Tereza A mulher que ouvia muito Regina Santos Regina Santos Tereza A mulher que ouvia muito 1 ª Edição Colombo - Pr Edição online 2012 Tereza a mulher que ouvia muito por Regina Santos Edição online [email protected] Distribua Livremente Você tem permissão para distribuir este ebook como quiser, enviar por email, imprimir e citar partes ou todo em seu web site ou blog, desde que não altere o conteúdo e mencione as fontes originais. Mais Conteúdo em seu Web Site Disponibilize este ebook para download em seu web site e ofereça mais conteúdo aos seus visitantes. Mais informações sobre Criação de eBooks, Dicas para sites de ecommerce e como divulgar web sites e blogs em: http://www.jm-digital.com.br Dedico este livro à minha mãe e a minha tia Tereza que foram ótimas costureiras e a todas as costureiras do Brasil, pelo dom da transformação e também pelo dom de ouvir com o coração. Sumário Capítulo I – Eduardo -.................................. 07 Capítulo II – Ana-......................................... 13 Capítulo III – Humberto-.............................. 18 Capítulo IV – Cecília -................................. 24 Capítulo V – Elvira -.................................... 30 Capítulo VI – Daniel -................................. 36 Capítulo VII – Pedro -................................ 41 Capítulo VIII – Zulmira-............................. 46 Capítulo IX – Sandro -................................ 51 Capítulo X – Mariza -................................. 56 Tereza é uma costureira em Curitiba, na verdade a melhor que alguém possa conhecer, seus clientes esperam até três meses para a roupa ficar pronta. Ela sempre avisa que está muito ocupada e que a fila está grande, mas mesmo assim todos deixam seus tecidos na esperança de que ela possa transformá-los numa obra prima, numa espécie de alquimia. Tereza tem o dom da transformação, nunca deixou nenhum cliente descontente, nem os magros, nem os gordos, nem os altos e nem os baixos, ela entra na alma de cada um, como se tivesse estudado a fundo cada personalidade. Cada cliente que chega com uma sacola com alguns tecidos dentro traz também consigo a esperança de que terá roupas lindas para desfilar e cada um dos clientes tem histórias para contar. Além das roupas bonitas que todos esperam que Tereza faça, tem os desabafos, como numa espécie de divã sentam em seu sofá enquanto ela costura, falam de suas vidas, de seus sonhos e de suas esperanças. É assim a vida de Tereza, suas mãos e seus pés na maquina de costurar, seus ouvidos e coração atentos ao cliente do momento. 6 História (1): Eduardo Eduardo mora no mesmo bairro de Tereza, é um cliente extremamente fiel, nunca usou uma camisa comprada em lojas, também optou por visual bem social desde a sua adolescência. As pessoas falam que ele é um “almofadinha” porque ele está sempre com roupa arrumadinha. Bem, Eduardo tem 38 anos e nunca se casou, ele é muito exigente com mulheres, mas gosta de mulheres sim, só está esperando a moça perfeita. Lá vem Eduardo com uma sacola cheia de tecidos para Tereza confeccionar e também com histórias para contar. - Tereza quando me sinto esquecido logo compro uns tecidos, para você transformá-los com suas mãos mágicas em roupas lindas e assim não me sinto deprimido! – disse Eduardo brincando com a rima. - Olá, Eduardo fico feliz que está de volta, há muito não tinha noticias suas! – exclama Tereza. - Como está a fila de clientes esperando? – pergunta Eduardo esperançoso por uma resposta que o agrada. - A fila não está muito grande Eduardo, creio que não demorarei muito para fazer suas roupas - disse Tereza tentando agradar seu cliente. - Que bom Tereza, eu fico contente, na verdade estou meio triste, por isso quero renovar meu guarda roupa – disse Eduardo 7 com ar de quem quer conversar mesmo. - Então, senta aí no sofá e me conta tudo, enquanto pedalo te escuto – disse Tereza sabendo que tinha algo incomodando o rapaz. - Bem Tereza a história que vou te contar é sinistra, nem eu acredito ainda que estou passando por isso! – disse Eduardo com um pouco de vergonha. - Que curiosidade Eduardo, me conta tudo! – exclama Tereza que a está altura já não consegue nem guiar o tecido na máquina, põe os óculos na cabeça e encara o rapaz. - Então, mas seja forte porque não é fácil de acreditar que alguém passe por isso – argumenta Eduardo. - Homem de Deus fale logo, estou ficando com urticária de tanta curiosidade – comenta Tereza. - Eu fui remanejado para outro local de trabalho, lá no bairro São Francisco, meu ônibus tem um ponto ao lado do cemitério municipal. Para ganhar tempo e andar menos eu resolvi cortar caminho por dentro do cemitério, faço isso há um bom tempo, mas de uns dias para cá eu tenho uma companhia, ou melhor, uma moça que me acompanha todos os dias – conta Eduardo já desconfiando que Tereza possa não acreditar no que vai ouvir. - Que bom Eduardo você precisa arrumar uma namorada – disse Tereza sem ter muito no que falar. - Então, ela não fala quase nada sobre si mesma, está sempre com o mesmo agasalho de ginástica e o mesmo tênis de caminhada, dá impressão de que está fazendo caminhada e que também corta por dentro do cemitério assim como eu – disse Eduardo encarando Tereza que já está dando sinais no rosto de que está duvidando da historia. - O pior é que sou eu quem mais fala, ela sempre mantem certa distância física de mim e sempre me alcança na entrada e para de andar ao meu lado na saída, isso me deixa muito intrigado 8 – completa Eduardo. - Que moça estranha você conheceu, não acha? – disse Tereza já arrumando os óculos e acertando o tecido na máquina. Isso deixou Eduardo sem jeito, que desconversou perguntando quando poderá vir provar as roupas. Então, Eduardo agradeceu Tereza e foi embora. Um mês depois Tereza colocou as roupas de Eduardo para provas em menos tempo que o habitual, na verdade estava muito curiosa para saber o que deu a tal história dele. - Que bom que já posso provar minhas roupas – disse Eduardo - A história da tal moça que você conheceu me deixou muito intrigada – disse Tereza desejando que Eduardo continue a falar sobre o assunto. - Bem Tereza então, já tem alguns meses que nos encontramos no mesmo trajeto curtíssimo e somente neste trajeto, eu a convido para sair e ela sempre dá desculpas que não pode – comenta Eduardo com tristeza na voz. - Muito estranho Eduardo, quem sabe ela é casada e fica dando desculpas porque não quer trair o marido – disse Tereza querendo ajudar o amigo. - Eu também penso assim, mas ela insiste em dizer que não é casada – comenta Eduardo mostrando que está envolvido com a 9 moça mais do que queria realmente. Tereza entrega as roupas para Eduardo provar na esperança de animá-lo. Eduardo fica desfilando na frente do espelho, mas não demonstra muito alegria. - Tereza as roupas ficaram todas na medida certa, não tem nada que ajustar, pode fazer os acabamentos, você é sempre perfeita – disse Eduardo sem muito ânimo. - Então, pode vir buscá-las na próxima semana e dá um jeito de desenrolar esta história da moça misteriosa, a fila tem que andar – comenta Tereza. - É verdade, darei um jeito ou partirei para outra – disse Eduardo. - É assim que se fala meu amigo - disse Tereza dando um abraço apertado em Eduardo. Uma semana depois Tereza colocou as roupas do Eduardo numa sacola, num canto da mesa e ficou só pensado nele, estava bastante ansiosa para saber o que deu aquela história. Quando Eduardo chega, Tereza vai até a porta recebe-lo, nem sempre ela faz isso, seus clientes vão até o canto onde fica a máquina, mas ela está muito curiosa para ficar sentada, estica os braços para abraçá-lo e então, percebe muito tristeza em seu olhar. - Me conta as novidades Eduardo, estou aflita para saber 10 disse Tereza. - Então, Tereza é melhor você sentar para ouvir e seja forte o final da história é de arrepiar! – disse Eduardo num estado quase de depressão. - O quê que aconteceu? – pergunta Tereza com um tom de espanto, sentando no sofá que geralmente é o cliente quem senta. - Foi assim, na sexta-feira eu a convidei para sair e ela me disse não outra vez, então, eu perguntei qual era a intenção dela com relação a mim e disse que estava apaixonado por ela e que pensava nela o tempo todo, então, ela me pediu desculpas e disse que não era possível – comenta Eduardo. - Por que não era possível? – interrompe Tereza angustiada. - Então, foi assim que o mundo desabou sobre mim, ela me pediu perdão e disse que já tinha partido do mundo físico e que vagava pelo cemitério porque seu desligamento foi de uma forma muito bruta e ela não aceitava que não fazia mais parte deste mundo – disse Eduardo olhando nos olhos de Tereza esperando pela pior reação dela. - Meu Deus, Eduardo não sei o que dizer – exclamou Tereza. - Não diga nada porque nem eu acredito que passei por isso. - E você deixou quieta a história não foi averiguar? – pergunta Tereza apavorada. - Até então, ela tinha dito que seu nome era Helena, era tudo que eu sabia a respeito dela. Fui trabalhar naquela sexta quase morrendo de tristeza e passei o pior final de semana da minha vida – disse Eduardo. - Mas ela não apareceu mais? – pergunta Tereza. - Sim na segunda-feira eu estava com medo de fazer o mesmo trajeto, mas enfim eu passei novamente e lá estava ela, então, ela me perguntou se eu queria ver seu túmulo, eu aceitei e lá tinha seu nome inteiro, então, quando cheguei ao meu serviço fiz pesquisa e 11 descobri, no começo deste ano um adolescente trafegava em alta velocidade e atropelou uma moça que fazia caminhada numa ciclovia, atingindo a pelas costas, ou seja, Helena morreu sem ver – comenta Eduardo. - Que história! Estou toda arrepiada e não sei o que te dizer – disse Tereza que não estava duvidando do moço, porque o conhece há muito tempo. - Tereza não há o que dizer numa hora dessas. Eu voltei no mesmo dia no período da tarde e acendi velas e coloquei flores e rezei muito, era tudo que eu podia fazer e nunca mais cortarei caminho dentro de um cemitério – disse Eduardo com muita tristeza na voz. Tereza não conseguiu segurar suas lágrimas, abraçou fortemente seu cliente e amigo. Eduardo pagou a conta pegou a sacola e despediu-se de Tereza. 12 História (2): Ana Tereza conhece a vida difícil que Ana leva. Ana é uma mulher muito forte, tem cinco filhos. Ficou viúva muito cedo, seu marido morreu atropelado indo para o trabalho de bicicleta. Foi uma grande tragédia em sua vida, seus filhos todos pequenos, não tinha emprego, nem profissão e tão pouco escolaridade para apresentar às empresas. Conseguiu então, um emprego para fazer café numa empresa de informática num bairro bem distante. De tempo em tempo Ana aparece com alguns tecidos e muita história para contar. Há dois anos sua filha que na época só tinha quatorze anos engravidou-se e o pai da criança, outra criança, porque só tinha quinze anos, não assumiu, assim mais um na família para Ana sustentar. Tereza sente muito dó de Ana, sempre sofre com suas histórias, no ano passado seu filho de dezessete anos foi pego roubando carro, levou uma surra danada e parece que aprendeu a lição, ninguém ficou sabendo sobre outros roubos. O orgulho de Ana é sua filha de treze anos ela é seu braço direito, faz o serviço da casa, sabe cozinhar como gente grande e ainda ajuda a mãe a lavar as roupas. Mas está faltando mais dois filhos, sim estes são os gêmeos de nove anos, estes sim são arteiros, quase derrubam a casa e sempre são expulsos da escola, tem professora se tratando com 13 psicólogo e desejando que chegue logo a aposentadoria para nunca mais ver aquelas crianças. Bem assim são os cinco filhos de Ana, o netinho ainda não se sabe como vai ser, mas já é bem esperto para a idade dele. Toda esta história Tereza sabe e sempre reza por Ana, para que Deus dê saúde e força para que ela possa enfrentar tudo isso sempre alegre. Lá vem Ana com seus humildes tecidos na sacola. - Quanto tempo Ana! – pergunta Tereza e com muita curiosidade para saber se Ana tem novas histórias para contar. - Então, Tereza minha vida é corrida como você sabe, meu dinheiro é curto e por isso desapareço por tanto tempo – disse Ana com alegria por estar ali com seus tecidos. - Mas que bom que você está aqui agora – comenta Tereza pegando a sacola de suas mãos. - Quero que faça um vestido para uma festa de aniversário da minha empresa e um jaleco, pois o meu já está rasgando de tanto lavar – disse Ana rindo de sua situação. - E quando será esta sua festa? – pergunta Tereza. - Daqui a três semanas – responde Ana e com muito medo de que Tereza não consiga aprontar seu vestido até o dia da festa. - Vou dar um jeito de por seu vestido para prova semana que vem – disse Tereza porque sente muita pena da amiga e sabe que se ela não veio antes é porque não tinha o dinheiro. - Mas agora eu quero saber as novidades – disse Tereza num sorriso um pouco sem graça. - Por incrível que pareça eu não tenho novidades, está tudo 14 normal lá em casa, dá até medo de falar – comenta Ana indo em direção da porta para ir embora. - Que bom Ana um pouco de paz, você merece. E assim Ana se despediu de Tereza e foi para seu mundo de dificuldades e de pobreza. Uma semana depois Tereza colocou em ponto de prova o vestido de Ana, ficou até mais tarde numa noite, só para ajudar Ana. Lá vem Ana se arrastando, numa tristeza de chorar. - Por que está tão triste Ana? – pergunta Tereza que consegue ver de longe sua tristeza. - A minha vida não é fácil quando eu penso que está tudo bem, aí tudo desaba novamente – desabafa Ana. - O que foi desta vez Ana? – pergunta Tereza morrendo de curiosidade. - Dá para acreditar que meu filho ainda nem completou dezoito anos e engravidou a namoradinha dele e os pais da menina expulsaram-na da casa, ela está morando lá em casa? – exclama Ana com muita tristeza na voz e muito peso nos ombros. - Meu Deus Ana! – disse Tereza num tom de horror. - Não sei o que fazer da minha vida, tem horas que parece que não vou resistir – comenta Ana. - Que família grande a sua, não sei como você dá conta de tudo isso – disse Tereza arrepiada com a história. Ana pega o vestido e vai provar, mas está tão desanimada que nem vê a beleza do corte novo que Tereza fez exclusivo para ela, mas percebe que Tereza espera por seu comentário. 15 - Perfeito! Tereza ficou lindo, suas mãos são de fada. - Vou fazer os acabamentos pode buscar no começo da semana que vem – disse Tereza. Uma semana depois Tereza deixou a roupa de Ana numa sacola e espera ansiosa por ela. Hoje Ana não chegou a pé como sempre fez, Tereza escutou um barulho de carro olhou pela janela e viu Ana chegando de táxi e foi entrando portão à dentro muito rapidamente como se estivesse fugindo de algo ou não queria ser vista ali. Tereza ficou curiosa saiu correndo do seu canto de costura e foi de encontro com sua colega. - Por que veio de táxi Ana? – pergunta Tereza quase que adoecendo de tanta curiosidade. - É melhor você sentar – disse Ana com tanto brilho nos olhos que era de cegar quem estava olhando para ela. - Ana! Estou arrepiada de tanto curiosidade – disse Tereza sem esconder sua reação que era de muito espanto, porque estava sentindo boas vibrações em Ana. - Senta aí que eu vou contar tudo – disse Ana. Então, Tereza sentou novamente no sofá que normalmente quem senta é o cliente. - Bem Tereza, a semana passada eu recebi meu pagamento e fui numa casa lotérica pagar as contas – disse Ana dando uma pausa na conversa. - E daí Ana o que aconteceu? 16 - Bem, a moça não tinha troco para me dar então, eu pedi dois cartões da loto fácil para o sorteio desta segunda-feira, então, aconteceu que aqueles números foram abençoados eu ganhei um milhão e meio de reais – disse Ana com lágrimas nos olhos de tanta felicidade. - Deus é pai! – comenta Tereza, com sentimentos verdadeiros porque sabe que a vida da amiga sempre foi muito difícil. - Então, minha amiga, saí do cativeiro em que estava vivendo e agora só peço a Deus sabedoria para lidar com minha nova vida – disse Ana enxugando as lágrimas. - Mas você continua morando aqui? – pergunta Tereza. - Não na terça-feira depois que saí da caixa, fui para outro lado da cidade e aqui vai ficar em nossas mentes e corações – disse Ana pegando a sacola, pagando sua conta e indo em direção à porta. Tereza levou Ana até o portão abraçou e beijou a amiga, mas sabe que a nova vida de Ana, vai colocar limites e que talvez nunca mais a veja. 17 História (3): Humberto Tereza tem uma grande amizade com Humberto, passaram a infância e a juventude morando perto um do outro, estudaram juntos, mas quando ele entrou na faculdade de economia na Universidade Federal do Paraná, começou uma nova era de sua vida, foi trabalhar numa empresa multinacional e então, abandonou a vila. Bem os anos se passaram e Humberto ficou cada vez melhor de situação financeira, mas também aumentaram seus tiques nervosos e suas manias estranhas. Humberto é um homem de quase dois metros de altura, loiro e muito magro, já deram vários apelidos para ele inclusive de boneco de Olinda. O casamento dele durou menos de um ano, sua mulher não aguentou tanta esquisitice. Ele colocou a cama de um jeito que quando o sol nascia tocava em seus pés e brigava com a mulher porque ambos queriam o mesmo lado da cama, ele não aceitava levantar e tocar o chão primeiro com seu pé esquerdo, também dizia que o homem deveria ficar com o lado direito da cama. Humberto brigava com a mulher por causa da pasta de dente, porque ela apertava a pasta em cima e ele em baixo, brigava por causa da margarina, porque ela não deslizava a faca e sim fazia buracos. O cesto de roupa suja ficava atrás da porta na lavanderia e ele verificava todos os dias se alguma peça de roupa estava do avesso, ele odiava e reclamava quando achava uma roupa da 18 mulher do lado avesso. Tereza sempre soube dos cacoetes de Humberto, a cada roupa que ela confeccionava para ele, ela descobria uma esquisitice nova dele. Recém-casado Humberto chegou à sua casa à noite e encontrou a mulher fazendo faxina, porque ela trabalhava o dia inteiro e só conseguia limpar a casa à noite, então, quando ela pegou a vassoura e foi varrer o lixo para fora, ele se desesperou e quase surrou a pobre mulher porque não se deve varrer o lixo para fora de noite, ele dizia que isso tirava a proteção do lar. Quando sua mulher deixava um sapato virado para baixo, ele a xingava um monte, quando ela queria dormir nua, ele entrava em desespero porque dizia que enquanto dormimos o espirito saí para vagar e quando volta, odeia um corpo despido e pode se recusar a entrar nele de volta. Tereza sempre soube das esquisitices de Humberto sempre que podia o aconselhava sobre seus exageros, mas ele não se ofende quando alguém tenta muda-lo, ele simplesmente ignora. Humberto um dia pegou seu sobrinho de oito anos dançando o moonwalk do Michael Jackson e deu uma surra na criança porque não se pode andar de costas, diz ele que pisa no cabelo de Nossa Senhora. Humberto encostou seu belo carro em frente à casa de Tereza e com a cabeça baixa, evitando ver alguém e também ser visto, entrou rapidamente pelo portão, na verdade ele não gosta mais do bairro e não visita ninguém a não ser Tereza. - Olá Tereza, que saudades de você! – disse Humberto. - Eu também estava com saudades de você – disse Tereza e 19 abrindo os braços para dar um abraço em seu amigo. - Tereza! Estou com saudades das tuas roupas, das tuas mãos de fada e do teu ombro amigo! – disse Humberto. - Porque demorou tanto para vir? – pergunta Tereza. - Eu não venho aqui desde as minhas férias, lembra que fui para Machu Picchu lá no Peru? – comenta Humberto. - Sim – disse Tereza com curiosidade. - Então, eu sou tão azarado que passei anos desejando ir conhecer aquele lugar e quando vou, chove sem parar e deixa mais de dois mil turistas ilhados! – comenta Humberto desanimado. - Triste meu amigo, mas você terá novas férias e fará novas viagens e tudo ficará no passado – disse Tereza querendo animálo. - Obrigado Tereza. - Então, vamos tirar as medidas? – disse Tereza. - Creio que não precisa, tenho as mesmas medidas desde os meus 25 anos! – exclama Humberto. Então, Humberto escolheu os modelos para suas camisas e ele sabe que em lojas não consegue comprar suas camisas por serem muito longas e estreitas como dizia a sua mãe; “um pau de virar tripas”. Tereza o acompanha até a porta, pois Humberto não sai das casas das pessoas pelas suas próprias mãos, tem que ser uma pessoa da casa para abrir a porta para ele sair. - Pode vir na próxima semana provar suas camisas – disse Tereza. - Fico contente por não ter que esperar três meses! – comenta Humberto, com um tom de brincadeira. - Humberto sai esperançoso por suas roupas novas. 20 Uma semana depois: Humberto além de todas as superstições que herdou ao longo da vida e das pessoas ao seu redor, agora resolveu dedicar um pouco de seu tempo estudando o esoterismo, já fez vários cursos entre eles um de viagem astral. E de vez em quando ele resolve tentar sair do corpo físico em viagem astral, diz ele que uma noite conseguiu sair do seu corpo e então, resolveu visitar um amigo, entrou casa adentro, isso em corpo astral e quando chegou à porta do quarto tentou entrar e uma mão o empurrou muito longe, com muita força, fazendo com que ele acordasse na hora. No dia seguinte ele perguntou ao amigo se tinha alguma coisa diferente na casa dele por volta da onze da noite e explicou o porquê, então, o amigo respondeu que nesta hora sua esposa estava amamentando seu filhinho. Humberto sentiu que invadiu a privacidade das pessoas e ficou muito mal por isso, mas sempre que podia tentava sair do corpo físico. Tereza adora ouvir as pessoas e sempre ouve com o coração, sempre acompanha as histórias de Humberto, apesar de achá-lo muito diferente da maioria das pessoas, ela se diverte muito. Lá vem Humberto com o seu caminhar estranho, seus ombros não são retos, não formam um ângulo de noventa graus, o lado direito dele é uns cinco centímetros mais alto que o lado esquerdo. Dá a impressão que o lado direito dele não obedece à gravidade da terra, parece que quer subir para o espaço, por isso ele anda saltitando. - Olá Tereza, estou curioso para provar as minhas camisas! – comenta Humberto. 21 Humberto vai até o canto onde fica o espelho e aprecia a beleza do corte de Tereza. - Suas mãos são de fada Tereza! – comenta Humberto. - Eu já te falei das novidades? – pergunta Humberto, mas já sabendo da resposta de Tereza. - Não falou nada, eu estou morrendo de curiosidade – comenta Tereza, sentando no tal sofá divã. - Bem Tereza você sabe que tenho feito alguns cursos esotéricos e por ultimo eu fiz um curso de Reik, isso é massagem energética. O que aconteceu que o pessoal que deu o curso veio da Índia e eu me apaixonei por uma indiana chamada Ramani, já faz algum tempo que nos falamos pela net – disse Humberto e respirou fundo. - Que história legal Humberto, tomara que você se acerte com esta moça, você precisa ter alguém – disse Tereza com sinceridade mesmo porque tem dó do amigo. - Ela é bem parecida comigo, gosta das mesmas coisas que eu – disse Humberto. - Vou rezar por você e pedir a Deus que te dê uma solução – disse Tereza, nesta hora se levantou e foi sentar-se à sua máquina. - Tereza todas as camisas estão na medida, pode fazer os acabamentos – disse Humberto. Tereza o acompanhou até a porta. Quatro semanas depois: Humberto não pôde vir no tempo combinado e Tereza estava 22 preocupada. - Tereza me desculpe pela demora, minha vida deu uma virada muito grande! – disse Humberto. - Me conta tudo! - Lembra que eu te falei da moça indiana? – perguntou Humberto. - Sim, lembro! - Então, eu pedi para minha empresa me transferir para um Call Center deles que existe em Mumbai na Índia, porque a Ramani mora na região metropolitana desta cidade e eles aceitaram – disse Humberto - Então, quer dizer que você vai embora? – pergunta Tereza com muito espanto. - Sim, já está tudo pronto viajo semana que vem – disse Humberto. - Que mudança de vida! – exclama Tereza. - Eu tenho que tentar, desde que me separei nunca mais tive um relacionamento sério, estou envelhecendo sozinho e isso não é bom – comenta Humberto. - Então, estas são as ultimas camisas que confecciono para você? – pergunta Tereza com muito dó do rapaz, porque sabe que não é fácil deixar tudo, inclusive a pátria. - Sim Tereza, mas não fique preocupada comigo vai dar tudo certo – disse Humberto com lágrimas nos olhos, por saber que não verá mais a sua amiga. Tereza estendeu os braços, abraçou forte o amigo e acompanhou até o portão e ficou observando seu carro sumir do seu campo de visão. 23 História (4): Cecília Tereza tem grande admiração por Cecília, por ser uma mulher guerreira. Cecília veio do interior do estado há uns cinco anos, teve que sair às pressas porque seu marido foi morto numa emboscada numa invasão de terras. Seu marido não gostava muito de trabalhar, dizia que queria seu próprio pedaço de chão, para então, produzir, tinha muitos sonhos, sonhava que um dia seria um grande produtor, na verdade nem sequer sabia o que iria produzir. Sempre que tinha um agito de pessoas querendo tomar terras de fazendeiros, lá estava ele gerenciando a confusão. Cecília sofria muito com aquilo, enquanto o marido ficava viajando em busca de terras aleias, ela tinha que trabalhar duro na roça cortando cana. Um dia seu marido saiu para uma tentativa de posse e quando chegou ao local houve um tumulto com tiroteios e ele foi atingido por uma bala, nunca se soube quem foi o culpado. Depois da morte de seu marido Cecília veio morar na capital no bairro de Tereza e então, ficaram amigas. Cecília sofreu muito na vida com aquele marido sem juízo e com duas crianças, tendo que levar para a roça junto com ela porque não tinha com quem deixar, mas isso não tirou seu alto astral e nem sua beleza. 24 Cecilia é uma morena muito bonita, tem trinta e cinco anos, mas aparenta menos até, seus cabelos são longos e pretos e seus olhos são verdes dando um contrate no rosto. Lá vem Cecília com uma sacola na mão e muito história para contar. - Olá Tereza, quanto tempo! Tereza quase enfartou quando viu a amiga de perto. - Meu Deus Cecília eu não sabia que você estava gravida! – exclama Tereza agoniada por não saber nada daquilo. - Então, minha amiga, já faz quase um ano que eu não venho aqui – disse Cecilia com um pouco de timidez. - Você se casou? Pergunta Tereza com espanto. - Não, Tereza, me envolvi com uma pessoa e engravidei, pensei que isso não me aconteceria, pois meu medico disse que eu estava entrando numa menopausa precoce – disse Cecilia. - Mas você está com o pai? – pergunta Tereza louca de curiosidade. - Não, ele nem sabe e até já foi embora de Curitiba – comenta Cecilia com tristeza na voz. - E você está trabalhando no que? – pergunta Tereza. - No mesmo emprego de doméstica, mas minha patroa morreu faz quase um ano, não sei por quanto tempo ainda vou ficar por lá, meu patrão é muito esquisito – comenta Cecilia. - Que idade ela tinha? – pergunta Cecilia. - Menos de quarenta eu acho, parece que morreu de depressão – comenta Cecilia. - Muito triste, mas vamos às medidas – disse Tereza apressando Cecilia. 25 - Não são roupas para mim, são panos para fazer fraldas – disse Cecilia. - Mas hoje em dia ninguém usa mais fralda de pano – comenta Tereza. - Tenho medo que meu bebê possa ser alérgico a fraldas descartáveis – comenta Cecilia. - Então, eu confeccionarei logo – disse Tereza. - Eu já estou entrando no oitavo mês, mas como ando com a pressão um pouco alta, talvez o bebê nasça antes do tempo – comenta Cecilia numa tentativa de pedir urgência para Tereza. - Não se preocupe Cecilia ficará pronto logo e se cuide – disse Tereza. Tereza voltou para seu canto de costura e não parou de pensar na história de Cecilia um só instante, sente muita pena de sua amiga por levar uma vida complicada com seus dois filhos, pagando aluguel e agora esta situação nova. Tereza sempre reza por seus clientes, tem muita fé em Deus, sua vida também tem altos e baixos, mas ela nunca demonstra nada para seus clientes, está sempre sorrindo e querendo ajudar a todos. Histórias como a de Cecilia é que deixa Tereza mais agradecida a Deus por tudo, pelo modo como vive. Seus três filhos são maravilhosos, seu marido é um tanto misterioso, mas é um pai amoroso está sempre presente na vida de todos, nunca se envolve nas histórias de seus clientes, só não gosta quando ela fica muito tempo rezando por eles e também não gosta quando ela fica costurando até altas horas. Tereza acha que sua vida está sob controle sempre e por isso ela se dedica de corpo e alma aos seus clientes, ouvindo suas histórias e confeccionando as mais belas roupas. 26 Dois meses depois Tereza achou muito estranho que sua amiga, não tenha vindo buscar as fraldas, mas ela nunca liga cobrando, nem a visita e nem o dinheiro, sempre deu esta liberdade aos seus clientes, mas isso não a impede de ficar muito preocupada e curiosa. Cecilia entrou portão à dentro com sua filhinha em seus braços e uma alegria fora do comum, havia um brilho tão grande em seus olhos que Tereza levantou do seu canto e foi ao seu encontro. - Cecilia estava muito preocupada com você! – exclama Tereza -Peço desculpas minha amiga, mas aconteceram muitas coisas na minha vida nestes dois meses – comenta Cecilia cheia de alegria. - Me conta tudo! - Faltavam três semanas para minha filhinha nascer eu estava no ônibus que vai para o meu trabalho, isso às sete horas da manhã e minha bolsa estourou – comenta Cecilia, tomando folego porque é longa a história. - Meu Deus! – exclama Tereza. - Daí, entrei em desespero e liguei para o meu patrão vir me socorrer, não tinha ninguém para pedir ajuda – disse Cecilia dando uma pausa. - Me fala tudo! – exclama Tereza em desespero para saber o final da história. 27 - Ele chegou bem rápido ao ponto de ônibus em que eu estava, tive que descer e ficar parada no ponto esperando por ele – explica Cecilia. - E ele te levou para o hospital? – pergunta Tereza. - Sim, mas me levou para uma maternidade particular e quando chegou ao local o bebê já estava nascendo foi o maior desespero – disse Cecilia. - Meu Deus! Que história! - Lá na maternidade pensaram que ele era o pai da criança e ele ficou quieto – comenta Cecilia. - Estou pasma! - Vou resumir a história, então, eu tive o melhor atendimento médico da minha vida, ele pagou tudo – comenta Cecilia. - Mas e o que aconteceu depois? - Bem quando tive alta ele me buscou e perguntou se eu queria ficar na casa dele por uns dias, eu aceitei – disse Cecilia. - E os meninos? – pergunta Tereza preocupada com as crianças. - Uma vizinha estava cuidando deles, mas meu patrão os buscou e ficamos todos na casa dele – explica Cecilia. - O que deu nele? - Tem mais história ainda, ele contratou uma nova empregada e eu só ficava curtindo a minha dieta e meus filhos, mas eu sentia que a cada dia tinha algo estranho acontecendo com ele, acabou que ele me pediu em casamento, disse que sempre me admirou e que é um homem muito sozinho, não teve filhos porque a mulher sempre foi doente, que ele precisava de mim e eu disse que aceitava, pois também precisava daquela proteção – comenta Cecilia tomando fôlego. - Estou zonza com esta história! – exclama Tereza 28 - Então, ele registrou minha filhinha no nome dele e nos casaremos em breve – disse Cecilia pegando a sacola e indo em direção à porta. Tereza acompanhou sua amiga até o portão deu um longo abraço e teve a sensação de que não a verá tão cedo, sentiu muito vontade de rezar por ela. 29 História (5): Elvira Se existe uma pessoa que Tereza é cheia de compaixão é Elvira. Desde adolescente Elvira foi diferente, seu corpo não se formou como a maioria das meninas, ela só menstruou aos dezoito anos e seus seios só ganharam um pouco de volume depois disso, então, foi muito difícil para ela. Tereza estudou com Elvira no mesmo colégio, mas não na mesma série porque Elvira é um pouco mais nova. O garotos da escola nunca olhavam para Elvira, ela não tinha seios e nem bumbum, era bem magra e aos quatorze anos já tinha um metro e oitenta de altura, não era compatível em altura com nenhum menino da escola. Tereza conversava muito com Elvira no recreio e também no trajeto da escola, ouvia o desabafo da menina e sentia pena por ela ser tão diferente de todas as moças que ela conhecia. Os anos se passaram Tereza foi para outra escola e só via Elvira de tempo em tempo. No casamento de Tereza na hora de pegar o buquê Elvira era a moça mais alta, mesmo assim não conseguiu pegá-lo. Elvira não conseguia arrumar namorado nunca, ora por causa de sua altura, ora por incompatibilidade, enfim os anos se passaram e todas suas colegas se casaram e o sonho de se casar ficava cada vez mais distante. Então, Elvira numa determinada fase de sua vida, tinha 30 mesmo ficado para titia, pois seus irmãos todos mais novos já tinham casados e todos tinham filhos. Elvira para em frente ao espelho, vê marcas do tempo, faz uma avaliação de tudo que viveu e decide que vai mudar seu quadro. A cada roupa que Tereza confecciona para Elvira ela se divertia muito, pois em busca de sua alma gêmea, ela aprontava muitas travessuras, ela dizia que ao invés de achar a alma gêmea ela encontrava era a alma penada. O primeiro rapaz por quem Elvira se interessou, casou-se com sua irmã, a pobre moça sofreu calada ninguém além de Tereza soube disso. Elvira ia às festas, aos bailes, aos parques, às feiras, aos mercados, enfim em todos os lugares ninguém se interessava por ela, se sentia transparente, na verdade ela era tão branca que quase era transparente mesmo. Então, a idade bateu e Elvira travou uma luta consigo mesma para mudar sua sina e o primeiro lugar que ela visitou foi uma mulher que via búzios e então, a mulher jogando os búzios disse para ela que na vida passada Elvira tinha sido uma cigana e que ela maltratou muito os homens e que nesta vida ela iria ficar sozinha para pagar por aquilo. Elvira entrou em desespero e a mulher então, disse que conseguiria reverter à situação mediante a algumas aquisições. Elvira tomada por um desejo de mudança aceita. A mulher disse que ela foi uma cigana chamada Analú, pediu dinheiro para comprar uma imagem desta moça e a trancou numa casinha. Um dia pedia dinheiro para a fruta, outro para o cigarro outro para as velas. Durante um bom período Elvira visitava aquela mulher e pedia para ver a imagem da tal cigana, mas a mulher um dia dizia hoje tem muitas nuvens, no outro dizia o sol já se pôs e assim foi 31 até Elvira se cansar, sua Analú ficou lá trancada para sempre na sua memória e no seu coração. Pobre Elvira na primeira tentativa já se deu muito mal, quando ela contou esta façanha para Tereza, viu as lágrimas escorrendo pela face da amiga. Tereza sempre teve muito dó de Elvira porque sabe que ela sofre por tudo isso. Passado um tempo da primeira tentativa, Elvira escolhe um caminho um tanto esotérico. Ela resolveu fazer um curso de projeção astral indicado por um amigo. Segundo seu professor existe um Tribunal Cósmico, um Juiz Supremo onde podemos negociar nossas dívidas, ou seja, modificando as causas pode-se modificar o efeito. A tal balança do bem e do mal existe e que todos os dias somos avaliados e que má ação gera má consequência e boa ação gera boa consequência. Elvira não se achava uma pessoa má e não entendia o castigo por qual passava, mas durante seis meses ela frequentou o curso e ficava numa sala em círculos tentando sair do corpo para ir ao tal Tribunal Cósmico para tentar negociar seu karma fazendo uma proposta, ou seja, dando algo em troca do seu problema por não se casar. Seu professor disse para que uma proposta mereça consideração, deverá ser perfeitamente clara, de bom coração. Os pedidos sempre serão deferidos quando a maneira de liquidação for com obras, isso deixou Elvira avaliando sua vida, ela nunca fez mal a ninguém, mas também nunca fez nada que mudasse o sofrimento de alguém. Quando acabou o curso Elvira havia aprendido muita coisa, mas nunca conseguiu sair do corpo físico e teve dor de cabeça todas as noites em que tentou fazer uma viagem astral. Tereza sofreu por esta tentativa de Elvira e rezou muito por ela. 32 O tempo passa e de vez em quando Elvira aparece com seus tecidos, seus desabafos e suas mágoas. Sempre deseja ter uma história nova e com vitória para contar para Tereza. Lá vem Elvira. - Olá Tereza, quanto tempo! - Você sumiu Elvira! – exclama Tereza. - Vim renovar meu guarda roupa eu agora só uso saias e vestidos, não uso mais calças cumpridas – comenta Elvira. - Qual a novidade Elvira? - Então, na tentativa de me casar eu resolvi ser evangélica – disse Elvira. - Conheci uma igreja nova e me tornei membro – disse Elvira um pouco envergonhada da situação. - Te desejo boa sorte então, que seu sonho se realize – disse Tereza e com muito dó da moça e já indo pegar a fita métrica para tirar as medidas. - Faz uns dois meses que estou frequentando a igreja e já senti que muita coisa melhorou – comenta Elvira. - Que bom, a fé modifica tudo! – exclama Tereza. Tereza tirou as medidas de Elvira, acompanhou-a até a porta, sentiu vontade de rezar pela amiga. Um mês depois: Elvira veio provar as roupas e de longe deu para ver tristeza em sua face. - Desculpe a demora em vir provar as roupas – disse Elvira. 33 - Tem um motivo em especial esta demora? – pergunta Tereza sentindo uma energia ruim no ar. - Nem vou usar mais estas roupas, já me decepcionei com a igreja – comenta Elvira. - Mas o que foi que aconteceu? – pergunta Tereza com muita curiosidade. - Um poderoso lá da igreja disse que eu estava com um encosto e que se ele tirasse minha virgindade, o encosto iria embora e eu arrumaria um casamento bem rápido – comenta Elvira com muita tristeza na voz. Tereza ficou tão estarrecida com a história e porque também não sabia que a amiga com quase quarenta anos era virgem ainda. - Meu Deus que história! - É de espantar mesmo, quero distância de tudo e de todos – disse Elvira com uma expressão bem abatida. Tereza deu a roupa para Elvira provar e foi sentar- se no seu canto com muito dó da amiga. - As roupas estão todas na medida Tereza, você e suas mãos de fada – disse Elvira querendo se animar. Elvira despediu-se de Tereza e foi embora com sua tristeza. Uma semana depois: Tereza rezou todos os dias por Elvira e ficou até mais tarde trabalhando só para terminar suas roupas. Elvira entra portão adentro com uma expressão bonita e 34 Tereza vai até a porta recebe-la. - Parece que você está feliz Elvira! - Houve umas mudanças na minha vida – disse Elvira com muito brilho nos olhos. - Me conta estou muito curiosa! - Fui promovida na minha empresa e fui transferida para Berlim na Alemanha, porque falo alemão fluentemente – disse Elvira com muita euforia na voz. - Que coisa boa Elvira vai para a Europa! - Então, coisa boa mesmo e o melhor ainda é que eu correspondo há algum tempo com alemão viúvo desta mesma cidade – comenta Elvira toda cheia de esperança. - Que bom! Deus sabe de todas as coisas! – exclama Tereza - Minha documentação está pronta por causa da minha família, tenho dupla cidadania alemã, então, está sendo mais fácil – disse Elvira. - Muito bom! Fico feliz por você – disse Tereza com lágrimas nos olhos porque sabe que muito provavelmente não verá mais sua amiga. Tereza entrega as roupas para Elvira, dá um grande abraço e vai até o portão e fica observando-a pela ultima vez. 35 História (6): Daniel Daniel cresceu com Tereza, estudaram juntos até o ensino fundamental, mas o ensino médio ele não quis fazer na época, sempre foi nervoso, se tivesse uma confusão lá estava ele. Nunca foi muito certo das ideias, quando ele era adolescente de vez em quando ele passava a noite no topo do morro do Anhangava porque achava que uma noite um óvni iria passar por lá. Daniel só fazia amizade com pessoas esquisitas, mas conseguiu uma boa moça para se casar e até fez um bom casamento. Sua mulher fez com que ele voltasse a estudar e ele terminou o ensino médio e fez um concurso público e se classificou. Tereza sempre acompanhou a vida de Daniel, a cada ano ele mandava fazer umas camisas e relatava tudo de sua vida. E assim os anos foram passando e o Daniel foi ficando mais difícil de lidar, arruma confusão no trabalho, no transito, no mercado, no médico e em casa então, ninguém mais aguenta ele, seus três filhos sonham completar dezoito anos para fugir de casa, sua mulher toma remédio tarja preta para não enlouquecer igual a ele, seu cachorro fareja o seu cheiro à distância e corre se esconder no porão. Daniel tornou-se uma pessoa amarga, não tem amigos no trabalho e nem no bairro onde mora, mas quem mais sofre com ele é o seu gestor. 36 Daniel já foi remanejado do local de trabalho algumas vezes e sempre o jogam para os piores locais e os mais longes possíveis, isso o deixa muito irritado. Então, Daniel se defende com atestados médicos, sempre dá um jeito de enganar os médicos para conseguir um atestado. Teve uma vez que ele foi ao médico sem ter nenhum problema de saúde, simplesmente foi só para conseguir um atestado e o médico percebeu isso e o mandou de volta para o trabalho, quando ele percebeu que o médico não iria dar o atestado então, Daniel olhou pela janela estava o maior sol e ele falou para o médico que estava vindo a maior tempestade e que ele tinha que sair correndo dali e o médico ficou muito impressionado e deu uma semana de atestado. E assim é a vida de Daniel está sempre tentando não trabalhar, seus gestores nunca podem dar tarefas importantes, porque nunca as cumpre. Como Tereza o conhece desde menino tem paciência, mas sempre dá conselhos e reza para que ele mude este tipo de comportamento. Lá vem Daniel com seus tecidos e suas histórias. - Olá Tereza, quanto tempo! – disse Daniel dando um sorriso um tanto tímido. - Você sumiu! – exclama Tereza e cheia de curiosidade para saber o que ele anda aprontando. - Quero te pedir desculpas por vir de noite – comenta Daniel com ar de tem muito assunto para contar. - Tem uma razão para você vir esta hora? – pergunta Tereza. - Estou de licença médica, mas não fico em casa de dia – 37 comenta Daniel. - E onde você fica então? - Fico numa Clinica dia, fazendo terapias – explica Daniel com vergonha da situação. - O que é Clinica dia? – pergunta Tereza cheia curiosidade. - Clinica dia é destinado ao atendimento de pacientes psiquiátricos que estão sendo reintegrados ao convívio social, sendo que o atendimento é intensivo, ou seja, o paciente passa o dia na clinica e a noite fica com a família – disse Daniel. Tereza fica perdida no assunto, pois há um bom tempo não sabe histórias sobre Daniel e fica pensando o que levou os médicos a dar este tipo de tratamento. - Mas tem um motivo em especial para você fazer este tratamento? – pergunta Tereza. - Bem Tereza a história é que eu andava muito nervoso e meu chefe começou a me irritar, um dia eu faltei no trabalho, só porque eu não avisei, ele me humilhou um monte e então, eu dei uns socos na cara dele – comenta Daniel e rindo da situação. - Você bateu no teu chefe! – exclama Tereza. - Só tirei um pouco de sangue e por causa disso me mandaram para clinica dia – disse Daniel. Tereza pegou os tecidos da sacola e foi tirar as medidas de Daniel e ficou pensando no quando está se agravando o problema dele e sentiu muito dó de seu colega. - Pode vir provar suas camisas daqui uma semana – disse Tereza e indo em direção ao seu canto e colocando os óculos. Daniel foi embora e Tereza sentiu vontade de rezar por ele, saiu do seu canto de costura e foi para seu quarto rezar, mas como seu marido estava no quarto ela não pode rezar naquele momento. Tereza não gosta de irritar seu marido apesar de ser um bom pai, um grande chefe de família, ele é muito calado e parece ter 38 sempre um segredo. Uma semana depois: Tereza rezou muito por Daniel e colocou suas camisas em ponto de prova. Daniel provou e como sempre aprovou todas e elogiou um monte as mãos de Tereza. - Tereza você é iluminada! – disse Daniel depois de vários elogios. Tereza não quis saber de muita conversa porque já era tarde e seu marido fica com o humor alterado quando ela trabalha até muito tarde da noite. Um mês depois: A esposa de Daniel vai buscar suas camisas e Tereza se espanta com sua presença. - O que aconteceu que o Daniel, sumiu? – pergunta Tereza e com pressentimento ruim. - A notícia sobre meu marido não é muito boa – comenta Mara. - Me conta faz favor! – disse Tereza 39 -Então, a clinica deu alta ele voltou a trabalhar, mas teve uma recaída e o chefe dele o maltratou – disse Mara. - E o que aconteceu? - Ela estava com uma arma e então, descarregou o revolver no homem matando-o na hora – comenta Mara. - Meu Deus! – exclama Tereza - Agora ele está internado num hospital psiquiátrico e vamos ver o que vai dar – disse Mara. - Mas o advogado vai alegar sanidade mental, é possível que ele fique fora de uma prisão comum – comenta Tereza com muita tristeza. - É muito triste tudo isso e só nos resta aguardar os julgamentos – comenta Mara com lágrimas nos olhos. Tereza entregou as roupas de Daniel para Mara, deu um longo abraço e chorou junto com sua colega. 40 História (7): Pedro Pedro é um grande amigo de Tereza, seus pais tiveram que se mudar para o bairro de Tereza em função dos acontecimentos que ocorreram com ele. Pedro desde pequeno foi afeminado, seus pais sofreram muito com isso, principalmente o pai, por seu um homem que veio da roça, sempre muito definido na sexualidade, um homem extremamente bruto, nunca entendeu o porquê de Pedro ter ficado delicado. Quando Pedro entrou na adolescência passou a ter trejeitos e sua voz ficou alterada, então, começaram os problemas tanto dele como dos pais e também dos educadores, devido ao Bullying Homofóbico. Na verdade houve muitas mudanças, físicas, psicológicas e comportamentais. Parecia que ele tinha a necessidade de autoafirmação perante todos que ele era um homossexual. Pedro nunca se preocupou em esconder, pelo contrário ele queria mesmo se expor, o que lhe rendeu algumas surras. Teve uma vez que ele estava andando à noite sozinho pelo bairro e um carro parou ao seu lado e atiraram uma caixa inteira de ovos nele, um por um, ele ficou com o corpo todo roxo. Pedro apanhou do pai, dos tios, dos avós e dos meninos da escola, mas nunca mudava o seu jeito afeminado de ser. Sempre determinado e fiel a sua escolha, ele enfrentava o mundo. 41 Pedro era dono de uma beleza extrema e uma simpatia que fazia todas as meninas reféns de sua amizade, estava sempre rodeado de mulheres. De vez em quando uma moça se apaixonava de verdade por ele, mas na mais pura educação ele a convencia de que ambos tinham a mesma preferência. Tereza sofria por ver o amigo sofrer, ela nunca teve nada contra e nem a favor, mas aprendeu a respeitar as diferenças. Pedro foi fazer faculdade em São Paulo e sem a presença da família ficou extremista mesmo, causava choque nas pessoas que não eram preparadas para ver todo aquele homossexualismo à flor da pele. Cursou apenas dois anos de faculdade de Artes, sofreu decepções de todos os tipos, viu muita coisa errada e resolveu voltar para os braços da família. Quando voltou, não demorou muito, seu pai faleceu e na hora de sua morte pediu perdão por não tê-lo aceitado. Então, aconteceu que Pedro conheceu um estudante de medicina, se apaixonou e logo foram morar juntos. Este rapaz tinha um comportamento bem masculino, se vestia como homem, andava como homem, falava como homem, só não gostava de mulheres e então, eles viveram uma grande história de amor por longos cinco anos, ou seja, o tempo para o tal rapaz se formar. Pedro ficou orgulhoso na formatura do amor da sua vida, depois do jantar da formatura o rapaz disse para Pedro que ele estava com remorso por levar aquele tipo de vida, porque sua família era católica e não podia saber de nada daquilo e que então, ele fez uma promessa para Deus de que a partir daquele dia ele iria viver sozinho, sem romances, sem aventuras ou qualquer aproximação mais intima com o mesmo sexo e como ele não suportava o sexo oposto, então, iria levar uma vida de abstinência, que esqueceria os prazeres da carne e que só iria se dedicar ao espirito. Pedro sofreu horrores, se sentiu usado, passado para trás e 42 Tereza chorou junto com seu amigo. Neste período de sofrimento ele mandou fazer muitas roupas e virou um grande consumista, queria afogar suas magoas nas compras, comprava tudo que via pela frente, trocou de carro, de apartamento e como ele não ganhava muito como professor sua vida virou de cabeça para baixo. Tinha uma gaveta cheia de carnês e muita preocupação. Pedro ficou enlouquecido com pouco dinheiro e muita conta para pagar que resolveu ser um prostituto da vida, então, saía com os mais difíceis parceiros possíveis e o pior é que ele sempre contava suas aventuras para Tereza, que ficava arrepiada e ia correndo rezar pela alma dele. E assim passou um longo período da vida de Pedro, vivendo no submundo dos horrores da sexualidade, por dinheiro o que era pior ainda, mas conseguiu pagar suas contas, recuperou seu nome no comércio e teve de volta sua dignidade, nunca mais fez nada desse tipo de coisa por dinheiro. Tereza sempre rezou muito por Pedro chegou até fazer novena para que ele tivesse consciência de tudo aquilo, ela sempre teve muito carinho por ele, por ser uma pessoa maravilhosa, meigo, educado, nunca ofendeu ninguém na vida e foi criado na base de chutes e mesmo assim se tornou uma pessoa gentil, capaz de dar a roupa do corpo se visse alguém com frio. As pessoas na vila diziam que ele era bonzinho porque ele era homossexual, que eles são legais mesmo e que todos são muito meigos. Tereza sempre vê além do que todos veem, ela sempre soube que Pedro tinha um bom coração e por isso jamais criticou o amigo. 43 Lá vem Pedro com sua sacola e seu rebolar um tanto exagerado. - Olá minha amiga querida, que saudades! – exclama Pedro indo em direção de Tereza. - Que bom vê-lo! – exclama Tereza estendendo os braços para abraçar seu amigo. Tereza observou que Pedro está com o físico mudado. - O aconteceu que você está diferente? - Então, eu fiz uma plástica, tirei umas gordurinhas da barriga e coloquei no bumbum – comenta Pedro dando uma empinada no bumbum. - Ficou bom mesmo – disse Tereza sem muita empolgação. - Resolvi investir em mim – comenta Pedro. - Está certo meu amigo – disse Tereza se levantando para pegar a fita métrica para tirar as medidas de Pedro. Pedro escolheu os modelos para suas camisas e se despediu de Tereza sem fazer nenhum tipo de comentário sobre sua vida amorosa. Uma semana depois: Pedro veio provar suas roupas e também não fez comentários sobre seus relacionamentos, o que deixou Tereza um tanto curiosa com a situação, mas achou melhor não fazer perguntas. Pedro provou e aprovou suas camisas. 44 Um mês depois: Pedro veio buscar suas camisas e estava acompanhado por uma moça, o que deixou Tereza muita intrigada, ela se levantou e foi até a porta para recebê-los. - Olá, Tereza trouxe minha namorada para você conhecer – disse Pedro. Tereza teve que controlar-se para não demostrar na face que estava perdida no assunto. - Que legal! Meus parabéns, bonita a moça! – comenta Tereza mais perdida que cachorro caído do caminhão de mudança. - Não tinha contado para você ainda porque queria fazer uma surpresa – comenta Pedro. - E você fez surpresa mesmo – comenta Tereza que a esta altura está ruborizada. - Já estamos morando junto – disse Pedro. - Que novidade! Tereza está em estado de choque e não entende porque se ele estava namorando uma mulher, alguém do sexo feminino, porque então, ele colocou aquele bumbum todo. O bumbum dele é maior do que o da moça, isso a perturbou muito. Tereza entregou a sacola com as camisas e Pedro pagou. Então, ela os acompanhou até a porta, abraçou seu amigo e sua namorada, desejou sorte na sua nova vida e na nova aventura. Tereza sentiu que devia rezar muito pelo seu amigo. 45 História (8): Dona Zulmira Dona Zulmira era zeladora no colégio que Tereza estudava no ensino fundamental. Desde daquela época que dona Zulmira já não era muito normal. Tinha uma menina na escola que passava batom bem vermelho e beijava o espelho deixando a marca da sua boca, um dia dona Zulmira descobriu quem era a moça e foi no banheiro na mesma hora e a marca já estava lá, ela simplesmente não falou nada, apenas mergulhou seu pano no vaso sanitário e limpou o batom e a moça assistiu aquilo e quase vomitou de tanto nojo e nunca mais apareceu mancha de batom no espelho. Uma vez uma adolescente arrumou um namoradinho e ficava se agarrando sempre nos lugares que dona Zulmira estava limpando e ainda ria da cara dela. Um dia dona Zulmira deu um jeito, colocou duas camisinhas em sua mochila, quando a menina chegou à sua casa, sua mãe achou aquilo e contou para seu pai que lhe deu uma surra danada. Tereza sempre observou dona Zulmira e achava que ela não era muito certa das ideias. Quando alguém escutava música nos intervalos sem fone de ouvido, ela sempre dava bronca e dizia que o ouvido dela não era pinico, para ter que escutar aquele tipo de música. Um dia um menino a desafiou, ela correu atrás dele e picou o fone de ouvido. Dona Zulmira era tão alterada no humor, que até suas colegas tinham medo dela, a diretora da escola também procurava fazer 46 vista grossa porque tinha receio dela. Entrava ano e saía ano e lá estava dona Zulmira firme e forte e cada vez mais brava. Os anos se passaram e Tereza foi para outra escola e não a viu mais até começar sua profissão de costureira. Então, dona Zulmira se tornou sua cliente. A cada roupa que Tereza confeccionava, ela descobria uma nova loucura em sua cliente. Depois de muitos anos que dona Zulmira dominava o colégio mudou a diretora e ela foi transferida para outro local do outro lado da cidade. Depois que dona Zulmira foi remanejada, ela mudou um pouco seus hábitos, mas a coisa que mais se observou é que sua casa virou uma floricultura, tinha flores nas janelas, nas paredes, no jardim, na horta, dentro de casa. Enfim tinha flores em todos os lugares, algumas espécies eram difíceis de serem encontradas, mas em sua casa as encontrava. Na verdade os vizinhos observavam aquele novo comportamento de dona Zulmira, inclusive Tereza que achava aquilo muito exagerado. E então, descobriram que ela para ir ao trabalho passava por dentro do cemitério municipal e que quase todos os dias ela roubava flores dos túmulos, mas ela só pegava as flores que eram em mudas para poder plantar. Também dona Zulmira fez amizade com os mendigos que moravam no cemitério e por uma quantia mínima em dinheiro se ofereceu para lavar as roupas deles e assim ela sempre carregava uma sacola com roupas e flores. Dona Zulmira nunca sentiu medo e nunca se arrependeu por pegar aquelas flores, às vezes a família acabava de colocar a flor e ela já roubava e ninguém nunca via aquilo a não ser os mendigos. Bem, que dona Zulmira é perturbada todos sabem, seus filhos todos já saíram de casa e seu marido morreu de desgosto. 47 Pelo menos uma vez por ano dona Zulmira faz algumas roupas com Tereza. - Olá! Tereza, quanto tempo! - Então, dona Zulmira a senhora sumiu! – exclama Tereza, mas sem sair do seu canto. - Eu trouxe uns tecidos e um vestido de exemplo, pode fazer todos do mesmo modelo e tamanho – disse dona Tereza. - Mas porque não quer fazer modelos diferentes dona Zulmira? – pergunta Tereza com dó da simplicidade da mulher. - Não, Tereza está bem assim – responde dona Zulmira encurtando o assunto. - E as novidades dona Zulmira? – pergunta Tereza cheia de curiosidade. - Eu mudei de endereço no emprego outra vez – disse Dona Tereza. - E para onde a senhora foi desta vez? – pergunta Tereza. - Agora eu trabalho no lixão, limpo e faço cafezinho – comenta dona Zulmira. - A senhora gosta de trabalhar lá? – pergunta Tereza. - Sim, eu acho muita coisa boa lá, quando o fiscal não está por perto eu mexo no lixo – disse dona Tereza. - Mas isso é proibido, não é? - Mas ninguém vê ninguém sabe – comenta dona Tereza. Tereza muda de assunto e diz para ela vir provar a roupa dali uma semana e sente necessidade de rezar por ela, porque fica imaginando o que vai acontecer com sua casa agora, vai virar um deposito de lixo, pior que a história das flores. 48 Uma semana depois: Dona Zulmira veio provar seus vestidos, Tereza está curiosa com suas histórias. - E o novo emprego dona Zulmira? - Eu estou um pouco abatida, porque eu fui mexer no lixo, encontrei uma caixa, abri e então, tinha o corpo de uma mulher dentro da caixa – conta dona Zulmira com cara de espanto. - E o que aconteceu? - Eu dei um grito e então, todos perceberam que eu mexia no lixo – comenta dona Tereza. - E agora? - Me encaminharam para uma psicóloga, por causa de todo meu histórico – responde dona Zulmira. - Mas o que fizeram com o corpo? – pergunta Tereza. - Não fizeram nada, o corpo foi triturado junto com os lixos, por isso eu fiquei assim – disse dona Zulmira. - Que horror! - Eu nunca mais vou tocar naquele lixo! – exclama dona Zulmira. Tereza entrega os vestidos para dona Zulmira provar, mas percebe que ela está pior, muito abatida e tremendo muito, sente uma agonia por vê-la naquele estado, uma pessoa que era tão forte como ela era. Dona Zulmira prova seus vestidos e vai embora, Tereza fica cheia de dó e reza por ela por viver tão só, pelas manias estranhas, pela saúde e também pela fé. 49 Um mês depois: Tereza estava muito preocupada com a demora de dona Zulmira, quando sua filha apareceu. - Oi Tereza eu vim buscar as roupas da minha mãe – comenta Carolina. - Mas o que aconteceu com sua mãe? – pergunta Tereza. - Ela foi internada num hospital psiquiátrico – disse a moça. - Mas o estado de saúde dela piorou? - Sim, ela estava enlouquecendo, estava vendo a mulher que ela achou no lixão caminhando em casa e tocando nas flores e dizia que aquilo não pertencia a ela – explica Carolina. - Meu Deus, que coisa sinistra! - Ela chorava muito, ficava tremendo o tempo todo e dizia que a mulher estava desesperada ali nas flores – disse Carolina. - Eu não sei o que te dizer Carolina, vou rezar muito pela sua mãe e por vocês – disse Tereza com muita tristeza. Tereza acompanhou a moça até a porta e deu um longo abraço. 50 História (9): Sandro Sandro estudou com Tereza os oito anos escolares, e por causa da letra do alfabeto sempre pegaram o mesmo ensalamento. Apesar da proximidade física estavam muito distante um do outro. Tereza não se sentia muito bem com a presença dele. Os anos se passaram, Sandro se tornou um moço muito bonito, mas definiu um estilo diferente de ser, resolveu se vestir como um cowboy, sempre com a calça jeans bem apertada, chapéu de couro e as camisas xadrezes e ainda deixava as unhas dos dedos mindinhos grandes, é como se ele quisesse mostrar para todos que os dedos mindinhos são somente de enfeites e por isso divulgava bem eles. Certa época ele disse para Tereza que estava apaixonado por ela, isso causou ojeriza nela. Desde que Tereza montou seu atelier lá estava Sandro confeccionando suas camisas xadrezes. Sandro se tornou um peão de verdade e fazia montaria em touros nos rodeios pelo Brasil afora, ganhou alguns troféus, uma vez ganhou um troféu na Espanha e isso enriqueceu muito seu currículo. A pior das histórias de sua juventude é que ele uma vez, num de seus rodeios, engravidou uma moça e quando ela procurou por ele contando, ele disse para ela fazer um aborto, a moça foi embora para sua cidade. Não demorou muito ele contraiu caxumba e teve complicações gravíssimas e ficou estéreo, então, lembrou que a única chance dele ser pai era com aquela moça e foi 51 procura-la, mas foi tarde porque a moça já tinha feito o aborto, isso o deixou muito deprimido porque ele mandou abortar sua única chance de ser pai. O povo comenta que talvez não fosse a caxumba que deixou Sandro estéreo e sim em chifrada muito forte que ele levou. Tereza é uma mulher católica, sempre ficou aterrorizada com as histórias de Sandro, ela acompanhou bem suas histórias porque sua mãe também sempre foi sua cliente e nunca deixou de contar as aventuras do filho e mostrar seus troféus com muito orgulho. Tereza achava que a velha contava tudo isso só porque sabia da admiração de Sandro por ela. Mas Sandro se casou e dois anos depois de casado, sua mulher engravidou, ela não sabia que ele era estéreo, foi a maior confusão, ele esperou o bebê nascer e fez exames de paternidade e realmente a criança não era filho dele, então, ele se divorciou e mais uma vez ele mandou embora a chance de ser pai, mas quando ele quis se arrepender por ter mandado a mulher embora, ela ficou com o pai verdadeiro da criança. A cada sacola com tecidos, sempre xadrezes, que ele trazia para Tereza confeccionar suas camisas, juntos vinham suas histórias e sua admiração por Tereza. Tereza sempre ficou discreta, mas sempre percebeu o olhar observador sobre ela. Sempre que Sandro aparece Tereza sabe que ele vai para algum rodeio por isso quer camisas novas. Não se sabe do que ele mais gosta se dos touros ou da multidão que seguem estes rodeios pelo Brasil, a preferida dele é a Festa do Peão de Barretos, essa ele não perde uma. Depois da decepção de seu casamento Sandro se tornou um namorador nato, em cada cidade que vai arruma várias namoradas. 52 Lá vem Sandro com seus panos xadrezes. - Oi, Tereza quanto tempo! – exclama Sandro - É mesmo, você sumiu! – comenta Tereza com um pouco de timidez e com receio da conversa. - Ando meio ocupado, mas como estou precisando de umas camisas novas, aqui estou – disse Sandro. Tereza pegou a sacola das mãos de Sandro, buscou a fita métrica para tirar suas medidas, ela não gosta muito da proximidade dele, mas tem que tirar suas medidas então, quase o abraça. - E quais são as novidades? – pergunta Tereza. - Não são muitas, para dizer a verdade eu estou cansado desta vida de peão – comenta Sandro. - Mas é o que você gosta de fazer – comenta Tereza - Sim, mas estou ficando velho e quero mudar minha vida – disse Sandro. Tereza ficou observando Sandro, ele pinta os cabelos para não aparecer os fios brancos, mas a coloração que ele escolheu não deu muito certo, seus cabelos ficaram com uns tons avermelhados, também pinta as unhas de prata, ainda para ajudar ele tem uma tatuagem de um chifre no peito, o que a deixa arrepiada por ver tudo aquilo. - E o que pretende fazer da sua vida? – pergunta Tereza. - Ficar quieto num canto, sem ter que percorrer o Brasil inteiro – disse Sandro. - Você está certo – disse Tereza indo sentar no seu canto de costura. Sandro se despediu de Tereza e foi embora. 53 Uma semana depois: - Tereza gostaria que você terminasse pelo menos umas três camisas, fazendo um favor, é que eu vou para Barretos no próximo final de semana – disse Sandro quase que implorando para Tereza terminar suas camisas. - Darei um jeito, mas as sete camisas eu não vou poder, tenho muitas peças para terminar – disse já querendo cortar o assunto. Sandro escolheu as três camisas, uma semana depois já pôde buscá-las e ficou muito contente por isso. Tereza terminou as outras camisas e ficou esperando por Sandro. Dois meses depois: - Olá, Tereza desculpe a demora é que aconteceram umas mudanças na minha vida – disse Sandro louco para contar as novidades para Tereza. - Me conta logo que estou curiosa – comenta Tereza. - Há alguns anos atrás, quando comecei a participar de rodeios eu conheci uma moça e ficamos alguns dias juntos – disse Sandro e dando uma pausa. - E ai que aconteceu? – pergunta Tereza. - Então, depois disso eu não a vi mais e se passaram quinze anos na história. Agora ela me reencontrou naquele final de semana lá em Barretos – responde Sandro. - Que história! - O melhor eu não contei ainda, ela disse que tem uma filha de quatorze anos e que esta menina é minha filha e eu fiz as contas 54 ainda não tinha me dado o problema da caxumba – disse Sandro. - Maravilha! Deus te deu a chance de ser pai outra vez! - Então, ela se casou com um fazendeiro velho e por isso nunca me procurou – comenta Sandro. - Mas o que aconteceu que ela resolveu procura-lo agora? - O velho morreu e ela começou a me procurar, isso já tem um bom tempo – responde Sandro. - E agora o que vai fazer? – pergunta Tereza, cheia de curiosidade. - Eu estava mesmo cansado desta vida de peão que eu levo, então, vou dar uma chance para o destino – responde Sandro. - Vai ser fazendeiro então? - Sim, vou ajuda-la a administrar, mas o mais importante é curtir uma família, sinto falta disso – exclama Sandro e respira fundo. Tereza sabe o quanto uma família é importante, ama seu marido e seus filhos, não consegue nem imaginar a vida sem eles. - Que Deus o abençoe mesmo e seja um grande pai e um ótimo marido, aproveite bem esta chance – disse Tereza, com muita sinceridade no olhar. Tereza entregou a sacola com as camisas e o levou até o portão e deu um longo abraço em seu admirador antigo e sentiu dó por saber que não o verá mais. 55 História (10): Mariza Mariza tem a mesma idade de Tereza, morava no mesmo bairro e estudou na mesma escola que ela, mas nunca foram grandes amigas, porque Mariza era uma menina muito pobre e muito feia por isso se sentia excluída e tinha poucos amigos. Desde criança Tereza sempre observou Mariza, sua vida difícil, seus pais não lhe davam carinho, dando a impressão que uma criança feia não precisa de atenção, de proteção e muito menos de amor. Mariza tinha uma irmã mais jovem, muito bonita e esta sim era amada, a preferida dos pais, andava sempre bem arrumadinha e perfumada. Mariza cresceu a base de chutes e pontapés e se tornou uma adolescente amarga pela pobreza em que viveu, pela falta de amor, sua mãe nunca lhe disse que toda menina é uma princesa, ao contrario disso a fez se sentir uma bruxa. Os cabelos de Mariza eram muitos mal tratados, nunca usaram um creme para baixar o volume, pobre menina seus cabelos pareciam uma vassoura de piaçava e seus olhos pareciam que um estava de mal com o outro, ela era vesga ao extremo e seus pais nunca se preocuparam com aquilo, deixaram a menina crescer ao natural e por isso ela sofreu muito, em cada lugar que estava sempre era observada. Mariza viveu na pobreza extrema, num ambiente não tão limpo e sempre sendo humilhada por sua falta de beleza. Ela 56 aprendeu desde cedo que o mundo valoriza muito a beleza externa. Tereza sentia muito dó por ver aquela menina e depois moça sempre sozinha e triste por sua aparência. As pessoas ao seu redor nunca entenderam porque ela se tornou uma pessoa crítica, revoltada e com muita amargura. Cada tentativa de arrumar namorado então, ai sim entrava na sua realidade, levou muito não pela vida e por causa de sua falta de beleza não acreditou naqueles rapazes que queiram namora-la e fugiu deles, não levou ninguém a serio nunca. Bem, os anos se passaram e seus pais morreram e então, Mariza lutou contra as forças do destino e mudou a sua sina na questão pobreza, arrumou um bom emprego e construiu uma casa tão linda quanto uma casa de bonecas, comprou um carro zero e então, passou a frequentar bailes, casas noturnas, bingos, quermesse, enfim todos os lugares onde tinha homens, lá estava Mariza procurando sua alma gêmea. Uma vez, num baile, um belo moço a tirou para dançar e ela nem acreditou que aquilo poderia acontecer, então, dançou com o moço mais sabia que não haveria o dia seguinte, pois sua beleza iria acabar quando a bebida parasse de fazer efeito no rapaz, mas não foi isso que aconteceu ele a amou por vários meses, isso lhe fez muito bem, pois se olhava no espelho e via beleza, a beleza que o amor dá, a autoconfiança e o amor próprio. Mas isso acabou, o moço foi morar nos Estados Unidos e nunca mais a procurou. Quando voltou para o Brasil voltou casado e pastor de uma igreja. Tereza acompanhou as histórias de Mariza e sempre sofreu por sua colega, pela falta de tudo, pelos cortes que a vida lhe deu, pelos nãos vida afora e principalmente por ela não se gostar e pensar que foi a sua falta de beleza que rendeu esta vida farta de escassez. 57 Por causa da vida de pobreza que Mariza levou, ela ficou com traumas e por isso sente um pouco de medo de envolver com homens pobres e feios também, tem outro problema ela sempre gostou de homens mais jovens, devido a tudo isso sua conquista se torna mais difícil ainda. Tereza sempre teve um carinho por Mariza e nunca a achou feia, ela a vê com olhos do coração é uma pessoa que está sempre querendo ajudar os outros, sempre esta à disposição de todos. Lá vem Mariza com seus tecidos e suas histórias. - Olá, Tereza quanto tempo! – exclama Mariza indo em direção ao canto de costura para dar um abraço em sua colega. - Que bom que você apareceu! Conte-me as novidades! Tereza pegou a sacola das mãos de Mariza e já foi tirando suas medidas. - Não tenho novidades – disse Mariza num tom de desânimo. - Está com aparência boa! – disse Tereza com sinceridade. - Andei fazendo Botox – responde Mariza. - Isso é bom, melhorou muito sua aparência – disse Tereza e feliz por ver uma melhora na moça. - Quanto aos homens, eu ainda não arrumei nenhum, já estou quase desistindo – desabafa Mariza. - Não fala assim, dizem que não há panela sem tampa – comenta Tereza. - É, mas a tampa da minha panela caiu da mudança! – exclama Mariza. Tereza anotou as medidas de Mariza e a levou até a porta. 58 Uma semana depois: Mariza provou suas roupas e aprovou todas. Embora todos saibam que Mariza não é dada a elogios, Tereza sentiu pelo seu olhar que ela havia gostado das roupas. Um mês depois: Mariza chegou para buscar suas roupas, muito animada, coisa que Tereza nunca viu e fica curiosa. - Você está com uma aparência boa! – comenta Tereza. - Até tenho novidades, mas receio que isso seja um sonho e que a qualquer momento eu venha acordar – disse Mariza com um ar de mistério. - Me conta logo! - Sabe aquele meu namorado que virou pastor? – pergunta Mariza. - Lógico que sei! - Então, me procurou e disse que sua esposa morreu há quase três anos, disse que quer se casar comigo – comenta Mariza. - E você quer ficar com ele? – pergunta Tereza. - Eu não quero envelhecer sozinha, por isso vou dar uma chance ao destino – comenta Mariza. Tereza entregou as roupas de Mariza e acompanhou-a até a porta e desejou-lhe muita sorte e sentiu vontade de rezar por sua colega. 59 Tereza parou para pensar em quantos de seus clientes que se mudaram, por alguma razão foram para bem longe dali, outros que nunca mais vieram visita-la, na verdade são muitos ao longo dos anos e ela tem cada um em sua mente e coração. Acompanhou muitos deles desde criança e aprendeu a amar cada um mesmo com suas diferenças. Está sendo construído perto da casa de Tereza um condomínio com sessenta casas, então, ela sabe que haverá novos clientes e fará novas amizades e terá muitas outras histórias para contar. FIM 60 Sobre o Autor: Regina Santos nasceu em Paranavaí, noroeste do estado do Paraná, com quatorze anos saiu de sua cidade natal em busca de uma vida melhor na capital. Trabalhou alguns anos como balconista e aos dezoito anos torna-se servidora publica, ingressou na faculdade de matemática, porem não concluiu a graduação, em outra tentativa deu inicio a graduação de letras língua portuguesa, porem não obteve êxito, somente no ano de 2011 conclui sua primeira graduação em Processos Gerencias. Desde muito jovem alimentava um sonho de um dia tornar-se uma escritora. Em 2011 publicou seu primeiro livro “Perfil Visto” pela Editora Lexia, à venda somente no site da Editora pelo link a seguir: http://www.editoralexia.com/perfil-visto.html 61