Personagens da Bíblia O MOÇO DO PROFETA SENHOR, ABRA OS MEUS OLHOS 2 Reis capítulo 6, de 8 a 23, com destaque para o verso 17. O Profeta Eliseu Eliseu é um daqueles personagens bíblicos que exalam uma maturidade espiritual absoluta. Olho para ele e me maravilho: Se eu pudesse ser mais parecido com ele! Eliseu estava em Dotã, em tempos complicados. As coisas não iam tranquilas em Israel, e a insegurança daqueles dias vinha da Síria, o vizinho forte e inimigo do Norte. Eliseu, como homem de Deus para o seu tempo, teve que somar às suas funções espirituais as de conselheiro militar, e Israel ia resistindo ao assédio sírio. Do lado de lá, a incapacidade de avançar frente a um inimigo fraco estava incomodando. O rei sírio já considerava que entre os seus alguém era espião de Israel: os planos cuidadosamente preparados não produziam o esperado. Parecia que Israel sabia de antemão como os sírios agiriam. Mas o problema para os sírios não era um espião. O problema era Eliseu. Deus lhe revelava os planos do inimigo e Israel podia preparar-se para frustrar a ação síria. Detectado o problema, os sírios mandam um esquadrão de elite para sequestrar Eliseu e neutralizar a vantagem de Israel. Na calada da noite a tropa chega a Dotã e se posiciona aguardando a manhã para o bote. O primeiro a sair foi um moço do profeta, que se apavora intimidado com o que via e, em desespero volta-se para Eliseu clamando “Ah, meu Senhor! Que faremos?” Diante da situação de iminente perigo, Eliseu demonstra tranquilidade e com maestria conduz os acontecimentos. O episódio deixa entrever o tipo de relação, a intimidade que havia entre ele e Deus. Não tinha má notícia, não tinha catástrofe, não tinha perigo que abalasse a sua serenidade. Após socorrer o seu ajudante, e ensinar-lhe algo, Eliseu se encontra com a tropa e a dirige para a capital do país, onde poderia ser dominada. A vívida descrição desse episódio me faz desejar poder tê-la testemunhado. Imperdível; impagável: O suprassumo do poderoso exército, equipado com o que de melhor havia - verdadeiro comando em ação –, conduzido em estrada poeirenta por um simples e militarmente despreparado homem. Era a caça guiando os caçadores; o refém dirigindo os seus algozes. Era a temida tropa humildemente se sujeitando a Eliseu, como mansas ovelhas se submetem ao seu pastor. Para qualquer um de nós, uma situação menos grave seria um momento de pânico. Estressados e circunspectos veríamos nossa adrenalina ir para a lua, como o caso, a nosso ver, exigiria. Mas é notável como o profeta encara a situação. Uma fina ironia, um 1 Personagens da Bíblia O MOÇO DO PROFETA humor leve prevalece. Tenho essa atuação de Eliseu como uma demonstração magistral do que deve produzir a presença de Deus na vida de alguém que O procura e com Ele estabelece uma íntima comunhão. É a tranquilidade de não se abalar, de não perder a serenidade ainda que a própria vida esteja sob risco. Eliseu antecipou na prática o ensino do salmista “O justo não teme más notícias; o seu coração está firme confiando no Senhor.” (Sl 112.7) . O ajudante do profeta Mas, não é Eliseu o personagem da hora. Ele é só o coadjuvante. O personagem em foco é mais parecido comigo, e o seu comportamento espelha, o que seria o meu em situações idênticas. Trata-se do moço do profeta. Anônimo, inexperiente, um pobre coitado, que só teve uma reação ao se deparar com aquilo que não esperava: Apavoramento. Só soube voltar-se ao profeta e procurar apoio para ao menos se queixar. E ao olhar para esse desqualificado moço, a única coisa que posso desejar é pedir a Deus, a meu favor, o mesmo que Eliseu pediu a favor dele: Senhor abra os meus olhos para que eu veja. Primeiramente, devo suplicar a meu favor: Senhor abra os meus olhos para poder ver as coisas como são e não como se aparentam. Desafortunado moço. Acorda cedo, sai pra fora - os neurônios ainda não devidamente conectados; faltava ainda o café para ligar o cérebro; faltava ainda aquele alongamento preguiçoso para engrenar o corpo para o dia - e o que ele vê? O aprendiz de profeta não tinha ainda vivido e convivido o suficiente com o seu mestre para saber que as coisas não são como a primeira vista parecem. No seu processo de amadurecimento o incauto rapaz ainda não tinha aprendido a atentar para as coisas espirituais, de modo que aquilo que os seus olhos viam, o exército inimigo cercando a cidade, era para ele toda a realidade. Foi preciso a intervenção do profeta para desbloquear sua visão, e ele poder ver a realidade completa. Sim, o exército inimigo estava lá. Era visível e era real. O perigo não era imaginário. A ameaça estava lá, mas, a ameaça não era de assustar e não deveria apavorar, pois olhando corretamente se podia ver que “aqueles que estão conosco são mais numerosos do que eles”. Vivemos em um mundo de irrealidades. A dissimulação, a maquiagem, o disfarce, a falsificação e o embelezamento artificial fazem o nosso cotidiano. O que se apresenta não é o que é; o que se apresenta é o que se deseja mostrar. Somos bombardeados por toda a sorte de apresentações da realidade que querem induzir-nos a algo; querem convencer-nos sobre alguma coisa; querem seduzirnos; amedrontar-nos; empurrar-nos para uma posição. Para que tais intentos sejam alcançados vale mostrar o que convence. Vale pintar a realidade com as cores do agradável. Se não formos capazes de ver as coisas como são, estaremos sempre aceitando como realidade aquilo que nos é mostrado, o que nos é visível à 2 Personagens da Bíblia O MOÇO DO PROFETA primeira vista. Esta é a época do marketing, da propaganda, e dizem que se pode vender qualquer coisa, desde que os argumentos certos sejam empregados. E argumentos certos significam argumentos certos para vender, não argumentos verdadeiros. E assim, somos levados a sentir necessidade ardente e inadiável de coisas que até ontem sequer sabíamos que existiam. Mas, por mais que este nosso mundo exige uma visão esperta para se compreender a verdadeira realidade das coisas, não é este o melhor motivo para suplicar que o Senhor abra os meus olhos. A razão para desejar essa ação de Deus em mim é com relação às coisas espirituais, tal como com o moço. Preciso desejar que o Senhor abra os meus olhos para ver a realidade espiritual que preciso conhecer. Lembro Nicodemos. De noite, aquele que era um mestre dos judeus foi procurar a Jesus, buscando compreender o que não estava entendendo e Jesus lhe ensinou: “O que nasce da carne é carne, mas o que é nasce do Espírito é espírito... Asseguro-lhe que nós falamos do que conhecemos e testemunhamos do que vimos, mas mesmo assim vocês não aceitam o nosso testemunho. Eu lhes falei de coisas terrenas e vocês não creram, como crerão se lhes falar de coisas celestiais?... Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo.“ Para aqueles a quem as coisas espirituais têm passado despercebido fica a advertência. Você tem se limitado às primeiras impressões, às coisas terrestres, às coisas visíveis. Como com o moço, suplique que os seus olhos sejam abertos e você possa compreender a realidade espiritual. Reconheça que esta vida não se encerra em seu aspecto material. Reconheça Jesus Cristo e o seu sacrifício na cruz em seu favor. Em favor de cada um de nós, E a percepção das coisas espirituais não se encerra no reconhecimento do ministério de Cristo na cruz por nós. Vai além. Preciso buscar as coisas espirituais e a visão espiritual a vida toda. A Bíblia chama esta percepção de Discernimento. Capacidade de distinguir, de identificar o correto, enfim de compreender as coisas como elas realmente são. E parte do processo da maturidade espiritual que devo buscar. Efésios 4. 13 e 14 lembra: “até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro.” Parece até que Paulo conhecia o nosso tempo! Em segundo lugar, a história do imaturo moço do profeta me leva a também suplicar: “Senhor abra os meus olhos para poder reconhecer que Deus está atuando”. 3 Personagens da Bíblia O MOÇO DO PROFETA Enquanto o ingênuo moço dormia o seu sono de tranquilidade, a ameaça se instalava ao seu redor. Ele não a percebeu, pois dormia. Na verdade, todos, na casa do profeta e na cidade foram pegos no contrapé: Ninguém imaginava que poderiam ser vítimas de uma ação de tal envergadura. Ninguém avaliou o risco. Ninguém pensou que talvez valesse a pena manter vigias na cidade para se precaver da chegada do perigo. Quando imprevidência! Estavam todos despreocupados. Mas no silencio do sono os sírios agiram e colocaram sob ameaça a pacata Dotã. No entanto, não foram só os sírios que agiram na calada da noite. Antes que o moço e toda a cidade viessem a tomar consciência do perigo que estavam correndo, a solução, em forma de proteção celestial, ampla e generosa estava preparada, para a eventualidade de ser necessária. Havia mais um exército que se colocou em prontidão durante o sono dos desprecavidos. É necessário reconhecer que temos uma dificuldade imensa de perceber o que Deus está fazendo a nosso favor, no nosso tempo. Quanto mais longe estamos dos fatos, mais facilmente os percebemos: Ah! Sim, nos tempos bíblicos é que Deus agia. Veja aí a história de Eliseu. Em outros tempos, em outros lugares, em outros povos as maravilhas soberanas são visíveis, mas para nós? Chega a parece que houve alguma falha na dispensação divina e nós fomos deixados na terra da aridez de benção. Este não é um problema só nosso. É um problema geral. Até Moisés o teve. Estava pressionado pelo povo, pelas suas necessidades e pelos seus lamentos. Sentiu-se impotente. Desanimou. Quis desistir. Deus lhe deu uma resposta (Nm 11.23) que permanece como um lembrete para nós: “Pelo que replicou o Senhor a Moisés: Porventura tem-se encurtado a mão do Senhor? ...” Não. E também para nós a mão do Senhor não se encurtou. O que precisamos é que nossos olhos sejam abertos e que possamos então enxergar e reconhecer o que o Senhor tem feito: na nossa Igreja, na nossa família, na nossa vida. Talvez devêssemos considerar o porquê desta dificuldade de ver Deus agindo no nosso tempo. Pode ser que não temos percebido a ação divina, porque o que Deus têm feito não é exatamente o que gostaríamos que ele fizesse. Por outro lado, pode ser o caso que temos esperado por sinais maravilhosos e obras espantosas enquanto Deus teima em agir no silêncio e na calma, atuando quase que imperceptivelmente. Mas o desafio é sermos despertados para poder ver que o Senhor continua agindo. “Eis que a mão do Senhor não está encolhida para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para que não possa ouvir.” (Is 59.1) E, por fim, mas não esgotando o assunto, ao olhar para o despreparado moço de Eliseu, devo suplicar em meu favor: “Senhor abra os meus olhos para poder entender qual é meu papel no concerto dessas coisas”. 4 Personagens da Bíblia O MOÇO DO PROFETA Enquanto desejo a visão espiritual correta para entender a realidade e busco me aperceber da ação do Senhor, estou me colocando como beneficiários da ação divina, permanecendo em uma situação contemplativa, de receptador de bênçãos. Mas toda a Bíblia e a própria vida de Eliseu que permeia o assunto dessa hora, me alerta: A verdadeira vida cristã, a vida espiritual genuína não existe apenas para o meu proveito e prazer. Sou desafiado e compelido a fazer da minha vida uma constante ação, atuando a favor dos outros e agindo para cumprir os desígnios de Deus. Dessa maneira, não posso deixar de acrescentar à minha oração, em meu benefício, que o Senhor me mostre o que a mim compete fazer. Saber fazer a coisa certa, saber como agir, mesmo diante de imprevisíveis dificuldades é algo que se sobressai em Eliseu. O rei de Israel, o próprio moço, seu ajudante e tantos outros procuraram o profeta com a mesma pergunta: O que faremos? Diante das perplexidades e complexidades do mundo moderno a mesma pergunta ecoa: O que faremos? Os valores morais são abandonados; a família e a fidelidade conjugal são desprezadas; os filhos são assediados pelas drogas e tantas outras coisas: O que faremos? O mundo em ebulição, as coisas se transformando a uma velocidade impossível de acompanhar. O emprego acabou, a globalização chegou, e a crise continuou. O que faremos? Olhamos perplexos para a religião que está sendo praticada nos nossos dias, mais perplexos ainda, olhamos para a nossa denominação, e só sobra perguntar: O que faremos? E então, dois comportamentos, dois paradigmas de como agir: Primeiro, tem o moço: aprendendo, passando por uma extraordinária lição de vida, de amadurecimento. Identifico-me com ele. Gostaria que, como com ele, as experiências da vida, assustadoras e desconcertantes fossem os meios de Deus para abrir os meus olhos, para alargar a minha visão de modo que eu pudesse saber sempre o que fazer. Segundo, em um plano mais elevado, tem Eliseu. A viva representação da maturidade espiritual; de quem sabe como agir; de quem está sempre preparado para enfrentar as situações por mais dramáticas que sejam; de quem atua de um modo a nos deixar atônitos de como encarar as dificuldades; de quem conhece Deus como Ele deve ser conhecido. Crédito: Na PIBBrás, se celebrava o dia da Mocidade. Na década de 1970 num dias desses fui designado para pregar de manhã. O Fernando MF Oliveira (o doutor Fernando) pregaria a noite, mas foi nocauteado por uma gripe. Tive de falar no seu lugar. Usei o seu texto “Bem aventurado os olhos que veem”. Continuo usando-o, adaptado, repaginado, mas com a mensagem original. 5