ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 O MONSTRO NA CÂMARA NUPCIAL: O LIVRO DE TOBIAS E OS IMPEDIMENTOS PARA A CONSUMAÇÃO DO CASAMENTO Tupá Guerra Guimarães da Silva1 Este trabalho trata de um aspecto específico do livro de Tobias 2, o perigo que o protagonista corre na primeira noite de seu casamento, com foco na presença de um demônio no quarto de núpcias. O demônio é classificado como um tema separado do resto do narrativa, denominado como tema do “monstro na câmara nupcial”(Fitzmyer, 2003: 40). Para uma organização mais clara do texto primeiro analisarei o próprio Tb, suas particularidades e características e depois a presença do monstro e algumas outras possíveis formas de perigo na primeira noite do casamento associadas ao mesmo. O texto fundamental deste trabalho é Tb, uma fonte que possui muitas versões e que foi preservada em muitos manuscritos, especialmente por ser considerada canônica pelos católicos. Há uma constante mudança de pessoa na narrativa, além de um estilo pouco constante. A possibilidade de uma autoria compósita está em aberto, assim como a grande maioria dos aspectos técnicos relacionados a obra (FITZMYER, 2000: 138) . É um texto de difícil rastreamento e que começou a ser longamente estudado apenas no século XX. A língua em que o texto foi composto é um dos principais debates, sendo alguma língua semítica uma das hipóteses com mais força atualmente (FITZMYER, 2003: 19-27). O grego também se apresenta como uma forte possibilidade, uma vez que a grande maioria dos manuscritos mais antigos está nessa língua (FITZMYER, 2003: 19). A descoberta dos manuscritos do mar morto reforçou a primeira possibilidade, ou pelo menos tornou tal hipótese mais plausível, mas não foi elemento conclusivo para a questão. 1 Tupá Guerra Guimarães da silva. Mestranda Universidade de Brasília. Orientador: Vicente Dobroruka. Pesquisa: “O medo da primeira noite: análise do tema das interdições nupciais no texto deuterocanônico de Tobias, uma possivel aplicação da tríade rito, mito e conto.” Orgão financiador: Capes 2 A partir deste ponto o livro de Tobias será abreviado: Tb. 457 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 A maior parte dos manuscritos possui um texto muito semelhante, assim parece ter sido composto de forma relativamente homogênea, ou pelo menos parece apresentar poucas interpolações. Mesmo considerando a teoria da autoria composita, a continuidade nos diversos manuscritos sugere no minimo uma fonte comum a todos eles. Quanto a autoria do texto, ele parece ser composto por um autor judeu. A grande quantidade de referencias a outros textos sagrados dentro da narrativa é o principal argumento para a autoria, uma vez que tal grau de relações externas requer um profundo conhecimento das escrituras, o que só seria possível a um judeu. A datação do texto é mais um dos elementos problemáticos relacionados à fonte. Grande parte dos estudiosos costuma datá-lo do inicio do séc. II a.C., no entanto a narrativa passa-se no séc. VIII a.C. e alguns estudiosos defendem que a sua composição date desse período. A crítica interna do documento exibe alguns argumentos para essa datação (SIMPSON, 1913: 184), mas nenhum deles é definitivo. A narrativa como um todo é uma espécie de guia prático para a vida de um judeu no exílio. Ainda que não se apresente como tal, os exemplos ao longo do texto exortam qualidades a serem seguidas por um judeu pio que viva afastado de sua terra natal. Essa informação é um argumento para a possibilidade do texto ter sido composto por um judeu nas mesmas condições descritas na narrativa, ou seja, no exílio. Se essa hipótese for considerada a estranha presença de temas não judaicos no texto parece mais aceitável, uma vez que o autor estaria em um contexto estranho e onde provavelmente teria contato com historias, lendas e contos diversos. Essa hipótese também não possui nenhum tipo de confirmação e não será trabalhada nesse texto por afastar-se demais do tema inicial. A obra narra a história de Tobit, de seu filho Tobias e de Sara, parente deles. Tobit é um judeu muito caridoso que vive no exílio Durante um jantar com sua família ele é informado há judeus insepultos em sua cidade e, sem esperar recompensas, gasta suas ultimas economias para enterrá-los. Tobit fica cego e sem dinheiro, mas lembra-se de uma reserva monetária que havia deixado com um parente em outra cidade. Tobias é encarregado de resgatar o dinheiro e um estranho, Azarias, se oferece para auxiliá-lo em sua jornada. O homem instrui Tobias a pescar e a guardar as vísceras do peixe. O homem 458 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 exorta Tobias a se casar com sua prima, Sara, sugestão recebida com desconfiança. Os sete primeiros noivos de Sara morreram na noite de núpcias e Tobias teme tal casamento. O homem o acalma e o instrui a queimar as vísceras do peixe no quarto de núpcias, assim como a rezar. Tobias casa-se e toma as devidas providencias na primeira noite do casamento. Desta forma afasta o demônio que matara todos os noivos até então. O casal vive feliz e retorna para junto de Tobit. Volta também Azarias, o homem que acompanhou Tobias em sua jornada. Tobit decide dar metade de tudo que possui ao homem que tanto auxiliou seu filho, o homem se nega a receber e revela ser na verdade o anjo Rafael. A narrativa é simples e ecoa detalhes do pentateu, mas diferente de outros textos seus personagens não são extraordinários, são comuns e vivem histórias comuns (FITZMYER, 2003: 34-35). O perigo na noite de núpcias aparece como parte relevante da narrativa e precisa ser melhor explicitado. Por que o casamento seria o momento perigoso? O que a data traria de diferenciado? Por que nesse caso o perigo é representado por um demônio? Uma possível explicação seria o fato do casamento ser uma importante fase de transição na maior parte das culturas. Segundo Dov Noy (1971: 1374-1410) na cultura judaica nesse momento a pessoa estaria mais vulnerável, assim como em seu nascimento, barmitzva, entre outros. Desta forma este seria o momento ideal para um ataque de forças malignas, ou de demônios Este seria o principal motivo para a necessidade de cuidados especias com os noivos nesse dia. A fragilidade pode ser explicada por naquele momento os noivos não serem nem uma coisa nem outra, ou seja, não são ainda casados e não são mais solteiros. Desta forma sua posição inspira cuidados, para evitar os ataques das forças malignas. O casamento é o momento em que a pessoa passa a ter uma família, ou mesmo é a partir daquele momento que a pessoa passa a estar apta para a procriação. Desta forma é um momento de mudança de status social. 459 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 Existiriam varias formas de perigo que podem acometer a pessoa nesse e em outros momentos de fragilidade. Para essa pesquisa o foco está no perigo específico que o homem corre, embora existam casos em que o perigo acomete apenas a noiva ou os dois. Diferençando dos casos em que a noiva é o agente do perigo, ou pelo menos o principal vetor para que ele ocorra, o caso do tema do monstro na câmara nupcial exige alguma atenção. Há varias formas de aparição deste perigo. Na grande maioria dos casos esse perigo está relacionado a jovem esposa. Muitas das vezes é sua pele que é venenosa 3, ou ela tem dentes na vagina (ELWIN, 1943: 439-453), ou ainda dentro de seu corpo há cobras ou dragões. No caso estudado nesse texto o perigo é externo a esposa, mas está relacionado a ela. Ha algum tipo de monstro na câmara nupcial, não presente todo o tempo, mas pronto para eliminar o noivo. Há varias formas “físicas” para o monstro. Na maior parte das vezes ele é uma ou mais serpentes, um dragão ou um demônio Esses seres estariam no quarto destinado ao casal na primeira noite do casamento, ou ainda estaria no quarto da moça quando o encontro dos dois não se constitui de um casamento explicito. No caso de Tb o casamento efetivo ocorre, mas pelo trecho abaixo pode-se perceber que o perigo está antes do casamento ser efetivado, ou seja, antes da união carnal dos noivos. Asmodeus ataca os noivos no quarto de nupcias, embora não esteja explicito nesse trecho específico. Ela fora dada sete vezes em casamento, e Asmodeus, o pior dos demônios, matara seus maridos um após o outro, antes que se tivessem se unido a ela como esposos. (Tb 3:8) O elemento comum a todos os textos em que há um monstro na câmara nupcial é a existência de um monstro cuja forma de aparição não é constante, mas que 3 “Donzela venenosa” é a tradução do termo “poison maiden”, no entanto parece-me que algo de seu sentido em inglês se perde na tradução. 460 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 necessariamente evoca perigo. A aparência desse monstro é sempre claramente perigosa (serpente, dragão, demonio) e em nenhum caso ele usa artifícios para se aproximar/enganar os noivos com uma aparencia inofensiva. Com as várias possibilidades de forma do monsto, então por que um demônio no caso de Tb? A explicação mais fácil é simplesmente atribuir tal fato a uma judaização de um tema popular de outra cultura. Mas seria suficiente? Essa hipótese embora plausível não é auto-explicativa. No cristianismo o dragão e a serpente serão associados ao próprio demônio, ou a uma manifestação do mesmo (FONTENROSE, 1974: 43). A provável data de composição do texto de Tobias não corresponde com essa forma de visualização, já que ele é certamente anterior ao cristianismo. Uma vez que os demônios que aparecem em textos mais antigos do judaísmo não estão necessariamente associados a um réptil, a associação de Asmodeus ao mesmo não é direta. O questionamento de qual seria a primeira versão do tema, e a probabilidade de Tb ser a primeira, não devem impedir de perceber a fortuita coincidência com os mesmos tipos de animais nos diversos casos. É certo que Tb é o texto de datação mais antiga sobre o tema de que se tem conhecimento. No entanto o fato da antiguidade do testemunho escrito não pressupõe que este seu conteúdo seja necessariamente do momento da escrita, ou seja, o fato de Tb ser o mais antigo documento com o tema não pressupõe que ele foi o primeiro a ser composto, muito menos que todos os outros dele derivaram. De qualquer forma o demônio é um perigo eminente para o noivo e precisa ser eliminado, assim como seriam claramente perigosos os dragões e as serpentes. Outro elemento constante e fundamental é o fato do monstro ser intimamente relacionado a noiva, seja por estar enamorado dela, ou por achar que ela seja sua propriedade, etc. No caso de Sara o demônio está enamorado dela, de acordo com o trecho a seguir: A ela não faz mal nenhum, por que a ama, mata porém, quem queira se aproximar dela.(Tb 7:15) 461 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 O perigo do demônio é inerente à aqueles que se aproximam de Sara, logo relacionado a ela. Mas o trecho deixa claro que Asmodeus não ataca diretamente a moça, não a possui, mas a acompanha. O ideal próprio de amor dedicado a ela não está presente em todas as versões do texto. O detalhe aparece nas versões da Vetus Latina (VL) e na versão aramaica. O sentimento de amor não é um atributo comum aos demônios, e normalmente associado aos seres humanos. Sob essa perspectiva há uma dupla questão para Asmodeus. Ele pode amar Sara, e portanto matar todos aqueles que se aproximam, ou essa pode ser uma adição tardia. Na segunda hipótese o demônio ainda mata os pretendentes, mas sem um motivo aparente. Os demônios e outros seres malignos não possuem todos os atributos humanos e seriam seres com profunda inveja de desses mesmos atributos. A felicidade, por exemplo, seria um motivo de inveja constante. O momento do casamento seria, além do momento de uma mudança social, um momento de felicidade para os novos e sua família. Estragar esse momento é uma grande oportunidade não apenas para anular a felicidade, mas um momento em que estraga-la é mais fácil, devido a já citada fragilidade gerada pela mudança de status social. Sara em nenhum momento está possuída pelo demônio. A inveja pela felicidade humana, ou mesmo pelos sentimentos humanos parece estar representada nesse momento. Não vou debater nesse texto o que significaria estar possuída por um demônio, pois tal debate foge do objetivo principal e o espaço é muito reduzido. Como se pode perceber pelo trecho acima em nenhum momento é descrita algum tipo de controle de Asmodeus sobre o corpo de Sara. Assim o demônio não está diretamente relacionado ao corpo da mesma, mas está relacionado a ela, uma vez que gosta dela. O perigo na noite de núpcias aparece também em outros textos recolhidos em diversos locais do mundo. Segundo a classificação feita por Gerould (1907) Tb seria um texto onde estaria presente o tema de donzela venenosa. No entanto dentre os textos relacionados por ele como semelhantes a Tb, considero os seguintes como casos 462 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 específicos de monstro na câmara nupcial: irlandês III, bretão I, norueguês II, Simrock x e Harz I4. Nestes textos o noivo também corre risco de vida na primeira noite do casamento, mas esse risco é causado por um agente externo, relacionado a noiva, mas não interior ao corpo da mesma. O detalhamento de cada um dos contos não será possível neste texto, devido ao teor reduzido do mesmo. Todos eles, no entanto, dividem o fator principal do noivo enfrentar um perigo na noite de nupcias, e desse perigo ser algo com o que o noivo não pode lidar. Na maioria dos casos o perigo é de ordem sobrenatural, como o demônio ou o dragão, e mesmo quando é uma serpente, ela não é um animal comum e não pode ser vencida pelo herói sozinho. A figura do amigo do noivo, que normalmente não é um ser humano comum, destaca-se nesse momento. No caso de Tb esse ajudante é o anjo Rafael, disfarçado de Azarias, que ensina Tobias as ações corretas para derrotar o demônio e ter um casamento feliz. Esse ajudante se encaixaria no tema de morto agradecido, trabalhado longamente por Gerould (1907), e que não será abordado nesse texto. Observe o trecho abaixo: Tobias respondeu a Rafael: “Azarias, meu irmão, ouvi dizer já foi dada a sete maridos e que todos morreram na noite de núpcias; morriam ao entrar onde ela estava. Também ouvi dizer que era um demônio, que os matava, por isso tenho medo. A ela não faz mal nenhum, porque a ama; mata, porém, quem queira aproximar-se dela.”[...] “Ouve-me irmão; não tenhas medo deste demônio e toma-a; sei que esta noite eles a darão a ti por mulher. E quando entrares no quarto nupcial, toma o fígado e o coração do peixe e coloca-os sobre as brasas do perfumador. O aroma se espalhará e quando o demônio o respirar, fugirá e nunca mais aparecerá junto dela. Depois, no momento de unir-te a ela, levantai-vos ambos para fazer oração e suplicai ao Senhor do Céu que vos conceda sua 4 A denominação dos textos segue o padrão estabelecido por Gerould (1907) de nomenclatura. 463 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 graça e proteção. E não temas, pois ela te foi destinada desde o principio, a ti compete salvá-la.”. (Tb 6:14-20) Nele o anjo Rafael ensina Tobias a forma de se libertar da presença do demônio Asmodeus e a salvar Sara. Sem o auxilio do anjo Tobias não teria como auxiliar sua noiva e sobreviver a primeira noite do casamento. O tema do monstro na câmara nupcial é um dos temas possivelmente não judaicos mais trabalhados em Tb, e se encaixa em um conjunto maior de perigos que denomino interdições nupciais, todos necessariamente relacionados ao risco de vida na primeira noite do casamento e na maior parte dos casos ele é exclusivo aos homens. As interdições nupciais não aparecem em outros textos judaicos, a menos com referencia direta a Tb, o que reforça a tese de que seria um tema não tipicamente judaico. Em Tb o monstro é um demônio. Nos vários casos de monstros em que eles saem do corpo da noiva classifico como de donzela venenosa, ou seja, o perigo é inerente ao toque do corpo da noiva ou está em seu interior. Esta divisão é arbitrária e serve unicamente para uma organização melhor do trabalho. Sendo assim serão considerados casos de monstro na câmara nupcial sempre que o perigo estiver no quarto dos noivos, relacionado á noiva mas não diretamente ligado ao seu corpo, como o exemplo do demônio Asmodeus. Assim podemos concluir que Tb é uma fonte complicada, cheia de nuances e com poucas certezas. A autoria, a língua, o local de composição e a datação não são certas, mas de desses elementos temos possíveis hipóteses O desconhecimento e a incerteza de aspetos do texto, no entanto, não impedem uma análise séria e criteriosa. Dentre os diversos temas reconhecidos como não-judaicos presentes no texto o do perigo na noite de nupcias se destaca. Esse perigo se apresenta na forma de um demônio no caso específico de Tb, mas está possivelmente relacionado com outras formas de perigo descritas em contos recolhidos em diversos locais do mundo. O tema do monstro na câmara nupcial é um dos mais trabalhados 464 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 A classificação mais comum denomina como caso de monstro na câmara nupcial todo texto que tem a presença de algum tipo de monstro no quarto do casal, ignorando os aspectos específicos desses monstros. No entanto as características do monstro são importantes para uma caracterização mais específica dos possíveis temas associados a Tb. Seria um caso especifico de monstro na câmara nupcial quando o perigo, no caso um tipo de monstro, não está diretamente relacionado com a noiva. Também não está completamente desvinculado dela, mas sua presença não depende de relação direta com o corpo da jovem. Os casos específicos com essas características não são comuns, mas apresentam-se de forma clara. Em Tb o tema do monstro aparece na forma de um demônio, o que suscita outros questionamentos. Por que um demônio? Ele está efetivamente separado do corpo da noiva? Sendo um caso tão específico, Tb pode se relacionar com as outras fontes? E a distancia temporal que separa tais fontes, como associa-las? Nem todos os questionamentos podem ser respondidos com as reflexões apresentadas acima, especialmente pelo curto espaço disponível para as mesmas nesse paper. Além disso é provável que muitas dessas questões não tenham possibilidade de ser efetivamente respondidas. A pesquisa sobre as interdições nupciais ainda precisa de muito trabalho e muitas perguntas ainda precisam ser feitas e respondidas. A partir dos elementos textuais percebe-se que o demônio não está no corpo de Sara. Sua presença depende de um sentimento devotado a ela, ou ao menos a ela caso não haja a questão do amor no texto original. A ideia do perigo na primeira noite do casamento aparece sim com frequência em outras fontes, de formas variadas, mas não varia a ideia de ameaça no primeiro encontro dos noivos como casal. 465 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 DOCUMENTAÇÃO DASENT, T. Norueguês II. In : Tales from Fjeld, 1874. p. 71-88 ; EY, A. Harz I. In: Harzmärchenbuch oder Sagen und Märchen aus dem Oberharze. Stade, 1862. p. 64-74; KENNEDY, P. Irlandês III. In: Legendary Fictions of the Irish Celts, 1866. p. 32-38; SOUVESTRE, E. Bretão I. In: Le foyer breton, contes et recitspopulaires. Paris: Michel Lévy Freres, Libraires-Éditeurs, 1874 ; TOBIAS. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 1985. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS CHESSER, B. J. Analysis of Wedding Rituals: An Attempt to Make Weddings More Meaningful. Family Relations, v. 29, n. 2, 1980; DAY, L. B. Folk-tales of Bengal. Londres: Macmillan and CO., 1883; ELWIN, V. The Vagina Dentata Legend. In: The Britisihi Journal Of Medical Psychology, v. 19, 1943; FITZMYER, J. A. Commentaries on early jewish literature: tobit. Berlim: Walter de Gruyter, 2003; ______. The Dead Sea Scrolls and Christian Origins. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 2000; ______.The Written Word. In: <http://www.companysj.com/v141/written.html> 09/2009 466 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 FRIEDMAN, Mordechai A. Tamar, a Symbol of Life: The "Killer Wife" Superstition in the Bible and Jewish Tradition. Association for Jewish Studies Review. v. 15, n.1; LIPPINCOT, L. W. The Unnatural History of Dragon. Bulletin-Philadelphia Museum of Art. 1981; MARMORSTEIN, A. In: Hebrew periodical vol. I. Jerusalém: 1946; MOULTON, J. H. The Iranian background of Tobit In: Expository Times 11, 18991900; NICKELSBURG, G. W. E. The Search for Tobit´s Mixed Ancestry: A Historical and Hermeneutical Odyssey. Revue de Qumran 17, 1996-97; NOY, D. Cols. In: SKOLNIK, Fred (ed.) Encyclopaedia Judaica 6. Jerusalém: Keter Publishing House, 1971; RATE, J. The "Vagina Dentata" and the "Immaculatus Uterus Divini Fontis". Journal of the American Academy of Religion Vol. 48 No. 3; REIK, T. Pagan Rites in Judaism. Nova Iorque: Straus, 1964; SCHWARZBAUM, H. The Angel of death in jewish, islamic and World Folklore. International Review of the History of Religions vol. 4, 1957; SOLL, W. Tobit and Folklore Studies: With Emphasis on Propp´s Morfphology. In: D.J.Lull (ed.) Society of Biblical Literature Seminar Papers. Atlanta: Scholars, 1988; ______. Misfortune and Exile in Tobit: The Juncture of a Fairy Tale Source and Deuteronomic Theology. Catholic Biblical Quarterly 51, 1989; SIMPSON, D.C. Tobit. In: CHARLES, Robert Henry (ed.). The Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament in English. Oxford: Clarendon, 1913; 467 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 ZIMMERMANN, Frank. The Book of Tobit: An English Translation with Introduction and Commentary. New York: Harper e Bros, 1958; WEITZMAN, Steven. Allusion, Artifice, and Exile in the Hymn of Tobit. Journal of Biblical Literature Vol. 115 No. 1. 1996. 468