura), acabam se aproximando do estereótipo masculino, com músculos aparentes, força e desempenho. Como o esporte sempre foi relacionado aos homens, quem se aproxima de certas modalidades e do corpo tipo como “másculo” acaba sofrendo com “estereotipação”. Quem tem múscu42 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme los, instantaneamente, é vista como lésbica ou “machuda”. A preferência sexual não é consequência de um corpo e vice-versa. As identidades de gênero vão além dessa caracterização simplista. O que vemos por aí são atletas que são estereotipadas pelos seus corpos e que, por consequência, acabam sofrendo retaliações sociais. Nas entrevistas deste trabalho, essa questão foi tratada e mostrou que, quanto mais musculosas são as atletas, mais dificuldades de atenderem ao padrão sexual de seus pretendentes, o que acarreta problemas com relacionamentos. O corpo esportista é também o corpo-sujeito da vida humana e real fora dos jogos. E o que esperam da mulher atleta são duas coisas distintas: que sejam fortes e ágeis como esportistas, mas femininas e frágeis enquanto mulheres na sociedade. Essa contradição afeta a condição da mulher atleta e acaba por atrapalhar seu desempenho no esporte. Como exemplo, existe uma das melhores e principais atletas femininas do país. Daiane dos Santos foi flagrada em exame antidoping no ano de 2009. Na coletiva que deu sobre o caso, afirmou que a substância encontrada, o diurético furosemida, foi resultado de tratamentos estéticos para emagrecer e eliminar a celulite. Fica clara em suas palavras a tentativa de adequação aos padrões femininos impostos pela sociedade, o que atrapalhou sua carreira na ginástica olímpica e manchou de vez sua trajetória. Muitas atletas de alto rendimento se submetem a esses padrões estéticos por pressão social, seguindo o padrão heterossexual normativo. Se a mulher atleta destacada pela mídia e pela publicidade é a que possui um padrão de beleza feminino, e essa mulher atleta precisa de visibilidade para conseguir patrocínio e manter fundos para poder treinar, ela vai certamente negar sua posição de força e potência para submeter-se aos estereótipos e, dessa forma, conseguir visibilidade. Isso acaba se tornando, para a atleta, um fardo a ser carregado durante toda a carreira. A forma como o corpo da mulher esportista entra em conflito com os padrões e o rendimento serve para perpetuar a relação homem/mulher/esporte: aos homens, os resultados; às mulheres, a graça de “brincar” de esporte. Já o público, que almeja medalhas e pódios (e, logo, mulheres fortes, hábeis, musculosas e talentosas), identifica as mulheres atletas nestas condições como “não femininas”, forçando-as a demonstrarem feminilidade antes, durante e depois dos jogos competitivos, o que gera frustração nas atletas que não suprem essa necessidade pública e midiática de levar “boa estética” ao esporte. Kolnes (1995, p. 66-67), ao entrevistar atletas mulheres de alto rendimento da Noruega, chegou a essa frustração, e aponta sinais de como ela se manifesta: Parece que quanto mais masculina uma atleta parece ser, maior a demanda sobre ela para que seja uma jogadora de ponta. A competência e as “evidências” heterossexuais tornam-se importantes para compensar as características menos “femininas” [...]. [...] Como consequência, e para compensar os atributos menos femininos, algumas atletas de elite estão empenhadas em enfatizar os seus símbolos de feminilidade heterossexual. Elas se distanciam das imagens de masculinidade deixando os traços femininos mais explícitos (cabelos longos, por exemplo, conforme depoimentos). [...] O que se vê é que as atletas que estão atuando em áreas mais ligadas à masculinidade (como futebol e rugby) estão se submetendo a estratégias que possam provar a elas mesmas e aos outros que elas são de fato mulheres. Tratar do corpo atlético feminino é um assunto sem fim, porque o esporte é um dos poucos lugares em que a parte física se faz tão necessária. E a partir deste corpo, outros assuntos podem surgir: sexualidade, ideologia simbólica da mulher na sociedade, relações de poder, entre outros. A participação de mulheres no alto rendimento ainda é fruto de análise por um viés de valores masculinos. É no esporte que as mulheres têm a chance de perpetuar a imagem atual do gênero na sociedade ou poder mudar essa visão, utilizando como argumento suas vitórias, sendo ele um elemento decisivo para a autonomia feminina no mundo moderno, mas que, se não tomado o cuidado, pode ser um meio de manipular e de dominar o corpo e as práticas corporais femininas. Assim, percebemos que o corpo da mulher atleta e a sua performance no mundo esportivo são, quase invariavelmente, julgados por outros padrões que não aqueles que condizem com a atividade em questão: as mulheres passam a ser julgadas não só pelos talentos esportivos, mas por beleza, sexualidade, comportamento, moralidade. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 43 44 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme A mulher dentro do uniforme de rugby a Alguns esportes seguem com barreiras gigantescas a respeito da participação feminina. A modalidade escolhida para o debate foi o rugby (ou, no português, rúgbi), tido primariamente como esporte para cavalheiros, de contato e, por isso, impróprio para mulheres. A discussão proposta visa explicitar as discriminações e preconceitos associados à questão de gênero, com foco em combater relações autoritárias, questionando os códigos de comportamento e conduta estabelecidos para homens e mulheres no esporte e apontando para suas transformações. Antes de mais nada, é importante explicar a utilização do termo em inglês “rugby” ao invés de “rúgbi” neste trabalho acadêmico: o termo original é o mais utilizado no mundo, e, no Brasil está presente, inclusive, no nome da Confederação Brasileira de Rugby, a CBRu. A escolha deste esporte para atrelar um viés feminista vem do cunho pessoal da autora. Ex-jogadora e primeira jornalista focada em comentar e noticiar o rugby feminino brasileiro, quando criou o blog Rugby de Calcinha, em 2009, sempre vivenciou situações de segregação no âmbito do gênero. Estudar mais a RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 45 A mulher dentro do uniforme de rugby fundo a questão é uma forma de melhorar seu desempenho quanto profissional e ajudar a colaborar com a memória e o engrandecimento do rugby no Brasil. A convivência com pessoas do esporte sempre fez refletir sobre as raízes da modalidade, arraigada na “cultura macho”, assim como outros esportes, por exemplo, o futebol e as lutas em geral. Por ser ainda pouco popular no país, o rugby causa estranhamento à primeira vista. O forte contato físico vem de movimentos como tackle (quando o oponente que está com a bola é levado ao chão) e ruck (disputa pela posse de bola que acontece no chão, após o tackle). Esteticamente, é considerado violento, e isso deu margens à caracterização dele como espaço para provar masculinidade e, logo, ser associado à prática masculina. Mais do que visualmente, o rugby, como espaço cultural e social, foi fundado e institucionalizado num contexto onde as masculinidades se destacavam e, ainda hoje, persiste essa referência (ALMEIDA, 2008). Como explicado no capítulo anterior, a participação feminina nos esportes, em geral, é algo recente, permeada por símbolos e representações. Desde que o decreto-lei que proibia alguns esportes para mulheres caiu, todas as modalidades são permitidas ao sexo feminino. Entretanto, praticá-los representa muito mais que um simples ato de lazer ou rendimento, pois é também um grito de emancipação feminina. Com o rugby, não é diferente. Nascido quase como uma brincadeira, o rugby já foi criado como um desafio. No meio de uma partida de futebol em 1846, William Webb Ellis, estudan46 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme te da Escola de Rugby (principal instituição de ensino da cidade de Rugby, na Inglaterra), teria pego a bola com as mãos e corrido até o fundo do campo, marcando assim o primeiro try (principal pontuação da modalidade, que hoje vale cinco pontos, mas que, no início, valia apenas a chance de chutar na trave). No caminho, seus colegas tentaram segurá-lo, o que seria, então, as primeiras tentativas de tackle. Após seu desenvolvimento, com a criação da Rugby Football Union, em 1871, o rugby passou de diversão a uma representação mais forte. De acordo com Ellias e Dunning (1992), o rugby surgiu de um ethos guerreiro, que proporcionava uma luta simbólica. A bola possuía pouca importância, e o que prevalecia era a intenção de mostrar-se viril, lançando pontapés e caneladas mútuas. Esse pensamento vinha muito da influência das guerras, quando os homens da sociedade tinham de ser treinados para este fim. Mesmo com o crescimento da modalidade e a institucionalização, o rugby, ao contrário do futebol, se opôs à profissionalização dos jogadores, mantendo-se amador, e isso conservou este esporte como privilégio das classes mais abastadas da sociedade inglesa, especialmente os súditos de classe alta da monarquia. “Porém como o amadorismo não era um consenso entre seus praticantes e gestores, a partir da Rugby Football Union acabaram sendo criadas duas ligas, que são mantidas até os dias atuais: a Rugby Union e a Rugby League” (ALMEIDA, 2008). As principais diferenças, além de regras que regulam a prática dentro de campo, são que a primeira, por prin- cípios de gentlemen, pretendia manter- destinada a maior parte das verbas e in-se amadora, utilizando 15 jogadores; já vestimentos da CBRu. Isso se deve à vola Rugby League, buscava a profissiona- ta do rugby às Olimpíadas. Antes, figulização, além de manter a formação de rou no início dos jogos nos anos de 1900 13 jogadores para cada time. Isso mudou (Paris), 1908 (Londres), 1920 (Antuérbruscamente, já que o Rugby Union se pia) e 1924 (Paris). Após essa última editornou maior que o League, com mais ção parisiense, o rugby foi extinto pelas adeptos, enquanto o segundo é popular dificuldades de organizar jogos tão lonem poucos países, como na Austrália. gos (a modalidade XV tem dois tempos Há dois tipos de Rugby Union: o de 40 minutos) e gerir equipes muito seven’s e o XV. O primeiro é mais po- grandes (22 jogadores, além de comispular atualmente por ter retornado às são técnica). Olimpíadas de 2016. Precisa de sete joO início do rugby feminino tem pougadores e três reservas e dura dois tem- cos dados objetivos, que definiriam o pos de sete minutos. Já o XV, também período e o local. Entretanto, de acormovimenta fanáticos por rugby: a Copa do com Martin (2001 apud ALMEIdo Mundo de RuDA, 2008, p. gby XV é a tercei44), a populaOS PRIMEIROS INDÍCIOS ra maior competirização da moção esportiva, perdalidade teve DE RUGBY FEMININO SÃO dendo apenas para ligação direta DE 1881, NA CIDADE DE as Olimpíadas e a com o contexto LIVERPOOL. A PARTIDA Copa do Mundo social das muAMISTOSA ENTRE ESCÓCIA de Futebol. Precilheres, a maiosa de 15 jogadores ria estudante E INGLATERRA CAUSOU em campo e sete u n i v e rsitária, REVOLTA NA SOCIEDADE reservas. no fim dos anos No Brasil, a mode 1970, marcadalidade chegou trazida por Charles do como tempo de mudanças nas quesMiller, o mesmo “pai” do futebol brasi- tões de gênero. leiro. Em 1894, após dez anos moranAlguns sites (Rugby Relics e Wikipedo na Inglaterra, Charles retorna a São dia) apontam as primeiras rugby women Paulo trazendo na bagagem um livro de no fim do século XIX, mais especificaregras do rugby e um de futebol, uma mente, em 27 de junho de 1881, na cidabola oval e uma redonda, uma bomba de de de Liverpool, em uma partida de exiar para enchê-las, um par de chuteiras bição entre Escócia e Inglaterra, o que e camisas de times ingleses (PRIORE e causou grande revolta na população, MELO, 2009). Fundou, em 1888, o São que abandonou a partida pela “violênPaulo Athletic Club, o SPAC, renomado cia” no gramado. e pioneiro time de rugby do Brasil. Seis anos mais tarde, uma rugbier de Atualmente, há a predominância do nome e sobrenome também se destacou rugby seven’s no Brasil, para o qual é como pioneira. Era Emily Valentine, esRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 47 A mulher dentro do uniforme de rugby tudante da Portora Royal School, na Irlanda, que, em 1887, jogou com meninos no time criado pelos seus irmãos e ainda pontuou. Já o primeiro time puramente feminino que se tem notícia, é datado em 1891, da Nova Zelândia. A equipe estava tentando fazer uma turnê de jogos para ganhar experiência, mas esta nunca aconteceu, porque a sociedade não estava preparada para tal revolução no esporte que tinha sido criado para fins masculinos. Já no livro Rugby Football (de Col Figura (1) Fonte: Getty Images 48 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Philip Trevor, 1923), o capítulo “Rugger for Girls” retrata a filha do autor, que era uma “flapperdom” (termo utilizado nos anos 1920 para meninas descoladas), como uma das pioneiras. Ela o chamou para conversar e discutir a possibilidade de ela e mais algumas amigas jogarem rugby. Disso, saiu uma decisão de que eles e mais alguns amigos iriam jogar em uma praia afastada, com 15 jogadores de cada lado e ainda banco de reservas. Col foi o árbitro, acompanhou de perto a partida e descreveu as meninas como habilidosas. Contou ainda que elas jogavam com toucas de banho para diminuírem o risco de serem tackleadas pelo cabelo (WIKIPEDIA, 2010). Figura 1 – Jogadoras de rugby na Austrália em 1920 Enquanto o rugby masculino se desenvolvia a passos largos, o feminino levou um tempo considerável para crescer. Apenas nos anos 1970, a organização do rugby feminino começou a planejar treinos e competições internacionais. O primeiro jogo internacional aconteceu na Holanda em 1982, quando o time da casa venceu o da França por 4 a 0. Como lemos neste capítulo, o rugby surgiu na Inglaterra em 1846, mas somente em 1986 o país criou a Women’s Rugby Football Union, que também gerenciava País de Gales, Irlanda e Escócia. Estavam registrados 12 times (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010 apud CENAMO, 2010). Já no Brasil, não há registros oficiais das primeiras partidas. Pouco se documentou sobre o início do rugby feminino, mas, em depoimentos informais, é possível extrair da memória alguns dados. De acordo com o ex-jogador e ex-treinador de rugby Ricardo Ramunno, mais conhecido como Miúdo, as primeiras partidas no país aconteceram no início da década de 1980, entre os intervalos dos jogos masculinos do SPAC. Os times eram formados por algumas jovens alunas do Lyceu Pasteur (treinadas por Gardelon, Gauer e Miúdo) e ex-alunas do Saint Pauls, mas que frequentavam os terceiros tempos (como são conhecidas as festas após os jogos). Estas jogaram sob a insígnia do Alphaville e eram treinadas por Javier e Negro. Na época, quem organizava os jogos era a Associação Brasileira de Rugby (ABR), que não gostou da ideia das meninas jogando. Colocaram os joA SELEÇÃO BRASILEIRA gos durante a fiDE RUGBY FEMININO nal do masculino adulto, crenVENCEU TODAS AS do que ninguém NOVE EDIÇÕES DO “perderia temCAMPEONATO SULpo” com a exibiAMERICANO E FOI ção das garotas. Aconteceu justaESCOLHIDA PARA mente o contráREPRESENTAR A AMÉRICA rio: o jogo femiDO SUL NA COPA DO nino foi o grande MUNDO DE RUGBY 7’S sucesso, as meninas roubaram a cena e foram o ponto alto do dia. O Alphaville ganhou com um placar apertado. Após perceberem o potencial do rugby feminino, além do interesse cada vez maior de novas participantes, surgiram os times de ponta em São Paulo, como SPAC e Rio Branco, sendo seguidos mais tarde por Bandeirantes e Pasteur. Depois, alastraram-se para Rio de Janeiro e Curitiba, e mais recentemente por todo o Brasil. A primeira Seleção Brasileira veio apenas em 2004, especialmente para disputar a primeira edição sul-americana de rugby feminino. As pioneiras foram Maria Mikaella Pitta (Mika), Cristiana e Beatriz (Baby) Futuro, Paula Ishibashi, Emily Barker, Natasha Olsen, Vanessa Chagas, Bárbara Santiago, Júlia Sardá, Lúcia Áquila, Gabriela Ávila, Jessica Santos, Bruna Lotufo e Ayna Santos. Na primeira edição do evento, que RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 49 Figura (2) Fonte: Foto de Marco Maia A mulher dentro do uniforme de rugby aconteceu na Venezuela, o Brasil venceu a seleção da casa e levou o primeiro caneco da competição. Desde então, é campeão invicto de todas as nove edições. Quem mais coleciona vice-campeonatos é a Argentina, com cinco troféus de prata. Após esses resultados, as seleções foram convidadas para a Copa do Mundo de Rugby, que ocorreu entre 5 a 7 de março de 2009, em Dubai, como representantes sul-americanas. Na primeira grande competição mundial, finalizaram em 10° lugar, deixando para trás times fortes como Holanda, Rússia e Japão. Perderam a final da Taça Bowl (que corresponde ao 9° e 10° lugar) para a China, por 10 a 7. As vencedoras da competição foram as australianas, que bateram o tradicional e forte time da Nova Zelândia, com placar apertado de 15 a 10. Em 2013, o Brasil participou novamente, desta vez ficando em 13° lugar. Antes da Copa do Mundo, ainda em 2009, houve uma tentativa de deslanchar o rugby da modalidade XV feminino. Algumas meninas se esforçaram para 50 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme jogar, na Holanda, um amistoso contra a Seleção local, quando perderam com o placar de 10 a 0. Aproveitando ainda a viagem, os times reservas também duelaram, dessa vez com vitória brasileira (não foi encontrado o placar). Foram os dois únicos jogos executados pelo Brasil com 15 meninas. O mais interessante desses eventos foi que, para poderem viajar, as atletas custearam do próprio bolso as despesas, além de terem feito um calendário sensual, vestindo apenas itens do uniforme de rugby. As fotos foram tiradas por Marco Maia, ex-jogador da modalidade. Na época, não havia investimentos na Seleção feminina por parte da ABR (que depois virou CBRu). O foco era apenas o masculino e, mesmo assim, era pouco dinheiro, já que a modalidade não era olímpica e, logo, não atraía patrocinadores. Há relatos de que as próprias atletas tinham de custear o uniforme. O calendário foi um sucesso, que gerou, pela primeira vez, uma grande repercussão do rugby feminino na mídia (foram até no programa do Faustão). RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 51 A mulher dentro do uniforme de rugby Elas ficaram conhecidas (dentro do rugby e fora dele), venderam bastante e conseguiram arrecadar dinheiro para diminuir os gastos do próprio bolso. Voltaram, então, a figurar entre os times do top 10 mundial. Mas, só anos depois, as meninas teriam investimentos em dinheiro para conseguirem se dedicar mais ao esporte, sem ter de tirar a roupa. Figura 2 – Foto de abertura do calendário sensual Com o excelente resultado feminino no mundial, houve um marco para a popularização do esporte. Mas também pode-se afirmar que a quantidade de meninas praticantes cresceu em decorrência do aumento de times masculinos pelo Brasil, como aconteceu com a autora. Ela descobriu o rugby com amigos, que acharam na modalidade uma alter- Tabela (1) Fonte: CBRu 52 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme nativa ao futebol americano, um esporte caro e que requer o uso de armaduras inviáveis de se conseguir. Muitas atletas entraram no rugby por intermédio de irmãos, namorados e amigos. Pode-se também atribuir ao filme Invictus (2009), dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Morgan Freeman e Matt Damon, uma grande popularização do esporte no Brasil. Presente nas salas de cinema de todo o país, o filme que concorreu a duas estatuetas do Oscar contava a influência do rugby para acabar (ou diminuir) o Apartheid (política segregacionista da África do Sul). Nos takes do longa, o espírito do rugby de trabalho em equipe, respeito e entusiasmo contagiou os espectadores, o que fez muitos procurarem em suas cidades as equipes para treinarem. Com o aumento de pessoas nesses times, muitas meninas acabaram conhecendo o esporte e, logo, se filiando a ele. Hoje, o rugby feminino está presente em quase todos os estados. De acordo com levantamento feito pelo site Rugby de Calcinha, apenas os estados do Acre, Rondônia, Roraima e Amapá não têm times. Entretanto, a quantidade de jogadoras filiadas à CBRu ainda é pequena. O último levantamento foi em 2012, conforme a tabela (1): Os dados mostram que, em quatro anos, quase quadruplicou o total de jogadoras. É importante salientar que a categoria de base também teve grande aumento: quadriplicou o número de meninas até 16 anos praticando o esporte. Isso significa que o futuro do rugby brasileiro está garantido. Pensando nos próximos desafios, sendo o mais importante as Olimpíadas de Figura (3) Fonte: Rugby de Calcinha 2016 (que marca o retorno do rugby na competição), a CBRu montou um plano de desenvolvimento e investimento financeiro nestas atletas. De acordo com informações da Confederação, hoje a Seleção feminina é dividida em dois projetos: Elite, com meninas mais experientes e de categoria adulta; e o Podium, que são as meninas mais novas que são treinadas para integrarem a Seleção, com foco em 2016. Além dessa separação, quem integra a Seleção conta com diversos benefícios: em 2013, elas ganharam casa em São Paulo, onde moram nove atletas que vêm de outros estados. Com isso, elas conseguem se dedicar ao esporte em tempo integral e também estreitam os laços entre elas, que se traduzem em maior comunicação dentro de campo. Como “salário” (entre aspas por ser um benefício em dinheiro, já que elas não são assalariadas e, logo, não são atletas profissionais), as meninas recebem R$ 2.500 (grupo Elite) e estão vivendo do rugby e para o rugby. O grupo Podium recebe R$1.500 por mês e também está treinando duas vezes por dia no Núcleo de Alto Rendimento Pão de Açúcar (centro de pesquisas e treinamento focado no alto rendimento de atletas com potencial olímpico) e na AABB, ambos em São Paulo. Figura 3 – Seleção Brasileira após vencer a 9ª edição do sul-americano As ambições da CBRu vão além disso: em evento no começo de 2013, em São Paulo, durante a premiação Troféu Brasil Rugby, Sami Arap Sobrinho anunciou os resultados buscados a curto e longo prazo. Até 2015, o órgão tentará transformar o esporte amador em profissional, que será quando os atletas da Seleção viverão apenas de rugby, com salários fixos e outros benefícios. Para a modalidade feminina, a medalha olímpica ilustra o sonho para 2016, além de, no mesmo ano, desejarem figurar entre as cinco melhores seleções do mundo. Já para 2030, o planejamento é conquistar o Brasil, chegando ao incrível número de 100 mil jogadores registrados no país, focando em polos menores e saindo do eixo dominante Rio-São Paulo. As competições nacionais femininas, RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 53 A mulher dentro do uniforme de rugby até 2012, eram bem limitadas. Não havia uma competição nacional de peso, relativa aos campeonatos masculinos Copa do Brasil e Super 10. Foi quando a Confederação organizou o Super Seven’s, que contou, primeiramente, com cinco etapas na primeira edição e com seis em 2013. Os jogos acontecem AS COMPETIÇÕES DE por aproximadamente cinco meRUGBY FEMININO SÃO ses, com uma etaRECENTES NO BRASIL E pa mensal (este NO MUNDO, UM INDÍCIO ano duas aconteDE QUE A MODALIDADE ceram em setembro). São seis tiSEMPRE FICOU EM mes fixos, que são SEGUNDO PLANO Desterro (SC), Charrua (RS), SPAC (SP), Niterói (RJ), Bandeirantes (SP) e BH Rugby (MG). A cada etapa, mais seis vagas são disponibilizadas para times convidados. Outra competição importante é o Brasil Seven’s, que reúne cinco times paulistas, dois do Rio de Janeiro, um de Minas Gerais, um de Santa Catarina, duas equipes do Rio Grande do Sul, duas do Paraná, uma do Nordeste, outra do Centro-Oeste e mais uma equipe convidada pela CBRu. Durante dois dias, os jogos têm alto nível de rendimento e servem também para reunir os principais times do Brasil, até de lugares mais distantes, como o Nordeste. O evento existe desde 2011. Já a categoria juvenil, ganhou um torneio exclusivo, o Copa Cultura Inglesa, que acontece desde 2011. Mas o feminino ainda tem muito para crescer: enquanto o masculino tem divisões como M-14, M-16 e M-18, o feminino engloba 54 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme todas as atletas em M-18 para que possa haver jogos. Além disso, nesse evento, apenas times do Sul e Sudeste participam, já que, em outras regiões, não há consolidada a categoria juvenil. Sem dúvida, esta questão está entre os desafios a serem vencidos pelas mulheres. Os campeonatos regionais são poucos, há poucos eventos de porte nacional (que tampouco abrangem o país inteiro, centrando prioritariamente nas regiões Sul e Sudeste), um número reduzido de mulheres atuando nas comissões técnicas dos clubes, arbitragem e entidades de rugby feminino. Internacionalmente, também é recente a criação de jogos femininos de seven’s. O Women’s Seven’s World Series tem apenas um ano de existência e já se tornou referência, com alta competitividade. Em 2012/2013, aconteceu em quatro países (Dubai, Estados Unidos, China e Holanda) e contou com 12 seleções em cada etapa. O Brasil participou de todas e terminou em 8º lugar no ranking geral. A edição 2013/2014 contará com uma das etapas em São Paulo. Enquanto as atletas femininas brasileiras terminam com ótimas colocações em campeonatos mundiais, o mesmo não acontece com o time masculino. Ao passo que isso poderia ser encarado como supremacia, muitas vezes o rugby feminino fica em segundo plano. Sem dúvidas, o machismo e a definição de que “esporte não é para mulher” são fatores que contribuem para essa desvalorização dos resultados. Para exemplificar o que acontece no rugby, é possível destacar na mídia a desvalorização da categoria feminina. Em 2009, quando a autora decidiu criar o blog RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 55 A mulher dentro do uniforme de rugby Rugby de Calcinha, não havia canais de comunicação específicos para o rugby feminino. Apenas poucas notícias saíam nos canais mais tradicionais do esporte, como o Portal do Rugby, mas eram minoria diante de toda a cobertura do masculino. Na dissertação de Thais Almeida (2008), ela especifica bem essa questão quando exemplifica uma matéria que falava do Charrua: Sobre esta temática, foi interessante visitar o site do Clube nos dias seguintes ao campeonato, onde era destacado a seguinte notícia: “Charrua Feminino Campeão da liga sul 200780”, ao clicar neste título, cabe descrever o que foi visualizado: Uma imagem do jogo masculino, seguida da notícia da viagem, e de que o time feminino havia vencido e sagrado-se campeão, com o placar total de 5X0, num jogo emocionante, que ultrapassou o tempo permitido, num parágrafo com cinco linhas de descrições. Em seguida, apontavam que a equipe juvenil masculina mesmo perdendo, havia realizado um belo jogo; entre alguns elogios e palavras de incentivo (totalizando 2 linhas). A partir disso, começava uma descrição bem mais elaborada sobre a partida em que o time masculino foi derrotado (em cinco parágrafos totalizando 27 linhas!). (ALMEIDA, 2008, p. 107). Esse fragmento mostra que, mesmo obtendo os melhores resultados, muitas vezes o rugby feminino é deixado 56 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme de lado para que se fale do masculino, mesmo que seja de sua bravura durante a derrota. Isso acontece porque, até o surgimento do Rugby de Calcinha, o rugby feminino era retratado por homens, o que fazia perpetuar a manutenção da imagem dos praticantes de rugby como do sexo masculino. Fora do nicho rugbier, quando há matérias sobre o esporte, a maioria envolve os jogadores, enquanto as jogadoras aparecem para “enfeitar”. Em uma reportagem do canal Bandsports em 2011, três jogadoras foram levadas a um salão de beleza para cuidarem dos cabelos e falarem de vaidade no esporte. Ou seja, como dito no capítulo anterior, a mulher esportista aparece na mídia, muitas vezes, pelo seu corpo, e não por suas habilidades. Mas as atletas acabam aceitando participar de matérias assim por precisarem de visibilidade e divulgação de suas modalidades. Ser mulher no rugby tem sido cada vez mais fácil, mas ainda um campo a ser desbravado e conquistado. Os preconceitos e especulações quanto a seus corpos, sexualidade e rendimento são o foco desta reportagem, que entrevistou cinco meninas com perguntas que transitam entre a intimidade e o lado público como jogadoras de rugby. Com elas, será possível entender um pouco o funcionamento da modalidade no país e, a partir disso, tentar vislumbrar um equilíbrio de respeito e admiração entre equipes masculinas e femininas. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 57 58 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme A baixinha que é promessa para 2016 o Edna Santini, 21 anos Atleta do São José Rugby e da Seleção Brasileira O rugby para mim, começou em 2003, numa brincadeira com amigos. Onde eu morava – em São José –, a molecada brincava na rua, até que convidaram a gente pra jogar. O rugby, naquela época, começava mais com brincadeiras como o pega-pega, e tudo era feito com a bola de rugby pra gente conhecer um pouco. Daí eu tive vontade de brincar também e fui conhecendo o rugby aos poucos. Não foi aquela coisa de entrar e já começar a jogar. Eu ia pela brincadeira, era só eu de mulher. Joguei até os 15 anos com meninos. No começo, os meninos achavam estranho eu ser a única a jogar, mas como a criançada do bairro já se conhecia, não tinha tanta diferença. Eu via a diferença somente nos torneios, porque era mais masculino, e só tinha eu de menina pra jogar. Mas todo mundo ficava encantado quando via uma menininha correndo no meio do campo. Depois de um mês, eu convidei uma menina que morava perto da minha casa pra jogar, e ela aceitou. Então ela também começou brincando, até criar um time feminino. Eu tinha uns 10 ou 11 anos. Eu acho que pela visão do esporte... Você olhando, pensa que ele é muito RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 59 entrevistas bruto, muito violento, então tem muitas meninas que têm medo, né? Por isso só eu entrei. As meninas tinham muito medo! Muitas delas perguntavam: “Como é que você joga esse esporte violento, esse esporte bruto? É esporte pra homem!”, e eu falava: “É lógico que não”. Alguns meninos também comentavam: “Nossa, como você joga isso? Tem mais homem do que mulher! Você é a única menina, você aguenta?”. Mas nunca me senti ofendida com isso. Em 2005, mais ou menos, criaram times, e eu fui convidada para o time principal pelo meu destaque contra os meninos, porque, querendo ou não, você tem que criar um instinto masculiVOCÊ TEM QUE SER UM no pra jogar com eles. Daí, quanMENINO REALMENTE, do eu fui jogar no PORQUE ESTANDO feminino, eu já ALI VOCÊ NÃO PODE estava bem mais CHORAR, PORQUE ELES preparada que muitas meninas. VÃO BATER DO JEITO Tinha a mesQUE ELES BATEM NOS ma agilidade, OUTROS MENINOS era esperta como eles. Você tem que ser um menino realmente, porque estando ali você não pode chorar, porque eles vão bater do jeito que eles batem nos outros meninos, e se você está ali no meio é porque você está preparada e quer participar. Então você acaba criando um espírito masculino. Não que você vire masculina, mas você cria essa coisa por conviver com eles. Eles nunca pegaram leve por eu ser menina. Eles batiam em mim, outros puxavam meu cabelo. Nossa, me davam 60 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme cada porrada! E os meninos do meu time me defendiam, né? Isso que era legal. Eles ficavam superbravos quando eles viam um puxão de cabelo ou alguma coisa do tipo. Eu acho que outras meninas desenvolveram esse espírito masculino no São José feminino. Muitas delas que tiveram uma temporada de treino com meninos já vêm com uma bagagem, sabendo como é, e você vê que é totalmente diferente quando você joga só com meninas e meninas que já vêm treinadas com meninos. Eu acho que toda menina deveria passar por um treino com meninos. Naturalmente, você tem que começar nova, então nessa idade, de até os 15 anos, você jogar junto com meninos é muito bom para os dois lados, tanto para o masculino como para o feminino, para se conhecerem e cada um pegar um pouco do “jeito” do outro e saber realmente como é. Eu acho muito bom pra formação de um atleta. Quando eu entrei, era um projeto novo no São José, eles estavam querendo aumentar o rugby na cidade e começaram a desenvolver esse projeto social que se chamava “Aprendendo e jogando rugby”. Eles tinham três centros de treinamentos com muitas crianças, e geralmente eram mais meninos, e no centro de treinamento do meu bairro eu era a única menina que estava ali. Daí eles pegavam crianças desses bairros mais carentes para fazer a base do São José. Meu irmão fez judô, mas foi por pouco tempo. Só eu que levei a sério mesmo. Hoje, sou a única atleta da família. A minha mãe gosta. Ela fala pra eu ir em frente, se é o que eu gosto. Acho que até hoje minha mãe não sabe direito como é Os meninos sempre jogam de igual pra o jogo. No começo, ela perguntou se esse igual. Moleque novo não tem muita noesporte não machuca. Pergunta normal, ção, já os mais velhos, que já sabem a dicoisa de mãe. Mas ela nunca me proibiu ferença, eles meio que seguram um pouco. de fazer, sempre me apoiou. Não é que eu ache isso ruim. Eu acho Eu sempre cheguei em casa com algu- que depende. Tem hora que a gente prema coisa roxa, cortada, e ela sempre me cisa sim tomar umas pancadas ali pra ajuda a passar um creme, alguma coisa ver se reage. Mas tem horas que é bom assim, mas ela nunca me falou pra pa- segurar, porque a força masculina é bem rar de jogar. Ela sempre está disposta a maior que a força feminina, e por um ajudar. Quando eu morava lá, ela sem- lance de bobeira pode machucar. pre me ajudou com a comida, a arrumar No São José, eles priorizam as cateo cabelo, lavava sempre minhas roupas gorias de base, o projeto social lá é muipra deixar meu short bem branquinho. to forte, então eu acho que é bem diEla também lavavidido. Claro que o va a roupa do time masculino, por ser inteiro do São José, o principal, vai ter QUANDO SE JOGA COM então ela sempre uma visão especial, HOMENS, TEM HORA foi bem ligada, ela mas acho que eles QUE A GENTE PRECISA conhece muitas também se preocupessoas do rugby. pam com as outras SIM TOMAR UMAS Quando eu cocategorias, princiPANCADAS ALI PRA VER mecei a jogar, ela palmente o femiSE REAGE. MAS TEM começou a conhenino. Nos últimos HORAS QUE É BOM cer todos eles e a anos, eles têm indepositar confianvestido muito no SEGURAR, PORQUE A ça. E ela confia time feminino do FORÇA MASCULINA muito neles. Acho São José e tem tido É BEM MAIOR QUE A que se eu pedir pra diferença. FORÇA FEMININA ficar um mês fora O investimento com alguém do rudeveria ser igual. gby São José, ela Mas pra isso você vai deixar, porque eles sempre me bus- teria que corresponder. E, às vezes, o fecaram na porta de casa e me entrega- minino não corresponde. O nível ainda ram na porta de casa, então ela confia e é meio baixo, então não tem como priogosta bastante. rizar uma equipe que não se dedica, não Depois que o time feminino do São tem muita gente disposta ou não tem José foi montado, os treinos já eram uma quantidade de menina pra criar um mais separados, só que a gente ainda fa- verdadeiro time competitivo. zia alguns joguinhos mistos pra desenNa categoria adulta, existem no máxivolver a técnica e habilidade dos dois ti- mo 10 meninas. Já as categorias de base, mes. estão com umas 15. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 61 entrevistas Eu acho que em todo esporte você tem que ter o lado feminino. Não é porque também é masculino que você vai perder a sua vaidade e a sua delicadeza de menina. Dentro de campo, a gente pode perder um pouco, ou não, porque eu posso querer jogar um jogo maquiada, não tem na regra que eu não possa. Às vezes, eu jogo maquiada. Antigamente era mais, hoje em dia nem tanto. Porque antigamente eu tinha mais vaidade, hoje em dia a gente nem tem tanto tempo também pra se preparar. Mas, sempre que eu posso, eu passo pelo menos uma base e um protetor pra ficar bem bonitinha. A maquiagem não faz diferença no desempenho, só que as pessoas notam. Tinha um cara que falava que eu entrava e saía maquiada do jeito que entrei, e ele gostava disso, dizia que achava isso “demais”. Isso faz você se sentir bem. Tem aquele jogo que você vai inspiEU ACHO QUE CORPO rada, faz se sentir importante. MUITO EXAGERADO A maquiagem dá TAMBÉM FICA FEIO. TEM um ânimo. Pelo MUITAS MULHERES QUE menos você não JOGAM NO RUGBY E TÊM perde o seu lado feminino. O CORPO BEM SARADO Quando vou a E NÃO PARECEM TER O um jogo maquiaFÍSICO MASCULINO da, tem uns que zoam dizendo “Ih, está maquiada, veio direto da balada?”. Mas às vezes não falam nada. É só brincadeira mesmo. Quanto ao físico, eu acho que tem certos níveis. No nível que eu estou, não chega a ser masculino. Eu ainda estou num nível físico de mulher sara62 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme da mesmo, vamos dizer assim. Eu acho que muito exagerado também fica feio. Eu acho que você tem que ter um limite. Acho que o físico masculino não vai te fazer jogar melhor. Tem muitas mulheres que jogam no rugby e têm o corpo bem sarado e não parecem ter o físico masculino. Tem o básico, mais ou menos, que é ter algumas partes bem definidas, o percentual de gordura baixo, barriga tanquinho, essas coisas. Tem menina que quer, tem menina que gosta, pode ser que um dia meu nível aumente tanto que tenha que chegar ao corpo masculino, mas hoje em dia não precisa. Por mais que seja um esporte mais masculino, você só precisa ter aquela força que você aguente. Eu, por exemplo, sou pequena, eu não preciso ficar um tanto mais forte quanto uma menina maior do que eu, porque eu já estou bem forte para o meu tamanho. Sobre se machucar no rugby, uma lesão pode prejudicar a saúde. Tem lesão que pode tirar você para sempre de campo, já tem outras que você pode voltar daqui a um mês, dois meses. Depende, você está aberto a todos os riscos, eu posso me machucar no esporte, mas também posso me machucar na rua. Mas não acho que o rugby possa me atrapalhar a engravidar, por exemplo. Tem muitas mães que já tiveram um, dois, três filhos e continuam jogando rugby. Quanto à TPM, para algumas meninas existe diferença. Depende na mulher, tem algumas delas que se sentem melhor, tem mulher que pode se machucar, tem casos em que a mulher fica com o corpo mais fraco, ou algo assim. Mas já teve gente que se machucou por estar nesse período. Eu não vejo muita dife- rença, se houver é muito pouca. Não sou do tipo que fica com raiva e mais gana de jogar durante a TPM, eu sou calma. Acho que pra me tirar do sério tem que ser uma coisa muito séria mesmo. Mas tem menina que usa a TPM pra descontar toda a raiva. Meu corpo está um pouco diferente das minhas amigas que não jogam. De algumas sim, de outras nem tanto. Mas elas veem a diferença e sempre comentam que eu estou mais forte. Algumas gostam, outras dizem que eu estou masculina. Tem vários tipos de visão. Então você tem que ouvir e aceitar. Nunca sofri bullying. Nem do clube e nem das pessoas que eu conheço. O que eu sempre ouvia das meninas era quando eu me destacava na escola, daí elas usavam esse argumento: “Ah, ela joga rugby”. Mas de ofender, não. Pelo contrário, sempre me incentivaram a ir mais longe. O que eu percebo do masculino é que eles apoiam o feminino, mas tem uns caras que não gostam de namorar menina que joga rugby. Tem outros que são namorados, ou casados com meninas que jogam rugby. Mas não sei te dizer, tem algumas meninas que sofrem preconceito de alguns caras, mas não que todos sejam assim. Quanto à visão deles em relação à gente, eu acho que depende do time e depende do cara. Tem uns que veem no rugby feminino uma maravilha, tem outros que acham que não é de nada. Nunca tive namorado, nem nada. Não posso falar de preconceito de namoro. Mas sou hétero. Sempre que eu olhava diferente pra algum rapaz, ele brincava dizendo “Ah, você tem mais tempo para o rugby do que para mim”. Tem uns que falam que eu sou mais forte que eles. Eu dou risada e digo: “É bom, que se vocês fizerem alguma coisa errada, vocês apanham” (risos). Eu acho que não importa se tem muita lésbiTEM UNS CARAS QUE ca no rugby. Cada FALAM QUE EU SOU MAIS um é cada um. FORTE QUE ELES. EU DOU Tem umas meRISADA E DIGO: “É BOM, ninas que gostam de ter um QUE SE VOCÊS FIZEREM corpo mais forALGUMA COISA ERRADA, te, mas não é que VOCÊS APANHAM” isso ajude a ficarem melhor. Só a ficar mais forte mesmo. Mas tem muita menina que gosta de homem e não tem o corpo masculino, e joga muito melhor que uma menina que tem o corpo masculino. Como é um esporte bruto, vão aparecer mais meninas assim, meio machão, porque chama mais atenção do que meninas patricinhas. Mas acho que está bem aberto, está bem dividido também. Não acho que tenha preconceito com as meninas lésbicas. Os caras vão olhar sempre diferente, mas coisa simples, aquela coisa mesmo de olhar e dizer: “Nossa, aquela ali é...”. Mas não dá confusão. Sempre há o respeito. É possível ser feminina jogando rugby. Quando eu não estou em temporada de treino, eu estou sempre com meu jeito de menina, usando blusinha, shortinho, saia. Eu acho até que uma patricinha poderia dar certo na Seleção. Se ela gostar, se destacar e querer muito. A CBRu está investindo bastante na RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 63 entrevistas Seleção feminina e tratam a gente bem. É tranquilo. Nós fomos as primeiras a receber o apoio de profissionalização do rugby. Eu acho que a gente está num nível de ganhar uma medalha muito mais próximo que os meninos, então eles estão priorizando quem tem mais chance de medalha. A maioria dos projetos dele é no feminino, então está melhor do que antes. Para as Olimpíadas, eu espero crescer o nosso nível. Se eles estão com esse investimento, eu acho que vai ter um grande crescimento. Eles vão ajudar a gente a crescer o melhor possível pra conseguir uma medalha e vai desenvolver bastante o rugby aqui no Brasil, principalmente o feminino. Desde que entrei, já cresceu bastante. Em minha experiência internacional, conheci vários tipos de pessoa, vários tipos de cultura, e você tem que respeitar todas elas e conhecer mesmo, lidar com diversas línguas e diversos tratamentos também. Eu acho que tudo isso ajuda no seu crescimento como pessoa e também como atleta. Quando penso no que o rugby trouxe de mais importante na minha vida, eu diria que tudo. Trouxe amigos, alegria, trouxe uma qualidade de vida melhor, 64 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme acho que em outro esporte eu não teria isso. É isso, trouxe tudo, uma nova família. Se um dia eu perder todos os meus familiares (espero que não), eu vou poder me encontrar neles (do rugby). A minha relação com as meninas da Seleção é boa, a gente se diverte, procura estar sempre juntas, e agora que estamos morando juntas, a gente vê todo mundo, todo dia. Está bem legal assim. Claro que, às vezes, pode ter uma discussãozinha, porque sete mulheres morando juntas, não dá né? Mas a gente está feliz, está tranquilo. Dizem que quando as mulheres estão muito juntas, todas menstruam no mesmo período, e pode ser que um dia aconteça de cada uma ficar de um jeito, uma brigar com a outra, ou uma ficar muito triste, outra ficar com muita raiva, e vai variando. Mas a gente vai se ajeitando, se conhecendo e vai ficar tudo bem. Eu sou muito amiga da Luísa, a gente divide o mesmo quarto, a gente criou a amizade na Nova Zelândia e Dubai. A gente se ligou, né? Ela curte algumas coisas que eu curto. As idades são próximas, ela tem 23 – eu acho – e eu tenho 21. Foi uma coisa que veio, a gente se deu bem, ela é moleca, tem aquela bagunça que a gente faz, então a gente está se dando bem. XXXXXX • 65 66 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme A jornada tripla de mulher, mãe e rugbier o Ana Carolina Lopes (Diva), 29 anos Jogadora do Urutau Rugby e Keep Walking e ex-atleta da Seleção Brasileira O primeiro contato com o rugby foi bem visual. Eu tinha 13 anos. Meu irmão jogava. Eu o via jogando e ficava enchendo o saco do meu pai pra ficar no terceiro tempo. Sempre fazia questão de participar. Aí, dois anos depois, a gente conseguiu montar um time de rugby. Não deu muito certo porque a gente treinava numa praça no Tarumã e disputava campo com os caras que iam jogar futebol, e a maioria do time era de menina novinha, então a gente ficava escutando coisa do tipo: “Ah, sai daqui, queremos jogar nossa bola, num sei quê...”. Nessa época, o rugby em Curitiba era na sede do Paraná-Clube. Quando acabou o convênio, a gente foi obrigada a treinar na praça, só que também não deu certo. Daí, em 2005 – uns sete anos depois –, eu estava na feira, trabalhando com meus pais, e passou um cara do Curitiba dizendo que tinha menina treinando lá. Daí eu voltei e nunca mais larguei. A mudança do Curitiba para o Urutau foi meio que um descontentamento de ambas as partes. A gente estava descontente com a diretoria, e a diretoria, por sua vez, se viu descontente com a gente. Ela preferiu deixar de investir no rugby feminino, coisa que eles já não RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 67 entrevistas faziam há muito tempo. A gente não tinha treinador e ainda tinha que pagar nosso uniforme,viagem e etc. Enquanto que o masculino tinha tudo. Ninguém curtia esse tipo de coisa, então logo que fiquei grávida, eu passei a capitania pra Fernanda, e eles falaram pra gente que a nossa mensalidade ia passar de 30 para 60 reais. Tudo bem. Até pagaria a mensalidade, mas a gente precisava saber quais seriam os benefícios. Mas eles simplesmente disseram que não tinham nada programado para o feminino. Então, a gente recebeu a proposta do Urutau, pra fundar o time. E o legal é que lá já tinha o masculino, mas todo mundo conquistava tudo junto, tipo, arregaçava a manga e “vamos trabalhar”. Não me surpreendi porque eu já sabia que tinha esse interesse da diretoria do Curitiba em investir na categoria de base. É um trabalho que eu A MINHA RELAÇÃO COM acho fantástico e tudo, mas o que O MEU TIME DE HOJE, me preocupa um O URUTAU, É DE UMA pouco é a falta de FAMÍLIA. A GENTE NÃO referência dessas CONSEGUE PASSAR UMA meninas, porque quando elas SEMANA SEM SE VER crescerem vão ficar onde? Então, é preciso ter um time adulto, querendo ou não, não é só de juvenil que se vive. Até as crianças precisam de uma referência adulta. Mas enfim, a gente foi pro Urutau e lá a gente se encontrou, porque lá é uma grande família. Ninguém tem nada, então todo mundo luta pelo bem comum, a gente batalha. E, lógico, às vezes, a gen68 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme te tem que dar um passo pra trás pra dar dois pra frente. Eu acho que o Curitiba não investe no feminino adulto porque eles estão focados em investir nas meninas (do juvenil), eles querem que as meninas cresçam. Só que, ao mesmo tempo, eles têm meninas adultas lá em nível muito bom que são lesadas, tipo a Gaby, a Raline. Não dá pra ficar pensando em treinar o ano inteiro pra ganhar a Cultura Inglesa. É legal ter bolsa e tudo, mas e a outras meninas? Não vão poder participar de um Super Sevens? Porque, teoricamente, é proibido as meninas de categoria de base jogar com adulto. Se no masculino é, no feminino também! Então é nesse ponto que eu falo, porque fisicamente o corpo é diferente, a intensidade do jogo é diferente, e não dá pra ficar aliviando, senão ninguém cresce. A minha relação com o meu time de hoje, o Urutau, é de uma família. A gente não consegue passar uma semana sem se ver, sem fazer alguma coisa junto, uma apoiando a outra e incentivando na vida pessoal, profissional. A gente batalha junto. Aquelas briguinhas de mulher, aquelas besteirinhas, sabe? Rola! Mas o legal do Urutau é que todo mundo é madura. Num time mais infantil deve ser mais difícil. A gente procura sempre pensar como a maioria, se a maioria acha que esse pensamento está errado, então ele está errado. Se a maioria acha que isso tem que ser assim, beleza, vamos fazer assim. Independente de ter um líder, uma capitã, a gente procura agradar a maioria. Lógico que nem Jesus Cristo agradou a todo mundo, então sempre tem uma que tem uma opinião diferente e esperava que a gente agisse de uma forma diferente, mas, de uma maneira geral, a gente consegue contornar. A Bahia sempre fala que eu sou a mãezona... Tem umas que falam... E o legal do Urutau é que as meninas entendem as minhas limitações, já que sou a única mãe do time. Não gosto dessa palavra, mas é isso, elas entendem as minhas dificuldades e valorizam muito o meu esforço, já que nem sempre eu consigo estar treinando terça e quinta à noite, porque aqui é muito frio em Curitiba e eu não consigo levar o Davi (meu filho), ou porque eu dou aula à noite. Elas entendem. Mas, sempre que posso, eu estou com elas, nem que seja pra mandar uma palavra de carinho e dar um incentivo. Se alguém está com problema, eu procuro me aproximar pra acolher essa pessoa. Eu acho que esse lado de mãe acaba se estendendo naturalmente para o time, por ter uma visão um pouco mais carinhosa e pacífica de um modo geral, mas sem perder o bom humor. Eu passo a mão na cabeça e dou um peteleco (risos). A relação com o time masculino é muito boa. A gente divide tudo, o feminino, às vezes, acaba trabalhando um pouco mais, porque a gente tem mais atitude, e eles acabam sendo mais passivos. Eles gostam de ter as coisas na mão, e a mulher, por si só, já é independente. A gente está participando do Super Sevens, então a nossa despesa é muito maior que a deles, a gente tem que correr muito mais atrás do que eles. A gente não separa, é um caixa para o time inteiro (feminino e masculino), nem todo mundo deles também concorda porque a gente está gastando tanto, mas a gente concorda que quem reclama é quem me- nos ajuda, entendeu? Então eles não podem reclamar. Uma coisa é você reclamar se você está fazendo, outra coisa é você nunca fazer e só reclamar. Mas esse tipo de coisa a gente também contorna muito bem. Quando tem assembleia, todo mundo fala, abre ELAS ENTENDEM AS o coração e a genMINHAS DIFICULDADES te debate. E VALORIZAM MUITO Em muitos luO MEU ESFORÇO, JÁ gares, o masculino tem mais reQUE NEM SEMPRE galias que o femiEU CONSIGO ESTAR nino. Aqui aconTREINANDO PORQUE EU tece o contrário, NÃO CONSIGO LEVAR O porque os meninos jogam XV, DAVI OU PORQUE EU DOU e eles não partiAULA À NOITE cipam do Super Sevens. Então, a temporada deles de XV acaba junto com o Paranaense. Daí, eles perdem muita gente que para de treinar, como, por exemplo, das primeiras linhas, porque só jogam XV. A temporada deles acaba e a nossa continua. Não que isso não aconteça com a gente, mas eles se sentem mais lesados. É que o nosso calendário da federação não favorece quem só joga XV. O calendário deveria ser feito para o ano inteiro, só que, como o time principal da capital joga o Super Sevens, acabam os jogos e eles se voltam só para os Super Sevens, e os meninos ficam sem fazer nada o resto da temporada. Daí tem que fazer amistoso e programar uma coisa diferente, porque são poucos que ficam realmente pra treinar seven’s, é a minoria. Eles curtem seven’s, mas preferem XV. Os homens, em geral, preferem XV. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 69 entrevistas E eu também. to diferente do que eu posso oferecer, enEu comecei a jogar em 2005, em 2008 tendeu? Eu não posso oferecer uma dedieu fui pra Amsterdã... Eu acho que co- cação exclusiva pra isso, agora eu tenho mecei a treinar com a Seleção mesmo em meu filho, e eu meio que abri mão desse 2007. Era Seleção de XV. Foi o primeiro sonho que eu tinha de jogar em alto níe único jogo da Seleção de XV do Brasil. vel pra me dedicar a ele. Outras meninas A primeira pessoa que me olhou e fa- conseguiram voltar pra Seleção, elas têm lou que gostaria que eu fosse pra uma se- o apoio pelo menos do marido. Eu não teletiva foi o João Nogueira, na época em nho essa válvula de escape. que ele ainda era do SPAC. Ele me viu Não posso contar com meus pais pelos jogando contra o SPAC, pelo Curitiba, e compromissos que eles têm. E também daí ele falou que gostaria que eu e a Fer- porque, por eles, eu já teria parado de jonanda Caetano fôssemos pra seletiva. Só gar rugby. Apoio não é uma coisa que eles que não rolou a se esforçam pra faseletiva naquele zer. Se eu precisar ano – que foi em deles pra trabaEU NÃO POSSO OFERECER 2005 – e em 2006 lhar ou qualquer UMA DEDICAÇÃO eu fui chamada de outra coisa, eles se EXCLUSIVA PARA O novo. Eu fui pra dispõem agora pra um monte de seficar com o Davi. RUGBY, AGORA EU TENHO letiva, e na época Mas pra eu ir treiMEU FILHO, E EU MEIO QUE não tinha patronar, eles não curABRI MÃO DESSE SONHO cínio nem apoio tem muito. QUE EU TINHA DE JOGAR de nada, então era Meu pai já me muito mais um apoiou muito no EM ALTO NÍVEL PRA ME gasto financeiro rugby. Meu irmão DEDICAR A ELE nosso. Quando a também. Tanto gente começou a que, quando eu treinar na Seleção, a gente tinha um es- estava na Seleção, era meu pai que me quema: ia pra São Paulo treinar, ficava bancava. Só que ele se decepcionou tanna casa das meninas e dividia o valor en- to com a atitude da diretoria do Curititre todas. E todo mundo pagava, as pau- ba que ele meio que ficou amargo para listas, gaúchas, cariocas, mineiras, to- o esporte. O rugby não tem um gosto das pagavam. Todo mundo pagava igual bom pra ele. pra não ficar injusto pra ninguém. E por Meu pai não perdia um jogo meu. muito tempo a gente ficou nessa assim de Acho que o último jogo que ele viu foi no Seleção, de vai, não vai. começo do ano, no beach do Paranaense. Hoje em dia, não é uma coisa que eu Porque ele estava na praia, que é a messonhe pra mim, acho que a época já foi. ma onde ele tem casa. Então, ele não tem Mas se existisse uma Seleção feminina de mais nenhum interesse. XV, aí eu voltaria a sonhar, a querer. PorMinha mãe, acho que o primeiro e únique as meninas estão numa pegada mui- co jogo que ela viu foi esse, porque era 70 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 71 entrevistas do lado da casa de praia dela. Apoiar ela apoiava, mas ela não gosta de ver. Ela diz que não gosta nem de ver luta livre na TV, ia querer ver a filhinha dela se machucando? Eu falava: “Mãe, fique tranquila. Não tem nada. Você é minha mãe, não é mãe das outras” (risos). Eu já quebrei algumas partes do corpo, como o tornozelo, duas vezes, o joelho e abri o supercílio. Acho que só. Isso meu, fora o hisNA ÉPOCA DA SELEÇÃO tórico das outras EU ERA MUITO VAIDOSA, meninas que eu MAS AGORA CAIU lesionei, que têm UM POUCO PORQUE duas clavículas, joelho, tornozelo. PRIMEIRO VEM MEU FILHO Mas acontece, não adianta você só achar que vai dar, às vezes você toma também, porque não está concentrada o suficiente. Não é só da maldade ou da força. Você se desliga, se distrai com alguma coisa, pisa num buraco, e é assim que acontece. Não sei como é que está agora, mas, na minha época de Seleção, a gente era tão bagunceira! Era tão bom. A gente falava muito mais besteira, eu acho. Hoje em dia, elas estão concentradas em manter a coisa séria e profissional. Não sei, ao meu ver, acho que elas perdem um pouco da essência do rugby por estarem 100% focadas. Mas posso estar completamente enganada. O apelido de Diva surgiu nessa época que eu estava na Seleção, tinha aquela propaganda da Lux, lembra? Com um guarda-roupa diamante, que a atriz dizia “Eu sou uma diva”. E daí, eu falava muito isso: “Nossa, eu quero ser uma diva pra ter um guarda-roupa diamante, 72 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme tomar um banho de piscina, ficar bem diva na banheira...”. Daí surgiu uma viagem, ficaríamos 12 dias em Amsterdã, e eu levei alicate de cutícula, esmalte, batom. Tudo. E as meninas ficavam me zoando. Eu sempre dizia: “Gente, mas vocês não vão tomar banho? Nem fazer a unha? Credo mulherada, vamos nos depilar!”. Eu enchia o saco delas. Enquanto elas diziam que não, eu ia fazer as unhas, pegava minhas coisinhas, sentava na grama, fazia minha unha de verde e amarela, e elas diziam: “Ah, para! Muito diva que você é!”. Até rolou uma coisa muito engraçada, porque a gente foi jogar lá, e eu falei: “Vamos pintar a unha?”. Daí todo mundo ficou me olhando... E eu disse: “Ah, eu vou pintar a unha, quem quiser, eu empresto as coisas”. E fui lá, estendi uma toalhinha na sombra, embaixo da árvore, e comecei a fazer. Daí pintei a minha unha de verde e amarelo. Quando o árbitro do jogo foi ver as unhas, ele falou: “Oh, beautiful”, e eu comecei a cantarolar “Paaaanpanranpan pan”. (Aquarela do Brasil). Daí pegou geral o apelido Diva. Agora, eu já nem sou vaidosa assim, mas na época eu era muito mais. Não é que a vaidade caiu, é que eu não tenho mais tanto tempo pra mim, como eu tinha antes. Meu filho tem que estar lindo e impecável, é isso o que importa. Em mim, eu arrumo o que dá. Às vezes, eu não tenho tempo de fazer minhas sobrancelhas, porque chego em casa tão cansada, dou banho nele, fico na função dele e, quando vejo, já é meia-noite. Esse é o dia em que eu vou tomar banho, mas não vou conseguir lavar meu cabelo. Quando lembro: “Preciso fazer minha unha... Ah, mas hoje não vai dar porque melhor decisão. Não é nem pela jogada, tenho que fazer comida, lavar a roupa”, é reação. Eu não tive a melhor reação, a sabe? A correria da vida mudou um pou- melhor atitude para aquela ação. co o foco. Eu continuo vaidosa, mas à miEu acho que, se um dia eu conseguir nha maneira, gostando de me arrumar e voltar a treinar direito, tendo um temtal, mas às vezes não tenho muito tempo. po pra treinar, correr, tempo pra tudo, Hoje em dia, às vezes eu entro no cam- eu acho que vou dar mais um pouquipo do jeito que dá. Mas acho que o ritual nho de trabalho. básico de beleza é passar um protetor soQuanto ao meu corpo, como mulher a lar. Ultimamente, nem de protetor bucal gente sempre acha que tem alguma coisieu tenho jogado (risos). nha pra mudar, não adianta. Mesmo senAntigamente, eu gostava de fazer umas do diva e mãe do Davi. tranças. Mas é que às vezes eu não consiAssim, o corpo da mulher, por si só, já go nem aquecer pra jogar. Então é dife- muda na gravidez. E comigo, claro, não rente, a vida segue em outro ritmo. foi diferente. Tem coisas que aparecem Sobre o meu desempenho no jogo, tec- em lugar que não tinha, a barriga fica nicamente eu acho que tudo o que eu muito mais flácida, você perde a força no aprendi está comigo, e eu posso pôr em abdome, porque a musculatura estica. prática. Só que, fisicamente, eu não esA minha musculatura abdominal está tou preparada pra em 20% do que fazer aquilo que era antes. E é asa minha cabeça sim mesmo. Mas, MEU CORPO SEMPRE quer fazer. Às vede resto, eu sei ACHO QUE QUERO MUDAR zes, eu sei que a que a gente fica ALGUMA COISINHA, menina está ali com um pouco e que eu poderia mais de gordura MESMO SENDO DIVA. EU dar um side-step abdominal, essas ESTOU 10 KG ACIMA DO e puxar ela pra coisas. Mas acho PESO. E ISSO FAZ TOTAL cá, abrindo a bola que por eu não ter DIFERENÇA. IMAGINA VOCÊ para o outro lado. conseguido voltar Na minha cabeça, com a intensidaCORRER COM 10 KG DE isso funciona muide que estava anPESO EM VOCÊ? to bem, só que fites, eu fiquei ainsicamente eu não da com o peso da consigo fazer. E nem é só por velocidade, gravidez. Eu quero emagrecer mais, emé que às vezes eu estou muito cansada e bora eu ache que nunca vou conseguir fio meu mental não trabalha direito. Mas car com o peso ideal, porque nem quanquando eu erro, imediatamente já sei que do eu estava na Seleção, eu tinha o peso tinha que fazer de um jeito e não de ou- ideal. Eu estou 10 kg acima do peso. E tro. Eu já me corrijo, sabe? isso faz total diferença. Imagina você corMas isso é desgaste físico. Você está rer com 10 kg de peso em você? Meu obcansada, não pensa direito, não toma a jetivo não é perder 30, 20 kg. Eu quero RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 73 entrevistas perder esses 10 kg! De dois em dois, um em um ou até 500 g, aos poucos mesmo. Mas eu só vou conseguir me empenhar nisso de verdade quando o Davi estiver um pouco mais independente. Eu já estou voltando pra academia, mas eu preciso da independência dele pra poder me concentrar mais na minha alimentação e no meu treino. Mas eu me amo, eu acho que sou a gordinha mais sexy do Brasil sem sombra de dúvidas, e pronto (risos). Se a gente não se gostar também, né? Ninguém vai. A gente sempre vai achar que tem coisa pra melhorar, nem que seja um pelo que está fora do lugar. Mulher é assim. Em qualquer situação, a autoestima ajuda. Seja no ambiente de trabalho, familiar, como mãe ou no rugby ela facilita muito as coisas pra gente. E dentro de campo é assim também, porque se eu não achar que vou passar por cima de você, eu não vou passar. Se eu não acreditar que eu não vou ganhar esse scrum, eu não vou ganhar esse scrum. Se eu acreditar que não vou dar um passe bonito, eu não vou dar um passe bonito. Então, eu acredito em mim, acredito que eu posso, sim, ganhar na corrida de você, que eu posso, sim, te dar um hand-off e passar correndo. Porque existe técnica pra você utilizar a tua força, o teu peso, pra você favorecer o teu jogo. Eu estou longe de ser a menina mais forte do rugby, tem muita mulher treinando, malhando, forte e rápida. Mas vai dela aproveitar isso em benefício dela. E eu tento. Eu sempre fui metida a atleta, sempre gostei muito de fazer esporte. Eu acho que meu corpo mudou sim, desde que entrei no rugby, fiquei um pouco mais forte, mais firme. Não tenho celulite. Genetica74 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme mente, eu sempre fui assim, e o rugby me favoreceu pra me endurecer tudo, porque antes eu não tinha força nas costas, na lombar, na canela, mas o rugby desenvolve tudo. E isso me favoreceu como mulher também. Ser mulher não me atrapalha, e no campo eu não tenho pena de ninguém. Tento estar sempre de alto-astral, tanto que no dia da TPM eu nem saio de casa. Eu penso: “Meu, estou tão chata que nem eu me aguento”. Mas acho que o pior é que, quando eu menstruo, vem muito sangue. Já cheguei a me pesar, eu perco 2 kg num ciclo. Não atrapalha, mas pra correr, por eu menstruar muito, é incômodo. Porque, a todo momento, eu acho que a minha menstruação vai vazar. Mas não deixo de fazer nada, nem que seja com muito absorvente, a gente dá um jeito e se vira nos trinta. O meu corpo é muito diferente do corpo das minhas amigas de escola, por exemplo. Encontrei um amigo que estudou comigo de primeiro à oitava, e ele disse: “Nossa, cara, mas você está muito parecida com o que você era antes, o que você está fazendo? Você está forte, né? A gente vê a galera aí da nossa idade, a mulherada buchuda, cheia de celulite, gordona, num sei quê, e você está, tipo, está gordinha, mas está toda firminha aí... O que você faz?”. Daí eu falo: “Ah, meu, eu jogo rugby né?”. Daí ele disse: “Meu Deus do céu, quando eu vi esse esporte na televisão, eu me identifiquei muito e por Deus do céu que eu pensei que você iria gostar desse esporte. Que bom que você encontrou ele!” – porque eu sempre fui muito moleca, forte, truculenta, brigava com os piás. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 75 entrevistas Sobre a gravidez. Eu não sabia que estava grávida, achava que tudo estava certo, joguei o torneio e nada se alterou. Eu não senti diferença. Durante a gravidez, era mais complicado, porque eu tinha vontade de jogar, queria estar participando com as meninas dos torneios. Meu corpo todo estava em perfeito estado, mas tinha um piazinho aqui na barriga. Então, esse momento sem rugby JOGUEI RUGBY GRÁVIDA, foi muito reflexiSEM SABER. DEPOIS vo. Eu parei pra pensar várias veQUE SOUBE, FIQUEI COM zes sobre a vida, VONTADE DE JOGAR, sobre o rugby, o PORQUE MEU CORPO que ele tinha me ESTAVA SAUDÁVEL, dado ou não. Conheci uma pessoa APENAS TINHA UM que sempre faPIÁZINHO DENTRO lava pra mim – e isso é uma coisa que eu aprendi e eu uso muito – que o rugby na vida dela, tinha trazido muita coisa boa e que nessa vida ela ainda queria tentar devolver pelo menos metade para o rugby do que o rugby deu pra ela. Pensei muito nisso durante a minha gestação. Eu sempre falava: “Gente, se eu não estou conseguindo treinar, jogar e tal, mas, puxa, eu já viajei, já desfrutei tanto do rugby, então eu vou tentar ajudar essas meninas que estavam migrando de time” – saindo do Curitiba, fundando o Urutau – “Vou ajudar elas a crescerem e se desenvolverem, tudo para conseguir se manterem fortes, unidas”. Eu não concordo com essas ações de tipo “Ah, você não treina e vai jogar”. Eu nunca concordei com isso. Porque eu acho que é mérito de quem treina, jogar. Só que, ao mesmo tempo, eu não consigo 76 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme treinar diariamente assim, por causa do Davi, por causa da correria da vida. Mas as meninas sentem muita segurança comigo, então é uma opção delas me manter na equipe, e eu sempre falo: “Mesmo que eu não esteja jogando, eu vou colaborar da forma que me for possível”. Enquanto eu achar, e os treinadores acharem, que eu rendo e mereço um espaço lá, legal. Quando não der mais, eu vou continuar desfrutado da mesma maneira, seja dentro de campo ou fora de campo, seja vendo o jogo do adversário ou pra falar uma palavra de otimismo. Mas eu sei que está acabando. Vai chegar uma hora em que eu não vou mais conseguir manter um nível, está todo mundo crescendo e eu, infelizmente, estou estagnada, pra não dizer caindo. Então, eu tenho um plano, assim, no meu coração, de que daqui a um tempo eu vou assumir o treinamento delas, eu vou ser a treinadora do time. Mas, pra isso, eu não posso treinar e jogar. Não que eu seja líder, eu não sou líder, mas no time eu sou a mais experiente. E as meninas têm muita confiança, se sentem muito confiantes comigo. Enquanto a minha figura ainda for importante pra elas, eu quero estar perto, quero estar dentro de campo, porque perto eu sempre vou estar. Mas, quando eu deixar de ser, aí eu vou passar para o outro lado. Eu não tive problema nenhum na minha gravidez. Como o Davi era muito grande, passei horas tentando fazer um parto normal, porque a minha recuperação iria ser 15 mil vezes melhor, mas não deu. Mas nunca tive problemas. Teve até alguns torneios que eu joguei amamentando. No começo, eu tive muito leite, de ele não conseguir sugar. Então eu doei leite até os cinco meses para o ban- e passar por cima da cabeça quase deslico de aleitamento. zando no ar. E eles já vão crescer sabenLesão eu sei que um dia pode aconte- do que, se a bola cair, vão sair catando a cer, e eu rezo toda vez que vou entrar em bola, por isso vão ter um estudo, uma nocampo. Tenho receio de me machucar e, ção da bola muito maior que a gente. Só tipo, quebrar um braço. Vai ser complica- que o Brasil não está preparado pra recedo quebrar o braço viajando. E se acon- ber essas crianças, porque é visto como tecer alguma coisa pior, sabe? De ter que maldade ainda. parar no hospital? Essas coisas me preoEu sei que não é certo meu filho dercupam muito, por causa dele, pelo bem- rubar os amiguinhos na escola, não é cer-estar do meu filho. to, não é legal. Mas ele entrar em dispuHoje, eu me preocupo em ter uma boa ta pela bola, isso faz parte do desenvolpostura em campo, de uma atleta, e res- vimento da criança. Não vai ser bonito, peitar uma amiga, respeitar o juiz, me você tem que ensinar a ele que ele só pode manter no jogo limpo, “fair play”, porque brincar dessa brincadeira com aquela eu sei que ele está vindo, e eu quero ser bola e com aquele amigo que saiba, porum bom exemplo pra ele. que eles ainda não conseguem desligar e Depois que eu olhei na carinha dele, falar “Não, agora não, essa brincadeira me propus a ser uma pessoa melhor por só com a minha mãe”. O que eu vou falar ele. Porque eu quero que ele tenha orgu- pra ele se eu faço isso também? “Eu não lho de mim. Você posso empurrar quer ser um bom amigo, mas você exemplo para o empurra, mãe.” REZO PARA NÃO seu filho. Você Daqui a pouco ele LESIONAR. E SE quer que ele seja vai começar a me ACONTECER ALGUMA uma pessoa corquestionar. reta. E se você não Nem expliquei COISA PIOR, SABE? DE mudar isso dentro isso na escola ainTER QUE PARAR NO de você, ele aprenda. Eles não vão HOSPITAL? ESSAS COISAS de olhando. entender, vão briME PREOCUPAM MUITO, O Brasil ainda gar comigo e fanão está prepalar que eu não sei POR CAUSA DELE, PELO rado pra receber educar. Mas é que BEM-ESTAR DO MEU FILHO essa geração que ele é assim, deestá surgindo. Rupois do torneio, gbiers, sendo pai e ele quer brincar, mãe, sabem que eles vão crescer com essa quer fazer igualzinho. bolinha na mão. O piá, com sete anos, Preconceito por ser mulher, já sofri sim. já vai estar dando um passe de spin. Os De argentino, de francês, de brasileiro... de hoje, que começam no rugby, treinam Um francês veio jogar aqui, e ele era uns sete meses até conseguir dar um pas- lindo. Ele não falava português, eu falava se decente. E eles já vão pegar a bolinha um pouquinho de espanhol, ele não falava RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 77 entrevistas inglês, eu não falava inglês, e a gente queria conversar, sabe? E ele sempre me via no meio da galera, fazendo bagunça e tal... Aí, eu lembro que uma das primeiras frases que ele me falou foi: “rugby não é para mulher”. E eu disse: “Nossa, mas como não?”. E ele continuou: “Não, não, não”, e eu falei: “Nooossa, que filho da p...”. Aí, depois, ele ficou um tempão ali e falou: “Eu nunca pensei que pudesse ficar amigo de uma mulher que joga rugby, porque na França as mulheres que jogam rugby são homens, né? São só geneticamente mulher, e hoje eu posso dizer cegamente: você é meu melhor amigo no Brasil”. Porque a gente era muito brother, de ir até para o inferno junto. Uma vez, ele se machucou e eu fiquei com ele um tempão no hospital, virou tipo um irmão mesmo. Daí mudou. Ele já dizia: “Mulher rugby sim”. O tratamento da mulher é ela que impõe. No rugby, infelizmente, a gente tem dois tipos de mulheres que se aproximam: as mulheres que gostam de mulheres, e as mulheres que gostam de homens, e gostam pra caralho. Só que, assim, normalmente, essas mulheres – as maria chuteiras –, que vêm para o rugby não duram muito tempo. É uma coisa que a gente que gosta do esporte tem que repensar. Porque, às vezes, a gente acaba queimando a cara, e fica com uma moral baixa. Querendo ou não, um tomate podre vai danificar o time inteiro, a caixa inteira. Não digo que ficar com os meninos seja ruim. Mas às vezes uma menina que tem uma atitude de pegadora passa para o time, e vão falar coisas do tipo: “Ah, o Urutau feminino pega geral”. Eu sempre 78 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme falo pras meninas: “Meu, você quer ficar, fica. Você quer transar, você transa. Só não precisa ser dentro do ônibus ou ali no banheiro da festa. Marca um dia, sai e faz o que você tem que fazer. Não precisa se expor desse jeito no meio da galera”. Quem sou eu pra falar alguma coisa? Mas você tem que se preservar e tem que preservar o time. Então, gostou do gatinho e tal, gatinho do outro time? Esses são os mais perigosos ainda, porque eles vão sair falando pra Deus e o mundo. Tem um episódio muito engraçado dessa época de Seleção. A gente estava em Amsterdã jogando Heineken Sevens, um circuito mundial, eis que surge o Agostinho Peixoto. Daí ele olhou assim estranho, viu a gente passando e falou: “Brasil!?”. “Sim.” E ele disse: “Nossa, eu nem sabia que existia rugby feminino no continente”. Daí eu falei: “É, a gente joga, a gente é tantas vezes campeãs em cima da Argentina”. Daí ele disse: “Tem time na Argentina???”. Ele nem sabia! Então, às vezes, o maior preconceito é a omissão de quem não conhece, e quando conhece já vem apontando o dedo. Eu acho que esse é o preconceito mais feio. Agora, o preconceito por achar que a gente está brincando com o esporte deles e fazendo melhor que eles, isso pra mim é dor de cotovelo, não é preconceito. E tem muito, viu? O feminino já conquistou seu espaço. Hoje a gente tem vaga pra um mundial, e os meninos não têm. Eles estão sendo convidados para algumas etapas do circuito, enquanto a gente conseguiu trazer o mercado pra cá. Eles não têm como proibir a gente. Por muito tempo, na minha época (da outra Seleção), a equipe masculina tinha muito mais apelo que a RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 79 entrevistas gente, mas nem por isso a gente deixava de fazer. É a mesma coisa que acontece no meu clube, a gente tem mais porque a gente corre atrás. Eu não acho que a CBRu prefira o masculino, porque, se eu não estou enganada, a Seleção feminina ganha uma verba pra desenvolver o rugby feminino, e a gente tem uma parcela um pouco maior de verba do que os caras, por nós já estarmos no mundial e ter conquistado alguma coisa. Então, se os caras estão se beneficiando também, que seja 60% nosso mérito, então a coisa tem que ser diferenciada. Eu acho que as pessoas têm que parar de achar que é um esporte masculino, machista. A gente já provou pro mundo que a gente pode fazer tão bem quanto, ou melhor. Entendeu? É dor de cotovelo. Eu acho que é inveja mesmo. Infelizmente, essa é a minha opinião, eu acho que é inveja. E eu acho que eles só não desenvolvem rugby feminino XV aqui no Brasil porque eles têm medo que a gente possa ser melhor que eles no XV também. Porque, assim, existe uma vaga para o mundial de XV aqui pro continente, ninguém preenche porque a gente não tem torneio organizado, e não é de interesse da CBRu porque a gente vai querer, quem sabe, ter vaga no mundial de XV também, e aí os caras vão ficar jogando o quê? Sul-americano aqui? Vai ter que dividir mais, vamos dar mais uma mordidona no doce deles. Eu sou a única representante feminina em um time masculino do país, no Keep Walking, e, por incrível que pareça, eu sou Diva lá também, verdadeiramente Diva. Porque eu não pago a conta, eu sou a menina deles, sabe? Eu tomo da 80 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme melhor cerveja, eu como o que eu quiser, eu posso fazer as minhas exigências, eles acatam. Mas, ao mesmo tempo em que eles entendem que eu sou mulher, eu também sou um brother. Eu sou um homem com vantagem. Não me tratam diferente, a zueira é a mesma. Entrei no time porque estava acompanhando meu ex-namorado, que é do Keep Walking também, em uma viagem à praia para um torneio. Lá, não havia pessoas suficientes para formar a equipe de XV. Me ofereci para jogar. Primeiro eles estranharam, perguntaram se eu aguentaria o tranco. Falaram com a organização e liberaram a minha participação. Dentro de campo,dei meu máximo e ajudei de igual pra igual. Mas a minha entrada mesmo aconteceu porque eu dei um tackle em um adversário e ele apagou. Quem imaginaria que uma menina iria fazer algo assim em um jogo de homens? Os meninos gritaram muito quando o cara saiu de maca. Ele foi zoado pelo resto do evento, porque foi tirado de campo por uma mulher. Rimos muito dessa história e conquistei o respeito deles. Eles são muito engraçados, mas eles não fazem piadas que me ofendem. Mandaram fazer um uniforme, e uma vez chegaram dizendo: “Meu, eu não sabia que tamanho de top fazer pra caber nessas tuas tetas”. São coisas assim, sabe? Que eu não me ofendo! Não levo a sério. Mas eu também já chego de zoeira, eu não me faço diminuída porque sou mulher, e eles também não me botam pra baixo. Eles entenderam que eu posso fazer tudo o que eles fazem com muito mais glamour. Teve uma cena que foi muito engraça- da, deles falando que a gente estava jogando XV, e, de repente, eis que surge a bola e uma mãozinha em cima, com a unha feita, decoradinha, e eles: “Que porra é essa? Aaah, é a Diva, vamos abrir logo que ela está embaixo” (risos). São sutilezas assim, “Aí passa correndo e deixa um cheirinho de mulher”, “Vai formar na primeira linha com o capozão pra trás, ele vai pôr a cabeça e vai ficar cheirando, porque a mulher é menos fedida”. Eu não sei como os outros times me veem jogando. A gente sente uma provocação, mas acho que parte muito mais de mim em ir lá jogar com eles do que deles em aceitarem ou não. Se eu aceitei, me sujeitei a estar ali, o azar é meu, não é deles. O azar é deles se caso eu for melhor que eles em algum momento. Aí ele vai ser zuado pelo resto da vida. Eu já ouvi: “Meu, caraca, que taca que você deu, hein”. Mas não é uma coisa que eu fiz pra ser vangloriada, porque é do jogo. Sorte que a minha atitude foi boa, minha ação foi boa naquele lance, e, lógico, se você usa a técnica, força e o seu corpo a seu favor, você vai derrubar quem for. É, eu acho que se eu fosse magrela ia ser mais difícil jogar. Pra jogar com homens, você tem que ter o mínimo de noção do XV, porque é muito mais no contato. Então, você tem que saber se proteger de um tackle que vem. Afinal, você está jogando com homem e não com menina. Com menina, você já se machuca, imagina você com um homem, porque, se você vai dar uma sentada no cara, é a moral dele que está em jogo, então ele não vai ter pena de você. Seven’s, prefiro jogar com mulher, mas se for pra jogar XV, eu prefiro jogar com homem. Porque as meninas só jogam seven’s. Quando eu jogava XV com as meninas era bom. Mas não tem essa diferença, sabe? Eu gosto do XV e pronto. Mas foi muito engraçado esse jogo, cara, você não tem noção. É pena que não tem uma filmagem. Só tenho foto jogando com SOU A ÚNICA MULHER os meninos. Já senti preQUE EU SAIBA QUE JOGA conceito de naRUGBY COM HOMENS. morado! Teve um NO KEEP WALKING, SOU que falou pra mim TRATADA COMO UMA assim: “E se eu te pedisse pra escoVERDADEIRA DIVA lher entre o rugby e eu?”. Eu falei: “Nem peça, porque eu já sei a minha opinião e você não vai gostar” (risos). Nunca mais ele falou isso. Ele sempre implicou porque, pra ele, todos os homens queriam me comer e eu queria dar para todos ou já dei para todos. Pelo meu jeito Diva de ser, porque eu chegava, beijava, abraçava, cumprimentava, brincava, sorria, e isso o incomodava, o fato de estar com ele e sorrir para o meu amigo era como “Eu quero dar pra ele”. Eu só namorei ele de fora, totalmente desconhecido do rugby. Os do rugby eram de boa. Outros também com quem eu me envolvi, não foi bem um namoro, também era de boa, não implicava muito assim. Porque acho que eles já me conheciam do rugby, já sabiam que eu era assim. Não tinha porque implicar. Sou hétero. Já dei uns beijinhos numa amiga, quando eu tinha 16 anos. Mas daí, eu saí de lá e falei: “Meu, que porra é essa? O que a gente está fazendo? Está faltando alguma coisa aqui”. Então RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 81 entrevistas eu posso dizer que não gosto, porque ex- o cabelo. Olha lá, foi try, por quê? Porque perimentei e não curti. você estava arrumando o cabelo”. Eu não acho que ser lésbica te faz jogar Quando fiz o calendário, eu estava melhor. O que eu realmente penso sobre bem mais em forma do que eu estou hoje. a sua opção sexual é que a gente encontra Eu era a mais gordinha de todas, e isso é muito mais facilidades nas meninas mais mais um sinal de que o peso não influendispostas a brutalidade, nas lésbicas, cia em nada. porque mulher muito cocotinha, muito Este ensaio foi legal, a coisa tomou delicada, não vai querer. Não aguenta! uma proporção bem maior do que a genEu sempre fui um piá, sempre fui ogra, te esperava. A gente achava que ia venmesmo gostando de homem. E as que der aqui no Brasil, ia levar pra Amsterdã gostam de homem que chegam ficam tão e ia vender lá, mas levar pra quem curte deslumbradas, pegam geral e depois so- rugby. No fim, a gente foi parar no Fausmem, entendeu? É essa a dificuldade. E tão, saiu na Sexy, na Playboy, uma galeas lésbicas não. Elas se pegam, mas de- ra falando da gente. O Pânico fez matéria pois, terminou com essa, elas já sabem com a Seleção. Então, depois desse calenque tem outra ali que também gosta, daí dário sensual, muita porta se abriu pra vai investir na outra. Eu acho que elas são gente, porque a gente foi em lugar que mais bem resolvidas do que nós, héteros. nunca ninguém tinha conseguido ir. Aí A cocotinha começou patrovai ficar muito cínio, mudou da mais preocupaBR pra CBRu, a A GENTE ENCONTRA MUITO da em não se macoisa começou MAIS FACILIDADES NAS chucar, em não a andar de uma MENINAS MAIS DISPOSTAS abrir o supercílio, forma diferenA BRUTALIDADE, NAS vai sair do scrum te. Então, tem passando a mão muita gente que LÉSBICAS, PORQUE MULHER no cabelo. Ela não critica, fala que MUITO COCOTINHA, vai render tanfoi um absurdo, MUITO DELICADA, NÃO VAI to quanto. Eu coque a gente não QUERER. NÃO AGUENTA! nheço muita meprecisaria se exnina que é hétero por daquele jeie que joga muito, to, mas eu acho independente disso. assim: o calendário foi de acordo com a A vaidade dentro de campo não preju- opinião de cada uma, tipo, você quer fadica tanto. O problema é seu cabelo ficar zer um nu, você faz. Você quer pôr a boescorrido no olho, e você não fazer nada linha pra esconder a sua periquita, pode pra segurar esse cabelo, porque a gente pôr. Você quer tirar de top, eu tirei de top, não pode usar tic-tac, essas coisas. Então, mas, tipo, pensando no meu pai, porque faça trança. Porque eu tinha jogadoras eu queria que – sei lá – se um dia eu tique jogavam comigo que elas saíam arru- vesse um filho, eu queria mostrar para o mando o cabelo. E eu dizia: “Meu, deixa meu filho. É uma coisa que eu queria que 82 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 83 entrevistas meus familiares vissem. Não é uma coisa tipo: “Olha, pai, posei nua, mas eu não queria que você visse a revista”. Então eu pensei muito na minha família. Sim, a gente explorou um pouco o peito, porque eu era uma das que tinha mais peito. Mas como mulher, eu não sei se me senti mais ou menos feminina. Eu acho até que não, a gente gostou do trabalho que foi feito, se doou pra aquilo, tinha uma ideia boa, e a gente conseguiu dinheiro, mas não o quanto a gente esperava, sabe? Porque o calendário demorou pra sair e era pra a gente ter levado ele pra Amsterdã, pra gente vender lá. Mas a gente não conseguiu. As meninas acabaram levando para o mundial. Algumas metas do financeiro mudaram. E patrocínio, essas coisas, a gente conseguiu mudar. Tem gente que critica por isso, mas eles não sabem o resultado. A gente combinou de ninguém comentar nem bater-boca em rede social, e em lugar nenhum sobre esse tema. A pior coisa que ouvi foi: “Vocês estão envergonhando o esporte, vocês não sabem o que estão fazendo. Vocês são umas biscates que estão peladonas aí e acham que vão conseguir alguma coisa, arrecadar um dinheiro, mas existe muita maneira de vocês conseguirem um dinheiro, não precisava ter feito isso”. Uma coisa bem legal que a gente escutou foi do Marcelo D2, lá no Faustão. Ele veio quando a gente estava saindo do palco, ele estava subindo a escada e falou assim: “Aaah vocês que são as peladinhas e tal?”. E eu disse: “É, compra aí”. E ele falou: “Ah, eu não tenho grana”. E a gente falou: “Ah, a gente troca 84 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme por dólar”, e ele: “É, então a gente pode negociar. Brincadeira”. Daí ele falou assim: “Poxa meninas, vocês aí, tanto que a gente fez, tinha vaga para o mundial e não dá pra ir para o mundial. Vocês aí têm vaga para o mundial, têm um monte de talento, são superempenhadas, e esse país de merda não apoia vocês. Vocês têm que fazer uma coisa dessas pra conseguir verba pra ir disputar e representar essa porra de país”. Aquilo ali era o sentimento de todo mundo. A gente não estava indo representar o meu clube, nem o meu bairro, eu estava indo representar a Seleção, é o país inteiro. Sempre que eu falo, eu me arrepio. E a gente teve que usar disso, que era uma maneira que a gente viu que poderia conseguir um dinheiro. O fotógrafo fez o trabalho todo de graça pra gente, não tinha patrocínio, não tinha apoio. As meninas foram no Ministério do Esporte e tentaram conversar, porque não era justo, esse país só apoia futebol, e eu sou contra o futebol, eu não torço para o futebol. Raramente eu vou ligar a televisão e vou assistir a um jogo de futebol. Se estiver passando, eu assisto a qualquer outra coisa. É a minha forma de protesto enquanto eles não desenvolverem outros esportes, não só o rugby. O vôlei tem muito potencial, e ele não é utilizado. Não tem metade do apoio que tem o futebol. E só pegou apoio depois que virou olímpico. Pensando em futuro, a curto prazo, eu quero melhorar fisicamente. A longo prazo, eu quero me dedicar a coach. Quero ser treinadora das gurias. Das barangas, né? Só tem baranga, e nenhuma diva. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 85 86 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Músculos femininos desafiando o machismo e Manuela Nunes, 33 anos Atleta do Bandeirantes Rugby Entrei na Escola de Educação Física e Esporte lá na USP (EFEUSP) em 2000. Eu tinha 19 pra 20 anos. Todos já entram lá com referência em algum dos esportes tradicionais de quadra, como handebol e vôlei. Eu tentei ir a alguns treininhos, só que eu jogava pela diversão, e lá o pessoal levava tudo muito a sério. Daí eu fiquei meio desanimada, porque eu queria participar de alguma coisa na faculdade, mas não tinha me encaixado em nenhum dos times. Foi quando uma amiga me falou do rugby, e no primeiro dia em que fui ao treino, já me apresentaram ao time inteiro. Na faculdade, o rugby feminino era mais atuante que o masculino, e elas treinavam desde 1998. Como elas eram experientes, eu fiquei amarradona. Fui ao primeiro treino, e essa minha amiga bixete já tinha dito que as pessoas eram muito legais. E eram mesmo. A galera é acolhedora sempre. No campo, era diferente, era aquela correria. O meu primeiro treinador foi Mille, o Mauricio Migliano. Comecei bem, e fiquei apaixonada. Eu pensava: “Gente, onde estava isso? Essa é a coisa que eu quero fazer da minha vida!”. Eu sempre gostei muito de correr, e esse esporte precisa de muiRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 87 entrevistas ta entrega. Comecei e não parei mais. Quando eu era novata, ou bixete, me espelhei muito nas meninas veteranas. Elas jogavam muito bem. Eram altas e fortes, enquanto eu, na adolescência, tive anorexia. Eu não entrei muito bem, apesar de hoje ser referência em termos físicos. ERA SEMPRE UM Eu não ficava no ESPANTO QUANDO pelotão de frente DIZIA PARA AS das corridas, mas MINHAS AMIGAS QUE eu queria muito. Os treinos EU JOGAVA RUGBY. eram nos dias de ELAS SEMPRE DIZIAM segunda, quarQUE ERA VIOLENTO, E ta e sexta. Então, PERGUNTAVAM “VOCÊ nas terças e quintas, eu fazia um NÃO TEM MEDO DE SE treino físico por MACHUCAR? fora, junto com outras meninas que faziam musculação. Elas me ajudaram muito. Não fui um talento que simplesmente apareceu, eu era raçudinha. Mas eu tinha muita vontade. Por um dia na semana, os treinos dos times masculino e feminino eram juntos, quando eram no campo da faculdade. Quando passamos a treinar no campo da CBRu, os treinos eram separados. De qualquer forma, eu não tinha muita referência do masculino. Tinha uma menina que namorava um menino de lá, e começaram por conta do rugby, mas eu não tinha muito contato. Na época, era bem diferente. Eu não tinha ideia de que era mais os homens que jogavam. Só tinha ouvido falar de rugby do Colégio Rio Branco, que tinha time. Acho que li numa revista uma vez, mas não tive contato. 88 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Daí você começa a pedir aos pais pra comprar uma chuteira, sabe? Mas meus pais têm esse lado que é bom e é ruim: eles não dão muita importância, vão dando corda pra ver até onde vai. Acho que até por não saber como é realmente o jogo. Às vezes, eu aparecia com alguma parte do corpo ralada, mas era tranquilo. Eles nunca tiveram muito interesse em saber, mas também nunca me pediram pra sair do rugby. No começo, quando eu era mais fraca, lembro de ter machucado perto da costela umas duas vezes e foi meio chato. Eles não interferiram muito, mas o pessoal de fora, que conhecia bem menos, sempre falava coisas como “Ah, mas fica se machucando, fica se ralando...”. E isso, pra gente, é o mais legal. Já para os outros, é o que faz eles não irem aos jogos. Era sempre um espanto quando dizia para as minhas amigas que eu jogava rugby. Elas sempre diziam que era violento, e perguntavam “Você não tem medo de se machucar?”. Eu nunca consegui trazer nenhuma destas meninas pra jogar, nem por admirar o corpo que desenvolvi. Namorei um menino que era do rugby e um que não era. O que não jogava rugby tinha mais ressalva pelo lance de ficar longe quando eu tinha competição. E um pouco de ciúme do terceiro tempo, claro. Já o carinha que namorei do rugby, não. Porque já conhecia o esporte, ou achava que sabe tudo dele, né? Eu me sinto bem jogando rugby. É um jogo de muita entrega, onde você não vai mais ou menos. Ou vai com tudo ou não vai. O rugby me traz a sensação de ser capaz, de sentir que disso eu dou conta. Em compensação, me dá muita inse- gurança em não conseguir. Quando levo um tackle e tenho que sair do jogo, por exemplo, eu fico bem frustrada. Quanto ao meu corpo, eu me espelhava muito nos meninos. Eles são mais fortes e mais rápidos por questões biológicas. Mas eu gosto de me ver, comparada a eles. Eu acho que sou um exemplo de força máxima que posso alcançar, sendo assim (musculosa). Habilidade é uma coisa inerente aos dois (masculino e feminino), mas força é algo mais masculina. Não querendo dizer o certo ou o errado, mas, por exemplo, quando a gente vê uma menina boa, a gente usa a expressão “ela é boa mesmo, parece um menino jogando”. Independente disso, eu me acho feminina. Tenho minhas vaidades, mas quando eu estou jogando, eu não penso muito nisso. Tem coisas que eu acho bonito, mas não perco a linha, não quero ficar andando igual a homem. Quando eu estou fora ou machucada, e não estou jogando, eu me sinto mais feminina, e às vezes acho isso ruim por me sentir mais fraca e vulnerável. Eu nunca treinei em academias que tivessem muitas meninas que treinassem forte. Eu não sei como seria, não tenho muita referência de mulheres treinando forte. Eu gosto. Eu tento jogar bem. São muitos anos jogando. Esse ano, todo mundo amadureceu em algumas coisas juntas e está dando certo. Quando comecei, eu não fazia musculação. Fazia a parte de corrida. Dificilmente eu me machuco e acho que tem a ver com isso e com o perfil. Você se fortalece quando malha. Na academia, muitas vezes me perguntam “Mas você faz o quê?”, só porque eu treino forte. E eu pergunto: “Mas por que eu não posso treinar forte? Só menino pode? Eu faço rugby”, e elas dizem: “Ah, então é por isso”. Então acabam associando a malhação muito mais ao esporte. Mas eu malho pelos dois, pelo físico e pelo rugby. Comecei com levantamento de peso. Quando não pude mais treinar, resolvi faQUANDO A GENTE zer musculação VÊ UMA MENINA pra dar uma equiBOA, A GENTE USA A parada. Hoje em EXPRESSÃO “ELA É BOA dia, eu gosto muito de treinar, e no MESMO, PARECE UM rugby precisa-se MENINO JOGANDO” de muito treino. Isso foi o que me chamou a atenção. E eu gosto muito. A TPM atrapalha. Se eu não pudesse me preocupar com isso, seria melhor. Na TPM, eu fico mais chorona. É bom porque, quando eu estou triste, eu vou treinar e melhoro. Mas atrapalha um pouquinho. Eu não sabia que o rugby havia sido proibido pelo Getúlio Vargas porque o corpo da mulher era pra parir. É engraçado, porque fraturei a fíbula uma vez e, quando falei em rugby, meu médico disse que eu ainda não poderia voltar. E eu pensei: “Acho que ele nem sabe o que é, porque não tem problema voltar”. Claro que é um jogo que tem muito impacto, tem muito contato físico. Tem muita menina que já teve filho e eu não sei como é a atividade física durante a gravidez, e, além disso, existem muitas opiniões diferentes a respeito. Acho que talvez as pessoas proíbam por não conhecer tanto, porque o jogo é uma coisa muito técnica. A Bruna (Lotufo), por exemplo, é impressionante. Ela já teve filhos e volta cada vez melhor. A Maíra RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 89 entrevistas (Magdaleno) também. Pra você ver que é uma coisa natural. Muita gente pergunta quando eu vou parar, porque eu já tenho 33, mas eu não sei, eu não coloquei prazo, é uma coisa que vai rolando. Hoje, acho que estou melhor que antes, mas também porque, quando eu era mais nova, eu não treinava com tanta qualidade. Mas eu vejo muitas vantagens, hoje eu me conheço mais. Antes eu me estafava muito porque eu treinava errado. Hoje eu sei que aquilo que eu fizer, eu vou responder. Agora eu estou melhor mentalmente. Meu corpo é um pouco diferente das amigas que não jogam. Na verdade, nenhuma delas tem o corpo igual ao meu. Às vezes, tenho algumas atitudes de muita raiva, muita explosão. E eu me sinto muito homem e muito mal depois. Me sinto muito feia. Ao mesmo tempo, em situação contrária, eu fico me sentindo muito franguinha. Então eu tenho que encontrar esse equilíbrio. Eu já desencanei de querer ter um corpo mais feminino, até mesmo porque você perde rapidinho (quando para de treinar). Depois de um jogo, você já perdeu. Às vezes, eu me sinto mal. Não que eu queira ser daquele jeito, mas o jeito delicado é bonito. E eu não sou. Mas eu acho meu corpo bonito. Eu tento, sabe? Eu sou meio exigente também. Com celulite eu não implico tanto, mas quando eu acho que estou ficando mais franga, mais magrinha, ou com uma barriguinha, eu malho. Se uma vez ou outra eu quero comer isso ou aquilo, eu vou comer, dou uma relaxadinha. Quando eu cheguei no corpo que hoje considero muito bom, eu pensei: “Poxa, eu sei que posso ficar melhor”. Então eu 90 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme queria malhar mais pra ficar cada vez melhor, só que hoje eu trabalho e não dá pra ficar tão bitolada assim. Mas mesmo com a idade, eu faço algum exercício, como levantamento de peso. Tenho os equipamentos em minha casa. Lá eu fico meio limitada, mas eu sei que posso fazer melhor do que isso. Meu corpo, hoje, me incomoda um pouco porque, quando eu tiro a blusa e fico de regatinha, a galera toda fica olhando. Eu estou acostumada com ele, mas tem gente que não está, e isso me incomoda um pouco. Anos atrás, eu não estava tão forte e as pessoas já falavam. E é porque, hoje em dia, tem mais mulheres que treinam, mas mesmo assim as pessoas ainda falam. Eu já ouvi moleque gritando dentro do carro: “Aah, travesti”, e eu levo na brincadeira. Eu nunca me zanguei, até porque o cara deve ser um franguinho, né? Eu estou melhor que ele (risos). Mas isso eu acho meio chato. Uma coisa chama a outra. Mas por que uma mulher não pode ser forte por gostar? Eu gosto de uma coisa mais funcional, não gosto de ficar lá na academia posando. Falam também que eu sou sapatão, imagino que muitas pessoas devem pensar. Mas eu não ligo muito. Eu acredito que muito homem não gosta de mulher assim, mas não é um negócio que vá me mudar. Eu estou enrolada com um carinha. Ele começou a treinar, eu meio que indiretamente obriguei. Ele não fala, mas eu acho que ele deve querer malhar também por estar comigo, porque a genética dele não é do tipo grande. Ele comentou que estava conversando com o chefe dele uma vez e falou: “Ah, estou comendo filé mignon, você acha que eu RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 91 entrevistas vou querer...”, e o chefe dele o interrom- ragem de dizer isso. É bem pequeno esse peu dizendo: “Filé mignon não, você está tipo de pensamento. comendo músculo!”. Mas ele lida bem As pessoas que não conhecem, veem com isso, senão ele não estaria comigo. algo tão masculino nas meninas que Quando namorei outra pessoa, eu es- pensam que a gente só joga com os metava treinando na Seleção, ele se envol- ninos. É a minoria dos rapazes que acha veu com o rugby e gostou muito. Esse eu que esse esporte não é para meninas, conheci na musculação. O atual não, ele principalmente entre os que jogam. Talé do surf. Mas os dois eu levei pra corri- vez o pessoal mais macaco velho ainda da. Apesar disso, eu nunca levei paquera possa ter esse tipo de pensamento. ou namorado pra jogar rugby. Eu tenho certeza que muitos pensaEu tive uma fase muito estressada. vam que nós estávamos lá por causa de Desde pequenininha, tinha problema de homem. E como eu comecei no univerdepressão, anorexia, e coisas assim. En- sitário, eu nem sabia de nada. Depois tão, quando eu dava essas estressadas, que vi um torneio é que pensei: “Caraeu ficava muito mal, achando que nin- ca, como tem homem!”. E uns homens guém iria gostar elitizados, né? Tode mim. Eu acho dos bonitões. Só aí que o fato de espercebi que no ruDIRETAMENTE NUNCA ME tar mais velha traz gby tinha bastante FALARAM NADA, MAS EU mais segurança. homem. Mas onde JÁ OUVI COISAS DO TIPO: Eu ainda me sinto eu treinava, não ti“RUGBY NÃO É ESPORTE insegura, mas elas nha nem noção. (atletas do time) Esse pensaPRA MULHER JOGAR” se sentem muito mento está museguras comigo. dando. Acho que Eu gosto do que eu passo pras me- essa mudança se dá não só pelas coisas ninas do meu time hoje. Talvez eu não relacionadas dentro do rugby, como o seja muito líder, de chamar e tal. Mas fato das meninas começarem a ganhar, quando eu tenho que falar alguma coi- inclusive a Seleção Brasileira. Mas eu sa, eu tento falar coisas positivas. Eu acho que é uma visão mais aberta de gosto, embora, às vezes, eu me sinta mundo mesmo. meio pressionada. Aqui no Bandeirantes, o masculino Já me falaram que queriam ser igual tem mais vez que o feminino. É o princia mim. Isso é muito legal e ajuda na mi- pal. Hoje em dia, o foco maior de tudo é nha autoestima, mas na hora eu pensei: (a categoria de) base. “Ah, até parece”. Os clubes sempre nasceram com os tiSobre bullying... Diretamente nunca mes masculinos, então acho que é isso me falaram nada, mas eu já ouvi coisas que eles querem cultuar. Mas, por exemdo tipo: “rugby não é esporte pra mulher plo, o time feminino de Niterói foi jogar, jogar”. Ouvia mais antigamente, porque e os caras ficavam torcendo pra elas, grihoje em dia acho que ninguém tem co- tando e blá-blá-blá. Mas não era todo 92 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme time que fazia isso, era mais o Niterói. No Band, isso não acontece. No Rio Branco, era a mesma coisa. As meninas vão torcer, cantar, e a gente faz isso porque a gente gosta. Mas eles não fazem o mesmo com a gente. Às vezes, um ou dois chegam e dão alguma opinião. Lembro que, um tempo atrás, teve premiação, e eu nem sei bem o que teve, alguma coisa com melhor atleta e tal. Mas as meninas ficaram de fora. E assim, isso dá uma desanimada... Eu não vejo igualdade. Lá no Rio Branco, acontecia tipo: “Ah, eles vão ter jogo no final de semana, então vocês ficam com aquele espacinho ali e eles usam o campo inteiro”. Mas, pô, a gente paga a mensalidade igual, sabe? E com os investimentos do clube, a gente recebe bem menos, embora tenha mais resultado. Por isso eu acho que eles subestimam a gente. Eu não sei direito como é que funciona o orçamento, mas eu me lembro de falarem que o feminino tinha um dinheiro para uma viagem internacional, mas quando a gente foi ver, não tinha mais, porque o dinheiro é da base. Os caras fazem viagem pra não sei onde e o feminino não. Eu acho, sim, que isso acontece porque é time de mulher. O feminino talvez não tenha o que o masculino tem. Talvez o feminino não esteja pro rugby como o masculino. Talvez eles pensem que o feminino deva estar por outros motivos. Tanto que, ao ver as meninas que eles acham que levam o rugby mais a sério, eles respeitam muito mais. No rugby rola muita pegação. E esse negócio de pegar homem é uma coisa que me deixa muito brava. Teve uma reunião uma vez pra fazer um perfil da Sele- ção Brasileira e foi dado o exemplo de um cara de outra federação que tinha comentado que uma menina da Seleção Brasileira tinha dado em cima dele. Daí jogaram a pergunta: “Ah, é essa a postura que vocês querem?”. E, na boa, eu acho que não tem nada a ver uma coisa com a outra. Na minha E COM OS cabeça, não faz o INVESTIMENTOS DO menor sentido. CLUBE, A GENTE RECEBE O seu comportamento de xavecar BEM MENOS, E EU alguém não tem ACHO, SIM, QUE ISSO nada a ver com o ACONTECE PORQUE É seu jogo. TIME DE MULHER Quanto à sexualidade, uma postura mais masculina para o jogo pode ajudar, não necessariamente, mas talvez uma menina lésbica seja melhor para o jogo. A gente já levantou essa questão e acho até que deve ser mais discutida. Até hoje, eu não vi um time com um perfil de corpo mais feminino ser mais vantajoso em jogo que um time onde as meninas são mais truculentas. Eu sou hétero. É difícil comparar. Talvez eu tenha algumas barreiras na minha cabeça, do tipo, não entrar em certas situações. Por exemplo, na musculação, eu não faço nada que eu acho que vá machucar. Já uma cabeça mais masculina, é mais imprudente. Talvez a menina lésbica tenha mais isso também. Elas são mais desprendidas, e no rugby isso é bom. Tem muita lésbica no rugby. Lá atrás, quando eu entrei no rugby, eu era a maior pata. Nem passava pela minha cabeça. Daí, tinha um menino que falava assim: “Ei, cuidado, viu? Fulana é RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 93 entrevistas sapatão”. Teve um dia que umas quatro como um clube. É muito mais coração. meninas me pediram desculpa por não E lá na Seleção, está todo mundo queterem falado (que eram lésbicas), mas rendo o seu lugar, e são muitas pessoas. eu não ligo, sabe? Tinha um casal lá, Da última vez em que eu fui, eu pedi mas eu juro por Deus que nem imagi- dispensa. Mas não é por isso que eu vou nava. De qualquer forma, pra gente não parar de jogar. Não é por não estar lá tinha essa coisa de mudar de time por que eu não vou jogar mais. Quando eu brigar com a namorada. Pra elas, deve pedi dispensa, era outro esquema, não ser pior conviver ali dentro. Eu fico era esse de receber. Então, mesmo com meio preocupada, esse lance de idaporque aqui mesde, eu vou fazendo mo já rolaram alo meu jogo, e se ACHO QUE O RUGBY gumas situações, alguém, alguma VIROU UM AMBIENTE eu tentei converhora, quiser que PARA AS LÉSBICAS, PRA sar pra ninguém eu dê alguma ajusair, tentei não dinha lá: vou esELAS FICAREM BEM tomar partido de tar lá, né? ninguém e tal. É No futuro do ruum negócio novo, que a gente tem que gby eu quero conquistar umas coisas que começar a pensar a respeito. eu nunca conquistei. Dinheiro, nunca gaE eu acho que o rugby virou um am- nhei mesmo. Mas eu quero curtir essas biente pra elas ficarem bem. Nessa épo- vitórias em viagens e tal. Eu não tenho ca, não era assim, tinha piada também. muitos amigos, minha vida social é muito O Bandeirantes era um time de lésbica, mais no rugby, eu não quero parar e ficar todo mundo chamava de “Bandomem”. de fora. Eu não penso em parar. Eu quero Acho que 70% do Band são lésbicas. jogar até 2016. Acho que não tem nenhuSeleção Brasileira? Humm... É mui- ma menina que tenha jogado até os 40. Eu to blá-blá-blá esse negócio de “Ah, Bra- vou indo, sabe? Tenho essa idade e não tesil”. É mentira. Você está na Seleção nho lesão. Eu vou indo. por desejo pessoal. É ego. Dizer que eu Tem tanta coisa boa do rugby pra você não gostaria de estar na Seleção, eu não pegar, tipo um time pra treinar. Mas nunca posso dizer, é claro que eu gostaria. Tem rolou de trabalhar no rugby. Eu ainda quero viagem que você quer ir, ver as coisas, e jogar, quero ser treinada. Mas gostaria de, é pra você. Mas você não acha um lugar no futuro, trabalhar no esporte. 94 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 95 96 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme O outro lado do rugby e Fernanda Lima, 26 anos Atleta do SPAC Eu comecei tarde no rugby, tinha 21 anos e estudava no Mackenzie. Amigos que estudavam comigo conheciam um pessoal que jogava, e um deles jogava muito. Como eu jogava handebol e futebol, esse amigo sugeriu que eu procurasse um clube e fosse jogar rugby, e me indicou um perto de Interlagos. Ele disse: “Nossa, você mora perto de um dos melhores clubes femininos do Brasil. Vai pra lá!”. Ele ficou me enchendo o saco por uns seis meses, até que eu resolvi assistir a um treino. Não conhecia ninguém, vim com a cara e a coragem. Mas fiquei. Depois de entrar no SPAC, eu tentei montar um time com uma amiga do Mackenzie, ela fazia Arquitetura e eu fazia Ciência da Computação. Ainda conseguimos participar de um campeonato da USP, mas as meninas se formaram e se dissiparam. Hoje eu não sei muito bem como está. Hoje em tenho 26 anos, cinco anos de SPAC, e a minha relação com as meninas é a melhor possível. Esta, sem dúvida, foi uma escolha interessante, porque eu passei por diversos clubes (handebol, futsal etc.), e todos eles tinham suas panelinhas, não era uma coisa muito unida. Aqui no SPAC, eu me sinto como RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 97 entrevistas numa família, e acho que é isso que o ru- relação a isso, mas esta é a nossa. gby me proporciona, uma segunda famíHoje a gente nem comenta mais em lia que você escolhe onde está. Hoje eu reunião do clube sobre essa divisão. A só jogo rugby. gente se dividiu mesmo, então nós cuiA relação com o masculino e o meu damos do nosso e eles cuidam do deles. time hoje está um pouco melhor. Já foi É cada um na sua mesmo. Não tem bribem pior, era uma coisa muito excluí- ga. Já teve, mas quando a gente dividiu da, tanto que teve uma época (e a gen- tudo, acabou. Isso aconteceu em meate ainda está) dividida. É uma categoria dos de 2008, justamente na época em bem dividida do masculino porque eram que eu entrei. tomadas todas as decisões pra eles e o Hoje a gente divide o campo. Metade que sobrasse era para o feminino. En- fica para os meninos e metade fica para tão a gente bateu o pé e falou que isso as meninas. Tem época em que a gente estava errado, e as meninas resolveram precisa de um adversário mais rápido, se emancipar. Então decidimos: “Oh, porque é melhor para o treino, então a vocês ficam com a sua caixinha, a gente gente joga um touch ( jogo de rugby sem fica com o nosso, a tackle, muito utigente se organiza lizado em treinos) e vocês se organicontra o juvenil É UMA CATEGORIA BEM zam”, então ficou ou contra o masDIVIDIDA DO MASCULINO uma coisa bem culino mesmo. E PORQUE ERAM TOMADAS mais dividida. Eu eles gostam de jonão vou falar que gar com a gente. TODAS AS DECISÕES PRA a gente tem muito Tinha uma época ELES E O QUE SOBRASSE apoio do masculique a gente chegaERA PARA O FEMININO no, não. São pouva mais cedo, daí cos os caras que a gente jogava um vão e nos apoiam, touch todo muné diferente das meninas, que estão em do, geral mesmo. Não era menino contodos os jogos ali, torcendo sempre jun- tra menina, era tudo misturado: juvenil, tas, tanto do feminino quanto do mascu- feminino e masculino. lino, só que a gente não vê muito retorEu sempre gostei muito de esporno dos meninos, são alguns específicos, te. Apesar de não fazer educação física, mas não é a grande maioria. eu sempre curti muito esporte, e minha E eu acho que as meninas têm mais o mãe sempre me apoiou. Ela me dá essa espírito de família, logo, é o SPAC que independência, ela me deixa fazer o que está sendo representado. Pode ser o quero. O que me faz feliz. masculino, feminino, juvenil, kids. Nós Uma vez me machuquei. Tive uma leestaremos ali torcendo, porque é o nosso são grave no pé, uma torção, fratura litime, é a nossa família, é a nossa camisa gamentar. Minha mãe me apoiou muie a gente gosta de incentivar. Não sei di- to. Ela ainda disse: “Ai filha, isso não é zer muito bem como é a ideia deles em perigoso? Olha com você está”, e eu fa98 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme lei: “Não, eu quero voltar a jogar”, e ela completou: “Ah, então, se é isso que você quer, eu vou te apoiar”. E sempre foi assim. O mesmo acontece com as minhas amigas, elas sempre me apoiaram também. Um grande número de amigos meus curtem esporte. Nunca joguei profissionalmente. Só no amadorismo mesmo. A gente ganha no máximo a bolsa atleta. Sou uma pessoa “grande”, não é? Não sou tão rápida quanto as meninas. Mas, entre as grandes, eu consigo me destacar um pouco. Consigo ser um pouco mais rápida. Acho que, até mesmo, pela minha essência no futebol e no futsal, que é uma coisa mais corrida. Apesar de ser grande, eu era bastante ágil, e do futsal eu tive bastante herança do compasso, do drible. Então, eu adquiri uma agilidade que as pessoas que são muito grandes geralmente não têm. Por exemplo, para chutar. Como mulher, me sinto bem satisfeita. No feminino, você não se sente em desvantagem ou algo do gênero, mas é lógico que, quando você tem um cara ou uma pessoa do juvenil, tem uma grande diferença. Mas eu me sinto à vontade. Também acho que não há problema com o sentir-se feminina dentro do rugby. Foge um pouco do padrão normal, a gente acaba tendo uma condição física um pouco maior que o padrão de beleza. Mas nunca vi problema, porque a mulher é bela por diversas formas, não precisa ser aquele estereótipo (magrinha) de Miss Brasil. Acho que isso já se difundiu muito. Meu corpo mudou bastante depois que comecei a jogar rugby. Quando entrei no SPAC, eu era mais gordinha. Ti- nha muita gordura mesmo no corpo e eu pensava coisas do tipo: “Ah, academia não”. Eu não gosto de academia até hoje, mas é necessário. Então comecei a ter mais músculo, e tornear mais o corpo. Mas nunca deixei chegar ao ponto de me achar masculina. Eu estou forte e posso me A MULHER RUGBIER preparar melhor FOGE UM POUCO DO para os jogos. PADRÃO NORMAL, Mas, lógico, tem gente que perde TENDO UMA CONDIÇÃO um pouco a liFÍSICA UM POUCO nha, e talvez acaMAIOR QUE O PADRÃO be se tornando DE BELEZA. MAS NUNCA um pouco mais grotesco. CheVI PROBLEMA, PORQUE gar a esse ponto, A MULHER É BELA POR até ajuda. PrinDIVERSAS FORMAS cipalmente porque o feminino joga mais seven’s, e 80% do desempenho é físico. Então, quanto mais potência você tem, melhor vai ser o seu rendimento. Na época em que eu tive treinos com a Seleção, eu não precisei chegar nesse ponto pra estar no grupo de elite. Pela nossa genética brasileira, a gente não precisa ser “superatletas” ou algo do gênero pra ter um bom rendimento dentro de campo. Não precisa ter um físico tão monstruoso, nada tão masculino. Acho que talvez o nosso grande pecado mesmo seja a altura, porque nosso padrão é mais baixo. Das meninas de fora, a menor do time é do meu tamanho. E olha que eu sou considerada uma pessoa muito alta por aqui. Eu tenho 1,71 m. Eu não tenho problema com TPM. Eu não tenho explosão por nada. É muiRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 99 entrevistas to raro ter TPM, e quando tenho, fico no máximo um pouco manhosa. Mas só dura um dia. Não fico agressiva. Sou uma pessoa calma, ever. Também não acho que os impactos, como um tackle, deixem a nossa saúde prejudicada. O tackle é uma coisa muito técnica. Dá pra ver diferença até quando você joga com um time inexperiente. A probabilidade de se machucar é bem maior, porque as pessoas não sabem o que estão fazendo. Mas quando você está jogando com um VAIDADE NO RUGBY É time que, tecnicamente, é equiUMA QUESTÃO MAIS valente, não tem TÉCNICA. A GENTE FAZ problema. Vai TRANÇA NÃO PARA ser um contato FICAR MAIS BONITA, forte, mas não vai te machucar. MAS PARA NÃO CAIR Vai causar um CABELO NO ROSTO pouco de dor física, mas é momentânea. Não vai te prejudicar depois. Não acredito que o rugby traz problemas para a mulher engravidar. Eu vejo esse exemplo no próprio time. A Emily jogou até os seus 30 anos. Daí ela parou e falou: “Vou ter meus filhos”. Casou, parou de jogar e hoje é mãe de duas meninas fortes, lindas, que provavelmente serão futuras jogadoras de rugby. Tem “N” meninas que jogaram grávidas. A Bruna, em sua segunda gestão, jogou um campeonato paulista estando grávida. Quanto ao meu corpo, ele tem uma boa diferença em relação ao corpo das minhas amigas que não jogam rugby. Meu corpo é muito maior fisicamente. As minhas amigas são muito pequenas. Inclusive das que jogam. Porque estas 100 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme jogam no máximo o universitário, que é uma base ainda. A diferença é significativa, já que eu tenho mais músculos que elas. Até no meu emprego as meninas ficaram um pouco assustadas quando eu entrei, porque eu era muito grande. Mas eu não queria ter um corpo diferente do que eu tenho agora. Eu sou bem satisfeita com ele. Não ligo muito pra coisas como celulite e gordura localizada. Acho que isso faz parte. Eu fico com pessoas que gostam de mim do jeito que eu sou. Algumas falam: “Precisa emagrecer”, e eu falo: “Ah não, por que emagrecer?”. Vaidade no rugby é uma questão mais técnica. A gente descobriu que é muito mais interessante. Teve um treino da Seleção que foi filmado. E foi bem no comecinho dessa nova gestão da CBRu. Eu usava o cabelo só amarrado. Daí, me mostraram um treino da gente, e acho que em 30% do tempo eu estava de saída porque arrumava o cabelo. A franja vem pra frente quando você faz scrum, e muito tempo é perdido. E a gente percebeu que isso era um problema. Era um a mais. Então, a partir daquele dia, eu comecei a fazer trança. Mas não é por vaidade, é mais pra evitar o cabelo vir para o rosto, é por mais praticidade no jogo, porque realmente atrapalha. A partir do momento em que é te mostrado aquilo, você fala: “Não, preciso dar um jeito”. Eu tiro sarro das meninas que passam rímel, batom e base. A Tifany, por exemplo, fazia chapinha antes de entrar no jogo, e eu dizia: “Mas você vai suar, vai sair”. Mas é a vaidade dela, eu respeito. Eu não faria em mim. Porque é um trabalho desnecessário. Eu vou suar, vou jogar água no rosto, no cabelo e vai ser RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 101 entrevistas um trabalho em vão. Então, se elas se sentem bem, eu não vejo problema. Fora do campo, eu tenho um estilo mais neutro. Me maquio quando é necessário, quando vou pra alguma festa ou algo do tipo. No terceiro tempo, eu só tomo banho mesmo. Apesar do meu time não gostar muito do banho. O SPAC é um time meio caramelo. Se eu passei por bullying, eu não percebi. Eu já ouvi de fora coisas como: “Ah, isso não é jogo pra mulher”. Devo ter escutado uma ou outra vez de algum cara, mas eu nem liguei. Só pensei: O SPAC É UM “Ah, esse cara CLUBE GRANDE. E não sabe nem o que está falanSE VOCÊ LEVAR EM do”. Mas eu sei CONSIDERAÇÃO O que tem bastanCLUBE EM SI, ELES te. TRATAM TANTO O Tem alguns namorados, tem MASCULINO QUANTO umas até aqui do O FEMININO COMO time que têm naUMA MODALIDADE morados que não QUALQUER são do rugby, e realmente não gostam. Eles dizem: “Ah, você vai ficar roxa... Você vai trabalhar desse jeito?”. Eu nunca tive problema no trabalho, por exemplo. Nem com namoros. Todas as vezes que eu começo um relacionamento ou alguma coisa do gênero, eu deixo bem claro a minha relação com o esporte. A CBRu prefere apoiar o masculino. Eu vejo por esse lado. E eles apoiam não sei por que, não conheço a política deles. Só sei que eles apoiam. Tem 102 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme dinheiro gasto no masculino que eles poderiam estar dando para o feminino. E até mesmo internamente, acho que tem um grande problema. Deveria ter pessoas mais profissionais na CBRu. Se está profissionalizando o esporte, deveria profissionalizar também o pessoal que cuida e gerencia. Como atleta, sinto uma tristeza enorme. Tenho muitas amigas na Seleção, e eu sinto por elas. Rugby é uma coisa que eu amo muito, e fico triste. Mas eu estou aqui também pra lutar por mudança. O que eu puder, eu vou fazer. A Marjorie, por exemplo, está dentro, e ela vê as coisas que acontecem. Muitas vezes, eu acabo entrando nas ciladas com ela, pra ajudá-la. Mas eu sei que ela está fazendo isso por uma coisa melhor para o time feminino. A CBRu é um pouco diferente do SPAC, acho que eles até conhecem o potencial das atletas, mas eles poderiam dar um pouquinho mais de valor. Aqui no SPAC, a gente tem que enfrentar a questão de clube. É um clube grande. E se você levar em consideração o clube em si, eles tratam tanto o masculino quanto o feminino como uma modalidade qualquer. Mas assim, a partir do momento em que a gente ganhou algo e eles se sentem representados, sim, eles dão mais valor. Quando a gente ganhou o primeiro campeonato sul-americano feminino, o clube fez questão de fazer um churrasco em homenagem ao time feminino. Mas foi só foi uma vez. A partir do momento em que a gente eleva o nome do clube, eles veem essa parte e ressaltam um pouco. Mas não é uma coisa assim: “Ah, elas ganharam, vamos dar al- guma coisa a mais”. Não é assim. A gente só ganha um tapa nas costas com um: “Parabéns, foi legal”. Acho que é política do próprio clube mesmo. Porque é um ambiente de lazer social. Eu sou lésbica. Hoje eu só gosto de mulher mesmo. Tentei me relacionar com homem, depois de ter me assumido como homossexual, e não deu certo. Às vezes, fico com homem, mas é por diversão. Isso não faz a menor diferença no rugby. Aqui dentro, pelo menos, do SPAC, eu me sinto tratada como qualquer outra menina, seja hétero ou homossexual. Agora, no rugby em geral, a gente vê alguns problemas. Uma vez eu trouxe a minha ex-namorada, e os caras não acreditavam que ela realmente era minha namorada, e começaram a dar em cima dela. Aí eu tive problemas, porque eles não respeitam. Tem cara que acha que pensa que nós curtimos algo a três. No terceiro tempo, é muita bebida, e os caras perdem muito a linha. E tem muito disso, mas está se tornando um pouco mais aceitável no mundo mesmo, não só no rugby. A gente tem problemas em geral. No esporte, dentro de campo, não tem muito preconceito. São atletas que entram. Atletas do gênero feminino, atletas do gênero masculino. Também existe o gay, que dificilmente se assume. Mas acho que dentro de campo não tem problema. Agora, a partir do momento em que você sai das quatro linhas do campo, aí tem um certo preconceito sim. Apesar de este assunto estar se tornando um pouco mais suportável pelas pessoas, digamos assim. É possível ser feminina jogando rugby. Tem meninas que passam rímel, se maquiam. Essa parte as meninas não perdem. Não pode usar brinco e alguma coisa do gênero. O esporte é agressivo, mas tanto para homem quanto para a mulher. O termo “agressivo” acaba se tornando mais machista, porque os caras impõem isso. Mas você pode ser agressiva até mesmo em cima de um salto. As meninas, às vezes, são vistas como objetos. Já ouvi um cara dizer: “Ah, a bunda daquela, olha o shortinho daquela outra”. Tem muito disso. Acho que homem, em geral, acaba vendo a mulher como objeto. Principalmente pessoas que não são do ciclo, que não são atletas. Eu sei que os que são atletas olham pras meninas e UMA VEZ EU TROUXE A falam: “Ah, legal, MINHA EX-NAMORADA, ela está jogando E OS CARAS NÃO bem”, mas pessoACREDITAVAM QUE as de fora estão querendo saber ELA REALMENTE ERA se ela é gostosa MINHA NAMORADA, E ou não. COMEÇARAM A DAR EM E apesar de CIMA DELA. AÍ EU TIVE gostar de meninas, eu não tenho PROBLEMAS, PORQUE essa visão. Não ELES NÃO RESPEITAM sou de achar essa ou aquela mais gostosa. Eu vejo pela qualidade técnica mesmo. Eu interpreto a pessoa como atleta. Não vou julgá-la como uma mulher ou algo assim. Se ela está dentro de campo, ela é uma atleta e está ali para fazer o papel dela: jogar. Ela está treinando e ali é a oportunidade para demonstrar. E os caras, não sei... Eu não concordo. Não gosto. Acho ruim. É a cabeça da sociedade que estamos tentando mudar, mas isso vai demorar muito tempo. Já fui assediada por meninos. Me RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 103 entrevistas senti ofendida. Se eu estou jogando então, eu me desligo. Acabo não prestando muito atenção. Mas é chato, é ruim. Porque você está julgando. Porque um jogo, querendo ou não, é uma demonstração do que você treina. Se você quer ganhar um campeonato em qualquer outra modalidade, você está mostrando a sua capacidaTEM MENINA QUE de como atleta. ENTRA NO RUGBY SÓ E as pessoas não sabem respeiPRA SE APROXIMAR tar isso. E eu não DOS CARAS. ACHO vejo isso só no fuVÁLIDO POR UM LADO, tebol, você pode DESDE QUE NÃO ver em qualquer outro lugar. Até INFLUENCIE NA PARTE num balé as pesDO CLUBE. soas fazem isso. Mas se a pessoa não sabe o que é um balé, vai lá e vai ter essa visão mesquinha. Nos momentos de lazer, existem algumas diferenças nas paqueras. Quando estão só as meninas, mesmo eu sendo lésbica, acaba tendo um pouco mais de respeito. As meninas estão ali mais para se divertir. Sei lá, rola um clima e tal, um flerte. Até aí, beleza. As meninas vão lá, conversam e tudo bem. Mas quando os caras chegam e ficam bêbados, e as mulheres estão lá, eles vão tentar partir pra cima, e acaba se tornando um pouco mais deselegante. Quando está misturado, aí também depende do time, e da mentalidade das pessoas. Mas é um pouco chato quando você vai no terceiro tempo e vai terceira divisão, segunda divisão. Teve uma vez que eu estava bandeirando o jogo. Daí eu passei de short, com o uniforme, e os caras já tinham be104 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme bido lá no terceiro tempo. Eles falaram: “Vem cá, bandeirinha, não sei o quê”, xavecando mesmo. E eu dizia: “Não, cara! Cadê o respeito que você tinha por mim agora há pouco?”. Eles bebem e perdem um pouco o respeito mesmo. Tem menina que entra no rugby só pra se aproximar dos caras. Acho válido por um lado, desde que não influencie na parte do clube. A partir do momento em que você está ali pra periguetar, então você não quer treinar. Não treine. Não venha atrapalhar. Mas se você está ali se comprometendo a treinar, venha treinar. Terceiro tempo, beleza. Mas a partir do momento em que você assumiu compromisso no clube, você tem que cumprir. Não vejo problema se essa é a intenção, apesar de isso não ocorrer tanto aqui no SPAC. Antigamente tinha mais menina que entrava mesmo pra periguetar. Ou porque o namorado veio e daí resolveu vir junto pra vigiar. Enfim, é aquela coisa, assumindo compromisso com o clube. Quanto aos meus sonhos, eu não vou negar que eu já quis ir para as Olimpíadas. Mas acho que a CBRu hoje está um pouco mais restrita e não vejo mais tantas oportunidades. Acho que hoje o que acontece muito nos clubes é que muitas meninas tiveram que largar os clubes pra continuar só na CBRu. Então não teria essa coragem de largar o SPAC, por exemplo, pra seguir as ordens da CBRu. Porque foi o SPAC que me fez. Se não fosse o SPAC, ou qualquer outro clube, não existiria CBRu. E a partir do momento em que privam as meninas disso, você está deixando de fomentar o rugby, porque acaba perdendo qualidade, porque essas meninas são elite. É o que tor- RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 105 entrevistas na os campeonatos mais competitivos. delas. É o sonho delas. Eu acho que eu não Elas voltaram a jogar agora, e eles es- disponibilizaria meu tempo e a minha vida tão permitindo elas fazerem um treino pra CBRu, sendo que talvez eu não tenha com a gente. nenhum retorno viável. Então minha ideia Não é o mesmo grupo. E até mesmo nos é jogar até quando eu puder, até quando treinos, rendia mais quando elas estavam. eu aguentar. Acho muito mais interessante Quando as meninas essa parte de um dia participam, o treipoder treinar algum NUNCA TIVE NENHUMA no tem muito mais outro time. HISTÓRIA DE SOFRER qualidade. Mas Acompanho o ruquando tem muigby mundial. E acho PRECONCEITO. AO ta menina novata, que o cenário é até REDOR DO MUNDO lógico, a qualidade igual ao daqui, porÉ UM POUCO MAIS vai cair. A partir do que é difícil. AcomACEITÁVEL E AS momento que tem panho pouco pormeninas mais expeque tenho pouco PESSOAS SÃO rientes, a qualidade material. Só o que TRATADAS COMO sobe. Eu cresci muias meninas da SeATLETAS to no rugby, e rápileção conseguem. E do, pelo fato de esa gente tem que estar jogando com as tudar mesmo. Elas melhores. Porque elas sempre têm uma conseguem algumas coisas por debaixo dica, elas sempre dizem o que você está fa- dos panos e cedem o material pra gente. zendo errado, então você não dá um pas- No mundial, elas voltaram com todos os so por vez, você dá uns três, quatro. Ajuda vídeos, e é interessante ver, porque daí a muito. E eu não acho isso certo, iria contra gente pode ter uma ideia de como está o o que eu acredito. rugby mundial. Já as meninas que aceitam essa condiNunca tive nenhuma história de sofrer ção de largar o clube pra ficar só na CBRu, preconceito. Ao redor do mundo é um poulutaram pra ter isso. Nenhuma batalha é de co mais aceitável e as pessoas são tratadas graça. Eu não vou tirar a razão delas, eu sei como atletas. Pode ser que elas tenham um o quanto isso dói pra elas, pelo menos as pouquinho de discriminação fora, mas gemeninas aqui do SPAC. E eu sei que elas ralmente os atletas se tratam como atletas. estão lutando por isso, e eu apoio cada uma Principalmente no nível profissional lá fora. 106 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 107 108 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme A mulher na arbitragem e Nayara Rúbia, 29 anos Árbitra de rugby e ex-jogadora do SPAC Eu comecei no rugby quando tinha 15 anos. Eu era escoteira, e alguns meninos que também eram escoteiros jogavam, e de vez em quando eu ia assistir aos jogos. Depois da segunda ou terceira vez, as meninas do SPAC perceberam que eu estava sempre por ali e me chamaram pra ir num treino. Eu fui uma vez e não parei mais. Joguei por oito anos seguidos, depois fiz faculdade, voltei e joguei mais um pouquinho. Agora eu só apito. Morei um tempo no Nordeste, em Aracajú, Sergipe, enquanto fazia faculdade. Mas nesse tempo eu não jogava. A primeira vez que vi o rugby, achei um esporte muito violento. Eu nunca me imaginei jogando. Nunca tinha passado pela minha cabeça que um dia eu iria jogar. Além disso, os meninos nunca tinham me chamado. Depois que as meninas do SPAC me convidaram, eu comentei com eles. Daí eles começaram a me incentivar. A princípio, eu não tive coragem de ir sozinha. Então falei sobre o treino com algumas meninas da escola – Jéssica e Paulinha –, e elas foram comigo. Como a gente entrou em um grupinho, pensei que não me sentiria muito deslocada. Mas depois vi que era bobagem, porRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 109 entrevistas que as meninas do SPAC nos acolheram muito bem, e foi tudo muito tranquilo. Eu era novinha e, na época, não tinha muito rugby feminino. Era bem diferente do que a gente tem hoje. O nosso time só jogava dois ou três jogos em um ano. A gente treinava mais. O gostoso era treinar. Eu entrei em maio de 2000, e nessa época o treino era misto (com os meninos), mas não foi por muito tempo. Até agosto, mais ou menos. Em meados de setembro/outubro, separou de vez, porque o feminino conseguiu alguém que desse treino só pra gente. Os NESSA ÉPOCA, OS treinos mistos ADULTOS NEM VIAM O não eram com adultos. Era com FEMININO. LEMBRO QUE os juvenis. Era FOI NO PRIMEIRO LANCE bem tranquilo, e DO JOGO, E OS MENINOS a parte de contaADULTOS FALAVAM: “AH to era sempre separada, acho que CHAMA A MANICURE, por conta do porQUEBROU A UNHA!” te físico. Porque quando a gente joga até um touch com os meninos, às vezes eles perdem um pouco a noção da força que eles têm. E nós éramos bem fraquinhas mesmo, então, pra não machucar, eles acabavam separando. Nessa época, os adultos nem viam o feminino. Em nosso primeiro jogo, fomos pra Floripa, e a Paulinha quebrou o dente dela. Lembro que foi no primeiro lance do jogo, e os meninos adultos falavam: “Ah chama a manicure, quebrou a unha!”. Naquela época, eu só tinha 15 anos, e fiquei quieta. Talvez, se fosse hoje em dia, eu iria falar alguma coisa. De qualquer forma, há muito tempo não 110 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme escuto mais uma coisa dessas. Hoje a relação do masculino com o feminino é totalmente diferente. Não sei se é porque o rugby feminino, em especial, cresceu muito, mas hoje a parceria existe sempre. O trabalho é conjunto com objetivos para o grupo. Muitas das coisas que a gente fez e deram certo, eles pedem a nossa ajuda pra fazer também, então é bem diferente do que era, não dá nem pra comparar. Mudei muito com o rugby. Eu não era de fazer esportes, nunca fui e nunca me dei bem em outros esportes. No rugby mesmo, eu tive muita dificuldade de habilidade. Foi um negócio de autoconhecimento e paciência. De querer treinar, querer jogar e ir, aos poucos, superando meus próprios limites. Uma vez, o treinador me disse uma coisa que ainda hoje, na arbitragem, eu levo isso comigo: “Ninguém pode confiar em mim, se eu não confiar”. Eu tinha muito medo do contato, até que passei a ver as coisas assim: O que eu quero pra mim? Primeiro eu tenho que querer. Ninguém vai me dar se eu não acreditar que eu possa ter alguma coisa. Além dos amigos, e olha que eu tenho muitos, o rugby me trouxe a filosofia de vida, do respeito, da hierarquia. Essas coisas são muito fortes pra mim. Meu corpo mudou bastante. Eu não fazia tanta atividade, e de repente comecei a treinar três vezes por semana, comecei a fazer academia porque tinha um problema no joelho e precisava fortalecer, daí mudou radicalmente. Fiquei mais fortinha, mais definida. Apesar disso, não vejo meu corpo como algo próximo à forma masculina, até porque, como a gente treinava, não se compara ao que acontece hoje em dia. Naquela época, a gente não jogava tanto, então o preparo não era tão grande, além disso, a gente não tinha cuidado com alimentação, era uma coisa muito mais de “chegar e fazer” e mais natural. Nunca fiquei com o corpo masculino e nunca ninguém me disse que estava perto disso. Hoje as meninas estão se aproximando desse ideal, mas acho que tem mais a ver com conseguir ser mais forte pra atingir alguns objetivos do que alguma coisa em relação a querer ser “masculino”. Acaba ficando mais forte, isto é óbvio. Hoje em dia, as meninas são muito fortes. Mas eu acho que não tem a ver com esse objetivo. De qualquer forma, aqui no Brasil eu não acho que estejamos num padrão de forma física mais masculinizada. Ser mulher fisicamente me atrapalha mais nos treinos do que nos campeonatos. Hoje em dia, eu consigo controlar meu ciclo e a TPM de acordo com o campeonato que eu tenho. Acho importante fazer isso, então eu uso a pílula de acordo. Até mesmo pra ficar mais à vontade, porque normalmente são lugares onde a gente não tem uma estrutura superlegal. É chegar e se trocar se equilibrando pra não sujar o pé no vestiário imundo e, muitas vezes, ir embora sem tomar um banho. Acaba sendo bem complicado, então eu procuro regular o máximo que eu posso, pra estar no meu melhor quando for apitar um jogo. A TPM não influencia o meu emocional quando estou apitando. Já no treino, eu me sinto super-homem (acho que estou superforte), ou então me sinto mais fraca e não fico tão satisfeita quanto gostaria. Quando eu digo treino, me refiro à academia ou corrida. Meu preparo hoje é com um treinador. Faço musculação cinco ou seis vezes por semana e corrida. Mas não é bancado por ninguém, sou eu que invisto. Como profissão, a arbitragem toma em torno de 40% do meu tempo, contando com academia e estudos. É complicado conciliar com o meu dia a dia, às vezes eu estou cansada e não quero treinar. Ou eu gostaria que não tivesse determinado jogo num fim de semana pra dormir um pouco mais. Mas no fim, é o que eu gosto. Se eu pudesse viver disso, eu viveria. A minha relação no trabalho A TPM NÃO é muito legal em INFLUENCIA O relação ao rugby. MEU EMOCIONAL No dia da minha entrevista, eu faQUANDO ESTOU lei do rugby para APITANDO, SÓ NO o meu chefe, e TREINO, ME SINTO acho que foi ali SUPER-HOMEM OU que ele me contratou. Ele coENTÃO ME SINTO nhece alguns joMAIS FRACA gadores da faculdade (alguns rapazes que estão em times) e ele se encantou. Isso acabou dando muito certo, hoje eu sou secretária-executiva e eles me apoiam muito. Sempre que tem campeonato, eles me apoiam muito, principalmente em relação às viagens que eu tenho que fazer. Todo campeonato que é diferente e eu sou convocada, eles vibram comigo, é muito legal. Graças a Deus, eu não tenho do que reclamar, pelo contrário, só agradecer. Vaidade feminina, eu tenho. No geral, sou bem vaidosa. Procuro sempre RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 111 entrevistas combinar a minha roupa, prefiro que ela seja mais justinha. Como nós usamos uniformes que não foram, especificamente, desenvolvidos para mulheres, eu sempre dou uma ajustadinha pra ficar mais feANTIGAMENTE, OS minino. Isso me MENINOS TIRAVAM deixa mais conMUITO SARRO, PORQUE fiante, eu prefiNÃO TINHA MUITA ro assim. Normalmente, coMENINA ARBITRANDO, loco um brinco, ZOAVAM DIZENDO QUE prendo o cabelo, TINHA UM NECÉSSAIRE sempre fiz muiPRA CADA COISA ta trança. Agora que ele está mais curto, eu não consigo tanto, mas gosto de ficar o mais feminino possível. Isso tem um pouco a ver com a minha personalidade. Eu sou assim. Mas tem a ver também com esse ambiente. Hoje em dia, está melhor porque tem muita mulher na beira de campo, mesmo que seja um jogo masculino. Eu acho que também coloco pra eles lembrarem que eu sou uma menina, que eu sou uma mulher. Não em termos de sedução, mas por respeito, porque é cada coisa que você escuta e vê. Durante essas conversas de homem, acho que eles esquecem que tem mulher perto e ficam falando um monte de besteira. Era bem mais difícil quando eu comecei, há três anos. Hoje já não tem tanto. Aqui em São Paulo, tinha eu apitando, a Mariana (Wyse) fez o curso, mas ela passou esse ano, tinha a Chris no Rio, que ainda jogava também, e daí era um pouco mais complicado, eu me sentia mais deslocada. Porque, nas viagens de tor112 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme neio, era só eu de menina e um monte de cara. Eles não me tratavam diferente, mas era sempre com bastante respeito. Com quem apita, eles são muito tranquilos, respeitam, apoiam, mas não rola nada diferente. Preconceito, por exemplo, nunca senti deles. Pelo contrário, sempre me apoiaram muito, todos. Quando comecei, eu sempre bandeirei. Tinha uns torneios no interior onde quem quisesse bandeirar x jogos não precisava pagar a inscrição. E eu sempre participava. Em 2010, 2011, quando a Federação Paulista começou a cadastrar árbitros e auxiliares pra começar a organizar uma liga semiprofissional, eu me candidatei e comecei a bandeirar bastante. Trabalhei em muitos jogos do Luiz Mourão, que era educador e começou a me incentivar. Daí surgiu a oportunidade de apitar um torneio universitário, antes mesmo de fazer o curso, que eu só iniciei dois meses depois. Mas a primeira árbitra do Brasil não fui eu, acho que a primeira foi a Chris. Antigamente, os meninos tiravam muito sarro, porque não tinha muita menina arbitrando. E eu sou muito organizada, metódica, tenho nécessaire pra isso, bolsinha pra aquilo, daí eles me zuavam dizendo que tinha um saquinho pra cada coisa. Mas era muito mais na brincadeira do que falando sério. Na minha visão de árbitra, eu não vejo diferença no jogo das meninas que são lésbicas e das que não são. Embora tenha-se o costume de pensar que as meninas que são lésbicas são mais fortes e agressivas, as que vêm à minha mente que são verdadeiramente fortes e agressivas não são lésbicas. Eu acho que tudo RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 113 entrevistas é muito natural, sinceramente não vejo nenhuma diferença. Ultimamente eu tenho ouvido muitos comentários que afirmam que existem muito mais lésbicas no Rugby do que antigamente. Mas nunca ouvi nenhum comentário maldoso a respeito, nunca no sentido de ser pejorativo. Quanto aos jogos, eu não tenho preferência por apitar feminino ou masculino. Hoje em dia, eu me sinto mais tranquila apitando seven’s, mas não quero me fechar nisso. Eu gosto de apitar o XV por ser um desafio um pouco maior. Não sei tudo do seven’s, mas hoje JÁ ACONTECEU em dia eu me sinNUM JOGO JUVENIL to mais confortável. A única diMASCULINO DE O ferença entre o TREINADOR DELES masculino e o feCOMEÇAR A DIZER minino é a veloQUE EU NÃO SABIA cidade, eles são um pouco mais APITAR. EXPULSEI ELE rápidos. Mas o DO CAMPO jogo em si, a tolerância das penalidades, dos tackles, pra mim é a mesma coisa. Vai existir diferença entre juvenil e adulto. Por exemplo, a tolerância pra um tackle alto masculino adulto é bem maior, provavelmente um juvenil vá tomar um cartão amarelo numa situação em que um adulto não tomaria. Porque é um jogo ainda formativo, eles têm que aprender. Então, as orientações que a gente recebe são nesse sentido. Sendo a senhora do jogo, a única mulher no meio dos homens, hoje é tranquilo. No começo, eu ainda tinha um pouco de vergonha, achava um pouco estranho 114 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme e não me sentia 100% à vontade. Mas hoje em dia não, acho que porque eles também já acostumaram, e eu também, então eu me sinto muito mais confortável, e eu acho que eu só sirvo pra ser árbitra de rugby mesmo, onde as pessoas respeitam o árbitro e tudo mais. Porque eu não iria conseguir apitar um esporte onde as pessoas me desrespeitam. Uma pessoa afrontou uma árbitra de futebol, xingando, dizendo que só não falaria mais porque ela era mulher. Se alguém falasse isso pra mim dentro do rugby, levaria um cartão vermelho. Uma pessoa assim merece um belo relatório. É que essas coisas, para mim, ofendem mais o esporte que a mim. Ele não estaria xingando a Nayara, é a árbitra do jogo. Eu não levo para o pessoal. Mas me incomoda porque vai contra os princípios do Rugby. Já aconteceu num juvenil, e o treinador deles começou a dizer que eu não sabia apitar. Daí eu o expulsei da área de jogo. Mas não acho que tenha sido porque eu sou mulher, ele é uma pessoa que conhece muito o rugby. Uma pessoa que, hoje em dia, a gente conversa e eu respeito muito. Acho que isso foi pela situação, ele achou que estava sendo prejudicado e resolveu falar. Mas por menos que eu soubesse (ou mais), ele não poderia ter falado daquele jeito. Eu convivo muito com atletas do rugby e, por exemplo, eu estava num campeonato esse final de semana, e depois de um jogo que eu apitei, e tinha uma senhora de mais ou menos 60 anos, o time para o qual ela estava torcendo perdeu, então, quando eu passei, ela olhou pra mim e falou com uma pessoa do lado dizendo: “Amanhã a gente precisa cha- mar um árbitro que apite direito e não um que roube que nem essa daí”. Quando olhei pra ela, eu sabia que ela não conhecia o rugby. Na hora, subiu aquela coisa na garganta pra falar, mas eu fiquei quieta porque, com certeza, ela estava falando muito mais pela cultura que ela já viveu em outros esportes do que ela realmente achar aquilo. É claro que essas coisas me incomodam, mas isso é cultural. Quem convive no rugby sabe como é. Primeiro, a pessoa que apitar um jogo na vida vai saber como é difícil. Se a pessoa tiver metade da noção do que é apitar um jogo, ela vai se colocar no lugar de quem está ali fazendo. Não que não erre, é obvio que erra, mas tem uma tolerância um pouco maior. E tem que ter respeito, sabe? É o mínimo. Esse é um esporte que tem tanta regra, tanta variação e tanta coisa influencia, que a forma como você interpreta também está em jogo. A gente pode ver a mesma coisa e interpretar completamente diferente. Você ouvir um questionamento em relação ao que você interpretou, é uma coisa. Agora, você ser acusada, e faltarem com o respeito, é complicado. Mas isso não acontece com tanta frequência, graças a Deus. Hoje eu sou registrada pela CBRu como árbitra. Mas nunca achei que fui tratada diferente por ser mulher. Nem pro bem e nem pro mal. É árbitro e acabou. Não tem nenhuma regalia por ser mulher e nada é mais difícil por ser mulher. Tudo é igual. Quanto ao tratamento da CBRu com o rugby feminino em detrimento do masculino, eu sei muito mais pelo que escuto falar do que pelo que vejo, por- que eu tenho contato zero com a Seleção. Mas já ouvi falar que as meninas precisavam treinar pra algum torneio universitário na Rússia, recentemente, e elas não tinham campo. Mas os meninos tinham. O juvenil estava treinando para um sul-americano. Então, nessas horas é que você vê as prioridades, porque as meninas iam viajar antes dos meninos, precisavam mais. Pode não ser assim o tempo todo, mas ainda – por melhor que as mulheres estejam – a prioridade são os caras. Acho que isso tem a ver com a cultura e patrocinador. Não que as muJÁ OUVI MUITA COISA DO lheres não precisem dar resulTIPO: “AH, MAS VOCÊ É tado, não é isso, MAGRINHA, VOCÊ JOGA mas eles preciRUGBY?”, E A GENTE sam mostrar reSEMPRE FALA QUE É UM sultado e os caras estão muito atrás ESPORTE QUE SERVE PRA das meninas. EnTODO MUNDO tão eu acho que estão focando muito mais neles pra ver se conseguem o resultado que eles esperam, do que investir nas meninas, que estão mais na frente. O passo mais difícil a ser dado é dos meninos. Eu acho que precisa igualar tudo, todo tipo de apoio, todo tipo de ação que vai ser feita. Eu também ouvi falar que as meninas só foram pra esse universitário porque uma menina ficou insistindo muito, falando com o dirigente de não sei de onde pra conseguir, senão mais uma vez elas ficariam fora desse universitário. Então deveria ser uma coisa de fazer para os dois, e não privilegiar um. O rugby mundial já foi bem mais maRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 115 entrevistas chista. Aqui no Brasil, o rugby está se po- conheci quando eu já jogava rugby. Enpularizando e isso é muito bom. Hoje, se tão foi muito mais tranquilo, porque eu falo que apito rugby, muitas pessoas você traz a pessoa pro seu mundo ao pelo menos já ouviram falar no esporte. invés de qualquer outra coisa. Eu não Na época em que eu comecei, se eu fa- gosto de ficar com caras do rugby, porlei 300 vezes, se três pessoas conheciam, que é muito minha casa e eu não gosto era muito. Já usei muito aquela frase: de misturar. Você acaba ficando presa, “É futebol americano sem armadura”, por exemplo, “Eu vou naquele lugar, ele quando me perguntavam o que era o ru- vai estar lá e eu não vou ficar à vontagby. A forma mais fácil de se fazer en- de”. Eu gosto de ir em qualquer lugar tender é essa mesmo, fazendo referência do rugby e ficar super à vontade, ainao futebol americano sem as proteções e da mais agora que eu apito, não quecom regras diferentes. ro essa coisa de ficar: “Ah, está vendo Já ouvi muiaquela árbitra ali? ta coisa do tipo: Fulano já levou”, “Ah, mas você é eu evito qualquer MINHA MÃE E MEU PAI JÁ magrinha, você coisa desse tipo. ME PEDIRAM PRA PARAR joga rugby?”, e a Mas eu nunca deiDE JOGAR RUGBY POR gente sempre fala xei de ficar com que é um esporte alguém por causa ACHAREM VIOLENTO. que serve pra todo do rugby. Eu nunELES NUNCA GOSTARAM mundo, para o ca ouvi um “Eu ou alto, magro, gordo o rugby”, e se oue baixinho. Eu acho que não só pra mim, visse, escolheria o rugby. mas pra todo mundo, rótulo é ruim. Não Quanto ao apoio da família, minha é porque a pessoa é forte que ela tem que mãe e meu pai já me pediram pra parar lutar, não é por ser alta que eu vou jogar de jogar rugby. Eles nunca gostaram. Eu basquete... Essas coisas me incomodam, cheguei a ficar uns três meses sem joeu não gosto que me julguem pela mi- gar. Minha mãe assistiu a um treino, viu nha aparência. como era, e nunca mais voltou. Meu pai Já fizeram brincadeirinha no sentido foi a uns dois ou três jogos, mas nunca da sexualidade, tipo: “Ah, se joga rugby, foi fã. Os dois já me pediram pra sair, gosta de menina”. E eu sou hétero. Me dizendo que não era pra mim, porque eu ofende por conta do rótulo, mas não por- sou muito baixinha e tal. Ela diz: “Isso que eu jogo. Até porque, deve ter milha- não é esporte pra gente”. Já apitando, ela res de bailarinas que são lésbicas. Esse vai em todas. Ela diz: “Agora que você tipo de brincadeira ou atitude não acon- não cai no chão, eu gosto”. teceu muitas vezes, mas me incomoda. Hoje em dia, não é que eu não tento Eu nunca tive problema com namo- mais. Na minha época de colégio, como rado por conta do rugby. Não tive mui- entramos três de uma vez, a gente meio tos namorados, mas todos me apoiaram que contaminou a escola. Muita gensempre. O meu primeiro namorado eu te entrou nos treinos na época em que 116 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 117 entrevistas a gente começou, poucos ficaram. Hoje fazer isso. Elas não entendem por que em dia, convido, se a pessoa se interessa, você faz. Se eu conto que viajo tantas eu explico como é, indico algum clube. horas pra apitar um jogo ou ir lá torcer, Mas o rugby não é um esporte que tira elas acham estranho, porque no sábado um pouquinho de você, é um esporte à tarde as pessoas querem tomar sorvete em que você tem que se dedicar muito. no shopping, e eu quero ir para o SPAC E hoje, com quase 30 anos, as pessoas ver rugby. têm muitas responsabilidades. Acho que No futuro, não quero jogar, mas quequem começa a jogar nessa idade gosta ro continuar apitando e, se puder, quemuito. O que acontece, geralmente, é da ro começar a apitar fora. Aqui no Brasil, pessoa se empolgar, passar um ou dois eu estou apitando todos os torneios inmeses, e vai larteressantes, quegando porque está ro apitar o Super chegando tarde 10 um dia, quem NO RUGBY VOCÊ TEM em casa, ou paga sabe. Mas gostaUMA DISCIPLINA DE muito caro etc. ria de começar a ACORDAR CEDO, PRA IR Eu não tenho apitar alguns jotanta amiga fora gos pela América MALHAR OU CORRER. do rugby. Não sei do Sul. Penso nas AS PESSOAS ACHAM se é bom ou se não Olimpíadas, mas QUE VOCÊ É LOUCA POR é. Isso é complipreciso dar muitos FAZER ISSO cado. Tenho uma passos antes de amiga que jogou chegar até lá. Se uns quatro anos e, eu estiver lá banquando a gente conversa, a gente sem- deirando eu já vou estar muito feliz. Mas pre fala disso, como o rugby consome falta experiência, apito só há três anos muito de nosso tempo, a gente acaba e isso é pouco tempo. Graças a Deus, deixando meio que de lado as outras aqui em São Paulo tem muitos jogos, e amizades fora dele, e as pessoas vão se eu consigo apitar sempre o mínimo de afastando, não tem como. Mas ela culti- horas que é preciso pra subir de nível. va esses amigos, e eu acho isso muito le- Existem os cursos que você tem que fagal. Eu, por exemplo, não consigo trocar. zer, mas vai muito mais do preparo e dos Todo sábado estou almoçando no SPAC apoios dos educadores que te levam ou com as meninas, dando risada de coisas não pra determinados campeonatos, e que aconteceram há cinco anos atrás. Eu as portas vão se abrindo. gosto de estar com essas pessoas. Tenho Eu me espelho muito no Ricardo Sanpouquíssimos amigos que não são do ru- tana. Também gosto muito do Henrique, gby, mais é família. E as que não são do mas eu tenho um carinho superespecial rugby são completamente diferentes. pelo Ricardo, a gente é bem parecido, No rugby você tem uma disciplina de me vejo muito nele na forma como ele acordar cedo, pra ir malhar ou correr. traça os objetivos dele e quero me pareAs pessoas acham que você é louca por cer muito com ele na arbitragem. 118 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 119 120 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme Considerações finais p Para finalizar essa reportagem, a autora procurou interpretar os relatos coletados durante o trabalho e também a sua vivência de rugby. É preciso valorizar tanto o corpus teórico quanto as palavras de quem compartilhou um pouco da vivência e, claro, o próprio cotidiano dentro do esporte. As produções acadêmicas sobre gênero e feminismo, além das discussões em sala de aula, deram base para discutir, desmistificar algumas “verdades” e adquirir um novo ponto de vista para o tema. São novas possibilidades de enxergar o machismo diário, tão permeado em nossa sociedade, e poder comprová-las com cinco exemplos vivenciados no rugby foi uma oportunidade única. São raros os estudos de gênero dentro da modalidade, que teve sua popularização tão recente. Ao investigar a vida e a carreira esportiva dessas cinco atletas, é possível compreender um terreno fértil a ser trabalhado, onde é possível analisar discursos e representações e apontar marcas da luta delas em jogar um esporte pouco conhecido, pouco estimulado, mas que tem grande crescimento e, principalmente, ensina valores imRUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 121 considerações finais portantes dentro e fora do gramado. A partir desse trabalho, pode-se expor a pessoas de fora do circuito rugbier o que significa praticar este esporte, ainda mais sendo mulher; o espírito rugbier de amizade, respeito e garra; a luta (intencional ou não) contra o machismo que condena e destila preconceitos a quem pratica a modalidade; e como isso tudo é trabalhado a respeito dos corpos. Pode-se perceber o orgulho que estas meninas entrevistadas sentem da prática esportiva que escolheram, bem como as consequências dessa escolha: sejam boas, como viagens, amizades, namoros, vitórias; sejam “ruins”, como lesões, hematomas, derrotas e perrengues. Os discursos de força, de resistência às dores, o “sangue nos olhos”, caracterizaram o potencial viril que elas desenvolvem durante os jogos. Entretanto, notamos, em função desse discurso de masculinização, a necessidade de algumas de reafirmarem sua sexualidade e vaidade, criando uma identidade de gênero feminina que segue o padrão feminino e heteronormativo. Essas mulheres foram escolhidas por serem, em alguns quesitos, diferentes umas das outras. Mas seus discursos puderam aproximá-las quanto à intenção principal deste trabalho: apontar o machismo dentro e fora do rugby. Todas, em algum momento de suas vidas, sofreram algum tipo de preconceito dentro da modalidade, seja ele de forma velada ou não. Todas, em algum momento, foram deixadas em segundo plano junto com suas colegas de time, o que confirma a suspeita da autora. Além de jogarem rugby, percebemos que a maioria das entrevistadas não vive 122 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme de rugby. Isso mostra quão amadora é a modalidade e, por isso, tão difícil de ser conciliada com vida fora do esporte. Jogar rugby exige uma postura “profissional” de comprometimento, que inclui participar de treinos, ter disposição para viajar, reforço fora dos horários coletivos do time (como ir à academia). Levar essa rotina rígida juntamente com trabalho, estudo e, como o caso da Diva, filho, é bastante complicado. A permanência da mulher no rugby depende da negociação com o mundo fora dele, o que acaba por tirar algumas atletas do esporte. Uma das intenções desta pesquisa foi mostrar o real perfil da mulher rugbier brasileira: guerreira, forte, determinada, sem deixar de ter os dilemas, vaidades e características de mulher. Essas características podem ser, muitas vezes, contraditórias, o que faz dessas mulheres entrevistadas (assim como as milhares que não foram contempladas neste trabalho) únicas e especiais. Por fim, estudar o rugby feminino não termina por aqui, pois este é um esporte sobre o qual pouco se tem informações, com uma imensa luta de sobrevivência e popularização pela frente. É preciso documentar e expor os problemas para que seja possível achar uma solução de equilíbrio com a modalidade masculina, seja na cultura rugbier, na organização dos clubes e entidades ou na mídia. As teorias feministas e de gênero vêm para somar nessa batalha, como uma ferramenta importante para o descobrimento dos potenciais femininos no esporte. E que esse estudo sirva de motivação para outras pesquisadoras. E que ele seja continuado nos próximos anos. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 123 bibliografia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, T. R. Fortes, aguerridas e femininas: Um olhar etnográfico sobre as mulheres praticantes de rugby em um Clube de Porto Alegre. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 2 v. BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941. 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Disponível em: <http://www.rugbydecalcinha.com.br>. Acesso em: 1 dez. 2013. RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 125 anexo Anexo roteiro de perguntas 1-HISTÓRIA NO RUGBY • Como e quando começou? • Como é sua relação com o time? • Como é a relação com o time masculino do seu clube? • O que seus parentes e amigos falaram quando você entrou no rugby? masculinos por jogar rugby? • Acha que seu clube dá preferência à modalidade masculina? • Como acha que os jogadores e seu clube as veem? • Acha que os jogadores e seu clube subestimam o rugby feminino? 2-COMO SE VÊ JOGANDO? • Você se acha feminina ao jogar rugby? • Acha que seu corpo ficou mais próximo da identidade masculina após ingressar no rugby? • Se sim, isso ajuda no desempenho? • Acha que o corpo da jogadora de rugby deve se aproximar do ideal de corpo masculino? • Sofre com problemas tipicamente femininos, como TPM e menstruação? • Seu corpo está diferente do das suas amigas que não jogam rugby? • Acha que os impactos do rugby podem trazer problemas de saúde na gravidez? 4-RELACIONAMENTOS E SEXUALIDADE • O que você acha das lésbicas que jogam rugby? Acha que influencia o desempenho delas? • Como você vê o lesbianismo no rugby? • Jogar rugby já atrapalhou algum relacionamento amoroso seu? 3-RELAÇÃO COM O RUGBY MASCULINO • Já sofreu preconceito/bullying de atletas 126 • RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme 5- VOCÊ ACHA QUE É POSSÍVEL SER FEMININA JOGANDO RUGBY? 6- PLANOS PARA O FUTURO • Pretende disputar vaga na Seleção para as Olimpíadas em 2016? • Quais as próximas ações junto com seu time, a curto prazo? • Quando parar de jogar rugby, vai querer continuar envolvida com o esporte? RUGBY DE CALCINHA – A mulher dentro do uniforme • 127 sessão A mulher dentro do uniforme