SHS/CCT/2006/PI/H/3
POLICY PAPER
Tráfico
de
Pessoas
No 14.1 (P)
em Moçambique:
86JH6HEG>C8>E6>H
:G:8DB:C96vÁ:H
Tráfico de Pessoas,
em Moçambique:
Causas Principais e Recomendações
Documento de orientação (Policy Paper) N° 14.1 (P)
Série de Relatórios sobre a Pobreza
Paris 2006
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AGRADECIMENTOS E CONTRIBUIÇÕES
Parte das conclusões registadas no presente documento de orientação (policy paper) são baseadas num estudo de pesquisa, não publicado, realizado pela
UNESCO sobre o tópico “Tráfico de Pessoas, especialmente de Mulheres e Crianças na África Austral (Lesoto, Moçambique e África do Sul) coordenado por Elize
Delport da Mhlava Consulting Services (África do Sul).
A escolha do material contido neste relatório bem como as opiniões aqui expressas não reflectem, necessariamente, os pontos de vista e opiniões da UNESCO e
não comprometem, de forma alguma, a Organização.
Equipa de Pesquisa:
Lea Boaventura, Coordenadora da organização Terres des Hommes para a
África Austral na área de Acção contra o Tráfico de Crianças
Carlos Manjate, Coordenador da Campanha de Moçambique Contra o Tráfico de
Crianças
Angela Mackay, Consultora Internacional sobre o Tráfico de Pessoas
Equipa Editorial da UNESCO:
Caroline BACQUET, Manilee BAGHERITARI, Antoine PÉCOUD, Juliette RUBENSTEIN, Eunice SMITH, Saori TERADA
Tradução por Elizabete Soares
Contactos:
Saori Terada, Coordenadora da Equipa
UNESCO Project to fight human trafficking in Africa
(Projecto da UNESCO para a luta contra o tráfico de seres humanos em África)
1, rue Miollis 75732 Paris Cedex 15
Tel.: 33 (0)1 45 68 40 86
Fax: 33 (0)1 45 68 55 97
Email: [email protected]
Internet: www.unesco.org/shs/humantrafficking
Design gráfico & reprodução
Soledad Munoz Gouet & Marina Taurus
[email protected]
© UNESCO 2006. Todos os direitos reservados.
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préambulo
Préambulo
A
UNESCO contribui para a luta global contra
o tráfico de pessoas encorajando reacções culturalmente apropriadas sensíveis aos géneros e
às idades com base na pesquisa e participação comunitárias.
O presente policy paper concentra-se no tráfico de mulheres e crianças em África.
Enquanto que cada grupo tem a sua situação específica, ambos grupos demonstram,
de forma clara, sérias violações de direitos humanos em situações de tráfico de
pessoas. O presente estudo destaca as formas como a falta de reconhecimento pelos
direitos das crianças e a posição marginalizada e discriminatória das mulheres a
nível público como privado posicionaram estes dois grupos em maior risco de
serem traficados.
A utilização por parte da UNESCO de uma abordagem baseada nos direitos
humanos com relação ao tráfico de pessoas reflecte a sua escolha de focar a sua
atenção sobre os grupos que revelam sérias violações dos direitos humanos em
situações de tráfico humano, ou seja, com relação a mulheres e crianças em
Moçambique.
Este documento de orientação baseia-se numa combinação da análise qualitativa
de entrevistas realizadas, entre 2004-2005, com partes intervenientes e de
interesse, juntamente com uma avaliação e análise críticas da literatura disponível
relativamente ao tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças na África
a sul do Sahara.
Foi apresentada uma primeira versão deste documento de orientação a várias
partes intervenientes e de interesse durante a realização de um seminário regional
sobre “O Tráfico de Pessoas na África Austral (Lesoto, Moçambique e África do
Sul): Causas Principais e Recomendações para a Definição de uma Política”
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
organizado pela UNESCO em Pretória, África do Sul, entre 22 e 23 de Novembro
de 2005. Com base nos comentários recolhidos durante o referido seminário, foram
adicionados melhoramentos ao presente documento através de pesquisa e análise
complementares efectuadas entre Março e Maio de 2006.
O presente documento visa servir como uma ferramenta para a defesa, apoio
e conscientização para a luta contra o tráfico de pessoas em Moçambique, com
recomendações concretas a serem implementadas por vários intervenientes
envolvidos na luta contra o tráfico de pessoas em Moçambique (incluindo o governo
e organizações internacionais e locais).
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índice
1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 9
1.A. Sumário...................................................................................................... 9
1.B. Factos Chave............................................................................................. 11
2. CONTEXTO E QUESTÃO................................................................................ 17
2.A. Qual é o contexto do Tráfico de Pessoas em Moçambique?........................ 20
2.B. Quais são as Causas Principais do Tráfico de Pessoas em Moçambique?.... 31
3. POLÍTICAS E PROGRAMAS............................................................................. 45
3.A. Actuais Quadros Legislativos..................................................................... 45
3.B. Programas e Projectos Actuais................................................................... 48
4. RECOMENDAÇÕES......................................................................................... 57
5. CONCLUSÃO................................................................................................... 63
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 65
ANEXO 1.............................................................................................................. 68
ANEXO 2.............................................................................................................. 69
ANEXO 3.............................................................................................................. 71
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Acrónimos
ADDC:Associação dos Defensores dos Direitos da Criança
ASI:Anti-Slavery International (Anti-Escravatura Internacional)
CCM:Conselho Cristão de Moçambique
CERPIJ:Centro de Reabilitação Psicológica Infanto-Juvenil
DRC:República Democrática do Congo
ECPAT:End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purposes (Organização internacional orientada
para o Fim da Prostituição e Pornografia de Crianças bem como do Tráfico de Crianças para Objectivos Sexuais)
FDC:
Fundação para o Desenvolvimento Comunitário
FECIV: Fórum de Educação Cívica
ILO: International Labour Organization (na sigla em Português
- OIT - Organização Internacional do Trabalho)
IOM: International Organization for Migration (na sigla em Português - OIM - Organização Internacional para a Migração)
NCACA: National Campaign Against Child Abuse (Campanha Nacional Contra o Abuso de Crianças)
ONG: Organização Não Governamental
OMM: Organizaçao da Mulher Moçambicana
PRSP: Poverty Reduction Strategy Paper (Estratégias para Redução de
Pobreza)
SADC:Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
SAMP:
Southern African Migration Project (Projecto deMigração da África Austral)
SANTAC: Southern African Network Against Trafficking and Abuse of Children (Rede da África Austral contra o Tráfico e Abuso de Crianças)
SNJ: Sindicato Nacional de Jornalistas de Moçambique
UNICEF: United Nations Children’s Fund (Fundo das Nações Unidas para
a Infância)
UNIFEM: United Nations Development Fund for Women (Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres)
ZAR:Rand Sul-africano
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Mapa de Moçambique
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introduçÃO
1
Introdução
1.A. Sumário
O
tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e de
meninas, não constitui nada novo. Historicamente,
este realizouse sob diferentes formas, mas no
contexto da globalização, adquiriu novas e chocantes
dimensões. É um fenómeno complexo, multi-facetado que
envolve múltiplas partes de interesse a nível institucional
e comercial. Constitui uma actividade comercial a nível
global, orientada pela procura, com um mercado enorme
para mão-de-obra barata e sexo comercial confrontado,
muitas vezes, por quadros legislativos e políticas
reguladoras insuficientes ou não experimentadas e sem
pessoal adequadamente treinado para lhe fazer frente.
Moçambique é somente um de entre um número estimado de 10 países (Angola,
Botswana, DRC, Lesoto, Malawi, Moçambique, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e
Zimbabué) que abastecem o mercado de tráfico de pessoas que fornece a África do
Sul, o íman regional. A recente história de conflito armado, situações extremas de
deslocação e de perda, reconstrução, disrupção política e profundas marcas sociais,
juntamente com a geografia específica do país e a pandemia da SIDA fazem com que
Moçambique seja um alvo convidativo para o crime organizado. O impacto destes
eventos sobre as mulheres e crianças, juntamente com a discriminação sistémica
de géneros e a ausência de legislação de protecção tornam-nas particularmente
expostas ao tráfico humano.
.
UNICEF (2003) Trafficking in Human Beings, Especially Women and Children, in Africa, Innocenti
Research Centre.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Moçambique é um país de origem e de trânsito para actividades de tráfico
de pessoas. Existe também evidência de tráfico de pessoas a nível interno. O
destino principal do tráfico moçambicano de pessoas é a África do Sul, a potência
económica desta região. A escala de aumento do tráfico de pessoas de África
para a Europa e para o Médio Oriente sugere que os Moçambicanos, tal como
muitas outras nacionalidades africanas, podem já estar a alimentar este negócio
transnacional. O tráfico de pessoas envolve essencilamente mulheres e meninas,
mas também inclui rapazes, traficados para fins de exploração sexual, trabalhos
forçados e colheita de órgãos humanos. A pobreza é a principal força motriz desta
actividade comercial, empurrando as pessoas marginalizadas para as mãos dos
traficantes, que pertencem tanto a empreendimentos locais de pequena escala
com extensas redes criminosas como a operações comerciais de múltiplos bens
transaccionáveis de larga escala.
Após o Primeiro Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de
Crianças (na sigla em Inglês CSEC) realizado em Estocolmo em Agosto de 1996, as
organizações moçambicanas da sociedade civil e as instituições governamentais
estabeleceram um programa para ir de encontro às recomendações do congresso
visadas ao combate da exploração comercial das crianças. Como resultado, foi
estabelecido um Grupo Central para pôr em execução a Campanha Nacional
Contra o Abuso de Crianças (na sigla em Inglês NCACA). A partir daí introduziramse mais iniciativas que culminaram no lançamento oficial da Campanha Nacional
Contra o Abuso de Crianças. Moçambique também participou na Campanha
Internacional da Terres des Hommes contra o Tráfico de Crianças e que foi lançada
em 2001. Após estes eventos, foram estabelecidos vários programas focados em
áreas diversas como por exemplo, conscientização, protecção, integração social
e reabilitação. Não obstante a participação do Governo, o tráfico de pessoas
continua a ser um problema crítico em Moçambique. Estas dificuldades podem
ser atribuídas à complexidade do problema, à ambivalência dos responsáveis pela
tomada de decisões e à falta de recursos para assegurar a introdução de legislação
adequada visada a permitir intervenções estratégicas diligentes na luta contra o
tráfico de pessoas.
Para se combater, da melhor forma possível, o tráfico de pessoas em
Moçambique, bem como os resultantes efeitos prejudiciais patentes na sociedade
moçambicana, são necessários esforços, talentos e recursos governamentais, de
organizações internacionais, das ONGs bem como da sociedade civil.
.
UNICEF (2003) Trafficking in Human Beings, Especially Women and Children, in Africa”, Innocenti
Research Centre.
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introduçÃo
1.B. Factos Chave
Perfil do País
População total
19,406,703 (estimativas de 2005)
População urbana
35.6% (2003)
Grupos tribais: 99.6%
Asiáticos: .08%
Europeus: .06%
Grupos étnicos
Expectativa de vida à nascença
Mulheres: 42.7 anos
Homens: 41.1 anos
Mortalidade infantil (com menos de 1 ano)
130.8 mortes/1000 nascidos vivos
Alfabetização de adultos
Mulheres: 31.4%
Homens: 62.3%
População a viver com menos de 1 dólar norte-americano por dia
70% (estimativas de 2001)
Crianças na força de trabalho
32% (10-14 anos)
População afectada pela subnutrição
47%
Crianças com altura inferior à normal para a idade (com menos de
41%
5 anos)
População com acesso sustentável a saneamento melhorado
27%
População com acesso sustentável a fontes melhoradas de água
42%
Partos assistidos por pessoal de saúde profissionalizado
48%
Médicos
2 por 100,000
Mortalidade materna
1000 por 100,000 nascidos vivos
Mulheres no governo a nível ministerial
13%
Meninas no sistema educacional
53% a nível
secundário
primário;
Mulheres em posições legislativas, de gestão, profissionais e Não se encontra
técnicas; grupo de profissionais
informação
Prevalência de HIV/SIDA entre a população adulta
14% (2005)4
Índice de Desenvolvimento Humano
168/177
10%
disponível
a
nível
qualquer
1.B.1. Tráfico de Pessoas: Internacional
• De acordo com as estatísticas do Departamento do Estado dos Estados
Unidos em 2004 cerca de 600,000 a 800,000 mulheres e crianças são
traficadas anualmente através de fronteiras internacionais. Destas, aproximadamente 80% são mulheres e até cerca de 50% são crianças menores.
A vasta maioria das pessoas traficadas com menos de 18 anos de idade são
.
.
A informação providenciada na tabela acima foi extraída conjuntamente do Relatório da UNDP
sobre o Desenvolvimento Humano (2005) http://hdr.undp.org/reports/global/2005/pdf/HDR05_
HDI.pdf e do Livro da CIA sobre Factos Mundiais http://cia.gov/cia/publications/factbook/geos/
mz.html
UNAIDS, Dados sobre HIV por país: Moçambique http://www.unaids.org/en/Regions_countries/
countries/mozambique.asp
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
•
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•
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.
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meninas. Somente 2% de pessoas traficadas são crianças menores do sexo
masculino.
De acordo com as Nações Unidas o número de pessoas traficadas a nível
internacional e interno situa-se mais em cerca de 4 milhões de pessoas.
As estimativas da UNICEF indicam que cerca de 1 200 000 crianças foram
traficadas a nível global no ano 2000.
Homens e rapazes, mulheres e meninas são traficados para vários fins –
para a exploração sexual, como pedintes, como mão-de-obra explorada e
insuficientemente paga nas indústrias agrícola, de manufactura e de construção, nos serviços domésticos e para extracção de órgãos humanos.
As redes e sindicatos criminosos organizados transnacionais são responsáveis pela grande maioria de tráfico de pessoas, o qual está ligado a várias
outras actividades de tráfico ilegal – drogas, armas de fogo e bens de consumo – e outras actividades criminosas - branqueamento de dinheiro, contrabando e suborno e corrupção política.
O tráfico de pessoas é um negócio vastamente lucrativo. As estimativas dos
lucros situam-se entre, aproximadamente, 7 e 10 biliões de dólares norteamericanos por ano. As redes de crime organizado envolvidas no tráfico
de pessoas são altamente estruturadas, flexíveis e reagem positivamente às
exigências do mercado.
As fracas estruturas estatais, resultantes das disrupções de economias em
transição, contribuem para um ambiente favorável a organizações criminosas predatórias. Estruturas paralelas em substituição das estruturas de
segurança estatal dominam essas economias e prosperam através do medo
e da intimidação.
O poder geral destas redes e a percepção da sua capacidade de retaliação
contra as ‘vítimas’ e suas famílias reforça a sua natureza clandestina, a
dificuldade de investigação e a falta de evidência para processamento jurídico.
Os conflitos armados destroem os meios de subsistência, danificam severamente as economias nacionais e causam movimentações populacionais
em massa. Através de uma segurança cada vez maior, as guerras aumen-
Departamento do Estado dos Estados Unidos (2005) Trafficking in Persons Report.
USAID (1999) “Women as Chattel: The Emerging Global Market in Trafficking” Gender Matters
Quarterly, No 1.
UNICEF (2006) State of the World’s Children: Excluded and Invisible http://unicef.org/sowc06/index.php
Departamento do Estado dos Estados Unidos, ibid.
O termo ‘vítima’ é tipicamente considerado como despotencializador (em inglês disempowering).
O termo ‘pessoas traficadas’ é o termo de escolha no presente relatório e empreenderam-se
todos os esforços para o usar quanto mais possível. Contudo, em algumas circunstâncias foi
considerado apropriado usar-se o termo ‘vítima’.
12
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introduçÃo
•
•
•
•
•
•
tam a vulnerabilidade das mulheres e das crianças, promovem estratégias
dramáticas de sobrevivências tais como a prostituição e muitas vezes envolvem o sequestro de mulheres e de crianças para grupos/facções armadas. O aumento da pobreza para os sobreviventes, particularmente para
as viúvas e aglomerados familiares chefiados por mulheres, constitui uma
característica endémica dos conflitos armados.
A migração como reacção ao conflito armado e à insegurança resulta em
vastas populações de refugiados, expondo os mais marginalizados a um
variedade de perigos – discriminação, violência sexual, intimidação, recrutamento para as forças armadas e tráfico ilegal.
Requisitos rigorosos de entrada aumentaram a regulação da movimentação das populações.·Quando os possíveis migrantes não conseguem ir de
encontro a estes requisitos, podem recorrer a meios irregulares, dando
origem ao contrabando e ao tráfico ilegal.
O aumento na procura de mão-de-obra barata continua a atrair os fluxos
de pessoas desde os locais mais pobres aos mais prósperos. Como resultado, com a movimentação das populações à procura de emprego, juntamente com as oportunidades associadas para exploração, existe muitas
vezes uma sobreposição entre a fonte do tráfico ilegal, locais de trânsito e
de destino. 10
A indústria de sexo comercial teve um aumento significativo à medida que
se globalizou e se tornou integrada com outros aspectos da modernização.
Os factores de procura que dominam o sexo comercial exigem um fornecimento constante de mulheres e crianças. A indústria de sexo comercial
está muitas vezes inextrincavelmente ligada ao turismo, tanto doméstico
como estrangeiro, e alguns países são especificamente promovidos pelo
“sexo-turismo”.11
A discriminação geral de géneros que nega às mulheres os seus direitos,
para além de atitudes que consideram as mulheres e as meninas como
inferiores e fracas e por isso as consideram como objectos, e toleram a violência contra as mulheres, apoiam a existência de práticas de tráfico ilegal
que atiram as mulheres para condições de vida e de trabalho pavorosas.
As famílias pobres, incapazes de sustentar os seus filhos são marginalizadas e pressionadas a vender ou disponibilizar os serviços desses filhos, e
as meninas são as mais vulneráveis à exploração comercial.
10. D’Cunha, Jean (2002) Expert Meeting on Trafficking in Women and Girls, Glen Cove, New York.
11. Corner, Lorraine (2002) A Gender Perspective to Combat Trafficking, Strategy Paper on an Integrated Approach to Livelihood Options for Women & Girls, Seminar on Promoting Gender Equality to Combat Trafficking in Women and Children, Bangkok. (Estratégia para uma Abordagem
Integrada às Opções de Sustento para Mulheres e Crianças, Seminário sobre a Promoção da
Igualdade de Géneros para Combater o Tráfico de Mulheres e Crianças, realizado em Bangkok).
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• Não obstante convenções internacionais, continua a existir indiferença e uma
falta de compromisso a nível doméstico para proteger aqueles que mais se
encontram em situação de risco, através de legislação adequada, conscientização e informação, bem como através da formação das autoridades responsáveis por providenciar protecção.
1.B.2. Tráfico de Pessoas: Moçambique
• Não obstante sendo uma das economias com melhor desempenho em África,
Moçambique é um dos países mais pobres do mundo, dependente de vasta
ajuda estrangeira.12 13
• É um país de origem, trânsito e destino para o tráfico de pessoas14
• Os padrões tradicionais de migração de mão-de-obra para a África do Sul;
a prática de se emprestarem/enviarem as crianças para serem criadas por
membros familiares em melhor situação; e os existentes procedimentos fronteiriços imprevidentes contribuem para a aceitação e expectativas de um
movimento desregulado.
• As mudanças nas necessidades da mão-de-obra migrante na África do Sul e o
declínio em contratos contribuem para uma redução no intercâmbio entre os
homens migrantes e as suas famílias em casa, uma vez que estes se mantêm
ausentes na esperança de manterem ou de encontrarem novos empregos.
• Os resultados práticos da destruição da guerra incluem famílias separadas e
deslocadas, morte de membros familiares, crianças órfãs e abandonadas, perda de infra-estruturas e de serviços sociais, fluxo para as cidades de mulheres
que perderam os seus bens e as suas propriedades, um aumento significante
de aglomerados familiares chefiados por mulheres, um nível altíssimo de
desemprego, particularmente entre a juventude.
• A pobreza é a causa mais visível da vulnerabilidade das mulheres e das crianças.
• A discriminação com base nos géneros tanto em termos da prática e dos direitos estatutários e consuetudinários resulta no abuso dos direitos humanos
das mulheres e a sua prolongada posição de desvantagem na sociedade.
12. Freedom House 2005.
13. O crescimento económico atingiu em média 8 por cento durante os últimos 11 anos, o que constitui
um dos níveis mais rápidos no mundo. Estimulado por duas instâncias de alívio de dívida, calculada
em cerca de USD 57 milhões (83.4 milhões de dólares australianos) – prevê-se que o crescimento
rapidamente aumente ainda mais. (jornal New Zealand Herald, 09/07/05).
14. Organização Internacional para as Migrações (2003) Seduction, Sale and Slavery: Trafficking of
Women and Children for Sexual Exploitation in Southern Africa.
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introduçÃo
• As práticas culturais como por exemplo o casamento precoce, o lobolo15, o
levirato16, e a iniciação feminina podem ser prejudiciais à saúde das mulheres
e as restrições associadas com relação às escolhas por parte das mulheres e
das meninas, bem como a sua marginalização da participação e determinação
dos aspectos sócio-culturais, políticos e económicos da sociedade em que se
encontram inseridas.
• As estimativas relativamente à prevalência de HIV, a nível nacional, entre
adultos (15 a 49 anos de idade) indicam um aumento de 14% para cerca de
16% entre 2002–2004, sendo que o nível de seropositividade tem vindo a
aumentar mais rapidamente nas províncias que têm as principais ligações de
transporte com o Malawi, a África do Sul e o Zimbabué. Até finais de 2003
aproximadamente 1 300 000 moçambicanos vivem com HIV.17
• As estimativas indicam que existem cerca de 470 000 órfãos como resultado
de mortes relacionadas com a SIDA.18
• As extensas fronteiras terrestres e marítimas são difíceis e dispendiosas de
patrulhar de forma adequada.
• Os períodos de transição de um regime socialista totalitário para uma democracia multipartidária e uma economia de mercado providenciaram um
ambiente propício para o alargamento do crime organizado. O relaxamento
dos controlos sociais sem o estabelecimento correspondente de forças de
segurança adequadas, e o progresso lento para uma sociedade com base no
domínio da lei e no respeito pelos direitos humanos, contribui para lacunas
em termos de segurança que são exploradas pelo crime organizado.
• Os grupos locais de crime organizado, que negociam essencialmente com
drogas e produtos contrabandeados, e os sindicatos locais menos organizados
de tráfico de pessoas para fins múltiplos, estão firmemente estabelecidos.
• Não existe em Moçambique qualquer legislação doméstica contra o tráfico
de pessoas.
• Moçambique ainda não ratificou a Convenção das NU Contra o Crime Organizado Transnacional e o Protocolo das NU para Prevenir, Suprimir e Punir
o Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e Crianças (o Protocolo de
Palermo) 2000.
15. Bens que o noivo entrega à família da noiva, a prática do futuro marido contribuir com gado, dinheiro, panos e/ou outros bens materiais culturalmente apropriados como compensação para a família
da noiva. O lobolo pode tornar-se uma questão contenciosa em alturas de dissolução de casamentos ou de viuvez.
16. A prática da viúva se casar com um irmão do falecido marido.
17. http://www.unaids.org/en. Actualização sobre a Epidemia da SIDA, Dezembro 2005.
18. UNAIDS, UNICEF, USAID (2004) Children on the Brink 2004: a joint report of new orphan estimates
and a framework for action (Relatório conjunto sobre as novas estimativas sobre órfãos e um quadro
para tomada de acção): www.unicef.org/publications/index_22212.html
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2
Contexto e questÃO
Contexto
e Questão
O QUE É O TRÁFICO DE PESSOAS?
A primeira definição de tráfico de pessoas acordada a nível internacional
encontra-se expressa no Protocolo das NU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico
de Pessoas, Especialmente de Mulheres e Crianças, que Suplementa a Convenção
das NU contra o Crime Transnacional Organizado (2000) seguinte forma:
O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por
meio de ameaça ou uso de força ou por quaisquer outras formas de coerção, de rapto,
de fraude, de decepção, do abuso de autoridade ou de uma posição de vulnerabilidade
ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para
uma pessoa ter controlo sobre outra pessoa, para o propósito de exploração.
A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de ouros ou outras
formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão, servidão ou
práticas semelhantes à escravidão, servidão ou a remoção de órgãos”.
O consentimento de uma vítima de tráfico por parte das pessoas da intencionada
exploração ... será considerada como irrelevante onde tenham sido usados quaisquer
dos ... meios [acima mencionados].
O recrutamento, transferência, abrigo ou recebimento de uma criança para fins de
exploração será considerado como ‘tráfico de pessoas’ mesmo nos casos em que
não envolva ... [qualquer dos meios acima mencionados].
“Criança” significa qualquer pessoa menor de 18 anos de idade (Art. 3).
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Pontos-chave do Protocolo:
• Define o tráfico de pessoas como um crime contra a humanidade, marcado pela intenção de enganar e explorar;19
• Expande o âmbito de acções consideradas como parte do processo de tráfico – recrutamento, transporte, transferência, abrigo e recebimento
de pessoas nas instituições finais;
• Aborda um âmbito variado de meios usados, desde força óbvia a persuasões subtis que tiram proveito da vulnerabilidade para alcançar ‘consentimento’;
• Considera o consentimento à exploração intencionada como irrelevante, nos casos em que qualquer dos meios descritos nesta definição
seja usado;
• Reconhece que os homens também são traficados, destaque o tráfico
mulheres e crianças (Artigo 2);
• Identifica uma variedade de finalidades do tráfico de pessoas, para além
da exploração sexual;
• Contém medidas com base nos direitos humanos bem como medidas
protectoras de ordem social, económica, política e legal para prevenir o
tráfico, proteger, auxiliar, assegurar o regresso e reintegrar as pessoas
traficadas bem como penalizar os traficantes e toda a conduta relacionada (Artigos 6, 7, 8, e 9);
• Pede a cooperação internacional de forma a prevenir e combater o tráfico
de pessoas (Artigos 9, 10, 11).
Apesar das disposições relativas aos direitos humanos possam ser alargadas,
melhoradas e tornadas obrigatórias para os Estados, o Protocolo constitui apesar
de tudo um passo importante na identificação do tráfico de pessoas num contexto
de direitos humanos.20
A tabela a seguir providencia dados adicionais sobres os direitos violados no
contexto do tráfico de pessoas e instrumentos legais correspondentes.21
19. Consultar o ‘International Criminal Court, Rome Statute: Article 7: Crimes Against Humanity’
(Tribunal Criminal Internacional, Estatuto de Roma: Artigo 7: Crimes Contra a Humanidade)
20. UNIFEM Asia (2002) “Trafficking in Persons: A gender and rights perspective,” Briefing Kit.
21. Esta tabela foi adaptada do Human Rights Standards for the Treatment of Trafficked Persons
publicada pela Global Alliance Against Trafficking in Women (GAATW) e extraída da International
Perspectives and Nigerian Laws on Human Trafficking por Olaide Gbadamosi Esq, Rede para a
Justiça e Democracia
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contextO e questÃo
Direitos Humanos Geralmente
Violados no Contexto do Tráfico de
Pessoas
Instrumentos Legais e Artigos Internacionais correspondentes
• Artigos 22 e 25 (1) da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(UDHR)
• Artigo 12 da Convenção Internacional dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (ICESCR)
Direito à Saúde e aos Serviços Sociais • Artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das Crianças (CRC)
• Artigo 12 da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (CEDAW)
• Artigo 5 (e) (iv) da Convenção Internacional para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD)
Direito à Educação e Formação
• Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 13 da Convenção Internacional dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (ICESCR)
• Artigo 18 da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos (ICCPR)
• Artigos 28, 29 da Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC)
• Artigo 10 da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (CEDAW)
• Convenção da UNESCO Contra a Discriminação em Educação
Direito à Liberdade de Movimento
e Liberdade de Escolher a Sua
Residência
• Artigo 13 (1) da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 12 (1) da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos (ICCPR)
Direito ao Trabalho Decente
• Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 8 (3) da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos (ICCPR)
• Organização Internacional do Trabalho Convenção 29
• Artigo 23 (1) da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 7 da Convenção Internacional dos Direitos Económicos, Sociais
e Culturais (ICESCR)
• Artigo 11 da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (CEDAW)
Direito à Liberdade Contra a
Escravatura
• Artigo 4 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 8 da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
(ICCPR)
• Convenção das Nações Unidas contra a Escravatura Complementar
à Convenção para a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e
das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura
Direito a não ser Torturado e/ou
Sujeito a Outros Tratamentos ou
Castigos Cruéis, Desumanos ou
Degradantes • Artigo 5 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigo 7 da Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
(ICCPR)
• Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Castigos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes Direito à Paz e à Segurança
• Artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
Direito à Não-Discriminação
• Artigos 1, 2 e 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(UDHR)
Direito ao Acesso à Justiça
• Artigo 6 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR)
• Artigos 19 e 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Direito à Liberdade de Expressão e de
(UDHR)
Participação
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
2.A. Qual é o contexto do Tráfico de Pessoas em
Moçambique?
2.A.1 Características Principais do Tráfico de Pessoas em Moçambique
De acordo com o Relatório de 2003 da Organização Internacional para as
Migrações intitulado “Sedução, Venda e Escravatura: O Tráfico de Mulheres e Crianças
para Exploração Sexual na África Austral” a exploração sexual e o trabalho forçado
são os principais fins do tráfico de pessoas em Moçambique. Existem em operação
várias redes de tráfico de pessoas mais ou menos em pequena escala que utilizam
carrinhas táxi para passar clandestinamente tanto migrantes como mulheres pela
fronteira. Estas redes têm a sua base em casas de trânsito estabelecidas na região
fronteiriça entre Moçambique, Suazilândia e África do Sul e operam através de
uma rede de cúmplices em Joanesburgo, Maputo e na região do Lebombo onde
recrutam, alojam e transferem mulheres. As frotas de carrinhas táxi viajam entre
Maputo e Joanesburgo várias vezes por semana. Estas transportam moçambicanos
que visitam as famílias ou que procuram trabalho, e que utilizam os táxis como
uma forma de transporte bem como de assistência para aqueles que atravessam a
fronteira sem a necessária documentação.
As moças jovens esperançadas em encontrar trabalho na África do Sul
ou que se visitam familiares, mas que acabam como vítimas do tráfico de
pessoas são recrutadas passivamente quando se aproximam dos postos de
táxis. Aqui os agentes de tráfico seleccionam as jovens que lhes podem
trazer melhor preço de venda e persuadem-nas a utilizar os serviços do táxi.
As vítimas assim logradas de nada suspeitam à partida. Estas entram na África
do Sul de forma irregular entre os seus companheiros de viagem – aparentemente
como migrantes comuns que procuram trabalho. Uma vez no alojamento de
trânsito, as vítimas são separadas dos seus companheiros de viagem, e começa
então o processo de isolamento, intimidação e exploração.
Os traficantes moçambicanos estabelecidos em Maputo também recrutam, de
forma activa, jovens que trabalham no sector informal, nos mercados e comércio
locais e que são usadas como trabalhadoras sexuais e não só. Esta é ajudada por
uma cúmplice – possivelmente conhecida da vítima – que tipicamente oferece
às moças emprego como empregadas de restaurante ou empregadas domésticas
na África do Sul. As trabalhadoras do sexo de Maputo são especificamente
recrutadas para serem vendidas a casas de prostituição nas províncias de Gauteng
e de KwaZulu-Natal.
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contextO e questÃo
“Foram detidos seis homens em Maputo, Moçambique, por alegadamente tentarem
traficar pessoas para a África do Sul. Estes foram apreendidos quando tentavam
transportar 43 pessoas entre Maputo e Witbank. Algumas das supostas vítimas estão
a auxiliar a polícia na sua investigação sobre a forma como funciona o sindicato. O
porta-voz do Ministro do Interior, Ilídio Miguel afirmou que havia largos números de
pessoas a serem traficadas das áreas pobres de Moçambique para a África do Sul,
aliciadas pela promessa de bons empregos. Na realidade muitas delas estavam a ser
vendidas para a prostituição comercial e trabalho forçados.”
(SABC News, 22/02/06)
Para além de Maputo e das províncias do sul de Moçambique, a província
de Nampula constitui outro centro principal de recrutamento de jovens para
a indústria do sexo. A prostituição é comum, essencialmente como resultado
da ocupação pré-independência por parte do exército português. As moças
são também envolvidas em actividades sexuais numa idade muito jovem e a
prostituição, tal como noutros lugares, torna-se uma estratégia de sobrevivência.
Pouco se sabe sobre a forma como estas moças são recrutadas, ou se estão
incluídas tanto aquelas já estabelecidas como trabalhadoras do sexo como as que
não possuem qualquer experiência a este respeito.
Suspeita-se também que moçambicanos do norte do país sejam traficados
através do Zimbabué para a África do Sul.22
….o comércio de mulheres moçambicanas continua a prosperar, e é bem conhecido por
muitas pessoas ao longo do corredor de Maputo. Já não existe guerra em Moçambique
mas a sua geração mais jovem parece estar tão desesperada por oportunidades e
emprego como durante a guerra, o que faz com que muitas moças jovens aceitem falsas
ofertas de emprego na África do Sul, onde são vendidas para a escravatura sexual,
primariamente como concubinas de homens sul-africanos.
(OIM (Maio de 2003) Seduction Sale and Slavery: Trafficking in Women and Children for
Sexual Exploitation in Southern Africa)
A África do Sul está a emergir, cada vez mais, como um país de destino no
tráfico de crianças para a exploração sexual e trabalhos forçados.
Existem registos sobre crianças com meramente oito anos de idade a serem
transportadas diariamente em camiões para o Parque Nacional Kruger ou para a
fronteira com a Suazilândia, algumas delas tendo sido vendidas a indivíduos sulafricanos por entre $30 a $50 dólares por criança. Entre os indivíduos envolvidos
22. UNICEF (2003) Trafficking in Human Beings, Especially Women and Children, in Africa”, Innocenti
Research Centre.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
encontram-se oficiais do governo, proprietários de bordéis, pessoal das forças
policiais ou de segurança e sindicatos de crimes.
Um relatório apresentado pela organização Molo Songololo no ano 2000 sobre
o tráfico de crianças na África do Sul sugere que existem mais de 20 000 crianças
trabalhadoras, muitas delas refugiadas moçambicanas, a trabalhar em fazendas
agrícolas onde recebem pagamentos miseráveis e trabalham em troco de alimentação
e alojamento.23
Uma menina de dezasseis anos, Tobi, limpa as lágrimas ao mesmo tempo que conta
como foi arrancada da sua casa, forçada a uma longa caminhada pelo mato e então
vendida a um agente de recrutamento na África do Sul.
Fica horrorizada ao recordar a forma como foi entregue a um comprador interessado
em mão-de-obra barata para a agricultura, como foi ama de crianças e escrava sexual
daqueles que a abusaram por meses até que ela conseguiu escapar.
Tobi é uma de centenas de jovens moçambicanas raptadas ou seduzidas pelo dinheiro
e que acabam, na sua maioria, todos os anos na África do Sul ou então são enviadas
por barco para a Europa para uma indústria que está a crescer a ritmos extremamente
perigosos.
(Relatório da Molo Songololo publicado no jornal Sunday Herald,10/09/02)
Muito embora seja evidente que muitas mulheres e crianças sejam traficadas
especialmente para a prostituição forçada, e outras sejam recrutadas para trabalhar na
agricultura, na indústria manufactora ou nas indústrias de serviços por pagamentos
mínimos sob condições terríveis, as distinções entre as duas actividades tornou-se
confusa, especialmente no caso de meninas e de jovens recrutadas para trabalharem
como domésticas e que são alvo de abuso sexual pelos seus empregadores.
Enquanto que tráfico de pessoas para a exploração sexual e trabalhos forçados
constitui a vasta maioria dos incidentes, existe um aumento no tráfico de pessoas
para órgãos humanos, ou recolha de órgãos. Este tipo de actividade comercial
tanto acontece a nível internacional, na sua maioria para a África do Sul como
também a nível interno e devido a duas razões distintas. Em primeiro lugar, partes
específicas do corpo humano como por exemplo os órgãos sexuais, coração, olhos
e crânio são usados em medicina tradicional, designada por ‘muti’24 onde se crê que
estes órgãos curam males e doenças desde impotência à SIDA e à infertilidade, e
aumentam a influência e a riqueza.
O comércio mais lucrativo a nível internacional envolve a recolha de órgãos para
transplantes. Naquilo que é predominantemente um sistema sul/norte, os órgãos
(tipicamente os rins) são armazenados em temperaturas frias e transportes por ar
23. Molo Songololo (2000) The Trafficking of Children for Purposes of Sexual Exploitation in South Africa.
24. Termo frequentemente usado para se referir a medicina tradicional.
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contextO e questÃo
para os centros de recepção. Existem numerosos países de todos os continentes,
incluindo entre outros a Europa, África e Ásia, que estão implicados neste complexo
comércio de procura e oferta.25 As facilidades de alojamento nas clínicas sulafricanas de transplantes em hospitais privados têm a reputação de oferecer a mais
alta qualidade. À medida que a diálise e as operações de transplante se tornam cada
vez mais acessíveis na área do sector privado, consequências negativas causadas pela
desigualdade social podem permitir que aqueles com meios financeiros adquiram
órgãos humanos à custa de pessoas pobres ou mesmo sendo-lhes disponibilizados
por essas pessoas por meramente alguns dólares.
Casos de Tráfico de Crianças em Moçambique
• Em 2003 registou-se o desaparecimento de 52 crianças em Nampula e
foram encontrados alguns cadáveres onde faltavam órgãos e/ou partes
do corpo. A unidade de Anti-corrupção deteve uma mulher dinamarquesa, um cidadão sul-africano e outros europeus não identificados.26
• Após o rapto de um rapaz de 9 anos de idade foram detidos em Chimoio27, três adolescentes. Os órgãos genitais do rapaz tinham sido removidos e oferecidos para venda a um preço de 160 milhões de meticais (aproximadamente ZAR 47 000 ou US$ 7,833)
• Em Maputo, algumas mulheres denunciaram o rapto dos seus filhos
por vizinhos. Após uma investigação conjunta entre a polícia moçambicana e sul-africana, uma das crianças foi eventualmente resgatada e
trazida para casa.28
• Uma criança de 3 anos de idade foi encontrada morta no meio do
mato em Changalane, 30 km a sul da cidade de Maputo. Tinham sido
removidos os seus órgãos genitais, a língua e a perna esquerda.29
• A polícia30 deteve dois jovens vendedores ambulantes que foram
apanhados em flagrante a venderem duas crianças com 13 anos e 16
anos por um preço de 30 milhões de meticais (aproximadamente ZAR
14,000 ou US$ 2,333). O comprador era um curandeiro que estava a
tentar comprar as crianças para as usar como parte das suas actividades de cura tradicional. É bem possível que estas actividades envolvessem a utilização de partes do corpo como parte do ritual.
25. Scheper Hughes, Nancy (2001) The Global Traffic in Human Organs, (Relatório apresentado à Subcomissão Interna sobre Operações Internacionais e Direitos Humanos, Congresso dos Estados Unidos, 27 de Junho de 2001
26. Jornal Notícias, 30 de Dezembro, 2003.
27. Relatório do Procurador-geral da República de Moçambique, 2004, pág. 45.
28. Idem, pág. 50.
29. Jornal Notícias, 17 de Julho 2004.
30. Jornal Notícias, 17 de Setembro 2003.
23
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• Um proprietário de um bar foi contactado por duas mulheres que
foram detidas pela polícia após o proprietário do bar Macamo ter notificado a polícia de que estas duas mulheres planeavam raptar um
filho31 do seu pai viúvo e vendê-lo por 50 milhões de meticais (aproximadamente ZAR 21,430 ou US$ 3,571.
Há registo de refugiados terem sido tanto vítimas como perpetradores
de tráfico de pessoas para a África do Sul. Grande parte do tráfico de pessoas
de Moçambique é controlado por refugiados moçambicanos organizados e que
vivem legalmente na África do Sul. Os seus alvos principais são moças jovens
que trabalham na indústria de sexo comercial em Maputo e crianças com idades
compreendidas entre os 3 e 12 anos de idade das áreas rurais nas províncias de
Gaza, Inhambane, Maputo e Nampula. As crianças são mandadas para famílias
moçambicanas refugiadas que vivem na África do Sul, bem como para cidadãos
sul-africanos e redes de prostituição em Joanesburgo.32 De facto, descobriu-se
que numerosas crianças traficadas através do Lesoto para a África do sul são de
nacionalidade moçambicana.33
À medida que os homens refugiados se deparam com o desemprego e a xenofobia
na África do Sul, optam por recrutar mulheres da sua família dos seus países de
origem para a África do Sul. Estas mulheres têm geralmente 25 anos ou mais,
são casadas e têm filhos. Os traficantes refugiados individuais são auxiliados por
sindicatos com base étnica que entregam em seu nome uma carta de recrutamento
à vítima no seu país de origem, a acompanham até à África do Sul, e a assaltam
sexualmente como um tipo de iniciação ao trabalho sexual, caso esta resista após
a chegada. O traficante refugiado fica com o dinheiro que a mulher ganha como
trabalhadora do sexo, e para proteger o seu investimento auxilia-a a pedir o estatuto
de refugiada de forma a evitar a deportação caso a polícia a detenha. No entanto,
o nível desta prática específica entre os moçambicanos requer uma investigação
adicional.
Os refugiados de outras partes de África, como por exemplo da DRC e dos
Grandes Lagos Africanos são dos principais participantes nesta população, em cujo
caso Moçambique é usado como um país de trânsito para a movimentação destas
vítimas.34
Moçambique é também identificado como um país de trânsito para os cidadãos
da Somália que são traficado e que chegam a Nacala por barco para fazer a ligação
com as principais rotas listadas.35
31. Jornal Notícias, 6 de Maio 2004.
32. “Child Trafficking between Mozambique and South Africa,” Indian Ocean Newsletter, 17 de Janeiro
de 2004.
33. UNICEF (2003), Trafficking in Human Beings, Especially Women and Children, in Africa”, Innocenti
Research Centre.
34. International Organization for Migration (2003) Seduction, Sale and Slavery: Trafficking of Women
and Children for Sexual Exploitation in Southern Africa.
35. Idem.
24
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contextO e questÃo
2.A.2. Principais Protagonistas no Tráfico de Pessoas
Traficantes
Tanto para fins legais como práticos, este grupo inclui todos aqueles envolvidos
na cadeia de tráfico de pessoas desde o ponto de recrutamento até ao ponto de uso
e de re-uso da mão-de-obra. Inclui os recrutadores – quer que por meios seja – bem
como os transportadores, os receptores, os proxenetas, os donos dos bordéis, os
guardas fronteiriços corruptos e aqueles que produzem documentação falsa, todos
eles beneficiando à medida que as pessoas traficadas passam pelas suas mãos.
O traficante é o elo de ligação entre a procura e a oferta, por um lado aumentando a
oferta através do recrutamento, decepção, transporte e processo de exploração e por
outro lado aumentando a procura através da disponibilização do acesso fácil às ‘vítimas.’
Qualquer que seja a escala e os meios de operação para os traficantes,
o processo é um fenómeno económico sistemático e bem organizado que
envolve a deslocação e movimentação de pessoas puramente para fins de lucros
(directa ou indirectamente) através da exploração da mão-de-obra da pessoa
traficada. Todos são perpetradores directos do crime do tráfico de pessoas.
Os traficantes africanos enfrentam baixos riscos em termos de detenção,
processamento judicial ou outras consequências negativas. Estes exploraram a
falta do domínio da lei, a não-implementação de leis anti-escravatura existentes
e a corrupção por parte dos sistemas judiciais.36 Estes lapsos permitem que os
perpetradores não sejam punidos. As acções judiciais são raras e carregadas de
dificuldades.
Crime Organizado
Nível Nacional
Conforme já indicado, os traficantes locais com redes transfronteiriças,
organizações de ex-refugiados, recrutadores com ligações familiares em Moçambique,
parecem ser os principais actores no comércio do tráfico de pessoas de Moçambique
para a África do Sul. Não está claro qual é a localização do comércio interno.
O salário de um agente da polícia que investiga o crime organizado é menos de 4 milhões
de Meticais por mês – aproximadamente 180 dólares norte-americanos. Os promotores
superiores de justiça a nível provincial ganham salários de aproximadamente 8 milhões
de Meticais ou seja cerca de 360 dólares norte-americanos por mês. Os níveis muito altos
de desemprego significam também que os empregos têm alto valor, particularmente no
sector estatal onde a pessoa tem basicamente assegurado o emprego.
(Gastrow, P. e Mosse, M., “Mozambique: Threats posed by the penetration of criminal
networks”)
36. Fitzgibbon, Kathleen (2003) Modern Day Slavery? The Scope of Trafficking in Persons in Africa, Africa
Security Review Vol. 12 N° 1.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Enquanto que as limitações das remunerações salariais constitui a realidade do
pessoal dos serviços policiais e de aplicação da lei, os riscos continuam alto e as
recompensas são limitadas em termos da severidade de perseguição e processamento
dos traficantes.
Nível Internacional
Nos anos 90 foi-se cada vez mais reconhecendo que grupos criminosos eram
os principais intervenientes no crescente nível de crime da África do Sul. A partir
do comércio original em barbatanas de tubarão e abalone, emergiram nas cidades
portuárias, em Joanesburgo e em Pretória, várias tríades com base em Hong Kong.
Até ao ano de 2001 existia uma rede bem desenvolvida de tráfico em narcóticos,
branqueamento de dinheiro e prostituição. Dentro destas estruturas rígidas, as
actividades com base no tráfico ilegal estavam divididas entre três grupos – um dos
quais se concentrou nos jogos de azar e na prostituição.37
Continua pouco clara a forma como o território é partilhado, como é o comércio
internacional em pessoas organizado entre a África do Sul e Moçambique, e o nível
de outra incursão e interesses internacionais.
Nível Transnacional
Tanto a presença documentada como a presença alegada de operações
transnacionais de tráfico ilegal ligadas à máfia e a outros grupos de crime organizados
na Rússia, Brasil, China e Europa são motivo de séria preocupação. O tráfico de
pessoas entre a África, por um lado, e a Europa e o Médio Oriente por outro, é
significante e está a aumentar. O mercado de órgãos para transplante está a crescer
e é um mercado extremamente lucrativo e difícil de detectar.38
As ligações do crime organizado são, por definição, difíceis de seguir e de
confirmar. É uma área perigosa de investigação por razões óbvias, mas a necessidade
de se fazer pesquisa detalhada é vital para assegurar a prevenção relevante e
oportuna.
Ligações. As vastas ligações entre as redes de traficantes e os sectores da indústria
e comércio do crime conspiram contra a perseguição e processamento com sucesso
dos traficantes enquanto que ao mesmo tempo asseguram rédeas livres para os
traficantes. A obstrução da justiça, muitas vezes envolvendo as redes criminosas
organizadas, constitui uma das práticas mais prejudiciais com que se depara a
sociedade moçambicana e o seu sistema de justiça criminal.39 Caso se desenvolva
a percepção de infiltração das estruturas estatais ou comerciais por parte das redes
37. Gastrow, Peter (2004) Trafficking in Persons, South Africa Law Commission, Issue paper 25, Project
131. (Comissão de Direito da África do Sul, Edição 25, Projecto 131).
38. Anedotas sobre órgãos, empacotados em gelo em pequenos recipientes, transportados nas cabines
dos aviões, como bagagem de mão.
39. Gastrow P, and Mosse M. (2002) Mozambique: Threats posed by the penetration of criminal networks, Institute for Security Studies.
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contextO e questÃo
criminais organizadas, tal danificará seriamente a confiança pública e aumentará as
dificuldades ligadas ao combate do tráfico de pessoas.
Pessoas Traficadas
Estas são as ‘vítimas,’40 todas as mulheres, crianças e homens que são enganados,
transportados e entregues às mãos daqueles que os exploram para fazerem lucro.
Utilizadores
Inclui as seguintes categorias de pessoas:
Indústria do sexo: compradores do sexo, clube de strip, clube nocturno,
restaurante/bar, bordel etc.
Empregadores: agricultura, trabalhos domésticos, construção, comércio a
retalho, mercados, mendigar.
Pessoal médico: curandeiros, indústria de transplante de órgãos.
Os utilizadores podem actuar como indivíduos ou são ligados através de uma
rede a acesso a outras actividades ilegais – prostituição e abuso sexual de crianças e
trabalhos forçados. Podem não estar cientes ou não estar preocupados com o tráfico
ilegal ou não se consideram como parte da rede de tráfico ilegal.41
2.A.3. Rotas e Transporte
Duas operações distintas de tráfico de pessoas fazem uso de três rotas diferentes
para transportas as vítimas de Moçambique para a África do Sul.42
A primeira rota usada é para Gauteng através de Ressano Garcia. Com base
na pesquisa efectuada entre 19 de Janeiro de 2004 e 6 de Fevereiro de 2004,43
de um total de 2.260 pessoas traficadas, 282 mulheres e 163 crianças foram
contrabandeadas44 para a África do Sul através da fronteira do Lebombo ou de
Ressano Garcia.
A segunda rota de tráfico que introduz mulheres traficadas tanto para as
províncias de Gauteng como do KwaZulu-Natal atravessa a fronteira de Ponta de
Ouro para a África do Sul. O transporte continua então para o sul da Suazilândia e
40. Neste documento o termo ‘vítima’ é considerado como um termo apropriado para reflectir as condições de vida que expõem uma pessoa a tal vulnerabilidade extrema.
41. UNICEF (2003), Trafficking in Human Beings, Especially Women and Children, in Africa”, Innocenti
Research Centre.
42. Idem.
43. Relatório sobre o Ponto de Situação em Massungulo, ONG Moçambicana sita em Ressano Garcia,
Fevereiro 2004.
44. “O contrabando de pessoas’ no sentido de obtenção e aquisição, de forma a obter, directa ou indirectamente, um benefício financeiro ou material, através da entrada clandestina de uma pessoa
num Estado do qual essa pessoa não seja cidadão ou residente permanente (Protocolo das NU
contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar).” (UN Protocol against the smuggling of
migrants by land, sea or air).
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
directamente para Joanesburgo e Pretória, ou rumo a sul em direcção a Durban e
Pitermaritzburg.
Pensa-se que a facilidade de acesso por parte dos traficantes a estas rotas seja
resultado da sua ligação com grupos criminais organizados que negoceiam em
outras mercadorias como por exemplo viaturas roubadas.
A cumplicidade das autoridades fronteiriças nos principais postos de fronteira
entre a África do Sul e Moçambique deve constituir um elemento na liberdade de
movimentação dos traficantes. No mínimo, o facto de “fecharem os olhos” ou não
exigirem toda a documentação legal ou de não patrulharem as rotas em que as
atravessam a fronteira a pé, devem ser práticas comuns que facilitam a movimentação
dos traficantes.
As rotas no interior de Moçambique incluem tipicamente a entrada para o norte
do país através da Tanzânia e/ou do Malawi por pessoas que vêem da região dos
Grandes Lagos Africanos e da África Ocidental. Outros, que porventura viajem
por mar, podem desembarcar nos portos moçambicanos antes de continuarem a
jornada por terra.
Exploração e Transferência
Depois de atravessarem a fronteira do Lebombo as mulheres e outros migrantes são
levados para as casas de trânsito situadas no ‘township’ de Tonga nas proximidades
do posto fronteiriço de Jeppe’s Reef que faz fronteira com a Suazilândia. Começa aqui
a sua exploração sexual ao serem forçadas a ter relações sexuais com os traficantes
‘como forma de demonstrarem a sua gratidão pelos empregos bem remunerados que
os traficantes alegadamente organizaram para essas mulheres em Joanesburgo.’45
Esta prática está em linha com o tratamento universal de jovens que são apanhadas
na armadilha dos traficantes e começa o processo de lhes quebrar a resistência e
vontade própria enquanto ao mesmo tempo introduzir medo e sofrimento físico se
estas se recusarem à submissão.
É uma forma de ‘retirar a vontade própria das mulheres’ e de as consciencializar
sobre aquilo que está planeado para o seu futuro, quando estas serão vendidas
como ‘esposas.’46 Também é possível que as casas de trânsito proporcionem
aos traficantes uma oportunidade para vender as suas jovens vítimas aos
homens locais como esposas e empregadas domésticas. Para além deste negócio
próspero de venda de mulheres moçambicanas no mercado das minas do
West Rand, existem informações sobre a venda destas mulheres nas áreas
próximo das casas de trânsito na região oriental da província do Mpumalanga.
45. International Organization for Migration (2003) Seduction, Sale and Slavery: Trafficking of Women
and Children for Sexual Exploitation in Southern Africa.
46. Idem.
28
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contextO e questÃo
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Rotas em Moçambique
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Estas mulheres são também forças a ‘casar’ com homens sul-africanos, que
abusam delas, as obrigam a fazer os trabalhos domésticos e muitas vezes as
abandonam quando já não as querem.47
A operação de tráfico de pessoas que utiliza a rota da Ponta do Ouro não parece
fazer uso de casas de trânsito. Os traficantes moçambicanos que exploram as casas de
trânsito em Tonga e em Joanesburgo vendem as suas vítimas nas proximidades das
minas do West Rand, perto de Carletonville. Existem registos sobre a organização
de ‘paradas’ de jovens que são exibidas a possíveis compradores que pagam ZAR
650 por cada. As “esposas” podem ser também encomendadas conforme a procura.
Uma vez vendidas as mulheres são consideradas como pertencendo aos seus novos
‘maridos’, mineiros moçambicanos ou sul-africanos. O sentido de propriedade
parece ser legitimizado na mente dos compradores através da distorção da prática
tradicional do pagamento do lobolo antes do casamento. Na mente dos compradores
o preço de compra é na realidade o pagamento do lobolo e consequentemente as
mulheres são então consideradas como suas esposas (Weekly Mail, 1990b).
Existem ainda poucos dados recolhidos com relação à exploração das mulheres
traficadas para o país via o posto fronteiriço da Ponta do Ouro. Os traficantes que
usam esta rota específica estão associados com vários bordéis em Hillbrow e em
Pretória bem como em Pietermaritzburg na província do KwaZulu-Natal para os
quais vendem, regularmente, mulheres moçambicanas pelo preço de ZAR 1000.48
As mulheres são obrigadas a trabalhar como trabalhadoras do sexo durante um
período de aproximadamente três meses antes de serem encomendadas novas
mulheres moçambicanas aos traficantes.
As estimativas indicam que cerca de 1000 mulheres moçambicanas entram por
ano na África do Sul através das duas operações de tráfico descritas acima - (através
das rotas de Lebombo e da Ponto do Ouro.)49
O processo de recrutamento, transporte e rotas de transferência usados para
o tráfico de crianças não está tão bem documentado. Há contudo certeza de que
muitas crianças são marginalizadas e que as crianças moçambicanas são usadas
para exploração sexual e trabalhos forçados bem como para a prática de medicina
tradicional designada por ‘muti’.
Há evidência de crianças a serem recrutadas para trabalhar nas fazendas
agrícolas na província de Mpumalanga na África do Sul, em troca de remunerações
muito baixas e exploradoras. Muitas vezes, em vez de recebem pagamento pelo seu
trabalho árduo, as crianças acabam por ser denunciadas à polícia pelos fazendeiros,
sendo então detidas como imigrantes irregulares.
47. Idem.
48. Idem.
49. Idem.
30
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contextO e questÃo
A prostituição de crianças é prevalente em Maputo, Nampula e Beira, bem
como nas vilas fronteiriças e pontos de pernoitamento para motoristas ao longo das
principais rotas de transporte.50
No final de 2003, as autoridades de imigração em Lusaka, Zâmbia, andavam em
perseguição de um grupo de etíopes e congoleses suspeitos de traficar jovens sulafricanos no estrangeiro. Aparentemente havia jovens com idades compreendidas
entre 18 e 25 anos que estavam a ser levados através do poro de Mpulungu no
norte da Zâmbia para Moçambique; a partir daqui estes jovens eram enviados para
vários países. As autoridades suspeitavam que algumas dessas pessoas tinham sido
aliciadas com promessas de empregos no estrangeiro mas que na realidade estavam
a ser traficadas para a prostiuição forçada.51
Enquanto se reconhece que as mulheres e crianças constituem a maioria das
pessoas traficadas, é necessário fazer-se muito mais pesquisa com relação ao nível
de tráfico de homens adultos e para que fins.
2.B Quais são as Causas Principais do Tráfico de Pessoas em
Moçambique?
A equação de procura e oferta é tipicamente descrita em termos dos factores
de “atracção” e de “pressão” (em inglês “pull” e “push”). Estes factores têm uma
ressonância global, mas variam em termos de ênfase e de escala local. Enquanto
que o conflito armado distorce e aumenta as condições de dificuldades e de
insegurança e cria condições vantajosas para o tráfico ilegal de todos os produtos
de consumo, o alto nível de desemprego e a falta de oportunidade – a busca de
meios de sobrevivência – são os motores accionadores do tráfico de pessoas. Os
factores da pressão/atracção – dois lados da mesma moeda – que fazem com
que as mulheres e meninas particularmente marginalizadas estão enraizados na
discriminação sistémica dos géneros. É importante lembrar que estes factores
explicativos podem ser mutuamente reforçados e que algumas das causas podem
ser também as consequências de outros. É necessária mais pesquisa com relação aos
mecanismos destas causas.
As mulheres e as meninas são mais susceptíveis de caírem no tráfico ilegal
devido aos factores seguintes:52
50. US State Department: Bureau of Democracy, Human Rights and Labor, Fevereiro de 2005.
51. “Zambian Authority Hunting for Human Traffickers,” Xinhua General News Service, 26 Outubro de
2003.
52. UNIFEM Asia (2002) Trafficking in Persons: A gender and rights perspective, Briefing Kit.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Factores que contribuem para a procura
• a aparente adaptabilidade das mulheres para trabalharem nas actividades de mão-de-obra intensiva de produção e cultura no sector
informal que é caracterizado por salários muito baixos, emprego esporádico, condições perigosas de trabalho e a falta de mecanismos de
negociação colectiva;
• a procura cada vez maior de trabalhadores estrangeiros para os
trabalhos domésticos e de prestação de cuidados, bem como a falta de
estruturas reguladoras adequadas para apoio nesta área;
• o crescimento da indústria do sexo e do entretenimento que envolve biliões de dólares, tolerada como um ‘mal necessário’ enquanto
que as mulheres na prostituição são criminalizadas e discriminadas;
• a natureza de baixo risco – altos lucros do tráfico de pessoas encorajado por uma falta de vontade por parte das agências policiais e de
segurança de processar os traficantes (o que inclui os proprietários e
gestores das instituições para as quais as pessoas são traficadas);
• a facilidade de controlar e manipular as mulheres vulneráveis;
• a falta de acesso, por parte das vítimas dos traficantes, a recurso ou
apelo legal; e
• a desvalorização dos direitos das mulheres e das crianças.
Factores que contribuem para a oferta
• acesso diferenciado à educação o qual limita as oportunidades das
mulheres de aumentarem o seu rendimento através de melhores habilitações para actividades de especialização profissional;
• falta de oportunidades de emprego mais legítimas e em que se
sentem mais realizadas particularmente nas comunidades rurais;
• políticas de migração com diferenciação de géneros e políticas/leis
de emigração restritivas muitas vezes instituídas como uma medida de
“protecção”, o que limita a migração legítima das mulheres. A maioria
dos canais de migração oferece oportunidades em sectores predominantemente dominados pelos homens (trabalho de construção e agricultura);
• menos acesso a informação no respeitante a oportunidades de migração ou de trabalho, e uma falta mais notável de conscientização
com relação aos riscos da migração em comparação com os homens;
• disrupção dos sistemas de apoio devido a catástrofes naturais e criadas pelo homem; e
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contextO e questÃo
• atitudes e práticas comunitárias tradicionais que toleram a violência contra as mulheres.
Procura e oferta
A extensão e escala global do tráfico de pessoas constituem a ‘desvantagem da
globalização.’53 A globalização criou um mercado poderoso de procura de mão-deobra barata e pouco especializada em sectores como a agricultura, o processamento
de alimentos, construção, serviços domésticos, manufactura com mão-de-obra
intensiva, cuidados de saúde domiciliários, trabalho do sexo, o sector de serviços
em geral54 (e o sector de entretenimento (circos, mendigar, jóquei em corridas de
camelos). Esse tipo de procura existe tanto nos países industrializados como nos
países em desenvolvimento. Os tipos de trabalho onde se utiliza a mão-de-obra
traficada tendem a situar-se em sectores onde é mais fácil manter condições de
trabalho altamente exploradoras e que constituem enormes violações dos direitos
humanos e das normas laborais, em locais e sob condições difíceis de serem
monitorizadas. Nas regiões de origem em Moçambique, existem fortes factores
de pressão que compelem as populações a considerarem a emigração como uma
opção. Os mecanismos legais para gerir a movimentação dos candidatos de migração
podiam portanto reduzir os incentivos para formas irregulares de movimentação de
pessoas dado que o tráfico de pessoas é, em parte, o produto de uma governança
imperfeita de migração.
Altos lucros
A escravatura de hoje em dia os prospera devido ao alto nível de lucros.55 As
estimativas das NU indicam que esta indústria produz anualmente entre 7 a 10
biliões de dólares norte-americanos, o que constitui o terceiro maior nível de lucros
a seguir ao comércio de armas e comércio de narcóticos. Também é mais fácil
movimentar-se a mercadoria humana através das fronteiras em comparação com as
drogas ou armas que são apreendidas quando encontradas. Os seres humanos são
constantemente re-usados e re-traficados – o que não acontece com as drogas. O
tráfico de pessoas é, por definição, um negócio complexo, clandestino e secreto, que
está em constante mudança e evolução por um lado como reacção à procura e por
53. Stopping Forced Labour: Global Report under the follow-up to the ILO Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work, International Labour Conference, 89th session 2001, ILO Geneva.
(Conferência Internacional do Trabalho, 89ª sessão 2001, ILO Genebra).
54. Taran and Moreno-Fontes (2002) Getting at the Roots. Stopping Exploitation of Migrant Workers by
Organized Crime, (Comunicação apresentada no simpósio internacional sobre a Convenção das NU
Contra o Crime Transnacional Organizado: Requisitos para uma Implementação Efectiva), Torino,
Itália, 22-23 de Fevereiro 2002, ILO.
55. Os proxenetas podem fazer entre 5 a 20 vezes mais do que aquilo que pagaram por ela, de acordo
com uma fonte (Katerina Levchenko, (1999) Combat of Trafficking in Women and Forced Prostitution: Ukraine, Country Report, Vienna: Ludwig Boltzmann Institute of Human Rights).
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
outro mantendo-se suficientemente flexível para evitar a prisão e o processamento
jurídico.
Baixo risco
A própria natureza do tráfico ilegal é secreta e perigosa, (o que ajuda a explicar
a inadequação de informação fiável). As vítimas têm receio de retaliação por parte
dos traficantes ou recriminação por parte das suas famílias e aldeamentos (que
muitas vezes providenciaram os fundos para a jornada que, de acordo com as
suas previsões, irá levar a mulher ao emprego que ajudará a suportar a família)
e têm medo do estigma da prostituição. Como resultado poucas vítimas dão o
seu testemunho contra os traficantes. O medo e a desconfiança na polícia, a falta
de documentação e o medo da cumplicidade também contribuem para manter
o silêncio da vítima. A maior parte das vítimas são pobres, analfabetas, provêm
de populações marginalizadas e são ignorantes com relação aos seus direitos. Os
traficantes exploram não só o corpo mas também as profundas inquietações e
condições de vida desvantajosas das vítimas.
Fronteiras facilmente penetráveis
A tradição de movimentação e migração para a África do Sul para fins comerciais
e de trabalho, para além do facto de se ignorarem actividades ilegais como por
exemplo o contrabando de mercadorias, vital à sobrevivência nos anos da guerra,56
contribuem para uma aceitação e antecipação de movimentações não reguladas. O
facto de as fronteiras serem facilmente penetráveis, juntamente com os distúrbios
civis e políticos para além da falta de oportunidades económicas asseguram um fluxo
constante, em direcção a sul, tanto de migrantes legais como irregulares na África
Austral. É difícil distinguirem-se as vítimas do tráfico ilegal no meio destes fluxos.
Pensa-se que os oficiais policiais e guardas fronteiriços estejam cúmplices com os
traficantes, aceitando subornos para deixar passar viajantes sem a documentação
necessária.
As mulheres moçambicanas são trazidas clandestinamente em táxis devido à corrupção
existente nas forças de imposição da lei ou nos sistemas judiciais e que auxiliam os
traficantes a nível transfronteiriço. Os oficiais das forças policiais da África do Sul
“raramente recebem relatórios factuais sobre o tráfico ilegal, e as pessoas não são
muito propensas a facultar informação sobre os traficantes,» de acordo com a portavoz da polícia Sra. Mary Martins-Engelbrecht. [De acordo com o jornal IRIN NEWS
23/04/04]
56. Chingono, M.F. (1996) The State, Violence and development: the political economy of war in Mozambique, 1975-1992.
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contextO e questÃo
”A polícia ……..são soldados sul-africanos ou moçambicanos que patrulham a área da
fronteira. O traficante tem um contacto com estes elementos a quem paga ZAR 150 para
que estes deixem passar o grupo todo“ o que é muito mais barato do que passarem pelo
posto fronteiriço. [Os traficantes] riem-se dos passaportes.” Os soldados muitas vezes
tiram quaisquer artigos de valor e dinheiro às jovens e aos migrantes, dos quais, de
acordo com uma fonte, os traficantes recebem uma porção.
(IOM (2003) Seduction Sale and Slavery: Trafficking in Women and Children for Sexual
Exploitation in Southern Africa)
Feminização da migração
Historicamente os homens da região sul de Moçambique migravam. As
mulheres eram marginalizadas e obrigadas a ficar nas áreas rurais, ocupadas com a
reprodução e a mão-de-obra comunitária com um aumento na carga de trabalho,
enraizando dessa forma os valores patriarcais. Dado o aumento na mobilidade das
populações, a falta de oportunidade em casa e melhores oportunidades de sustento
em outros lugares, as mulheres estão cada vez mais a migrar. A migração pode levar
ao alargamento ou ampliação dos poderes (empowerment) das mulheres. Contudo,
dado que as políticas de migração são mais favoráveis aos homens e o facto de que o
recrutamento é feito em sectores dominados pelos homens, as mulheres estão mais
expostas e vulneráveis a serem traficadas.
2.B.1. Factores de Pressão / Atracção
Pobreza
A pobreza como elemento motivador de estratégias arriscadas de sobrevivência
e a atracção do íman económico da vizinha África do Sul juntamente com as
oportunidades associadas estão inextrincavelmente entrelaçadas.
A combinação da luta pela independência, as secas e as inundações, a guerra
civil e o ajuste em termos de estruturas, levaram a um profundo empobrecimento
e grandes deslocações da população. De acordo com estimativas da Fundação para
o Desenvolvimento Comunitário uma média de 69.4% da população vive em
condições de pobreza,57 sendo esta percentagem mais alta nas áreas rurais.
Sobrecarregadas com um legado histórico de direitos fundiários e patrimoniais
secundários, bem como com um acesso relativamente fraco à educação, mãode-obra remunerada ou aconselhamento legal, as mulheres camponesas, que
dependem essencialmente da agricultura de subsistência para assegurar o seu meio
de vida, estão particularmente em desvantagem.58 Muito embora a Lei de Terras de
57. Fundação de Desenvolvimento Comunitário, www.fdc.org.mz
58. Waterhouse, Rachel (2001) Women’s land rights in Post-war Mozambique UNIFEM 2001: Reader
- Women Land and Property Rights in Situations of Conflict and Reconstruction (Direitos Fundiários
e de Propriedade das Mulheres em Situações de Conflito e de Reconstrução)
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
1997 confirme o direito igual aos géneros em termos de ocupação e utilização das
terras, a lei e prática consuetudinárias, o estatuto social da mulher que a coloca
em desvantagem bem como a falta de informação resultam em 5 a 10% de terras
sob controlo das mulheres, enquanto que estas constituem 75% da força laboral
rural. Sem títulos de propriedade de terras ou de bens as mulheres têm pouca
oportunidade de acesso a financiamento para fins de empreendimentos comerciais
ou para outras actividades de sobrevivência.
Quer no sistema predominantemente matrilinear existente no norte, onde o
acesso a terras por parte das mulheres é feito através do tio materno, que no sistema
patrilinear existente no sul onde este acesso é através da família do marido, as
mulheres rurais têm sempre estado dependentes da relação com os homens para
a sua sobrevivência. Para além disso, com o final dos anos da guerra registou-se
um aumento significante em aglomerados familiares chefiados por mulheres onde
as mulheres se tornaram as únicas provedoras de renda familiar e assumiram a
responsabilidade pelos vários padrões de habitação em mudança. De acordo com as
estimativas da International Women’s Health Coalition (Coligação Internacional para
a Saúde da Mulher) 27% dos aglomerados familiares são chefiados por mulheres.59
Tendo perdido os seus direitos de propriedade, muitas das mulheres mudaramse para os centros urbanos onde as percepções enraizadas com relação ao acesso
a emprego por parte dos homens, especialmente no caso de empregos com alta
remuneração, excluíram as mulheres do sector formal. O sector informal de vendas
ambulantes ou de emprego não-especializado faz com que as mulheres sejam
marginalizadas. Nestas circunstâncias as estratégias de sobrevivência muitas vezes
incluem a mendigagem ou o trabalho do sexo – tanto para as mulheres como para
as crianças.
O recente encerramento de minas e redução de pessoal no sector mineiro na
África do Sul resultou num declínio dramático em oportunidades de emprego.
Tal deu origem a um aumento na migração irregular, expondo dessa forma jovens
moçambicanos que procuravam emprego, à exploração como vítimas de tráfico de
pessoas.
Para além disso, as reduções nos serviços e subsídios estatais significam que
dentro dos sistemas sociais assentes numa divisão rígida de tarefas com base
nos géneros, os trabalhos domésticos e cuidados comunitários são atribuídos às
mulheres. Este facto aumenta ainda mais a sobrecarga da pobreza e as mulheres
são obrigadas a diversificar as suas fontes de rendimento como reacção à realidade
económica. 60
59. Ver a Coligação Internacional para a Saúde da Mulher: Mozambique at a glance (Moçambique num
relance) com fontes da Agência de Referência Populacional.
60. Truong, Thanh-Dam (2006) Poverty, Gender and Human Trafficking in Sub-Saharan Africa: Rethinking Best Practices in Migration Management, UNESCO.
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contextO e questÃo
Não obstante as garantias constitucionais de igualdade de géneros, as
práticas e atitudes consuetudinárias têm uma influência forte, promovendo uma
lacuna acentuada entre a situação jurídica e a situação de facto. As mulheres
e as meninas encontram-se sistematicamente numa situação desvantajosa
enquanto defrontadas por um pobreza extrema. Isso leva-as a fazerem
escolhas para sobreviverem o que as torna vulneráveis ao tráfico de pessoas.
Em 1997, de acordo com as estimativas das NU, 250 000 crianças foram
deslocadas, 15 000 encontravam-se separadas das suas famílias e 7% de crianças
com menos de 15 anos não tinham pais. Em 2004, existiam cerca de 470 000
órfãos da SIDA. Estes números quando combinados com a violência estrutural da
pobreza, a falta de educação escolar (metade das 3200 escolas primárias foram
destruídas pela guerra), a erosão das estruturas tradicionais de apoio, o alto nível de
desemprego, a migração urbana e a vida familiar disfuncional, indicam as realidades
que pressionam as crianças para a prostituição, mendigagem ou para o crime, que
pode eventualmente expô-las a serem traficadas.
A maior parte delas são forçadas a ganhar dinheiro sem nunca terem tido o
benefício de qualquer tipo de educação que lhes proporcione arranjarem um trabalho
que lhe garanta um rendimento monetário. Tal como acontece na maior parte do
mundo, criar-se uma filha na África Austral significa ainda prepará-la para ser uma
boa mulher e mãe. Assim, as meninas aprendem as tarefas domésticas, ajudam a
criar os irmãos, e acima de tudo a satisfazer os homens. Consequentemente, para as
meninas sem qualquer formação profissional (particularmente quando vivem num
ambiente urbano) a prostituição é uma forma de ganharem a vida.61
Dadas as suas limitadas oportunidades educacionais, muitas moças dão-se conta
de que as suas possibilidades de obterem bons empregos são fracas. A educação
informal e as oportunidades recreativas praticamente não existem. Todos estes
factores contribuem para uma falta de optimismo com relação ao seu futuro.
Para as meninas as escolhas são limitadas – o casamento precoce com homens
mais velhos é uma estratégia. A média de idade para o primeiro casamento de uma
mulher são 17 anos. A prostituição é outra escolha – muitas vezes incluída como
parte da rotina das actividades diárias, combinada com actividades comerciais,
agricultura para subsistência, serviços domésticos e cuidar da família.
61. Perschler-Desai, Viktoria, “Childhood on the market: Teenage prostitution in Southern Africa”, African Security Review, Vol. 10, No.4, 2001.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
A história da Mariazinha (Mariazinha tem 9 anos de idade, perdeu uma perna num
acidente de carro e usa muletas)
‘Procuramos dinheiro para comprarmos roupas, vestidos, saias, tecido para capulanas.
Às vezes a polícia leva-nos à esquadra da polícia para fazermos limpeza, varrermos
as suas instalações, lavarmos os carros deles. Quando temos dinheiro connosco eles
tiram-nos o dinheiro. Um dia fui levada por um homem branco. Fui com ele e ele disseme que se eu fosse para a cama com ele dava-me cem mil meticais (pouco mais de oito
dólares norte-americanos). Não posso mentir. Fui para a cama com ele e ele deu-me o
dinheiro.’ (BBC 2001)
Uma moça de Nhamatanda…contou que antes de trabalhar como prostituta, esteve
a trabalhar, durante dois anos, como empregada doméstica para ajudar a pagar as
despesas em casa. Depois de dois anos, parou de trabalhar para cuidar da mãe que
estava doente. Sem dinheiro para comprar comida ou medicamentos para a mãe
começou a vender amendoins em bares e quiosques. Enquanto vendia os amendoins os
homens faziam-lhe ofertas. Ela concordou porque ganhava muito mais vendendo o sexo
do que vendendo amendoins. Numa única noite ela tinha, por vezes, dois ou três clientes
e ganhava entre 6 a 9 dólares norte-americanos. Podia então passar os dois ou três dias
seguintes sem trabalhar à noite, porque tinha suficiente para as suas necessidades.
(Perschler-Desai, Viktoria, Childhood on the market: Teenage prostitution in Southern
Africa)
Muito embora haja também rapazes que se prostituem, a prostituição em
Moçambique parece ser ainda uma área predominantemente feminina.62 Os rapazes
beneficiam dos preconceitos de género em termos de preferências educacionais,
e uma vez adolescentes podem fazer escolhas em termos de meios de vida que
os coloca em menos risco do que as meninas. Também é possível que a escala de
prostituição masculina e o trabalho de sexo sejam desconhecidos dados os rigorosos
tabus culturais a este respeito.
HIV/SIDA
Moçambique depara-se com “uma epidemia que está a piorar dramaticamente”63
com o aumento da prevalência de HIV e de SIDA em todas as regiões, muito
embora de forma mais significante nas províncias que formam parte das principais
cadeias de transporte com a África do Sul, Zimbabué e Malawi. De acordo com as
estimativas do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (INE) uma em cada
cinco pessoas no grupo etário dos 15 aos 49 anos é provavelmente seropositiva e
para cima de 600 000 crianças são órfãs como resultado do HIV e da SIDA. O INE
62. Ibid.
63. http://www.unaids.org/en. AIDS Epidemic Update, December 2005 (Actualização sobre a Epidemia
da SIDA, Dezembro 2005).
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contextO e questÃo
indica também que até ao final do ano 2005, se previa que cerca de um milhão de
crianças ficassem sem um ou ambos pais como resultado da SIDA.
A SIDA desempenha um papel importante na procura cada vez maior por
trabalhadoras do sexo mais jovens, presumivelmente não infectadas, muitas vezes
das áreas rurais.64 Velhas tradições tornaram a ressurgir com relação à procura
de jovens, especialmente de jovens virgens que são consideradas como ‘limpas’ e
portanto capazes de curar ou de retardar qualquer infecção.
As mulheres e jovens traficadas são mais vulneráveis à infecção por HIV:
• É bem provável que as pessoas traficadas, particularmente as crianças, sejam
incapazes de negociar o uso do preservativo.
• As pessoas traficadas podem ser forçadas a práticas sexuais, como o sexo
anal, mais associado coma transmissão do HIV.
• As pessoas traficadas podem ser ou muitas vezes são forçadas a ter relações
sexuais com múltiplos parceiros.
• A violência no sexo comercial é muito comum, especialmente quando as mulheres ou as crianças são forçadas a terem relações sexuais contra a sua vontade. Os ferimentos sustidos como resultado do sexo
forçada podem aumentar a vulnerabilidade à transmissão do HIV.
• Os corpos fisicamente imaturos das crianças jovens tornam-nos extremamente vulneráveis a ferimentos. Esses ferimentos aumentam o risco de infecção.
• Muitas das pessoas traficadas podem ter outras doenças de transmissão sexual. Tal aumenta o risco de contraírem HIV até um factor 10.65
A vulnerabilidade das pessoas traficadas a doenças de transmissão sexual é
agravada pela sua incapacidade de fazerem testes médicos, receberem tratamento,
aconselhamento ou outros serviços de saúde. A sua incapacidade de compreenderem
ou falarem a língua num país estrangeiro, o alto nível de pobreza e a falta de liberdade
podem também impedir o seu acesso a cuidados de saúde.66 Estas tornam-se assim
um risco de infecção para futuros parceiros e quaisquer filhos que venham a ter.
À medida que os pais infectados se tornam incapazes de cuidar dos seus filhos,
e os familiares se afastam ou são também incapazes de suportar as crianças, estas
são obrigadas a deixar os seus lares. Tal é de particular significância quando são as
mães e outras ‘cuidadoras’ que estão doentes. Como consequência as crianças ficam
mais expostas aos traficantes e ao tráfico de pessoas – e eventualmente ao HIV e à
SIDA e podem ser infectadas e afectadas em grande escala.
64. Altman, Dennis (2003) Global Sex, University of Chicago Press.
65. Burkhalter, Holly (2003) Sex Trafficking and the HIV/AIDS Pandemic, Physicians for Human Rights,
before the House International Relations Committee (Médicos para os Direitos Humanos, testemunho apresentado à Comissão ‘House International Relations’) www.phrusa.org/campaign/aids/
news062403
66. Idem.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Práticas e crenças culturais discriminatórias
Em Moçambique os direitos das mulheres há muito que são violados e negados.
Não obstante as disposições constitucionais67 que estipulam a igualdade formal entre
os géneros e as leis e políticas que declaram como ilegais as práticas tradicionais,
estas continuam muitas vezes a ser valorizadas e toleradas, e são tipicamente
ressuscitadas em alturas de stress e de ameaça de mudanças no clima ideológico,
como forma de reafirmação da identidade ou devido ao facto de que as limitações
sociais que limitam a sua prática deixam de existir. Enquanto que as origens dessas
práticas estão enraizadas em sistemas de crenças e de percepções de moralidade
e de comportamentos em linha com as exigências sociais, muitas vezes ligados
a necessidades de sobrevivência, a sua prática actual é muitas vezes prejudicial,
particularmente para as meninas e mulheres. É vital efectuar-se pesquisa na área de
ressurgimento e discernimento actual dessas práticas.
• O lobolo,68 uma característica da região sul de Moçambique, implica que o
futuro marido paga uma soma de dinheiro, joalharia e roupas, ou como era
feito antigamente, oferece cabeças de gado à noiva, pais e sua família em troca pela mulher. Um casamento resultante desta prática, permite aos homens
escolherem69 uma cunhada mais nova para substituir a mulher, no caso desta
não o satisfazer sexualmente.
• O casamento precoce é uma característica normal das comunidades rurais,
que constituem a maioria da população. Uma vez que muitas vezes é negado
às jovens o acesso a educação nas comunidades rurais, estas são empurradas
para o casamento logo que sejam consideradas “adultas”70. A idade adulta é
considerada como tendo sido alcançada na altura em que estas jovens são
submetidas às cerimónias de iniciação ou quando iniciam a menstruação.
As características demográficas do pós-conflito, como a escassez de homens,
podem também contribuir para esta prática.
• A prática do Kupita Kufa (levirato), uma característica da região central de
Moçambique, exige que a viúva, após a morte do marido, tenha relações sexuais com o cunhado como forma de assegurar a aceitação para ela e para os
67. Constituição de Moçambique, Parte II, Direitos, Deveres e Princípios Fundamentais, Capítulo 1,
Princípios Gerais, Artigo 67.
68. Durante o período de pós-independência a prática do Lobolo foi banida pois era considerada com
uma prática prejudicial pois estava associada à tradição e este conceito era considerado como sendo um recuo ou impedimento ao desenvolvimento social. Contudo, hoje em dia é aceite como um
casamento oficial de acordo com a nova Lei da Família.
69. Barros, J. & Taju, G. (1999), Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique: o caso
específico das províncias de Maputo, Nampula e Tete, Maputo, Gabinete da Campanha Contra o
Abuso Sexual.
70. Em ambiente rurais algumas crianças com 12 anos são consideradas adultas. Barros & Taju, Ibid.,
pág. 40.
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contextO e questÃo
seus filhos. Na região sul existe uma prática semelhante conhecida por Kutxinga. Com o advento do HIV/SIDA, esta cultura está a começar a mudar.71
• Perante o falecimento do marido /pai, por exemplo, como resultado da SIDA,
a viúva e os seus filhos72 muitas vezes perdem os direitos de herança dos
bens. Estes ficam à mercê dos familiares que fazem acusações de bruxaria,
ou de que a saúde do homem for a negligenciada. A viúva e os filhos perdem
o direito de herdar parte dos bens, ou os bens na totalidade, em favor dos
irmãos ou parentes do falecido.
• Uma vez que as jovens são consideradas como sendo mais eróticas do
que as mulheres adultas, estas estão expostas ao abuso por homens adultos.
(Também existe a crença de que as meninas mais jovens são seronegativas).
Os homens que namoram moças jovens são considerados pela sociedade
como sendo ricos, de tal forma que esses relacionamentos adquirem um reconhecimento social maior tanto para os homens como para as moças. Esses
relacionamentos inter-gerações são mais aceitáveis do que os relacionamentos
com prostitutas e as jovens não exigem nada dos homens que abusam delas.
Esses relacionamentos não envolvem o compromisso e obrigações da família
que geralmente caracterizariam os relacionamentos entre homens e mulheres
adultos. A jovem pode também ser forçada a tomar parte na “Okaka”73 ou seja
uma cerimónia recomendada pelos curandeiros para homens com doenças
de transmissão sexual. Esta cerimónia implica que o homem deve ter relações
com uma menina jovem sem usar o preservativo de forma a se livrar da doença.
[...] os estereótipos culturais [...] sugerem que é importante para os homens terem
frequentemente relações sexuais com parceiras diferentes, e que o sexo não é
importante para a mulher. No entanto, o que é importante para a mulher é que o homem
providencie o necessário para cuidar das suas necessidades. A mulher pode conseguir
isso tendo relações sexuais com um ou vários homens, o que pode levar à prostituição.
“Estes estereótipos constituem a base da ideologia de géneros, de acordo com a qual
as relações sexuais estão interligadas, mas onde existe também interligação entre as
relações de poder económico e relações entre pessoas. Estes estereótipos transmitem
uma imagem da mulher, particularmente da jovem, como um objecto sexual. Esta
imagem desvaloriza e rebaixa e estabelece os mecanismos da subordinação sexual e
económica da mulher em relação ao homem.”
(Bagnol, Brigitte (1997) Appraisal of sexual abuse and commercial sexual exploitation of
children in Maputo and Nampula, Maputo, Royal Netherlands Embassy)
71. Esta investigação foi realizada com o Sr. N. Muhoro, Director para a Juventude e Desportos no Distrito de Nhamatanda, Sofala, 7 de Julho de 2004.
72. National Campaign, UNICEF and Terre des Hommes (12 March 2004) Report of the Meeting for
the formulation of the National Action Plan for Prevention of child trafficking, Maputo. (Campanha
Nacional, UNICEF e Terre des Hommes, Relatório sobre o Encontro para a formulação do Plano de
Acção Nacional para a Prevenção do tráfico de crianças, Maputo, 12 de Março de 2004).
73. Palavra do idioma Chuabo.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• O Unyago um ritual de iniciação do Niassa, uma província a norte de
Moçambique consiste na mobilização em massa de moças jovens que são
levadas para o meio do mato onde são sujeitas à inserção de ovos na vagina
para as preparar para a actividade sexual. As jovens envolvidas chegam a ter
11 anos de idade. É bem provável que estes rituais de iniciação tenham também impacto no atendimento escolar das meninas.
“O abuso sexual das meninas constitui violência contra a mulher e é uma expressão
da desigualdade das relações de poder entre homens e mulheres, que impedem o
desenvolvimento completo das meninas. Esta violência deriva, essencialmente, dos
padrões culturais e práticas tradicionais que perpetuam uma imagem degradante da
mulher e o seu baixo estatuto na sociedade e na família. E para além disso, conforme
indicado por uma mulher em Nampula, as meninas são instruídas a se agarrarem a um
homem e a usar a sua sexualidade para melhorarem a sua qualidade de vida.”
(Perschler-Desai, Viktoria, “Childhood on the market: teenage prostitution in Southern
Africa” African Security Review, Vol 10 N° 4, 2001)
• Nas famílias pobres, os pais muitas vezes decidem dar prioridade à educação dos rapazes excluindo quaisquer oportunidades educacionais às filhas. A obrigação dos rapazes é contribuir para o rendimento familiar e perpetuar o nome da família, enquanto que as meninas devem envolver-se na
reprodução, nos serviços domésticos e agrícolas.
• A adopção informal74 de crianças para trabalharem para famílias ricas75
como empregados domésticos é uma ocorrência comum nas áreas rurais pobres. As famílias ricas geralmente prometem aos pais de tais crianças que os
seus filhos receberão uma educação e terão um melhor nível de vida. Estas
promessas muitas vezes não são cumpridas. Esta situação facilita o aumento
do tráfico ilegal e da exploração.
• A mão-de-obra infantil é uma prática há muito enraizada nas sociedades africanas e é considerada essencial para a sobrevivência da família. As crianças
são pressionadas a contribuir para a renda familiar envolvendo-se no sector
informal/comércio ambulante de forma a aumentar o rendimento familiar.
De um ponto de vista legal a mão-de-obra infantil nunca foi considerada
como um problema. Os traficantes muitas vezes exploram esta tradição para
atrair as crianças.
• A perversão por agentes organizados do tráfico de pessoas da prática tradicional de se colocarem crianças em aglomerados familiares mais ricos e dos
74. Os muçulmanos em Nampula dizem que o Islão rejeita a adopção pois as crianças adoptadas podem perder os seus apelidos originais de família. Se o apelido original de família for perdido, pode
acontecer que familiares acabem por casar uns com os outros pois não se dão conta dos existentes
laços familiares.
75. IOM (2003) Ibid, pág. 53.
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contextO e questÃo
padrões, há muito existentes, de mão-de-obra migratória sazonal onde a
família, os amigos, os familiares ou os membros do aldeamento encontram
trabalho e/ou encaminham a criança para a educação, tem vindo a contribuir para o tráfico de pessoas e para a escravatura. Os pais muitas vezes não
sabem onde se encontram os seus filhos e os filhos acabam por viver em
condições de escravatura, expostos a todos os tipos de abuso físico e sexual,
privados de cuidados de saúde, de educação e da sua própria infância.
• O uso de órgãos e partes do corpo para fins de ‘muti’ ou medicina tradicional e as práticas rituais resultam em riscos específicos para as crianças
que ficam órfãs, desapropriadas ou de outra forma expostas aos predatórios
curandeiros tradicionais.
• Falta de conhecimentos e de informação. Enquanto que existe um aumento na conscientização internacional com relação ao problema de tráfico e os
governos, incluindo o de Moçambique, juntamente com todo um conjunto
de partes envolvidas e de interesse, estejam a providenciar informação, a organizar campanhas de publicidade e de formação, o nível de conscientização
no seio da população permanece baixo. A crença comum de que “não me
pode acontecer a mim” continua forte não obstante a familiaridade local com
o contrabando transfronteiriço. As ofertas de emprego a jovens, as ofertas
para colocar crianças em melhores circunstâncias, são geralmente aceites de
acordo com o seu aspecto exterior.76 A familiarização com os recrutadores
para tráfico de pessoas que podem na realidade ser vizinhos ou familiares,
reduz ainda mais o reconhecimento do risco do tráfico de pessoas.
• Falta de legislação. O facto de que Moçambique não ratificou o Protocolo
de Palermo e não instituiu reformas na lei doméstica de forma a colocá-la
em linha com o Protocolo constitui um dos maiores impedimentos ao desenvolvimento de políticas para lidar com o tráfico de pessoas. (Para mais
detalhes consultar a parte 3).
76. IOM (2003) Seduction Sale and Slavery: Trafficking in Women and Children for sexual exploitation in
Southern Africa.
43
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3
políticas e programas
Políticas
e Programas
3.A. Actuais Quadros Legislativos
A
pós a 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher
realizada em Beijing em 1995 e o Congresso
contra a Exploração Sexual de Crianças realizado
em Estocolmo em 1996, as organizações da sociedade
civil têm estado bastante activas no estudo e formulação
de recomendações, bem como em campanhas de
defesa e apoio visadas à adopção de leis que combatam
a violação dos direitos das mulheres e das crianças.
A falta de recursos suficientes por parte das instituições estatais, tanto humanos
como financeiros, causa constantes atrasos na promoção dos grupos menos
potencializados da sociedade.
Uma iniciativa lançada em 2003 pelo governo juntamente com o apoio da
UNICEF, fortalece o sistema legal para melhor salvaguardar os direitos das crianças.
Esta iniciativa tem por objectivo analisar a legislação existente, bem como as leis
consuetudinárias e práticas judiciais de forma a determinar se estas estão em
conformidade com os tratados sobre os direitos humanos e direitos das crianças. O
objectivo geral é a formulação de um Decreto integral detalhado para Crianças.77
O Plano Nacional de Acção pelas Crianças (PNAC) indica algum avanço
registado através do estabelecimento de políticas e quadros legislativos nesta área.78
Este inclui:
77. “Legal Reform Launched to Protect Children” United Nations Integrated Regional Information Network (Rede de Informação Regional Integrada das Nações Unidas), 1 de Setembro de 2003.
78. Ministério da Acção Social, Draft Plano Nacional de Acção para a Criança (PNAC) 2004-2010, pág. 4.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• a ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Crianças
(na sigla em inglês CRC) em 1994;
• a adopção da Política para Adolescentes e Jovens em 1994;
• a adopção da Política para Acção Social em Abril de 1998;
• a adopção da Estratégia para Assistência Social de Crianças em Junho de
1998;
• a ratificação da Carta Africana dos Direitos e do Bem-estar das Crianças em
Maio de 1998;
• a Lei 6/99 que previne as Crianças de Irem a Clubes Nocturnos e não permite
o Consumo de Bebidas Alcoólicas e de Tabaco pelas mesmas;
• a Lei da Família79 e;
• Reforma da Legislação sobre Crianças iniciada em 2003.
Não existem quaisquer leis específicas que proíbam o tráfico de pessoas. O
tráfico de pessoas pode ser processado através da lei da violação da mão-deobra, lei da imigração e lei da mão-de-obra infantil.
A lei não especifica qualquer idade para consentimento sexual, mas no entanto a
oferta ou obtenção de prostituição e de pornografia seja em que forma for, incluindo
a de crianças, é ilegal em termos do Código Penal. O abuso sexual de uma criança
com menos de 16 anos também é ilegal em termos do Código Penal. As pessoas
envolvidas na prostituição infantil, no uso de crianças para actividades ilícitas, na
pornografia infantil, no tráfico de crianças ou na mão-de-obra forçada ou associada
podem ser punidos por sentenças de prisão e multas.80
Os seguintes instrumentos internacionais podem ser usados para instaurar
processos jurídicos em alguns aspectos de tráfico de pessoas. Esta tabela apresenta os
instrumentos ratificados e/ou assinados (ou não) pelo Governo de Moçambique.
Instrumentos Legais Relevantes relativos ao Tráfico de Pessoas
Convenção da OIT Nº 182 sobre as Piores Formas de Trabalho
Infantil (1999)
Assinatura
Ratificação
16 de Junho de
2003
Convenção das NU contra o Crime Transnacional Organizado
15 de Dezembro de 2000 Não ratificado
(2000)
Protocolo das NU para prevenir, suprimir e punir o tráfico de
pessoas, especialmente de mulheres e crianças (Protocolo de
15 de Dezembro de 2000 Não ratificado
Palermo) (2000), suplemento à Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Transnacional
Convenção das NU de 1989 sobre os Direitos da Criança (CRC)
26 de Maio de 1994
79. Esta lei foi aprovada pelo Parlamento em Agosto de 2004. Introduz a idade de 18 anos como idade
mínima para casamento para ambos os sexos, elimina o estatuto de marido de facto como chefe da
família e legaliza as uniões civis, religiosas e por lei consuetudinária. Esta lei esclarece os direitos
legais da mulher em matéria de propriedade, custódia das crianças e outras questões.
80. US State Department, Bureau of Democracy, Human Rights and Labor, 2004.
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políticas e programas
Protocolo Facultativo à Convenção dos Direitos da Criança na Venda
de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis (2000)
6 de Abril de 2003
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (2002) Artigo 728 de Dezembro de 2000 Não ratificado
181
Convenção Suplementar das NU sobre a Abolição da Escravatura,
o Comércio de Escravos e Instituições e Práticas Semelhantes à Não assinado
Escravatura (1956)
Não ratificado
Convenção de Hague Nº 33 sobre a Protecção de Crianças e
Não assinado
Cooperação em Matérias de Adopções Inter-países (1993)
Não ratificado
Convenção sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores
Não assinado
Migrantes e Membros das Suas Famílias (1990)
Não ratificado
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres (1979) (na sigla em Inglês CEDAW)
16 de Abril de 1997
(Adesão)
Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as
Não assinado
Formas de Discriminação contra as Mulheres (1999)
Não ratificado
Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração
Não assinado
da Prostituição de Outros (1949)
Não ratificado
Carta Africana dos Direitos e do Bem-Estar da Criança (1990)
15 de
1998
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (1986)
22 de Fevereiro de
1989
Julho
de
9 de Dezembro de
Protocolo à Carta Africana de Direitos do Homem e Direitos dos
15 de Dezembro de 2003
Povos sobre os Direitos das Mulheres em África (1998)
2005
Até que o Protocolo das NU para prevenir, suprimir e punir o tráfico de
pessoas, particularmente de mulheres e crianças (Protocolo de Palermo)82 seja
ratificado e a legislação doméstica seja alinhada com as disposições previstas
no referido protocolo, as mulheres e crianças continuam marginalizadas e
sujeitas à violação dos seus direitos. Tal constituirá a fundação para a legislação
e iniciativas futuras visadas à prevenção e protecção, investigação e processamento
dos traficantes e provisão de assistência às vítimas.83
Esta situação põe em destaque a preocupação da sociedade civil de que a
legislação moçambicana não é efectiva e encontra-se desactualizada e requer uma
reforma urgente para fazer face às novas tendências dos crimes emergentes contra
crianças e mulheres.
Para além das acções legislativas, é necessária uma revisão geral dos sistemas e
processos judiciais de forma a colocá-los em linha com os sistemas judiciais que
defendam e apoiem as crianças e as vítimas.
81
81. De acordo com o artigo 7.1 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, “Para os efeitos do
presente Estatuto, entende-se por “crime contra a Humanidade” qualquer um dos actos seguintes,
quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população
civil, havendo conhecimento desse ataque: […] (c) escravidão; […] Por “escravidão” entende-se o
exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam
um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico
de pessoas, em particular mulheres e crianças […].
82. Ainda não ratificado. Está em acção a campanha de apoio para influenciar os organismos legislativos.
83. Ver o Anexo 3: Princípios e Directrizes Recomendados em Matéria de Direitos Humanos e Tráfico de
Pessoas pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
3.B Programas e Projectos Actuais
3.B.1 Campanha Nacional Contra o Abuso de Crianças (NCACA)
1. Após o Primeiro Congresso Mundial Contra a Exploração Comercial Sexual
de Crianças (na sigla em Inglês – Commercial Sexual Exploitation of Children –
CSEC) realizado na Suécia, em Agosto de 1996, foi estabelecido um programa
moçambicano para responder às recomendações visadas à luta contra a
exploração comercial de crianças.84 Como resultado foi estabelecido um Grupo
Central com o objectivo de liderar a Campanha Nacional contra o Abuso
e Tráfico de Crianças (na sigla em Inglês National Campaign against Child
Abuse - NCACA). 85
2. Foram implementadas actividades visadas ao combate do abuso de crianças,
usando o slogan “Rompendo o Silêncio” que envolveram actividades de defesa
e apoio à causa, meios de informação e acções de conscientização. A 16 de
Junho de 2000, foi oficialmente lançada, na área fronteiriça de Ressano Garcia,
perto da África do Sul, a Campanha Nacional Contra o Abuso e Tráfico de
Crianças86 com o objectivo de chamar a atenção dos cidadãos e dos governos
de ambos os países para a necessidade de se combater o abuso sexual e tráfico
de pessoas. Estiveram presentes a este lançamento oficial cerca de 3000 pessoas,
incluindo o Ministro da Defesa da Mulher e Coordenação da Acção Social. A
Campanha Moçambicana tornou-se assim parte da Campanha Internacional
Contra o Tráfico de Crianças87 lançada na Europa em Outubro de 2001 pela
Federação Internacional Terre des Hommes. Este evento proporcionou às ONGs
de Moçambique uma oportunidade para adquirirem acesso a conhecimentos e
capacidade institucional para articularem a mensagem de combate ao problema
a diferentes níveis. A campanha moçambicana compreende quatro componentes
principais, nomeadamente: prevenção; protecção, reabilitação e edificação de
capacidade.
Os objectivos desta campanha são:
84. See Annex 1.
85. A Rede é constituída por uma ONG central, a ADDC- “Associação dos Defensores dos Direitos da
criança” e uma equipa executiva de 5 ONGs “Organização da Mulher Moçambicana”(OMM), “Centro de Reabilitação Psicossocial Infantil e Juvenil” (CERPIJ), Rede da Criança, CONTINUADORES,
Fundação para o Desenvolvimento Comunitário (FDC)), 3 organizações internacionais (Terre des
Hommes Alemanha, UNICEF, Save the Children), 3 Ministérios (Ministério da Defesa, Ministério
do Interior e Ministério da Defesa da Mulher e Coordenação da Acção Social) e uma instituição
religiosa (o Conselho Cristão de Moçambique (CCM).
86. Esta campanha considera o tráfico de Crianças, para todos os fins, como Abuso de Crianças e como
uma violação da Convenção dos Direitos da Criança.
87. Site da Internet para a Campanha Internacional contra o Tráfico de Crianças (em inglês): http://
www.stopchildtrafficking.org/site/Campaign.707.0.html
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políticas e programas
• criar uma conscientização entre o público com relação ao tráfico de crianças;
• influenciar o governo para ratificar e implementar o Protocolo de Palermo
e a Convenção de Hague nº 33, implementar a Convenção das NU sobre os
Direitos da Criança (na sigla em inglês CRC) e a Convenção 182 da OIT;
• influenciar o governo para estabelecer acordos bilaterais e multilaterais para a
protecção de crianças vítimas de tráfico nos países de trânsito e de destino;
• promover a repatriação voluntária das vítimas do tráfico de pessoas;
• estabelecer uma base de dados sobre o tráfico de pessoas;
• criar uma rede de comunicação a nível nacional e regional para dar assistência a pessoas traficadas e para combater o tráfico de pessoas;
• educar a sociedade com relação aos direitos das crianças; e
• assegurar serviços de saúde apropriados para as vítimas bem como a sua
reintegração social.
3. No primeiro encontro regional sobre o tráfico de crianças, realizado em
Moçambique em 2001, foi identificada a dimensão do problema na África
Austral e recomendadas áreas de pesquisa para cada um dos países.
4. O lançamento da Campanha Regional da África Austral contra o Abuso
Sexual e Tráfico Ilegal de Crianças (SANTAC) teve lugar em 2002 em
Moçambique. Os membros da campanha envolveram individualidades de renome
que se tenham distinguido na defesa dos direitos das crianças para apoiarem
as campanhas a nível nacional e regional.88 Graça Machel89 foi convidada para
patrona da campanha. Por sua vez esta intercedeu junto do Arcebispo Desmond
Tutu convencendo-o a se juntar a esta iniciativa. Esta rede é constituída por
Moçambique, África do Sul, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia, Zimbabué, Angola e
Malawi. Graça Machel é regularmente consultada e convidada para tomar parte
nas actividades.
Esta campanha incluiu:
• O lobbying de uma Comissão Parlamentar para tomar acção de forma a providenciar protecção para as crianças traficadas na África do Sul e em Moçambique;
88. Moçambique solicitou o envolvimento da Ministro da Defesa da Mulher e da Acção Social, S. Exa.
Dra. Virgília Matabele, e de Fernanda Teixeira, a Presidente da Cruz Vermelha de Moçambique.
89. Graça Machel, viúva do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, e esposa de Nelson
Mandela, foi a primeira mulher a servir como Ministro em Moçambique. Foi Ministro da Educação
em Moçambique durante o primeiro governo independente, cargo que desempenhou durante dez
anos. Foi Membro do Parlamento até pouco antes das primeiras eleições democráticas de 1994 altura em que decidiu formar a Fundação para o Desenvolvimento Comunitário. Desde então, tem
dedicado os seus esforços a auxiliar as crianças vítimas de minas e de todas as formas de abuso
dentro e fora de Moçambique. Com base neste seu envolvimento, foi convidada para Patrona da
Campanha Regional.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• Formação de agentes policiais sobre a questão e sobre formas de protegerem
os direitos das crianças (foram treinados agentes policiais de três esquadras
como um projecto piloto sobre o tráfico de crianças e outras violações dos
direitos das crianças);
• Provisão de assistência legal para as crianças vítimas de abuso sexual e de
tráfico ilegal em Moçambique;
• Identificação de crianças traficadas num centro para crianças da rua na África
do Sul; e
• Estabelecimento de um lar de acolhimento para crianças deportadas da África do Sul, perto de Ressano Garcia, o ponto principal de cruzamento entre
Moçambique e a África do Sul, onde as autoridades sul-africanas deixam as
crianças e os adultos que são deportados.90
5. A Sociedade Nacional de Jornalistas Moçambicanos (SNJ), em parceria com
a organização Terres des Hommes, organizou um seminário de formação a
nível nacional. Este evento, que teve como objectivo criar um entendimento
da questão de tráfico de crianças como um desafio emergente em Moçambique,
proporcionou a oportunidade para os jornalistas aprenderem e discutirem
questões éticas relacionadas com os meios de informação na protecção dos
direitos das crianças. Tal resultou num interesse crescente em se divulgarem, em
quase todos os principais meios de comunicação às massas, casos pertinentes a
esta questão. Os meios de informação têm dedicado uma cobertura substancial
às actividades da campanha através da publicação de comunicados de imprensa;
participação em encontros com oficiais do governo bem como encontros
organizados para a disseminação de informação. Para além disso organizaramse debates a nível nacional em cada canal televisivo e estação radiofónica. Os
jornalistas também fizeram uma cobertura do alegado tráfico de órgãos humanos
em Nampula.
3.B.2. Prevenção Através de Projectos de Conscientização
As forças de policiamento de fronteiras e os magistrados foram sensibilizados
e convencidos a desenvolverem um interesse especial no combate ao tráfico de
pessoas nas suas respectivas áreas de influência. Os resultados foram encorajadores
dado todas as partes envolvidas terem demonstrado interesse em discutir em mais
detalhe esta questão e em realizar programas conjuntos.
A polícia solicitou que fosse providenciada formação aos seus quadros
profissionais e aos cadetes nos centros de formação e está a considerar incluir um
módulo sobre o tráfico ilegal no currículo da academia de formação.
90. Dottridge M (2004) Kids as Commodities? Child Trafficking and What to do about it, Terre des hommes.
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políticas e programas
A 30 de Agosto de 2004, o Procurador-geral Dr. J. Madeira nomeou um oficial
de ligação para trabalhar conjuntamente como a Campanha Nacional de forma a
auxiliar o processar jurídico de perpetradores em casos de negligência comprovada
por parte das autoridades policiais. O FECIV (Fórum de Educação Cívica) é um
Instituto de Educação Cívica que iniciou um programa de formação para agentes
de polícia, unidades de controlo fronteiriço e oficiais de migração com relação a
questões relativas ao tráfico ilegal, incluindo legislação que pode ser aplicada para
punir os traficantes. Durante os cursos de formação são disseminados instrumentos
internacionais para protecção de crianças, bem como cópias do Protocolo para
Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente de Mulheres e
Crianças (“Protocolo de Palermo”).
Foram produzidos e distribuídos a mais de 10 000 pessoas do público,
especialmente crianças, materiais de informação e de promoção. Foram disseminadas
quatro mensagens principais: (1) o tráfico de crianças existe; (2) os direitos da
criança incluem o seu direito de estar livre de ser traficada; (3) o tráfico de crianças
é muito mais do que somente exploração sexual; e (4) o tráfico de crianças é uma
questão que está interrelacionada com outras questões.
Adoptou-se o uso de eventos desportivos como uma estratégia para fazer chegar
a mensagem a mais pessoas. Em Junho de 2004, 100 crianças envolvidas em
equipas de futebol e envergando roupas de promoção do evento participaram num
jogo amigável de futebol entre Moçambique e o Gana, jogo este a que assistiram
cerca de 40 000 pessoas e que foi transmitido pelo canal televisivo nacional. Os
capitães de ambas as equipas hastearam um estandarte principal para a cerimónia
com a seguinte mensagem “Um objectivo contra o abuso e tráfico de crianças, jogo
limpo”.
Os organizadores da campanha nacional promovem iniciativas visadas à
mobilização de jovens para formarem clubes escolares para prevenir o abuso e tráfico
de crianças. Em Dezembro de 2004, 70 artistas jovens em idade escolar reuniramse num workshop de 3 dias para celebrar o Dia interino de Acção Global contra o
Tráfico de Crianças. Foi-lhes proporcionada a oportunidade de aprenderem sobre
as causas, tipos, perfis e consequências do tráfico de crianças e sobre as barreiras
legislativas que afectam a luta contra o tráfico e o abuso. Estas crianças tiveram
também a oportunidade de reflectir sobre as melhores formas de motivarem os
seus colegas a discutirem técnicas de prevenção mais acessíveis às crianças e que
incorporam a utilização de actividades desportivas, artes visuais, representações
dramáticas e debates. Esta iniciativa teve lugar nos distritos de Xai-Xai e Namaacha,
Chókwe, Bilene Macia, Manjacaze.
A ECPAT International91 providenciou apoio através da Rede da Criança de forma
a capacitar os jovens a agirem como conselheiros dos colegas e a conscientizá-los
91. O acrónimo ECPAT significa em Inglês End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking
of Children for Sexual Purposes (ou seja ‘Acabar com a Prostituição de Crianças, Pornografia de
Crianças e Tráfico de Crianças para Fins Sexuais’)
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
sobre o tráfico de crianças, através do alistamento de jovens ´vítimas’ do tráfico para
se dirigirem tanto a possíveis vítimas do tráfico como aos organismos de imposição
da lei.92
3.B.3. Projectos de Reintegração Social
Nas actividades da Campanha Nacional foi introduzida uma componente de
desenvolvimento comunitário. Esta iniciativa consiste de um programa agrícola
para a produção de alimentos excedentes e criação de segurança alimentar em áreas
de alto risco. Existe também uma componente para formação e desenvolvimento
de aptidões. O projecto encontra-se implementado em Mahubo, província do
Maputo.
3.B.4. Projecto de Protecção
1. O Ministério da Defesa da Mulher e Coordenação da Acção Social providenciou
conselheiros para seis dos hospitais principais para auxiliarem as mulheres e
crianças que são vítimas de violência, incluindo do tráfico. Estes conselheiros
recebem orientação básica sobre o tráfico de pessoas e aqueles que se encontram
a trabalhar no Hospital Central de Maputo informam que no último ano têm
sido assistidas pessoas traficadas.93
2. O Ministério da Defesa da Mulher e Coordenação da Acção Social está a
elaborar uma proposta para um Plano de Acção para a Protecção da Crianças.
3. A ADDC (Associação dos Defensores dos Direitos da Criança) oferece
assistência jurídica a crianças marginalizadas, na sua maioria, vítimas de abusos
sexuais e de tráfico ilegal, bem como efectua a disseminação de informação
sobre os direitos das crianças.
4. A ADDC providencia serviços de protecção à criança em cinco esquadras
policiais. Mais de 800 agentes policiais foram treinados em cooperação com o
Ministério do Interior. Este ministério estabeleceu esquadras policiais orientadas
para a protecção de crianças e mulheres e que têm por intenção proteger, em
parte, as pessoas traficadas em Maputo, Beira, Nampula e várias outras cidades
principais na província de Gaza.94 O Ministério do Interior tenciona estabelecer
16 Centros de Protecção de Crianças em esquadras policiais estratégicas a nível
de todo o país.
5. O Ministério da Defesa da Mulher e Coordenação da Acção Social e
outras agências tem trabalhado em conjunto com a UNICEF no sentido
92. UNICEF (2003) Trafficking in Human Beings Especially Women and Children in Africa, pág. 32,
Innocenti Research Centre.
93. Departamento do Estado dos Estados Unidos (2005) Trafficking in Persons Report.
94. Departamento do Estado dos Estados Unidos (2005) Trafficking in Persons Report.
52
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políticas e programas
de lançarem uma campanha nacional para o registo de nascimento de
crianças. A maior parte das crianças no país não foram formalmente
registadas, o que limita o seu acesso à educação e aos cuidados de saúde.
6. A UNICEF Moçambique elaborou também uma folha de factos sobre o tráfico
de pessoas que pode ser usada como uma base para os quadros legislativos.
7. A 2 de Maio de 2006 Moçambique inaugurou um lar de acolhimento na
Moamba, Maputo, financiado pela Terre des Hommes, Alemanha.
3.B.5. Projectos de reabilitação
1. Uma organização com base religiosa tem em funcionamento um lar de
acolhimento em Ressano Garcia, onde se auxiliam vítimas de tráfico de crianças
e de abuso sexual. Em Maio de 2006 o FECIV (Fórum de Educação Cívica)
inaugurou um lar de acolhimento melhorado no distrito da Moamba, que tem
capacidade para acomodar 80 pessoas. Regularmente partem da África do Sul
rumo a Moçambique comboios transportando cerca de 800 migrantes ilegais.
Um número considerável destes imigrantes ilegais é constituído por crianças
moçambicanas que entram na África do Sul por vias ilegais. As crianças
acolhidas neste lar relatam histórias sobre as condições inumanas a que foram
sujeitas. A informação recolhida neste projecto está a ser usada numa campanha
de apoio visada a encorajar os Governos de Moçambique e da África do Sul a
introduzirem melhoramentos na forma como lidam com pessoas traficadas de
modo a evitarem uma vitimação dupla.
2. O Hospital Central de Maputo estabeleceu um projecto-piloto que oferece
apoio psicossocial às crianças vítimas de abuso. Esta unidade, gerida pelo CERPIJ
(Centro de Reabilitação Psicológica Infanto-Juvenil) tratou até à data cerca de
400 crianças, incluindo vítimas do tráfico ilegal.
3. A Terre des Hommes promoveu uma colaboração transfronteiriça entre
ONGs da África do Sul e de Moçambique e foram estabelecidos laços com o
Centro ‘Amazing Grace’, também conhecido como Centro de Cuidados de
Malelane (Malelane Care Centre), situado a 50 quilómetros da fronteira com
Moçambique, na província de Mpumalanga. Algumas das crianças aí acolhidas
são de Moçambique e têm sido encorajadas a regressar voluntariamente para as
suas casas.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
3.B.6. Lições Aprendidas
Porta-voz de alto perfil
A presença de uma porta-voz de alto perfil (Graça Machel) que se identifica com a
campanha tem auxiliado a mobilizar a vontade política tanto da parte do Presidente
como do Governo de Moçambique, cuja presença se registou no lançamento da
campanha SANTAC em 2002. A porta-voz participou também em eventos através
dos meios de informação e fez uma contribuição tremenda em assegurar a inclusão
de questões chave sobre a luta contra o tráfico de pessoas nas agendas públicas e
políticas.
Benefícios/resultados da formação de jornalistas sobre questões de tráfico de pessoas
Os jornalistas receberam formação detalhada sobre as ligações entre o tráfico
nacional e a tríade que opera em África, Europa e Ásia. Puderam assim adquirir
um entendimento da vulnerabilidade de um país como Moçambique que tem seis
fronteiras terrestres internacionais e mais de 2700 km de costa, onde cerca de
40% da sua fronteira territorial não é vigiada. Estes aprenderam como lidar com
o problema do tráfico de pessoas em linha com a definição das NU, e também
como o considerarem de um ponto de vista local, tal como a percepção pública
do Tatá Papá e Tatá Mamã. A questão de se evitar o sensacionalismo e de não
se divulgarem os nomes das vítimas e das testemunhas foi também abordada.
Pediu-se aos jornalistas que fossem mais investigativos e didácticos de forma que
as pessoas possam aprender, através dos seus artigos, como se defenderem e autoprotegerem.
Disponibilização de informação a 10,000 pessoas
Moçambique tem hoje em dia uma sociedade mais ciente das questões de tráfico
de pessoas. Os membros do parlamento, o Presidente, o Procurador-Geral e os
Ministérios do Interior e da Justiça estão cientes da necessidade de se introduzir
legislação a este respeito e fizeram declarações públicas nesse sentido. Existem
muitas organizações nacionais que foram formadas, como por exemplo, o Fórum
de Drama Contra o Tráfico de Crianças na Zambézia95, a Rede Came - (Rede Contra
o Abuso e Tráfico de Crianças) (que publica um folheto informativo de dois em
dois meses), 400 crianças da Organização dos Continuadores Moçambicanos que
participaram num festival durante uma acampamento no verão em representação
de 128 dos 131 distritos e que foram capacitadas com relação a questões de tráfico
de pessoas e que afirmaram aos meios de informação estarem muito satisfeitas em
aprenderem sobre como prevenir todas as formas de abuso e tráfico de crianças.
95. Zambézia é uma província de Moçambique
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políticas e programas
Há muitas mais organizações internacionais envolvidas como por exemplo a IOM,
UNODC, UNESCO, UNICEF, Save the Children Noruega, WLRI/CEDPA, USAID,
bem como as Embaixadas da Noruega, do Reino Unido dos Estados Unidos da
América. A maior parte ou estão a gerir e a financiar a pesquisa ou a providenciar
programas de assistência técnica na luta contra o tráfico. A partir de Maio de 2006
a WLRI e a Rede Came, em colaboração com o Ministério da Justiça iniciaram
um processo de elaboração da proposta preliminar para a legislação anti-tráfico
de pessoas em Moçambique. O recentemente publicado estudo sobre o tráfico
de crianças em Moçambique intitulado “Tatá Papá Tatá Mamã”, irá auxiliar neste
processo.
Colaboração Transfronteiriça entre as ONGs
Esta colaboração apoia organizações em Moçambique e na África do Sul,
incluindo representantes governamentais de alto nível que participaram em
comícios realizados nas fronteiras de ambos países, e que se comprometeram a lutar
contra o tráfico de pessoas. As organizações moçambicanas têm casos concretos de
pessoas que foram traficadas e que foram resgatadas. A polícia da África do Sul e
de Moçambique encontra-se envolvida em discussões com as ONGs para partilhar
experiências operacionais sobre como lidar com as vítimas, resgatar as vítimas e
sobre as formas como os traficantes operam. As ONGs têm encontros regulares
transfronteiriços em vários níveis.
Envolvimento das crianças nas campanhas
O envolvimento das crianças foi crucial. Estas marcharam nas áreas fronteiriças
em protesto contra o tráfico de pessoas e puderam tomar parte activa nas discussões
sobre as suas percepções com relação ao tráfico de pessoas e aprenderam mecanismos
de auto-defesa. Em muitas instâncias falaram directamente ao público.
Falta de legislação específica
A falta de legislação para apoiar os esforços de combate ao tráfico continua a
providenciar oportunidades para os traficantes actuarem e fortalece as suas ligações
a nível nacional e internacional.
Visando as mulheres
Não existem presentemente quaisquer actividades de prevenção especificamente
visadas para as mulheres adultas. Esta é uma falha significante que necessita de
alteração imediata.
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4
recomendaçÕes
Recomendações
A
s intervenções contra o tráfico de pessoas em
Moçambique abordaram, de forma diversa,
a prevenção, protecção e assistência directa.
Não obstante estes esforços, não parece teremse registado desenvolvimentos significantes. As
iniciativas tomadas têm sido em larga medida:
• indiferentes aos géneros;
• sem uma perspectiva de desenvolvimento com base nos direitos;
• indiferentes aos factores que criam a procura de pessoas traficadas;
• micro-projectos, não ligados a macro-projectos e portanto não sustentáveis; e
• sem uma abordagem integrada multi-sectorial.
O tráfico de pessoas tem uma base sócio-económica e política complexa ligada a
processos mais amplos e globais. Não é simplesmente um problema social ou moral
que deve ser tratado com iniciativas fortuitas, uma vez que estas não abordam
a pobreza ou as questões relacionadas de vulnerabilidade e discriminação de
formas estratégicas ou sustentáveis. O tráfico de pessoas é uma preocupação de
desenvolvimento que requer uma abordagem equilibrada, integrada e em vários
níveis, edificada numa fundação de princípios e normas com base nos direitos.
Enquanto que existem indicadores claros das actividades de tráfico tanto de
mulheres como de crianças, os dados, especificamente com relação às mulheres
são inconsistentes e incompletos. Todavia, dados os níveis extremos de pobreza em
Moçambique e a vulnerabilidade das mulheres e crianças ao tráfico, a possibilidade
de crescimento do tráfico e da infiltração de grupos criminais para exploração é
muito elevada.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
É essencialmente esta possibilidade que é abordada nesta recomenda-ções.
Portanto o foco das recomendações do presente estudo assenta na prevenção.
A prevenção requer um raciocínio a longo prazo e intervenções em três níveis
– primeiro nível (parar as coisas antes destas acontecerem), segundo nível (limitar
os números de casos que ocorrem), terceiro nível (limitar o âmbito dos casos e o
seu impacto prejudicial.)
Propõem-se as recomendações seguintes em conformidade com estas
exigências:
1. Assinar, ratificar e implementar a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional Organizado, e o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente de Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo).
2. A legislação nacional sobre o tráfico de pessoas deve, no mínimo:96
• definir com precisão o crime do tráfico ilegal de acordo com as normas internacionais e incluir expressamente todas as práticas de exploração abrangidas
pela definição internacional de tráfico ilegal como servidão por motivos de
dívida, mão-de-obra forçada e prostituição forçada;
• assegurar que as definições de tráfico ilegal reflictam a necessidade de meios
de protecção e de cuidados especiais para crianças, incluindo a protecção
legal apropriada;
• assegurar que as pessoas traficadas não sejam punidas por quaisquer ofensas
ou actividades relacionadas com o facto de terem sido traficadas, tais como a
prostituição e violações de imigração;
• assegurar que as vítimas do tráfico ilegal sejam protegidas contra a deportação sumária, ou regresso nos casos onde existam motivos razoáveis para suspeitar que esse regresso poderia constituir um risco de segurança significante
para a pessoa traficada ou para a sua família;
• levar em consideração a residência temporária ou permanente nos países de
trânsito ou de destino (atraso de reflexão) para as vítimas de tráfico em troca
de testemunhos contra alegados traficantes, ou por motivos humanitários ou
de compaixão;
• assegurar que seja proporcionada às vítimas de tráfico ilegal a possibilidade
de obter compensação por danos sofridos;
• incluir penalidades em proporção com os crimes a serem aplicadas a pessoas declaradas culpadas de tráfico ilegal, incluindo ofensas que envolvam o
96. IOM (2003) Seduction Sale and Slavery: Trafficking in Women and Children for Sexual Exploitation in
Southern Africa.
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recomendaçÕes
tráfico de crianças ou ofensas cometidas ou que envolvam cumplicidade por
parte de oficiais do estado; e
• os rendimentos originados do tráfico de pessoas e ofensas relacionadas devem ser usados para benefício das pessoas traficadas.
3. Liderança a Nível Nacional:
• Identificar um oficial governamental a nível nacional que irá actuar como o
ponto focal em questões de tráfico, e que irá liderar e comandar Forças Especiais Nacionais de Combate ao Tráfico. Este oficial deve ter a autoridade e
autonomia para agir tanto a nível nacional como internacional. Idealmente,
esta posição estará sob a responsabilidade dos mais altos ofícios do governo,
como por exemplo, o Gabinete do Primeiro-ministro.
• Elaborar termos de referência e providenciar recursos para as Forças Especiais Nacionais de Combate ao Tráfico.
• As Forças Especiais Nacionais de Combate ao Tráfico reunirão os ministérios, agências, organizações intergovernamentais, ONGs e representantes da
sociedade civil para desenvolverem e implementarem a política de combate
ao tráfico.
• Este grupo deverá desenvolver uma política e um Plano de Acção Nacional;
aconselhar no que se relaciona com a legislação e desenvolver procedimentos
e directrizes de funcionamento padrão para os vários parceiros de implementação.
• O Plano de Acção Nacional irá incorporar todas as formas de actividades
orientadas para o combate ao tráfico de pessoas: prevenção, protecção, processamento legal e assistência directa.
4. Actividades de Prevenção Directa:
A prevenção directa inclui a educação e a imposição eficiente da lei mas envolve
também o abordar das causas fundamentais. Por definição exige a potencialização
(empowerment) das pessoas aos níveis mais básicos da organização social; requer o
seu envolvimento activo e encoraja a tomada de decisões por parte das comunidades
sobre como manter a segurança e bem-estar dos seus membros.
• As ONGs, as instituições de governo local e as forças policiais devem trabalhar com os líderes da comunidade através do estabelecimento de comissões
de desenvolvimento ou de outras estruturas existentes (constituídas por homens e mulheres) para formar parcerias orientadas para o combate ao tráfico
como uma manifestação de insegurança.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
• A potencialização (empowerment) económica das mulheres e das jovens irá
promover o seu acesso a recursos produtivos e a mercados e assegurar a sua
mobilidade económica sustentável.
• Intervenções que incluam visitas a grupos de alto risco: tal como por exemplo jovens em áreas rurais, mulheres migrantes, mulheres sem educação
formal.
• Alistar o apoio dos meios de informação para documentar os meios, acções e
resultados do tráfico de pessoas.
• Apoio consistente e contínuo aos quadros envolvidos na monitorização e
investigação activa nas fronteiras de forma a assegurar o seu imediato acesso
a informação e a outros recursos.
• Trabalhar com anteriores ‘vítimas’ que actuarão como conselheiros/orientadores e porta-voz junto de organizações comunitárias para apoiar as iniciativas de prevenção.
• Intervenções que visem os negócios envolvidos na facilitação do comercio,
como por exemplo, empresas de transportes, motoristas de camiões de longa
distância, motoristas de táxis, empresas de autocarros; agências de emprego
e escritórios de recrutamento; pessoal consular responsável por vistos.
• Cuidar das necessidades básicas através da provisão de assistência humanitária a curto prazo a famílias em risco de forma a prevenir o acolhimento de
crianças noutras famílias ou a venda de crianças.97
As organizações da sociedade civil são encorajadas a:
• Estabelecer programas educacionais para a comunidade sobre a prevenção
do abuso e tráfico de crianças, usando crianças como actores principais do
programa. A iniciativa deve incluir acções de conscientização em escolas e
outros locais através de dramatizações, canções, dança, desportos, discursos
e debates sobre as práticas prejudiciais às mulheres e crianças.
• Capacitar os líderes comunitários e as famílias de forma a transformar as
atitudes relacionadas com os géneros e os direitos das mulheres; reconhecer
e apoiar a contribuição económica remunerada e não remunerada das mulheres e reduzir a sua carga de trabalho doméstico; abordar as percepções
sobre o papel da mulher e do homem em associação com o fenómeno do tráfico de pessoas. Uma estratégia desse tipo pode assegurar o apoio dos líderes
comunitários na luta contra o tráfico de pessoas.
97. Dottridge M. (2004) Kids as Commodities? Child Trafficking and What to do about it, Terre des hommes. (Ver o Diagrama 6 com relação aos factores de diferenciação no tráfico de crianças e as diferentes oportunidades para intervenção).
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recomendaçÕes
5. Educação, Formação e Conscientização:
As campanhas em larga escala com informação dispendiosa têm um valor
questionável se não forem visadas a audiências específicas identificáveis, se não
se exigir qualquer tomada de acção e se os resultados da campanha não forem
avaliados. Quando os recursos e a escala do desafio são equilibrados de forma
desproporcional, é vital estabelecer prioridades e objectivos claros. É provável que
as campanhas especificamente harmonizadas visadas a grupos de alto-risco e a
grupos sociais e profissionais identificáveis sejam mais eficazes.
• Expandir as oportunidades e melhorar o acesso à educação formal por parte
das mulheres, meninas e rapazes em todos os níveis e em vertentes não convencionais.
• Assegurar um equilíbrio entre uma educação melhor e oportunidades de
emprego disponíveis.
• Incorporar os direitos relacionados com os géneros e questões relativas aos
direitos humanos no currículo escolar.
• Incorporar sensibilização e informação nas actividades educacionais informais, nos clubes/desportos/actividades religiosas visadas para as crianças e
para a juventude.
• Melhor formação e capacitação para as meninas, ligadas a actividades viáveis
e sustentáveis de produção de rendimentos.
• Promover o conhecimento das leis nas comunidades marginalizadas e melhorar o acesso a assistência legal financeiramente acessível.
• Efectuar cursos de actualização legal para a imposição da lei que incluam
formação com relação aos géneros e aos direitos bem como informação sobre
a legislação para o tráfico ilegal.
• Efectuar campanhas de informação visadas para as comunidades de alto risco
sobre formas seguras de migração.
• Reforçar a formação dos quadros de imposição da lei, oficiais de imigração
e alfandegários, promotores públicos e juízes, inspectores de mão-de-obra,
diplomatas e professores bem como outros oficiais relevantes à prevenção do
tráfico ilegal.
• Introduzir uma avaliação e monitorização eficientes de todos os programas
de formação de forma a efectuar uma avaliação do sucesso alcançado e repetir, registar lições aprendidas e modificar a instrução de acordo com as mesmas.
• Desenvolver cursos de formação de formadores para as ONGs locais, autoridades civis e outros actores da comunidade de forma a alargar o âmbito das
actividades de conscientização e de informação.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
6. Pesquisa e Recolha de Dados:
As estratégias de prevenção que não estejam ligadas à recolha e análise de dados
regular e coordenada acabam por ser ‘tiros no escuro.’
• É necessário reforçarem-se as capacidades governamentais de forma a estandardizar a recolha de informação estatística e dados de base e a orientar
pesquisa com base na política. Os pesquisadores devem desenvolver metodologias apropriadas à variedade de causas e consequências do tráfico de
mulheres, homens, meninas e rapazes.
• Assegurar a fragmentação dos dados de migração com base na idade, género,
nacionalidade, data e local de entrada e de saída, local de renovação do visto,
estadia prolongada e deportação.
• Pouco se sabe sobre o tráfico de homens adultos. É necessária pesquisa adicional para se poder fazer a distinção entre migração legal, contrabando e
tráfico ilegal – e determinar para que fins.
• Estabelecer canais de comunicação e partilha e disseminação de informação
sobre o tráfico de pessoas numa base regional de forma a apoiar o desenvolvimento de estratégias apropriadas de prevenção.
• Deve ser efectuada pesquisa inter-disciplinar, pró-activa relativamente às
estruturas, redes, bens comercializados e conduta do crime organizado na
região, de forma a antecipar as suas incursões e portanto prevenir o tráfico
de pessoas.
• É necessária pesquisa sobre o ressurgimento e conduta de práticas e crenças
culturais. Enquanto que estas parecem ser prejudiciais essencialmente para
as meninas, é necessário estabelecer-se um entendimento mais aprofundado
das suas causas, objectivos e a possibilidade de existência de consequências
benéficas bem como prejudiciais.
Todas estas actividades devem ser ligadas e suportadas pelo crescente conjunto de
informações sobre Melhores Práticas Internacionais.
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5
conclusÃo
Conclusão
E
stá-se a registar um crescimento no número de
populações em África vulneráveis ao tráfico, o
que aumenta a oferta de possíveis vitimas para os
traficantes e aumenta também os efeitos devastadores
em todos os segmentos da sociedade africana.
Indicam-se a seguir algumas das possíveis consequências:
Redução irreparável do capital humano
• Efeito negativo nos mercados de trabalho.
• Incapacidade de acesso a educação necessária para quebrar o ciclo de pobreza e de analfabetismo que cria as condições propícias para o tráfico de
pessoas.
• Uma força de trabalho nacional inadequadamente equipada para competir na
economia global onde o sucesso é baseado em mão-de-obra especializada.
• Menor número de pessoas disponíveis para cuidar dos idosos e dos enfermos.
• Desequilíbrio demográfico social.
• Perda de recursos humanos que saem do país para outros países.
Debilitação da saúde pública
• O custo da SIDA para o sistema de saúde pública.
• Exposição à SIDA, Doenças de Transmissão Sexual, violência, condições
perigosas de trabalho, nutrição inadequada, toxicodependência.
• Improbabilidade de participação em programas de imunização de crianças.
• Trauma psicológico relacionado com experiências.
• Vício do crime e da violência sexual.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Desmantelamento do tecido social
• Perda da rede de apoio familiar o que facilita o tráfico de pessoas, debilita
os relacionamentos, enfraquece os laços e influência familiares, interrompe
a transmissão de valores culturais e conhecimentos de uma geração para a
outra, debilitando assim o núcleo da sociedade africana.
• Cada vez mais as vítimas ficam sem lugar nenhum para onde ir.
Crime
• Ligações a outras redes criminais, de drogas e de armas.
• Os lucros são canalizados para outras actividades criminais, como quadrilhas
de roubo de carros, comercialização de drogas, grupos terroristas.
Debilitação da autoridade do governo
• Dificulta as tentativas do governo de imposição de autoridade, debilita a
segurança do público.
• O fracasso por parte do governo de alcançar a sua responsabilidade fundamental, debilita a sua capacidade de combater a corrupção através da imposição da lei e do poder judiciário.
Violações dos direitos humanos
• Perpetuam a desigualdade e injustiça social.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
ANEXO 1
O Primeiro Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças
realizado em Estocolmo, Suécia, a 28 de Agosto de 1996 recomendou dez tarefas a
todos os 122 Governos representados nesse encontro. Apresentam-se a seguir estas dez
recomendações:
Conceder máxima prioridade de acção contra a exploração sexual e comercial
de crianças, e designar recursos adequados para este fim;
• Promover uma cooperação sólida entre os países e todos os sectores sociais
para prevenir a participação de crianças no comércio sexual e reforçar o papel
da família na protecção das crianças contra a exploração sexual e comercial;
• Divulgar, como matérias delituosas, criminosas, a exploração sexual e comercial de crianças, assim como outras formas de exploração sexual, condenando e castigando todos os delinquentes envolvidos, sejam estes locais ou
estrangeiros, e garantir que as crianças alvo dessas práticas fiquem isentas de
qualquer culpa;
• Examinar e Revisar, quando possível, a legislação, as políticas, os programas e as práticas vigentes com o intuito de eliminar a exploração sexual e
comercial de crianças;
• Aplicar a legislação, as políticas e os programas para proteger as crianças diante da exploração sexual e comercial e reforçar a comunicação e cooperação
entre as autoridades encarregadas da execução da lei;
• Promover a adopção, implementação e disseminação das leis, políticas e
programas com o apoio dos mecanismos pertinentes a nível local, nacional e
regional, contra a exploração sexual e comercial de crianças;
• Desenvolver e implementar planos e programas integrais, que incluam as
diferenças de género, para prevenir a exploração sexual e comercial de crianças, protegendo e assistindo às vítimas infantis com o intuito de facilitar sua
recuperação e reintegração dentro da sociedade;
• Criar uma situação adequada através da educação, mobilização social e actividades de desenvolvimento para garantir que os pais e responsáveis possam cumprir seus direitos, obrigações e responsabilidades para proteger as
crianças contra a exploração sexual e comercial;
• Mobilizar os políticos e outros aliados importantes, as comunidades nacionais e internacionais, englobando as organizações intergovernamentais e as
ONGs, para ajudar aos países na eliminação da exploração sexual e comercial
de crianças; e
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anexos
• Ressaltar a importância do papel da participação popular, que engloba as
próprias crianças, na prevenção e eliminação sexual e comercial de crianças.
ANEXO 2
Extractos de – Perfil da Exploração Sexual de Crianças98
Não existe perfil típico daqueles que fazem a exploração sexual de crianças e
eles “não podem ser distinguidos por qualquer qualidade interior específica, traço
de personalidade ou mesmo por tendência sexual.”99 A única característica que os
distingue é que todos eles exploram sexualmente as crianças. Esta exploração sexual
é feita “numa variedade de contextos ambientais sociais, e por uma variedade de
razões.”100 As pessoas que têm relações sexuais com crianças variam desde aquelas
que optam por se envolver neste tipo de variedade, àquelas que não se importam
e ainda àquelas que não se apercebem que o seu parceiro sexual é uma criança.
Assim “é impossível falar-se no explorador sexual de crianças como constituindo um
tipo único de pessoa que possui algumas características específicas ou um conjunto
único de características.”101 (Com a ênfase no original)
No entanto é possível distinguir certas categorias distintas de exploradores
sexuais de crianças dentro deste grupo amorfo. Estas categorias são: os pedófilos,
os exploradores de sexo de situação e os exploradores de sexo preferencial.
Em primeiro lugar e aqueles que se distinguem mais facilmente – mas que se
encontram numa minoria – são os pedófilos. São homens que têm uma preferência
marcada por terem relações sexuais com crianças na idade de pré-puberdade.
Em segundo lugar, existem pessoas que não se importam se o seu parceiro sexual
é ou não uma criança e têm relações sexuais com crianças sem se questionar sobre
a idade do seu parceiro. De salientar neste grupo aqueles a que geralmente se refere
como “turistas de sexo”. Enquanto que existem neste grupo alguns indivíduos que
viajam especificamente para terem relações sexuais com crianças, a maior parte,
contudo, em circunstâncias “normais” não escolheria ter relações com crianças,
mas acabam por o fazer por uma variedade de motivos. Estes incluem: a liberdade
de estar a gozar férias num local estrangeiro “exótico”, estar embriagado ou sob a
influência de drogas, por ignorância ou falta de atenção em identificar a possibilidade
98. Excerto de um estudo de pesquisa comissionado pela UNESCO (2005) Human Trafficking, especially
of Women and Children in Southern Africa (South Africa, Lesotho and Mozambique), coordenado por
Elize Delport, Mhlava Consulting Services (África do Sul).
99. O’ Connell Davidson, J. (2001) The Sex Exploiter, Grupo ONG para a Convenção dos Direitos da Criança, pág. 7 100.Ibid, pág. 7.
101.Moela, S. (19 Setembro 1999) “Not All Girls have the Luxury of a Real Childhood”, em City Press.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
de a pessoa oferecida para sexo é menor. Este grupo designa-se por exploradores
de sexo de situação.
Estes envolvem-se em relações sexuais com crianças porque geralmente não
discriminam de um ponto de vista moral e/ou sexual e desejam “ter experiências
sexuais” com crianças, ou se encontram em situações em que as crianças que reúnem
os seus ideais de atracção física se encontram acessíveis para sexo, ou existem certos
factores de desinibição que lhes permitem ou iludir-se a eles próprios com relação
à verdadeira idade das crianças ou com relação à natureza do consentimento da
criança.
No entanto, o fluxo globalizado de dinheiro aumentou a procura por sexo
comercial e muitos exploradores de sexo são homens locais, muitas vezes utilizadores
regulares do sexo comercial, e que não fazem distinções com base em idade. No
contexto sul-africano estes indivíduos têm sido descritos como “homens de todas
as idades, raças, credos e orientações religiosas.”102
Em terceiro lugar encontram-se aqueles cuja procura de sexo com crianças é
baseada na convicção de que é menos provável que as crianças tenham tido parceiros
múltiplos e portanto existe menos probabilidade de transmissão de infecções. Este
grupo enquadra-se na categoria daqueles considerados como exploradores de
sexo preferencial.
…. a maioria dos homens que exploram sexualmente as crianças, que se
encontram já enquadradas na indústria de sexo comercial, são essencialmente
os exploradores de sexo situacional que utilizam regularmente os serviços de
prostitutas. Estes tornam-se exploradores de sexo com crianças através do seu uso
de prostitutas e não ao contrário. Assim, ao contrário dos exploradores de sexo
preferencial e dos pedófilos, os exploradores de sexo de situação não procuram
nem consistente nem conscientemente crianças como parceiros sexuais, e muitas
vezes é uma questão de indiferença, da parte deles, se as parceiras sexuais têm 14
ou 24 anos, desde que estejam ‘aptos’ a tal e sejam ‘atractivas’. Este tipo de ofensor
não pode necessariamente ser descrito como sexualmente “perverso” 103 (no sentido
de se desviar das normas sexuais culturalmente prescritas). As características físicas
que o atraem muitas vezes estão em conformidade com os ideais culturais de beleza
‘jovem’ feminiza ou masculina e não a ideais culturais de inocência infantil.
De um ponto de vista físico as crianças desenvolvem a níveis diferentes, e por
exemplo, uma moça de 14 ou 15 anos de idade pode combinar as características
físicas associadas com uma mulher adulta com os atributos característicos da
juventude o que a torna muito admirada. A este respeito tem-se observado que:
102.Idem.
103.Kelly, L. (November 2001) From Aspirations to Intervention: Trends, Issues, Priorities and Lessons
Learned: Keynote to the COE Conference Protection of Children Against Sexual Exploitation, European Preparatory Conference for Yokohama, Budapest. (Conferência Europeia de Preparação para
Yokohama, Budapeste).
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ANEXOS
“É também importante registar-se aqui muitos modelos utilizados na produção de
pornografia orientada para homens ‘normais’ e não para pedófilos, são na realidade
modelos com menos de 18 anos de idade e que um adulto que seja sexualmente
estimulado por alguém que seja legal e cronologicamente uma criança, mas que
seja fisicamente ‘madura’ e/ou se aproxime dos ideias culturais de beleza sexual,
não pode ser necessariamente considerado como sexual ou psicologicamente
‘aberrante’.”104
ANEXO 3
Directrizes sobre os Direitos Humanos no Tráfico (ALTO COMISSÁRIO DAS NAÇÕES
UNIDAS PARA OS DIREITOS HUMANOS - OHCHR)
Os Princípios e Directrizes Recomendados em matéria de Direitos Humanos e o Tráfico
de Pessoas foram desenvolvidos de forma a providenciar uma orientação prática
com base nos direitos humanos para a prevenção do tráfico e protecção dos direitos
das vítimas do tráfico de pessoas.
O objectivo destas Directrizes é promover a integração dos direitos humanos em
leis, políticas e intervenções nacionais, regionais e internacionais visadas contra o
tráfico de pessoas.
Os Princípios e Directrizes são usados como o quadro estrutural principal e ponto
de referência quanto ao trabalho desenvolvido pelo Gabinete do Alto Comissário
das Nações Unidas Para os Direitos Humanos. Estas Directrizes foram apresentadas
pelo Alto Comissário para os Direitos Humanos ao Conselho Económico e Social
das NU em 2002.
Directriz 1: Promoção e protecção dos direitos humanos integrados em
todas as actividades de forma a prevenir e pôr termo ao tráfico de seres
humanos.
Directriz 2: Identificação de pessoas traficadas e dos traficantes, fazendo a distinção entre vítimas do tráfico e contrabando de migrantes e
identificação dos traficantes, incluindo aqueles envolvidos no controlo
e exploração de pessoas traficadas.
104.Consultar, por exemplo Molo Songololo (2000) Trafficking of Children for Purposes of Sexual Exploitation: A Report, Cape Town, pág. 37. Koen, K. e Van Vuuren, B. (2002) Children in Domestic Service
the Case of the Western Cape, Terre des hommes, Switzerland.
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Tráfico de Pessoas em Moçambique: causas principais e recomendaçÕes
Directriz 3: Pesquisa, análise, avaliação e disseminação para a elaboração
de estratégias efectivas para combater o tráfico na base de informação,
experiência e análise exactas e actuais.
Directriz 4: Assegurar um quadro legal adequado em conformidade com
as normas e instrumentos internacionais.
Directriz 5: Assegurar uma reacção adequada contra o tráfico de pessoas
através da imposição da lei com a cooperação de pessoas traficadas e
de outras testemunhas.
Directriz 6: Protecção e apoio sem discriminação às pessoas traficadas,
prestando a devida atenção às necessidades das vítimas
Directriz 7: Prevenção do tráfico de seres humanos, levando em consideração a procura e a causa de base, bem como os factores que contribuem para o aumento da vulnerabilidade ao tráfico, tais como a
desigualdade, a pobreza e todas as formas de discriminação e preconceitos.
Directriz 8: Medidas especiais para a protecção e apoio a crianças vítimas de tráfico levando em consideração os melhores interesses das
crianças e prestando especial atenção aos pontos de vista das crianças
bem como aos seus direitos e dignidade em qualquer acção efectuada
em seu nome.
Directriz 9: Acesso a recursos adequados e apropriados sensibilizandose as pessoas traficadas sobre os seus direitos a recursos.
Directriz 10: Obrigações dos responsáveis pela manutenção da paz, polícia civil e pessoal humanitário e diplomático no sentido de tomarem
medidas efectivas para prevenir que os cidadãos dos seus países e trabalhadores se envolvam no tráfico de pessoas e exploração relacionada.
Directriz 11: Cooperação a nível internacional, multilateral e bilateral e
coordenação entre os Estados e regiões, em particular entre aqueles
envolvidos nas diferentes fases da cadeia do tráfico de seres humanos.
(Extraído de OHCHR (2002) Recommended Principles and Guidelines on
Human Rights and Human Trafficking, Geneva – OHCHR (2002) Princípios e Directrizes recomendados em matéria de Direitos Humanos e
Tráfico de Seres Humanos, Genebra)
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