Reconstituição Histórica das Origens e dos Sistemas de Distribuição de Água à Cidade de Lisboa Do período romano ao período setecentista Resumo A História vai buscar as suas fontes aos arquivos disponíveis. Por sua vez, a Arqueologia pesquisa os seus documentos no local onde ocorrem. Ambas contribuem para o conhecimento do passado com resultados, fundamentalmente, monográficos. Propõe-se que a este tipo de análise seja acrescentada a utilização de bases gráficas e cartográficas que possibilitam a sobreposição de diferentes dados, associados ao local onde ocorrem, contribuindo para uma maior interdisciplinaridade da pesquisa histórica, de modo a obter resultados mais englobantes à escala do território. As actuais ferramentas informáticas permitem efectuar análises, conjugando dados de diferentes formatos quer de natureza gráfica quer de natureza alfanumérica, que, quando referenciados a uma mesma base, permitem obter resultados mais detalhados e consentâneos com os objectivos da análise, consequência da possibilidade de conjugar em simultâneo, valores associados ao tempo, espaço e forma, os três eixos fundamentais da pesquisa histórica/arqueológica. Por essa razão, deve-se, igualmente, prevenir o relacionamento e a compatibilidade das diferentes pesquisas, de modo a obter áreas cada vez mais alargadas, com um nível de detalhe bastante aprofundado para toda uma região. A aplicação destes conceitos a temas muito específicos, nomeadamente ao levantamento arquitectónico das estruturas arqueológicas relacionadas com a captação e a distribuição de água à cidade de Lisboa, é, seguramente, um modo de implementar os elementos gráficos relacionados com a estrutura de distribuição e a sua georreferenciação, à pesquisa histórica da época em que se integram, contribuindo para o conhecimento da evolução do território onde se inserem. Os sistemas de fornecimento de água a Lisboa encontram-se divididos em quatro grandes períodos, de acordo com o tipo de recursos de captação e distribuição utilizados, a saber, a época romana, a época setecentista, as intervenções do século XIX e a contemporaneidade do século XX. Com este projecto, pretende-se apenas detalhar as duas primeiras épocas (períodos romano e setecentista). Logo numa primeira fase do projecto, o inventário gráfico e geográfico das estruturas correspondentes a estas duas ocupações históricas irá permitir obter dados acerca da infra-estrutura hidrológica da região, que podem, ainda, vir a ser complementados com informações acerca da disponibilidade e da qualidade do bem. A sobreposição destes dados com outro tipo de informação, nomeadamente de natureza socio-ambiental, irá permitir obter indicadores acerca da ocupação do território e do desenvolvimento dos aglomerados urbanos ou mesmo outro tipo de características relacionadas com as formas, funções e percepções da cultura dos seus utilizadores. A reprodução destes dados em formato digital proporcionará a realização de um modelo virtual, o que irá possibilitar simular situações e cenários passados, criando imagens representativas de cada época que, quando visionadas em sequência, poderão permitir “observar” a evolução cronológica da ocupação daquele território O resultado esperado da implementação de elementos gráficos ao local onde ocorrem é uma análise histórica e territorial, integrada. Objectivos Em termos gerais, pretende-se: - Estabelecer os procedimentos que permitam utilizar elementos gráficos na pesquisa histórica/arqueológica. E, de um modo específico: -reconstituir os antigos traçados das infra-estruturas de distribuição de água; -efectuar uma base de dados gráfica e alfanumérica do modelo; -analisar o impacto social daquelas infra-estruturas no desenvolvimento histórico da região; -determinar as características quantitativas e qualitativas do bem; -avaliar os troços descobertos; -disponibilizar essa informação em formato digital; -contribuir com o conhecimento do traçado para a protecção do património e da cultura. De forma a contabilizar os dados históricos e a avaliar o potencial topográfico da condução das águas, desde Belas a Lisboa. Estado-da-Arte A água é referida como um bem precioso, tal o consenso da sua vitalidade nos organismos vivos, contudo a verdade desta afirmação não se reflecte no modo como tem sido (ab)usada nas sociedades (ditas) civilizadas. A escassez do produto aliada aos desperdícios do consumismo, na maioria das vezes consequência da falta de preocupação com as questões ambientais, obriga a repensar o modo como o sistema se encontra actualmente implementado e a procurar alternativa, quer em termos de captação quer em termos de distribuição e hábitos de consumo. O que pode ser conseguido não apenas à custa de novas realizações, mas, também, ponderando a reactivação das antigas. Já os romanos tinham um cuidado especial com a qualidade da água e com o modo como se efectuava a sua distribuição, em que as derivações privadas eram taxadas de forma a assegurar a manutenção da rede pública, cujo fornecimento permitia satisfazer as necessidades sociais básicas de consumo da maioria da população. De igual modo, qualquer outra finalidade para a sua utilização, mesmo quando efectuada em locais públicos, era também tributada, o que contribuía para a minimização dos desperdícios. É esta lógica de distribuição romana, bem demarcada pela barragem de Belas, de cuja rede de distribuição apenas se conhecem alguns troços de descoberta ocasional, normalmente localizados nas proximidades da captação e de que tão pouco se conhece do seu traçado para a cidade de Lisboa, que D. João V procura modernizar durante o seu reinado, sem destruir completamente as anteriores infraestruturas. A barragem romana, cuja disponibilidade do produto estava directamente relacionada com a ocorrência de precipitação, visto tratar-se do armazenamento da escorrência superficial verificada na sub-bacia hidrográfica associada ao local onde se situa (complementada com a existência de poços nos locais da distribuição), continua parcialmente a funcionar em paralelo com os, então, novos sistemas de captação e de distribuição. Na época setecentista, a captação passa a ser efectuada a partir de nascentes e a distribuição efectua-se em condutas edificadas para o efeito com um traçado perfeitamente identificado, em que alguns troços se baseiam em pré-existências romanas, e o fornecimento efectuado em pontos estratégicos da cidade – Mães d’Água. Contudo, esta modernização é absorvida pelo rápido crescimento populacional, o que obriga a novas reformulações do sistema, especialmente em termos de captação (Tejo), logo no início do séc. XIX. O século XX é caracterizado pela individualização do fornecimento ao nível dos fogos. Mas, novamente, o horizonte de projecto é ultrapassado pelas alterações dos hábitos de consumo, obrigando a ponderar outras alternativas actuais. Por este resumo, é constatável que a substituição das anteriores estruturas de captação e distribuição de água à cidade de Lisboa não implicou a sua destruição. De facto, algumas continuaram a funcionar em paralelo sem, contudo, serem alvo de um plano de exploração que permita o seu aproveitamento integral. É esta falta de consideração pelo passado, tão característica do comportamento humano, que, depois, procura ser compensada pelas intervenções arqueológicas, que se pretende reabilitar através do conhecimento exacto do traçado e do potencial de antigas estruturas. Até ao momento, praticamente apenas se conhecem os troços mais superficiais dos sistemas de abastecimento de água, quer da época romana quer da época setecentista. Este trabalho, propõe efectuar o levantamento integrado da informação associada a este tema, recorrendo a aspectos inovadores, tais como a utilização de descritores gráficos em complemento dos dados históricos, explorando novos meios de conjugar diferentes tipos de dados, contribuindo para o sucesso da interdisciplinaridade proposta e, consequentemente, para a realização do modelo e para a concretização do trabalho. Resultados e Repercussões Este projecto propõe a realização de um trabalho interdisciplinar de investigação, sobrepondo dados hidrológicos com a história de ocupação de uma região, de modo a avaliar o que poderá ter sido o comportamento humano dos seus ocupantes em relação ao respectivo espaço. Pretende-se: - estabelecer regras e procedimentos que possam orientar o desenvolvimento de outros trabalhos de modo a concorrerem para o estabelecimento de uma análise integrada, a nível regional; - contribuir com o conhecimento rigoroso de anteriores estruturas para a defesa do património cultural. De modo a obter como resultados inovadores: - um modelo de análise histórica e territorial interdisciplinar; - a determinação de regras comuns que conduzam à integração, no espaço e no tempo, de futuros trabalhos relativos a temas históricos, conforme venham a ser implementados; - a concretização de uma base de dados gráfica, tridimensional, actualizável e compatível com outros sistemas. A longo prazo, poderá esperar-se obter repercussões, ao nível: - da promoção e desenvolvimento de trabalhos nesta área temática de investigação; - da contribuição para o equilíbrio ecológico e, consequentemente, para o bem estar social, pela avaliação do potencial de reutilização de antigas estruturas; - da acção social, pelo “despertar” da consciência colectiva para a importância do património e da sua utilidade, no presente e no futuro. Como impacto a nível regional, devido à especificidade do tema e sua localização geográfica, pois a área de intervenção confina-se, fundamentalmente, à região de Lisboa e Vale do Tejo, com a implementação da metodologia de intervenção proposta pensa-se obter regras e procedimentos a implementar em outros casos de estudo. Quanto à divulgação do trabalho, em que os registos gráficos são a componente principal da investigação proposta, deverá, igualmente, basear-se numa dinâmica de apresentação de imagens. Para o efeito, pensa-se que a publicação dos resultados poderá ser complementada com o recurso a registos em formato digital, próprios para a divulgação na Internet, em espaços culturais. Poderá, ainda, pensar-se em seleccionar o mais representativo que possa ser sujeito a uma exposição pública Referências Bibliográficas • • [Alves, J. C., 1940] “Águas de Lisboa”, Relatório da Comissão das Obras de Abastecimento de Água à Cidade de Lisboa. [Duarte, 2001] “Customizing Mass Housing: A Discursive Grammar for Siza´s Malagueira houses”, Thesis submitted to the Department of • • • • • • • • • • • • Architecture in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of Doctor of Philosophy in Design and Computation. Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, E.U.A. [Encarnação e Cardoso, 1995], "Para Uma História da Água no Concelho de Cascais", de Col. [Holanda, F. de, 1571] ”Da Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa”, Livros Horizonte, Lisboa, 1984. [Moita, I. & all, 1990] “D. 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