ISSN: 1984 -3615
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NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
&
IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA
2010
O MONSTRO NA CÂMARA NUPCIAL: O LIVRO DE TOBIAS E OS
IMPEDIMENTOS PARA A CONSUMAÇÃO DO CASAMENTO
Tupá Guerra Guimarães da Silva1
Este trabalho trata de um aspecto específico do livro de Tobias 2, o perigo que o
protagonista corre na primeira noite de seu casamento, com foco na presença de um
demônio no quarto de núpcias. O demônio é classificado como um tema separado do resto
do narrativa, denominado como tema do “monstro na câmara nupcial”(Fitzmyer, 2003:
40). Para uma organização mais clara do texto primeiro analisarei o próprio Tb, suas
particularidades e características e depois a presença do monstro e algumas outras
possíveis formas de perigo na primeira noite do casamento associadas ao mesmo.
O texto fundamental deste trabalho é Tb, uma fonte que possui muitas versões e
que foi preservada em muitos manuscritos, especialmente por ser considerada canônica
pelos católicos. Há uma constante mudança de pessoa na narrativa, além de um estilo
pouco constante. A possibilidade de uma autoria compósita está em aberto, assim como a
grande maioria dos aspectos técnicos relacionados a obra (FITZMYER, 2000: 138) . É um
texto de difícil rastreamento e que começou a ser longamente estudado apenas no século
XX.
A língua em que o texto foi composto é um dos principais debates, sendo alguma
língua semítica uma das hipóteses com mais força atualmente (FITZMYER, 2003: 19-27).
O grego também se apresenta como uma forte possibilidade, uma vez que a grande maioria
dos manuscritos mais antigos está nessa língua (FITZMYER, 2003: 19). A descoberta dos
manuscritos do mar morto reforçou a primeira possibilidade, ou pelo menos tornou tal
hipótese mais plausível, mas não foi elemento conclusivo para a questão.
1
Tupá Guerra Guimarães da silva. Mestranda Universidade de Brasília. Orientador: Vicente Dobroruka.
Pesquisa: “O medo da primeira noite: análise do tema das interdições nupciais no texto deuterocanônico de
Tobias, uma possivel aplicação da tríade rito, mito e conto.” Orgão financiador: Capes
2
A partir deste ponto o livro de Tobias será abreviado: Tb.
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A maior parte dos manuscritos possui um texto muito semelhante, assim parece ter
sido composto de forma relativamente homogênea, ou pelo menos parece apresentar
poucas interpolações. Mesmo considerando a teoria da autoria composita, a continuidade
nos diversos manuscritos sugere no minimo uma fonte comum a todos eles. Quanto a
autoria do texto, ele parece ser composto por um autor judeu. A grande quantidade de
referencias a outros textos sagrados dentro da narrativa é o principal argumento para a
autoria, uma vez que tal grau de relações externas requer um profundo conhecimento das
escrituras, o que só seria possível a um judeu.
A datação do texto é mais um dos elementos problemáticos relacionados à fonte.
Grande parte dos estudiosos costuma datá-lo do inicio do séc. II a.C., no entanto a
narrativa passa-se no séc. VIII a.C. e alguns estudiosos defendem que a sua composição
date desse período. A crítica interna do documento exibe alguns argumentos para essa
datação (SIMPSON, 1913: 184), mas nenhum deles é definitivo.
A narrativa como um todo é uma espécie de guia prático para a vida de um judeu
no exílio. Ainda que não se apresente como tal, os exemplos ao longo do texto exortam
qualidades a serem seguidas por um judeu pio que viva afastado de sua terra natal. Essa
informação é um argumento para a possibilidade do texto ter sido composto por um judeu
nas mesmas condições descritas na narrativa, ou seja, no exílio. Se essa hipótese for
considerada a estranha presença de temas não judaicos no texto parece mais aceitável, uma
vez que o autor estaria em um contexto estranho e onde provavelmente teria contato com
historias, lendas e contos diversos. Essa hipótese também não possui nenhum tipo de
confirmação e não será trabalhada nesse texto por afastar-se demais do tema inicial.
A obra narra a história de Tobit, de seu filho Tobias e de Sara, parente deles. Tobit
é um judeu muito caridoso que vive no exílio Durante um jantar com sua família ele é
informado há judeus insepultos em sua cidade e, sem esperar recompensas, gasta suas
ultimas economias para enterrá-los. Tobit fica cego e sem dinheiro, mas lembra-se de uma
reserva monetária que havia deixado com um parente em outra cidade. Tobias é
encarregado de resgatar o dinheiro e um estranho, Azarias, se oferece para auxiliá-lo em
sua jornada. O homem instrui Tobias a pescar e a guardar as vísceras do peixe. O homem
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exorta Tobias a se casar com sua prima, Sara, sugestão recebida com desconfiança. Os sete
primeiros noivos de Sara morreram na noite de núpcias e Tobias teme tal casamento. O
homem o acalma e o instrui a queimar as vísceras do peixe no quarto de núpcias, assim
como a rezar. Tobias casa-se e toma as devidas providencias na primeira noite do
casamento. Desta forma afasta o demônio que matara todos os noivos até então.
O casal vive feliz e retorna para junto de Tobit. Volta também Azarias, o homem
que acompanhou Tobias em sua jornada. Tobit decide dar metade de tudo que possui ao
homem que tanto auxiliou seu filho, o homem se nega a receber e revela ser na verdade o
anjo Rafael. A narrativa é simples e ecoa detalhes do pentateu, mas diferente de outros
textos seus personagens não são extraordinários, são comuns e vivem histórias comuns
(FITZMYER, 2003: 34-35).
O perigo na noite de núpcias aparece como parte relevante da narrativa e precisa ser
melhor explicitado. Por que o casamento seria o momento perigoso? O que a data traria de
diferenciado? Por que nesse caso o perigo é representado por um demônio?
Uma possível explicação seria o fato do casamento ser uma importante fase de
transição na maior parte das culturas. Segundo Dov Noy (1971: 1374-1410) na cultura
judaica nesse momento a pessoa estaria mais vulnerável, assim como em seu nascimento,
barmitzva, entre outros. Desta forma este seria o momento ideal para um ataque de forças
malignas, ou de demônios Este seria o principal motivo para a necessidade de cuidados
especias com os noivos nesse dia.
A fragilidade pode ser explicada por naquele momento os noivos não serem nem
uma coisa nem outra, ou seja, não são ainda casados e não são mais solteiros. Desta forma
sua posição inspira cuidados, para evitar os ataques das forças malignas. O casamento é o
momento em que a pessoa passa a ter uma família, ou mesmo é a partir daquele momento
que a pessoa passa a estar apta para a procriação. Desta forma é um momento de mudança
de status social.
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Existiriam varias formas de perigo que podem acometer a pessoa nesse e em outros
momentos de fragilidade. Para essa pesquisa o foco está no perigo específico que o homem
corre, embora existam casos em que o perigo acomete apenas a noiva ou os dois.
Diferençando dos casos em que a noiva é o agente do perigo, ou pelo menos o principal
vetor para que ele ocorra, o caso do tema do monstro na câmara nupcial exige alguma
atenção.
Há varias formas de aparição deste perigo. Na grande maioria dos casos esse perigo
está relacionado a jovem esposa. Muitas das vezes é sua pele que é venenosa 3, ou ela tem
dentes na vagina (ELWIN, 1943: 439-453), ou ainda dentro de seu corpo há cobras ou
dragões. No caso estudado nesse texto o perigo é externo a esposa, mas está relacionado a
ela. Ha algum tipo de monstro na câmara nupcial, não presente todo o tempo, mas pronto
para eliminar o noivo.
Há varias formas “físicas” para o monstro. Na maior parte das vezes ele é uma ou
mais serpentes, um dragão ou um demônio Esses seres estariam no quarto destinado ao
casal na primeira noite do casamento, ou ainda estaria no quarto da moça quando o
encontro dos dois não se constitui de um casamento explicito.
No caso de Tb o casamento efetivo ocorre, mas pelo trecho abaixo pode-se perceber
que o perigo está antes do casamento ser efetivado, ou seja, antes da união carnal dos
noivos. Asmodeus ataca os noivos no quarto de nupcias, embora não esteja explicito nesse
trecho específico.
Ela fora dada sete vezes em casamento, e Asmodeus, o pior dos
demônios, matara seus maridos um após o outro, antes que se
tivessem se unido a ela como esposos. (Tb 3:8)
O elemento comum a todos os textos em que há um monstro na câmara nupcial é a
existência de um monstro cuja forma de aparição não é constante, mas que
3
“Donzela venenosa” é a tradução do termo “poison maiden”, no entanto parece-me que algo de seu sentido
em inglês se perde na tradução.
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necessariamente evoca perigo. A aparência desse monstro é sempre claramente perigosa
(serpente, dragão, demonio) e em nenhum caso ele usa artifícios para se aproximar/enganar
os noivos com uma aparencia inofensiva.
Com as várias possibilidades de forma do monsto, então por que um demônio no
caso de Tb? A explicação mais fácil é simplesmente atribuir tal fato a uma judaização de
um tema popular de outra cultura. Mas seria suficiente? Essa hipótese embora plausível
não é auto-explicativa. No cristianismo o dragão e a serpente serão associados ao próprio
demônio, ou a uma manifestação do mesmo (FONTENROSE, 1974: 43). A provável data
de composição do texto de Tobias não corresponde com essa forma de visualização, já que
ele é certamente anterior ao cristianismo. Uma vez que os demônios que aparecem em
textos mais antigos do judaísmo não estão necessariamente associados a um réptil, a
associação de Asmodeus ao mesmo não é direta.
O questionamento de qual seria a primeira versão do tema, e a probabilidade de Tb
ser a primeira, não devem impedir de perceber a fortuita coincidência com os mesmos
tipos de animais nos diversos casos. É certo que Tb é o texto de datação mais antiga sobre
o tema de que se tem conhecimento. No entanto o fato da antiguidade do testemunho
escrito não pressupõe que este seu conteúdo seja necessariamente do momento da escrita,
ou seja, o fato de Tb ser o mais antigo documento com o tema não pressupõe que ele foi o
primeiro a ser composto, muito menos que todos os outros dele derivaram. De qualquer
forma o demônio é um perigo eminente para o noivo e precisa ser eliminado, assim como
seriam claramente perigosos os dragões e as serpentes.
Outro elemento constante e fundamental é o fato do monstro ser intimamente
relacionado a noiva, seja por estar enamorado dela, ou por achar que ela seja sua
propriedade, etc. No caso de Sara o demônio está enamorado dela, de acordo com o trecho
a seguir:
A ela não faz mal nenhum, por que a ama, mata porém, quem
queira se aproximar dela.(Tb 7:15)
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O perigo do demônio é inerente à aqueles que se aproximam de Sara, logo
relacionado a ela. Mas o trecho deixa claro que Asmodeus não ataca diretamente a moça,
não a possui, mas a acompanha. O ideal próprio de amor dedicado a ela não está presente
em todas as versões do texto. O detalhe aparece nas versões da Vetus Latina (VL) e na
versão aramaica.
O sentimento de amor não é um atributo comum aos demônios, e normalmente
associado aos seres humanos. Sob essa perspectiva há uma dupla questão para Asmodeus.
Ele pode amar Sara, e portanto matar todos aqueles que se aproximam, ou essa pode ser
uma adição tardia. Na segunda hipótese o demônio ainda mata os pretendentes, mas sem
um motivo aparente.
Os demônios e outros seres malignos não possuem todos os atributos humanos e
seriam seres com profunda inveja de desses mesmos atributos. A felicidade, por exemplo,
seria um motivo de inveja constante. O momento do casamento seria, além do momento de
uma mudança social, um momento de felicidade para os novos e sua família. Estragar esse
momento é uma grande oportunidade não apenas para anular a felicidade, mas um
momento em que estraga-la é mais fácil, devido a já citada fragilidade gerada pela
mudança de status social.
Sara em nenhum momento está possuída pelo demônio. A inveja pela felicidade
humana, ou mesmo pelos sentimentos humanos parece estar representada nesse momento.
Não vou debater nesse texto o que significaria estar possuída por um demônio, pois tal
debate foge do objetivo principal e o espaço é muito reduzido. Como se pode perceber pelo
trecho acima em nenhum momento é descrita algum tipo de controle de Asmodeus sobre o
corpo de Sara. Assim o demônio não está diretamente relacionado ao corpo da mesma, mas
está relacionado a ela, uma vez que gosta dela.
O perigo na noite de núpcias aparece também em outros textos recolhidos em
diversos locais do mundo. Segundo a classificação feita por Gerould (1907) Tb seria um
texto onde estaria presente o tema de donzela venenosa. No entanto dentre os textos
relacionados por ele como semelhantes a Tb, considero os seguintes como casos
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específicos de monstro na câmara nupcial: irlandês III, bretão I, norueguês II, Simrock x e
Harz I4. Nestes textos o noivo também corre risco de vida na primeira noite do casamento,
mas esse risco é causado por um agente externo, relacionado a noiva, mas não interior ao
corpo da mesma.
O detalhamento de cada um dos contos não será possível neste texto, devido ao teor
reduzido do mesmo. Todos eles, no entanto, dividem o fator principal do noivo enfrentar
um perigo na noite de nupcias, e desse perigo ser algo com o que o noivo não pode lidar.
Na maioria dos casos o perigo é de ordem sobrenatural, como o demônio ou o dragão, e
mesmo quando é uma serpente, ela não é um animal comum e não pode ser vencida pelo
herói sozinho.
A figura do amigo do noivo, que normalmente não é um ser humano comum,
destaca-se nesse momento. No caso de Tb esse ajudante é o anjo Rafael, disfarçado de
Azarias, que ensina Tobias as ações corretas para derrotar o demônio e ter um casamento
feliz. Esse ajudante se encaixaria no tema de morto agradecido, trabalhado longamente por
Gerould (1907), e que não será abordado nesse texto.
Observe o trecho abaixo:
Tobias respondeu a Rafael: “Azarias, meu irmão, ouvi dizer já foi
dada a sete maridos e que todos morreram na noite de núpcias;
morriam ao entrar onde ela estava. Também ouvi dizer que era um
demônio, que os matava, por isso tenho medo. A ela não faz mal
nenhum, porque a ama; mata, porém, quem queira aproximar-se
dela.”[...] “Ouve-me irmão; não tenhas medo deste demônio e
toma-a; sei que esta noite eles a darão a ti por mulher. E quando
entrares no quarto nupcial, toma o fígado e o coração do peixe e
coloca-os sobre as brasas do perfumador. O aroma se espalhará e
quando o demônio o respirar, fugirá e nunca mais aparecerá junto
dela. Depois, no momento de unir-te a ela, levantai-vos ambos
para fazer oração e suplicai ao Senhor do Céu que vos conceda sua
4
A denominação dos textos segue o padrão estabelecido por Gerould (1907) de nomenclatura.
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graça e proteção. E não temas, pois ela te foi destinada desde o
principio, a ti compete salvá-la.”. (Tb 6:14-20)
Nele o anjo Rafael ensina Tobias a forma de se libertar da presença do demônio
Asmodeus e a salvar Sara. Sem o auxilio do anjo Tobias não teria como auxiliar sua noiva
e sobreviver a primeira noite do casamento.
O tema do monstro na câmara nupcial é um dos temas possivelmente não judaicos
mais trabalhados em Tb, e se encaixa em um conjunto maior de perigos que denomino
interdições nupciais, todos necessariamente relacionados ao risco de vida na primeira noite
do casamento e na maior parte dos casos ele é exclusivo aos homens. As interdições
nupciais não aparecem em outros textos judaicos, a menos com referencia direta a Tb, o
que reforça a tese de que seria um tema não tipicamente judaico.
Em Tb o monstro é um demônio. Nos vários casos de monstros em que eles saem
do corpo da noiva classifico como de donzela venenosa, ou seja, o perigo é inerente ao
toque do corpo da noiva ou está em seu interior. Esta divisão é arbitrária e serve
unicamente para uma organização melhor do trabalho. Sendo assim serão considerados
casos de monstro na câmara nupcial sempre que o perigo estiver no quarto dos noivos,
relacionado á noiva mas não diretamente ligado ao seu corpo, como o exemplo do demônio
Asmodeus.
Assim podemos concluir que Tb é uma fonte complicada, cheia de nuances e com
poucas certezas. A autoria, a língua, o local de composição e a datação não são certas, mas
de desses elementos temos possíveis hipóteses O desconhecimento e a incerteza de aspetos
do texto, no entanto, não impedem uma análise séria e criteriosa.
Dentre os diversos temas reconhecidos como não-judaicos presentes no texto o do
perigo na noite de nupcias se destaca. Esse perigo se apresenta na forma de um demônio no
caso específico de Tb, mas está possivelmente relacionado com outras formas de perigo
descritas em contos recolhidos em diversos locais do mundo. O tema do monstro na
câmara nupcial é um dos mais trabalhados
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A classificação mais comum denomina como caso de monstro na câmara nupcial
todo texto que tem a presença de algum tipo de monstro no quarto do casal, ignorando os
aspectos específicos desses monstros. No entanto as características do monstro são
importantes para uma caracterização mais específica dos possíveis temas associados a Tb.
Seria um caso especifico de monstro na câmara nupcial quando o perigo, no caso
um tipo de monstro, não está diretamente relacionado com a noiva. Também não está
completamente desvinculado dela, mas sua presença não depende de relação direta com o
corpo da jovem. Os casos específicos com essas características não são comuns, mas
apresentam-se de forma clara.
Em Tb o tema do monstro aparece na forma de um demônio, o que suscita outros
questionamentos. Por que um demônio? Ele está efetivamente separado do corpo da noiva?
Sendo um caso tão específico, Tb pode se relacionar com as outras fontes? E a distancia
temporal que separa tais fontes, como associa-las?
Nem todos os questionamentos podem ser respondidos com as reflexões
apresentadas acima, especialmente pelo curto espaço disponível para as mesmas nesse
paper. Além disso é provável que muitas dessas questões não tenham possibilidade de ser
efetivamente respondidas. A pesquisa sobre as interdições nupciais ainda precisa de muito
trabalho e muitas perguntas ainda precisam ser feitas e respondidas.
A partir dos elementos textuais percebe-se que o demônio não está no corpo de
Sara. Sua presença depende de um sentimento devotado a ela, ou ao menos a ela caso não
haja a questão do amor no texto original. A ideia do perigo na primeira noite do casamento
aparece sim com frequência em outras fontes, de formas variadas, mas não varia a ideia de
ameaça no primeiro encontro dos noivos como casal.
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