ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE A EXPANSÃO DA ESCOLA PÚBLICA PRIMÁRIA Maria Valdeny Ferreira Gomes1. João Carlos da Silva2 Introdução Desde sua origem, a organização da escola pública, até a atualidade constituiu-se mediante contradições, conflitos, lutas de poder e mudanças, veladas ou explícitas, resultado da complexa estrutura da sociedade que a produziu. Na tentativa de analisar historicamente esse processo, assim como levantar questões sobre a escola pública, pontuaremos alguns aspectos, delimitados pelo tempo histórico e sua contextualização na sociedade capitalista. Abordaremos esta instituição social, como palco dos desdobramentos das políticas públicas do Estado, considerando o sistema de ensino, instrumento de disseminação e reprodução do Estado A educação é resultado do processo social de disputa da sociedade de classes, pois “(...) as políticas sociais compreendem o conjunto de necessidades sociais e políticas estabelecidas socialmente numa determinada sociedade, como resultado e expressão da forma social de reprodução das condições materiais da existência” (DEITOS, 2009, p. 5). O Estado, no interior da sociedade capitalista, como o mediador do processo de distribuição da riqueza do país, é estrategicamente organizado, consistindo em uma força governamental expressando as relações sociais, cujas raízes se localizam no mundo da produção (VIEIRA, 1992, p. 21). Nessa lógica, o capital prioriza os seus gastos, através do discurso de um Estado eficiente, com regulamentações a partir de políticas que sejam eficazes para as demandas do capital, mas também que atenda minimamente as prioridades, necessárias para a manutenção da sua estabilidade política, tentando minimizar as tensões entre as classes sociais. Neste artigo discutiremos a expansão da educação pública primária, à 1 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Educação da UNIOESTE, campus de Cascavel/PR. Pedagoga da Rede Estadual de Ensino do Paraná. [email protected]. 2 Doutor em História, filosofia e Educação/FE-UNICAMP. Professor no Colegiado do Curso de Pedagogia/UNIOESTE, Campus Cascavel, PR Membro do Grupo de pesquisa HISTEDBR/GT-Cascavel. E-mail: [email protected] 1 luz da política social, como centro das análises e discussões da sociedade, no contexto das questões políticas e sociais. A educação brasileira no período colonial No início do período colonial, o ensino era missionário e a escola tinha a forma de aldeamento e internatos, e os alunos (indígenas) não aprendiam somente uma língua e outra interpretação do mundo em que viviam, mas seria o começo de uma penitência, pela culpabilização de seus pecados (XAVIER, 1994). A intenção em treinar a mão de obra para o trabalho nos engenhos de açúcar, não fica evidenciado nas ações pedagógicas dos jesuítas, apesar de alguns livros de história trazer isso como fato. Fazia “parte da aculturação do nativo, condição indispensável para a catequese, o aprendizado das práticas elementares de produção para a sobrevivência material da comunidade indígena, em processo de aldeamento” (idem, 1994, p. 43), mas a leitura, a escrita e o cálculo foram sim, os conteúdos do ensino nesse período, pois davam base para a compreensão das Sagradas Escrituras, ficando o treinamento para o trabalho em segundo plano. Os objetivos práticos dos jesuítas eram o recrutamento de fiéis e servidores, mas que a conversão da população indígena resultou na criação de escolas elementares e dessa forma, Os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar para a população índia e branca em geral (salvo as mulheres), educação média para os homens da classe dominante, parte da qual continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última (2003, p. 35). O ensino elementar continuava sendo obrigação da família, através de parentes ou de preceptores e somente para os filhos dos proprietários de terra, sendo que nessa época a população colonial se constituía, aproximadamente, de 2/3 de escravos e uma pequena parcela de trabalhadores livres, rurais e urbanos, para quem o ensino era dispensável, pois Numa economia de base agrária, rudimentarmente praticada, e numa situação política de submissão, que exigia um aparelho administrativo reduzido e pouco sofisticado, o próprio ensino da elite não era encarado como prioridade ou com especial cuidado (XAVIER, 1994, p. 48). 2 Com a Reforma Pombalina em 1759 e a expulsão dos jesuítas, esse sistema de ensino foi desmontado e nada foi feito pela sociedade brasileira da época, ficando a colônia sem nenhuma organização educacional, enquanto Portugal criava seu sistema público de ensino moderno e popular. Entre lutas de monopólios e acordos comerciais, no início do século XVIII a colônia brasileira desenvolveu-se economicamente e socialmente, com o início do ciclo da mineração e as atividades que advinham dessa demanda econômica, tendo como consequência na educação, uma solução paliativa, as Aulas Régias, que duraram em torno de quarenta anos.Sem um sistema de ensino organizado a educação no país estava “drasticamente limitada”. Com o surgimento de uma nova camada intermediária da sociedade, representada pelos pequenos comerciantes, os artesãos e os burocratas, com afinidades além de econômicas, de comprometimento político, marcou-se um período conturbado, de grandes embates3. Essa nova classe, chamada de pequena burguesia, teve como fator relevante para sua ascensão, a situação do mercado interno, (...) criado e reforçado com a economia de mineração (...) também em plena ascensão na Europa. Essa classe desempenhou relevante papel na evolução da política no Brasil (...) e nas transformações porque passou o regime no final do século. E se ela pode fazê-lo, isso se deve sobretudo ao instrumento de que dispôs para afirmar-se como classe: a educação escolarizada (ROMANELLI, 2003, p. 37). A partir desse período, da independência política, que a demanda escolar foi diversificada, não era somente a classe oligárquico-rural que procurava a escola, mas também a pequena camada da população, que percebeu a importância da escola para a sua ascensão social. O sistema de ensino no período Imperial A questão da expansão da escola pública primária iniciou com a emancipação política brasileira e medidas institucionais, após a Independência. Até 1822, o país ainda tinha uma educação precária, com algumas poucas Aulas Régias e escolas de nível superior: 3 Foi nessa camada que foram recrutados indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e principalmente à política. (ROMANELLI, 2003, p. 37). 3 Conforme o discurso da época havia que se construir o “edifício instrucional”, de que a jovem nação carecia para tomar finalmente os “rumos da civilização”. Mas esse processo foi marcado, desde logo, por um escandaloso desajuste entre os objetivos proclamados e o encaminhamento de projetos, assim como entre as medidas legais definidas e a as condições concretas de sua efetivação. (XAVIER, 1994, p. 61) Esse debate ocorreu na Assembléia Constituinte de 1823, com os dois projetos: Projeto do Tratado de Educação para a Mocidade Brasileira e o Projeto de Criação de Universidades. Esse embate deixa claro o descaso com a educação popular e a nítida preocupação com a realização efetiva de um sistema de ensino de elite. Pode-se dizer que a primeira proposta de criação de escolas primárias foi o projeto Januário da Cunha Barbosa, resultando no Decreto de 15 de outubro de 1824, o qual finalmente “garantia instrução primária a todos os cidadãos do Império” (XAVIER, 1994, p. 61). Apesar dessa conquista histórica, ainda não havia uma garantia com o cumprimento dessa lei4·. O projeto detalhava a organização do ensino primário nos moldes europeus e o decreto convertia essa instrução em simples Escolas de Primeiras Letras. É mister destacar nessa análise que A realidade econômica, política e social após a Independência, que sofreria profundas transformações até o final do Império explica esse desajuste entre o discurso e prática e a surpreendente omissão do poder central em relação à instrução popular (Idem). A organização da escola primária, nesta organização educacional, baseava-se no ensino da leitura, da escrita, das quatro operações de cálculo, noções gerais de geometria prática, gramática portuguesa e a doutrina católica. O método de ensino era o Lancaster e Bell. A escassez de professores era suprida pelos alunos mais adiantados, demonstrando a desmotivação do “Estado agroexportador e escravocrata, em garantir as condições mínimas para o funcionamento da escola pública” primária, desqualificando este nível de ensino e transformando-o em nada mais que um discurso demagógico da lei. (XAVIER, 1994, p. 65). Romanelli destaca que a descentralização ocorrida como o Ato Adicional de 1834, em que delegou às províncias o direito de regulamentar e promover a educação 4 A preocupação maior era com a sofisticação desse nível de ensino do que com a sua extensão a todos os cidadãos (XAVIER, idem). 4 primária e secundária, mas (...) que a falta de recursos (...) que um sistema falho de tributação e arrecadação de renda acarretava, impossibilitou as Províncias de criarem uma rede de escolas (2003, p. 40). O ensino primário, como desdobramento, ficou abandonado com pouquíssimas escolas5 e funcionando somente com o “sacrifício de algum mestre-escola, que, destituídos de habilitação para o exercício de qualquer profissão rendosa, se viam na contingência de ensinar” (idem). Pode-se afirmar então, que o ensino de elite se constituiu desde o Primeiro Reinado6, mas a rigor, o ensino elementar ainda era predominantemente uma tarefa familiar e para as camadas privilegiadas da sociedade. A modesta Escola de Primeiras Letras, criada pelo Decreto de 1827, continuava a única opção para o ensino elementar, mesmo com debates e projetos de expansão apresentados no Parlamento Nacional, com questões sobre a implantação de um sistema de ensino e pela primeira vez, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, mas que não foram transformados em lei. A primeira dessas leis, conhecida como Reforma Couto Ferraz ou Regimento de 1854, estabelecia a obrigatoriedade do ensino elementar, reforçava o princípio da sua gratuidade, estabelecido constitucionalmente, vetava o acesso de escravos ao ensino público e previa a criação de classes especiais para adultos (XAVIER, 1994, p. 84, grifos da autora). A falta das condições materiais, invibializaram a implantação desse projeto de lei, mas inspiraram a adoção do princípio da obrigatoriamente do ensino elementar em algumas províncias. Um dos fatores que destacou essa preocupação foi a discussão em torno da reforma constitucional de 1881, com a lei Saraiva.Apesar disso, foi assim que pela primeira vez no país o domínio da leitura e da escrita torna-se condição para o alistamento eleitoral, mesmo que inspirados em sistemas políticos democráticos, da alfabetização como requisito único para a aquisição do direito à cidadania, restringiu ainda mais esse direito, pois ainda havia a seleção pela renda. (XAVIER, 1994, p. 96). Nessas circunstâncias, o sistema de ensino ainda estava associado à formação das elites, através das práticas educativas e dos currículos que a sociedade da época almejava, para perpetuar a separação entre o trabalho intelectual e o manual, ou seja, a 5 Em 1888, 250.000 alunos para uma população de 14 milhões de habitantes. Ver Romanelli (2003, p. 40). 6 1822-1831. 5 educação dualista. Segundo Romanelli, foi a “consagração do sistema dual de ensino (...) que era o próprio retrato da organização social brasileira, que despontava para a República” (2003, p. 41). Nesse momento, a pequena burguesia, já não comportava as instituições simplistas e fizeram uma pressão histórica para romper com as limitações impostas pela Constituição7. “E a instituição da escola, calcada no princípio da dualidade social, iria aos poucos ter seus alicerces comprometidos pelo crescimento e complexificação” dessa camada da sociedade (idem, p. 42). Evidenciaram-se os embates entre os intelectuais e os homens públicos da época, em torno desse assunto. Uns admitiam o caráter restritivo da alfabetização como condição para o voto, vendo isso com desconfiança às classes emergentes da população. E outros apresentavam esse dispositivo como uma estratégia para a valorização social e consequentemente, para a expansão em todo o país. Exemplo notável desse segundo grupo foi Rui Barbosa, que com o pretexto de avaliar o projeto de reforma educacional que resultou na Lei de 1879, elaborou seus célebres Pareceres. Em dois documentos, trazidos a público em 1882 e 1883, expunha suas teses e propostas educacionais (XAVIER, 1994, p. 98, grifo da autora). Esse embate, teve como resultado concreto o desenvolvimento do preconceito e da discriminação social em relação ao analfabeto. E o Brasil entrava no Período Republicano com altas taxas de analfabetos. O período Republicano e a expansão do ensino elementar Na Constituição Republicana de 1891, o critério de renda foi eliminado do alistamento eleitoral, mas continuou a restrição do voto ao analfabeto, portanto, o poder público ainda não tinha interesse pela expansão do sistema escolar. O jogo político era de “cartas marcadas”, ou seja, como não havia um interesse em criar-se uma base de representação popular, ocorria desde a composição de um colégio eleitoral restrito, até as fraudes eleitorais. Esse contexto marcou o processo político brasileiro no período republicano, de 1889 até o início do século XX (1930). Vale destacar nesse período, os 7 De 1881, instituiu o sistema federativo de governo, consagrando a descentralização do ensino, a dualidade de sistemas. (ROMANELLI, 2003, p. 41). 6 movimentos denominados por Jorge Nagle de Entusiasmo pela Educação e o Otimismo Pedagógico8. O analfabetismo foi transformado em instrumento de exclusão social, sendo associado à noção de incapacidade e, portanto, não sendo considerado o analfabeto, um cidadão. “Essa associação equivocada reforçava o preconceito das elites em relação às camadas populares, colaborando eficientemente para a perpetuação de sua exclusão na vida política nacional” (XAVIER, 1994, p. 105). Nesse jogo, de desinteresse político do regime republicano, o sistema escolar continuava descentralizado, apesar das agravantes estatísticas educacionais. Ficando a instrução elementar sob a responsabilidade dos estados, de sua manutenção e legislação. Essa omissão estatal do governo central era justificada por novos princípios, como explica Xavier do federalismo e da autonomia dos estados9, mas A consequência dessa política foi, sem dúvida, a perpetuação da precariedade da escola primária, tanto do ponto de vista da sua qualidade, como da sua expansão. Consolidava-se, ainda, a extrema disparidade dessa espécie de atendimento escolar nas várias regiões do país, presente em todo o Período Imperial. (idem). Na República Velha, foram produzidas várias reformas, com farta legislação, mas, ainda com ênfase nos ensinos secundário e superior. Ficando o nível elementar com menos alterações, do que já estava posto: ainda nas Primeiras Letras, na alfabetização. Uma das medidas ocorridas foi a divisão do ensino primário em dois graus: para crianças entre 7 e 13 anos e entre 13 e 15 anos10.Na Reforma Rocha Vaz de 1925, o ensino primário foi contemplado com a autorização de “acordos financeiros da União com os estados, para o desenvolvimento dos seus sistemas de ensino” (XAVIER, 1994, p. 108).Essas reformas foram tentativas frustradas, pois, representaram o pensamento isolado e desordenado dos comandos políticos e ficaram muito longe de comparar-se a uma política de nacional de educação. (ROMANELLI, 2003, p. 43). 8 Movimento de 1910, em que depositava na desanalfabetização, a redenção social do brasileiro. Nagle (2001), explica que estes movimentos “começaram por ser (...) uma atitude que desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos políticos sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução nos diversos níveis e tipos” (p. 135). A rigor, esse movimento preparou o terreno para que mais tarde (1920) ocorressem transformações nos programas educacionais a partir da concepção de educação “como a mais eficaz alavanca da história brasileira (p. 136). 9 Sustentava-se que a oligarquia cafeeira não queria arcar com as despesas das regiões pobres do país. 10 Por Benjamim Constant, primeiro Ministro da pasta da Instrução, Correios e Telégrafos (1890-1892). 7 Mesmo com o federalismo, da autonomia dos Estados, as disparidades regionais ocorreram não só no plano econômico, mas também no plano educacional, aprofundando as distâncias existentes entre os sistemas escolares estaduais. Como conseqüência disso, os Estados considerados mais pobres, ficavam a mercê da própria sorte, enquanto os que comandavam a política e a economia do país tinham privilégios econômicos, e podiam equipar com melhores recursos seus sistemas de ensino (Idem). Segundo Xavier (1990), foi a partir desse momento, em que se deu a transição da sociedade brasileira, de agroexportadora, para o modelo urbano-industrial, que houve alterações significativas em torno da escola pública primária. Nessa transição, marcado pela crise política e econômica, resultaria a Revolução de 30, em que se estabelecia também o controle ideológico do Estado sobre o Sistema de Ensino. A escola nesse cenário ainda era uma instituição, destinada às elites, em que o controle ideológico confirmava a preocupação do grupo hegemônico, dissidente da política oligárquica. O cenário político tinha como protagonistas desse embate os fazendeiros, senhores de engenho, grupos decadentes do período econômico do café no Brasil e os emergentes das atividades urbanas e industriais.Xavier (1994) explica sobre essa questão que: Nesse movimento, que afirmava pretender “republicar a República”, uniam-se os antigos aliados aos novos adversários da chamada República do Café. Era a ordem econômico-social brasileira que ensaiava um salto, ainda que dentro dos limites impostos pelos interesses do capitalismo internacional, agora já em fase imperialista. O Brasil caminhava rapidamente, numa conciliação de interesses internos e externos, para a industrialização dependente (p. 116, grifos da autora). Esse embate, em torno da escola pública, se dividia entre o grupo conservador que defendia a manutenção dos privilégios educacionais e o grupo progressista, que preconizava a modernização do sistema de ensino da elite. O discurso em torno dos princípios da escola única, universal e gratuita era a bandeira dos trabalhadores urbanos, a maioria imigrantes europeus, e o grupo instruído da classe média, influenciados pela doutrina liberais européias e norte-americanas, em que reivindicavam a democratização do regime político e do sistema escolar. Foi somente com a emergência do processo de industrialização no país, que se verificou o crescimento da demanda social por escola, juntamente com uma intensa 8 mobilização das elites intelectuais, em torno da reforma e da expansão do sistema educacional vigente. Analisando o cenário econômico, político e social, até então revelado, discutimos com Romanelli, quando diz que A velha mentalidade escravocrata não era privilégio das camadas dirigentes: era uma característica marcante do comportamento das massas que se acostumaram, após três séculos, a ligar trabalho com escravidão. O povo (...) almejavam alcançar ascender na escala social, afastou (...) a idéia de educar-se para o trabalho. Decorreu daí (...) a educação que acabou por expandir-se (...) aquela que representava o próprio símbolo de classe. E foi assim que a falta de tradição da classe média, aliada ao fator escravidão, fez com que “a intenção do sistema escolar brasileiro de prover às necessidades educativas de cada classe, (...) não lograsse êxito (2003, p. 44, grifos da autora). Enquanto as classes médias procuravam a escola para ascensão social e também ter um mínimo de condições para se conseguir trabalho nas fábricas, a grande maioria da população, de trabalhadores rurais não tinha qualquer motivação para freqüentá-la. Sendo essa a razão do alto índice de analfabetismo desse período. Abordaremos a seguir como a expansão da escola pública se construiu na sociedade brasileira a partir do movimento político-social, a partir de 30 do século XX, quando essa estrutura começou a mudar e a tomar rumos diferentes. É importante considerar nesse movimento, o embate estabelecido no campo das idéias, através dos movimentos culturais e pedagógicos, em favor de reformas mais profundas e também no campo das aspirações sociais, que aspiravam por mudanças significativas para o aumento da expansão da escola pública, tendo em vista o processo acelerado de urbanização, resultado da industrialização após a I Guerra, determinante depois de 1930. A escola primária como centro da sociedade globalizada Mészáros (2008) considera que a tarefa educacional deveria ocorrer de forma simultânea com a transformação social, ampla e emancipadora. Ou a sociedade redefine seu relacionamento com essas condições e necessidades, ou essa situação já existente levará todos ao fracasso próximo (que está em curso). Nessa discussão, seria necessário ainda analisar as relações que envolvem as demais políticas sociais que fazem parte do Estado de Direito na atualidade. A atual política dita social, ao mesmo tempo em que garante a sobrevivência dos indigentes, cobra destes o valor dos benefícios, que estão vinculados diretamente ao mercado e ao consumo. 9 Nesse contexto, vale ressaltar a Constituição Federal de 1988, que deixou claro, no plano da legislação, os direitos sociais, mas esbarra nas políticas executadas, que avalia de acordo com valores desiguais. Temos liberdade de escolha, mas temos que seguir as regras previamente “votadas” nos “palcos” do legislativo brasileiro (grifo nosso). Assim, discutimos com Vieira (2005), quando ressalta que temos mais uma tarefa: a luta para garantir que os direitos à educação sejam respeitados e tenham superioridade, por força da Constituição Federal, ou então ficaremos apenas na posição de consolação, curvados a este relativismo das atuais políticas sociais. Esse processo mostra como a educação se transformou em uma política “flexível” (grifo nosso) aberta a diversidade, pós-moderna. A educação, como política social, expõe Saviani (2007), nada mais é que uma expressão típica da sociedade capitalista, produzida para compensar o caráter anti-social da economia dessa sociedade.Problematizamos a grande tarefa de educar da escola, a qual poderia continuar desenvolvendo a luta por uma transformação dessa sociedade, partindo das condições atuais e refletindo sobre sua construção histórica. Para tanto, concordamos com Saviani (2007) ao dizer que assim como a sociedade atual é alvo dos homens, ela não será recuperada sem o empenho pratico dos próprios homens. A partir dessas análises, até aqui destacadas, sobre o complexo processo que a escola pública brasileira se encontra, no cenário das relações contraditórias do modo de produção capitalista, numa condição de subordinação e dominação do imperialismo internacional, destacamos algumas medidas já prescrita a partir do discurso da defasagem da escola em relação processo produtivo. Figueiredo (2006) considera que essas medidas, fazem parte das descritas pelo BIRD, explicitadas no documento Prioridades y Estrategias para la Educación: estudio sectorial del Banco Mundial (1995) que “visam construir um consenso de que a falta de prioridade para as reformas no financiamento e na administração da educação vem acarretando custos econômicos, sociais e políticos para os países em desenvolvimento” (p. 109). Sendo necessárias para isso, as reformas, as quais além de satisfazer e camuflar os interesses econômicos, atenderia “a necessidade de manutenção do mito liberal da escola, como mecanismo de promoção do desenvolvimento econômico-social do país, (...) no discurso de que a escola está defasada em relação ao processo produtivo” (idem, 10 p. 111).Esse discurso liberal da escola como promotora da ascensão social continua responsabilizando-a pelo fracasso ou sucesso da classe trabalhadora, sendo assim justifica-se que as reformas deveriam priorizar a expansão da educação básica (primária) com maiores recursos financeiros, observado No contexto da ideologia da globalização, o mito liberal da escola liberal reforça a interpretação de que, pela educação, será possível reduzir a pobreza e as desigualdades não apenas entre os indivíduos, mas entre as nações. A falta de educação é que explica a diferença de renda e a situação da pobreza (FIGUEIREDO, 2006, p. 114). Nesse movimento, de rearticulação do capitalismo, o Estado vem “criando discursos e estratégias específicos (...) de que a educação é capaz de corrigir as mazelas e capacitar os indivíduos e a sociedade para o ingresso no mundo globalizado” (ZANARDINI, 2006, p. 125). Para dar conta dessa tarefa, a escola primária teria um novo papel a desempenhar: revisar sua função e as formas de organização. E o palco, pode-se afirmar, estaria nas políticas educacionais, expressas a partir das perspectivas liberais, como recurso para solucionar os problemas educacionais brasileiros. Deitos e Xavier (2006) consideram nessa lógica atual do modo de produção capitalista, um receituário, sintetizado em seis medidas11 para analisar esse processo. Destacaremos para este trabalho, a terceira medida que trata sobre a (...) centralidade da educação elementar (problemas intra-escolares), como a condição indispensável para a promoção do desempenho econômico e social (...) essas medidas caminhariam para a distribuição dos recursos financeiros para as escolas públicas (...) para sua manutenção e organização (2006, p. 76-77). Essas considerações reforçam o ideário da escola primária, como o centro das questões referentes às medidas adotadas pelo Estado, em consonância com a ordem econômica e social vigente. Diante dessas análises, pode se afirmar que, a escola 11 Primeira Medida:parte do pressuposto que o processo econômico mundial acelerado e a disponibilidade para a inserção na competitividade (globalização) geram novas exigências econômicas, políticas e educacionais (p. 75); segunda medida: aponta como problemas e ordem geral o fato de se estarem gerando distorções (...) já que o esgotamento do modelo econômico nacional (...) estaria levando o país ao atraso econômico social (p. 76); quarta medida: combate à instabilidade político-institucional (p. 77); quinta medida: refere-se à suposta ausência de mecanismos de avaliação e informações da sociedade civil (p. 79); sexta medida: considera saudável a influência dos organismos e agências financeiras multilaterais para o desenvolvimento da eficiência institucional, operacional e da gestão política e financeira do Estado, e das ações sociais e econômicas no Brasil (2006, p. 79, grifos da atora). 11 pública primária vem enfrentando obstáculos e interferências ao longo de sua construção para, sem ilusões de uma transformação radical, empreender a tarefa histórica de possibilitar uma evolução social de “atender as efetivas necessidades educacionais e culturais do país, promotora da emancipação humana” (Idem, 2006, p. 83). Nesse entendimento, citaremos Marx, quando teorizou sobre a produção de uma nova forma de sociedade, um novo modo de produção, quando se esgotassem todas as possibilidades contidas no próprio capitalismo: (...) nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência. Por isso, a humanidade se propõe apenas os objetivos que se pode alcançar (...) (MARX e ENGELS, 1985, vol. I, p. 302). Então, se o capitalismo ainda não se esgotou, e está em pleno desenvolvimento das forças produtivas, é mister analisar as intenções que a sociedade atual tem em relação à escola pública primária, para contribuir com a reflexão crítica de suas bases teóricas-práticas, na tentativa de: Manter vivo o rigor histórico e lógico que a elaboração e científica exige, (...) contribuir para transformar o mundo existente e para manter aceso o sonho de que um dia iremos construir uma sociedade mais justa, igualitária e humana (...) que se concilie na igualdade social (...) e na qual os homens possam desenvolver, plenamente, sua forma de ser (LOMBARDI, 2005, p. 29). Na compreensão desse processo, intencionamos retomar os debates que encaminharam as questões da educação, seus embates e movimentos, através dos quais a escola pública primária se apresenta na atualidade. Todos teriam direito a educação, sendo que alguns níveis da sociedade com prioridade, de acordo com os interesses do capital. A escola pública, mais especificamente a escola primária, ficaria na tarefa, ainda que no plano do discurso, de reverter os altos índices de analfabetismos e a exclusão social, pois dados oficiais mostram que [...] o número absoluto de sujeitos de 15 anos ou mais (que representam 119,5 milhões de pessoas do total da população) sem conclusão do ensino fundamental (oito anos de escolaridade), como etapa constituidora do direito constitucional de todos à educação, é ainda de 65,9 milhões de brasileiros (BRASIL, 2006, p. 10). 12 Mas como cumprir este papel, se o bolo da riqueza, produzida pelo capital, não pode ser dividido igualmente? A rigor, nessa sociedade, marcada pelas contradições, existe uma disputa ideológica entre os grupos hegemônicos, sustentados pelas políticas sociais estabelecidas pelo Estado, numa correlação de forças. Deitos (2009) analisa nessa questão, que os dados educacionais do MEC sobre “o investimento público na educação brasileira em 2007 foi de 4,6% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Em números (...) representa um aporte de R$117,4 bilhões” (2009, p. 8). Mas que apesar desses valores significativos, não são suficientes, comparados com os juros e encargos da dívida externa brasileira. Esse contexto possibilita uma discussão sobre as condições históricas da expansão da escola pública no Brasil, a partir da relação Estado, sociedade e educação. A escola pública, contraditoriamente, apesar de não ter sido o fator determinante, esteve atrelada ao processo produtivo e ao desenvolvimento econômico, pois O processo de industrialização não resultou de um avanço técnico propiciado pelo desenvolvimento científico e tecnológico do país. O processo de produção e transmissão do saber não constitui no Brasil, uma base ou elemento propulsor da mudança nas relações de produção. Essa é uma das facetas típicas do capitalismo que no processo da reprodução do capital em escala mundial se instala e avança em formações sociais “atrasadas” na quais nem todas as condições internas necessárias a esse avanço estão presentes (XAVIER, 1990, p. 57). Considerações finais Estas considerações são necessárias para responder às questões da expansão da escola publica primária no Brasil. Essas foram algumas reflexões acerca do início da expansão da escola pública brasileira, partindo de análises preliminares sobre o tema, a qual pretendemos discutir e aprofundar em nossa dissertação, com concisão, para apresentar como aporte teórico-metodológico os fundamentos históricos da relação Estado, Educação e sociedade.Na sociedade classes, a expansão e a universalização do processo educacional é parte constituinte da política social como resultado do embate pela disputa da riqueza produzida pela sociedade. Vimos que a escola primária teria relevância em seu papel social, sendo atrelada ao atendimento das necessidades sociais, mas que nem sempre correspondeu às expectativas de seus sujeitos principais: educadores e alunos. Para compreender essa 13 questão será imprescindível discutir como a escola é alvo de disputas políticas, tanto pela função que exerce na atual sociedade, como pelas funções que os homens pensam que ela exerce ou poderia exercer, e nesta disputa pode-se constatar que são impostas visões ideológicas em que chavões do senso comum, são considerados como verdades absolutas. Com concordando com Alves, podemos acrescentar que Em nome da escola atendem-se interesses econômicos imediatos, praticam-se clientelismo e politicagens. Estes e outros componentes contribuem para que se plasme um discurso homogêneo e uma imagem mais ou menos coletiva da escola. Com exceção de alguns redutos onde se impõe a pesquisa como método de investigação e conhecimento, pouco ou quase nada de científico se diz sobre a escola, mas a maioria dos homens tem uma opinião a respeito dela (ALVES, 2006, p. IX). Pontuamos essa discussão, no intuito de investigar a escola pública primária, considerando que desde sua gênese e expansão estive embasada nas concepções de pública, laica, universal, gratuita, para todos, obrigatória e científica, considerada a partir de sua produção material. Referências ALVES, Gilberto Luiz. A produção da escola pública contemporânea. Campo Grande, MS: Ed. UFMS: Campinas, SP: Autores Associados, 2006. BRASIL.Ministério da Educação. Documento Base PROEJA. Brasília: MEC, 2006. DEITOS, Roberto Antonio. Políticas Públicas e Educação: alguns aspectos teóricosideológicos e socioeconômicos. Anais do IX Seminário de Pedagogia em Debate e IV Colóquio de Formação de professores. Curitiba, PR, PPGED/UTP, 2009. FALEIROS, V. P. 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