ESTADO, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE A
EXPANSÃO DA ESCOLA PÚBLICA PRIMÁRIA
Maria Valdeny Ferreira Gomes1.
João Carlos da Silva2
Introdução
Desde sua origem, a organização da escola pública, até a atualidade constituiu-se
mediante contradições, conflitos, lutas de poder e mudanças, veladas ou explícitas,
resultado da complexa estrutura da sociedade que a produziu. Na tentativa de analisar
historicamente esse processo, assim como levantar questões sobre a escola pública,
pontuaremos alguns aspectos, delimitados pelo tempo histórico e sua contextualização
na sociedade capitalista. Abordaremos esta instituição social, como palco dos
desdobramentos das políticas públicas do Estado, considerando o sistema de ensino,
instrumento de disseminação e reprodução do Estado
A educação é resultado do processo social de disputa da sociedade de classes,
pois “(...) as políticas sociais compreendem o conjunto de necessidades sociais e
políticas estabelecidas socialmente numa determinada sociedade, como resultado e
expressão da forma social de reprodução das condições materiais da existência”
(DEITOS, 2009, p. 5). O Estado, no interior da sociedade capitalista, como o mediador
do processo de distribuição da riqueza do país, é estrategicamente organizado,
consistindo em uma força governamental expressando as relações sociais, cujas raízes se
localizam no mundo da produção (VIEIRA, 1992, p. 21).
Nessa lógica, o capital prioriza os seus gastos, através do discurso de um Estado
eficiente, com regulamentações a partir de políticas que sejam eficazes para as
demandas do capital, mas também que atenda minimamente as prioridades, necessárias
para a manutenção da sua estabilidade política, tentando minimizar as tensões entre as
classes sociais. Neste artigo discutiremos a expansão da educação pública primária, à
1
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Educação da UNIOESTE,
campus de Cascavel/PR. Pedagoga da Rede Estadual de Ensino do Paraná. [email protected].
2
Doutor em História, filosofia e Educação/FE-UNICAMP. Professor no Colegiado do Curso de
Pedagogia/UNIOESTE, Campus Cascavel, PR Membro do Grupo de pesquisa HISTEDBR/GT-Cascavel.
E-mail: [email protected]
1
luz da política social, como centro das análises e discussões da sociedade, no contexto
das questões políticas e sociais.
A educação brasileira no período colonial
No início do período colonial, o ensino era missionário e a escola tinha a forma
de aldeamento e internatos, e os alunos (indígenas) não aprendiam somente uma língua
e outra interpretação do mundo em que viviam, mas seria o começo de uma penitência,
pela culpabilização de seus pecados (XAVIER, 1994).
A intenção em treinar a mão de obra para o trabalho nos engenhos de açúcar,
não fica evidenciado nas ações pedagógicas dos jesuítas, apesar de alguns livros de
história trazer isso como fato. Fazia “parte da aculturação do nativo, condição
indispensável para a catequese, o aprendizado das práticas elementares de produção
para a sobrevivência material da comunidade indígena, em processo de aldeamento”
(idem, 1994, p. 43), mas a leitura, a escrita e o cálculo foram sim, os conteúdos do
ensino nesse período, pois davam base para a compreensão das Sagradas Escrituras,
ficando o treinamento para o trabalho em segundo plano. Os objetivos práticos dos
jesuítas eram o recrutamento de fiéis e servidores, mas que a conversão da população
indígena resultou na criação de escolas elementares e dessa forma,
Os padres acabaram ministrando, em princípio, educação elementar
para a população índia e branca em geral (salvo as mulheres),
educação média para os homens da classe dominante, parte da qual
continuou nos colégios preparando-se para o ingresso na classe
sacerdotal, e educação superior religiosa só para esta última (2003, p.
35).
O ensino elementar continuava sendo obrigação da família, através de parentes
ou de preceptores e somente para os filhos dos proprietários de terra, sendo que nessa
época a população colonial se constituía, aproximadamente, de 2/3 de escravos e uma
pequena parcela de trabalhadores livres, rurais e urbanos, para quem o ensino era
dispensável, pois
Numa economia de base agrária, rudimentarmente praticada, e
numa situação política de submissão, que exigia um aparelho
administrativo reduzido e pouco sofisticado, o próprio ensino da elite
não era encarado como prioridade ou com especial cuidado (XAVIER,
1994, p. 48).
2
Com a Reforma Pombalina em 1759 e a expulsão dos jesuítas, esse sistema de
ensino foi desmontado e nada foi feito pela sociedade brasileira da época, ficando a
colônia sem nenhuma organização educacional, enquanto Portugal criava seu sistema
público de ensino moderno e popular. Entre lutas de monopólios e acordos comerciais,
no início do século XVIII a colônia brasileira desenvolveu-se economicamente e
socialmente, com o início do ciclo da mineração e as atividades que advinham dessa
demanda econômica, tendo como consequência na educação, uma solução paliativa, as
Aulas Régias, que duraram em torno de quarenta anos.Sem um sistema de ensino
organizado a educação no país estava “drasticamente limitada”.
Com o surgimento de uma nova camada intermediária da sociedade,
representada pelos pequenos comerciantes, os artesãos e os burocratas, com afinidades
além de econômicas, de comprometimento político, marcou-se um período conturbado,
de grandes embates3. Essa nova classe, chamada de pequena burguesia, teve como fator
relevante para sua ascensão, a situação do mercado interno,
(...) criado e reforçado com a economia de mineração (...) também em
plena ascensão na Europa. Essa classe desempenhou relevante papel
na evolução da política no Brasil (...) e nas transformações porque
passou o regime no final do século. E se ela pode fazê-lo, isso se deve
sobretudo ao instrumento de que dispôs para afirmar-se como classe: a
educação escolarizada (ROMANELLI, 2003, p. 37).
A partir desse período, da independência política, que a demanda escolar foi
diversificada, não era somente a classe oligárquico-rural que procurava a escola, mas
também a pequena camada da população, que percebeu a importância da escola para a
sua ascensão social.
O sistema de ensino no período Imperial
A questão da expansão da escola pública primária iniciou com a emancipação
política brasileira e medidas institucionais, após a Independência. Até 1822, o país ainda
tinha uma educação precária, com algumas poucas Aulas Régias e escolas de nível
superior:
3
Foi nessa camada que foram recrutados indivíduos ligados ao jornalismo, às letras e principalmente à
política. (ROMANELLI, 2003, p. 37).
3
Conforme o discurso da época havia que se construir o “edifício
instrucional”, de que a jovem nação carecia para tomar finalmente os
“rumos da civilização”. Mas esse processo foi marcado, desde logo,
por um escandaloso desajuste entre os objetivos proclamados e o
encaminhamento de projetos, assim como entre as medidas legais
definidas e a as condições concretas de sua efetivação. (XAVIER,
1994, p. 61)
Esse debate ocorreu na Assembléia Constituinte de 1823, com os dois projetos:
Projeto do Tratado de Educação para a Mocidade Brasileira e o Projeto de Criação de
Universidades. Esse embate deixa claro o descaso com a educação popular e a nítida
preocupação com a realização efetiva de um sistema de ensino de elite. Pode-se dizer
que a primeira proposta de criação de escolas primárias foi o projeto Januário da Cunha
Barbosa, resultando no Decreto de 15 de outubro de 1824, o qual finalmente “garantia
instrução primária a todos os cidadãos do Império” (XAVIER, 1994, p. 61).
Apesar dessa conquista histórica, ainda não havia uma garantia com o
cumprimento dessa lei4·. O projeto detalhava a organização do ensino primário nos
moldes europeus e o decreto convertia essa instrução em simples Escolas de Primeiras
Letras. É mister destacar nessa análise que
A realidade econômica, política e social após a Independência, que
sofreria profundas transformações até o final do Império explica esse
desajuste entre o discurso e prática e a surpreendente omissão do
poder central em relação à instrução popular (Idem).
A organização da escola primária, nesta organização educacional, baseava-se no
ensino da leitura, da escrita, das quatro operações de cálculo, noções gerais de
geometria prática, gramática portuguesa e a doutrina católica. O método de ensino era o
Lancaster e Bell. A escassez de professores era suprida pelos alunos mais adiantados,
demonstrando a desmotivação do “Estado agroexportador e escravocrata, em garantir as
condições mínimas para o funcionamento da escola pública” primária, desqualificando
este nível de ensino e transformando-o em nada mais que um discurso demagógico da
lei. (XAVIER, 1994, p. 65).
Romanelli destaca que a descentralização ocorrida como o Ato Adicional de
1834, em que delegou às províncias o direito de regulamentar e promover a educação
4
A preocupação maior era com a sofisticação desse nível de ensino do que com a sua extensão a todos os
cidadãos (XAVIER, idem).
4
primária e secundária, mas (...) que a falta de recursos (...) que um sistema falho de
tributação e arrecadação de renda acarretava, impossibilitou as Províncias de criarem
uma rede de escolas (2003, p. 40). O ensino primário, como desdobramento, ficou
abandonado com pouquíssimas escolas5 e funcionando somente com o “sacrifício de
algum mestre-escola, que, destituídos de habilitação para o exercício de qualquer
profissão rendosa, se viam na contingência de ensinar” (idem). Pode-se afirmar então,
que o ensino de elite se constituiu desde o Primeiro Reinado6, mas a rigor, o ensino
elementar ainda era predominantemente uma tarefa familiar e para as camadas
privilegiadas da sociedade.
A modesta Escola de Primeiras Letras, criada pelo Decreto de 1827, continuava
a única opção para o ensino elementar, mesmo com debates e projetos de expansão
apresentados no Parlamento Nacional, com questões sobre a implantação de um sistema
de ensino e pela primeira vez, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, mas que não
foram transformados em lei.
A primeira dessas leis, conhecida como Reforma Couto Ferraz ou
Regimento de 1854, estabelecia a obrigatoriedade do ensino
elementar, reforçava o princípio da sua gratuidade, estabelecido
constitucionalmente, vetava o acesso de escravos ao ensino público e
previa a criação de classes especiais para adultos (XAVIER, 1994, p.
84, grifos da autora).
A falta das condições materiais, invibializaram a implantação desse projeto de
lei, mas inspiraram a adoção do princípio da obrigatoriamente do ensino elementar em
algumas províncias. Um dos fatores que destacou essa preocupação foi a discussão em
torno da reforma constitucional de 1881, com a lei Saraiva.Apesar disso, foi assim que
pela primeira vez no país o domínio da leitura e da escrita torna-se condição para o
alistamento eleitoral, mesmo que inspirados em sistemas políticos democráticos, da
alfabetização como requisito único para a aquisição do direito à cidadania, restringiu
ainda mais esse direito, pois ainda havia a seleção pela renda. (XAVIER, 1994, p. 96).
Nessas circunstâncias, o sistema de ensino ainda estava associado à formação
das elites, através das práticas educativas e dos currículos que a sociedade da época
almejava, para perpetuar a separação entre o trabalho intelectual e o manual, ou seja, a
5
Em 1888, 250.000 alunos para uma população de 14 milhões de habitantes. Ver Romanelli (2003, p.
40).
6
1822-1831.
5
educação dualista. Segundo Romanelli, foi a “consagração do sistema dual de ensino
(...) que era o próprio retrato da organização social brasileira, que despontava para a
República” (2003, p. 41).
Nesse momento, a pequena burguesia, já não comportava as instituições
simplistas e fizeram uma pressão histórica para romper com as limitações impostas pela
Constituição7. “E a instituição da escola, calcada no princípio da dualidade social, iria
aos poucos ter seus alicerces comprometidos pelo crescimento e complexificação” dessa
camada da sociedade (idem, p. 42). Evidenciaram-se os embates entre os intelectuais e
os homens públicos da época, em torno desse assunto. Uns admitiam o caráter restritivo
da alfabetização como condição para o voto, vendo isso com desconfiança às classes
emergentes da população. E outros apresentavam esse dispositivo como uma estratégia
para a valorização social e consequentemente, para a expansão em todo o país.
Exemplo notável desse segundo grupo foi Rui Barbosa, que com o
pretexto de avaliar o projeto de reforma educacional que resultou na
Lei de 1879, elaborou seus célebres Pareceres. Em dois documentos,
trazidos a público em 1882 e 1883, expunha suas teses e propostas
educacionais (XAVIER, 1994, p. 98, grifo da autora).
Esse embate, teve como resultado concreto o desenvolvimento do preconceito e
da discriminação social em relação ao analfabeto. E o Brasil entrava no Período
Republicano com altas taxas de analfabetos.
O período Republicano e a expansão do ensino elementar
Na Constituição Republicana de 1891, o critério de renda foi eliminado do
alistamento eleitoral, mas continuou a restrição do voto ao analfabeto, portanto, o poder
público ainda não tinha interesse pela expansão do sistema escolar. O jogo político era
de “cartas marcadas”, ou seja, como não havia um interesse em criar-se uma base de
representação popular, ocorria desde a composição de um colégio eleitoral restrito, até
as fraudes eleitorais. Esse contexto marcou o processo político brasileiro no período
republicano, de 1889 até o início do século XX (1930). Vale destacar nesse período, os
7
De 1881, instituiu o sistema federativo de governo, consagrando a descentralização do ensino, a
dualidade de sistemas. (ROMANELLI, 2003, p. 41).
6
movimentos denominados por Jorge Nagle de Entusiasmo pela Educação e o Otimismo
Pedagógico8.
O analfabetismo foi transformado em instrumento de exclusão social, sendo
associado à noção de incapacidade e, portanto, não sendo considerado o analfabeto, um
cidadão. “Essa associação equivocada reforçava o preconceito das elites em relação às
camadas populares, colaborando eficientemente para a perpetuação de sua exclusão na
vida política nacional” (XAVIER, 1994, p. 105).
Nesse jogo, de desinteresse político do regime republicano, o sistema escolar
continuava descentralizado, apesar das agravantes estatísticas educacionais. Ficando a
instrução elementar sob a responsabilidade dos estados, de sua manutenção e legislação.
Essa omissão estatal do governo central era justificada por novos princípios, como
explica Xavier do federalismo e da autonomia dos estados9, mas
A consequência dessa política foi, sem dúvida, a perpetuação da
precariedade da escola primária, tanto do ponto de vista da sua
qualidade, como da sua expansão. Consolidava-se, ainda, a extrema
disparidade dessa espécie de atendimento escolar nas várias regiões do
país, presente em todo o Período Imperial. (idem).
Na República Velha, foram produzidas várias reformas, com farta legislação,
mas, ainda com ênfase nos ensinos secundário e superior. Ficando o nível elementar
com menos alterações, do que já estava posto: ainda nas Primeiras Letras, na
alfabetização. Uma das medidas ocorridas foi a divisão do ensino primário em dois
graus: para crianças entre 7 e 13 anos e entre 13 e 15 anos10.Na Reforma Rocha Vaz de
1925, o ensino primário foi contemplado com a autorização de “acordos financeiros da
União com os estados, para o desenvolvimento dos seus sistemas de ensino” (XAVIER,
1994, p. 108).Essas reformas foram tentativas frustradas, pois, representaram o
pensamento isolado e desordenado dos comandos políticos e ficaram muito longe de
comparar-se a uma política de nacional de educação. (ROMANELLI, 2003, p. 43).
8
Movimento de 1910, em que depositava na desanalfabetização, a redenção social do brasileiro. Nagle
(2001), explica que estes movimentos “começaram por ser (...) uma atitude que desenvolveu nas correntes
de idéias e movimentos políticos sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema
da instrução nos diversos níveis e tipos” (p. 135). A rigor, esse movimento preparou o terreno para que
mais tarde (1920) ocorressem transformações nos programas educacionais a partir da concepção de
educação “como a mais eficaz alavanca da história brasileira (p. 136).
9
Sustentava-se que a oligarquia cafeeira não queria arcar com as despesas das regiões pobres do país.
10
Por Benjamim Constant, primeiro Ministro da pasta da Instrução, Correios e Telégrafos (1890-1892).
7
Mesmo com o federalismo, da autonomia dos Estados, as disparidades regionais
ocorreram não só no plano econômico, mas também no plano educacional,
aprofundando as distâncias existentes entre os sistemas escolares estaduais.
Como
conseqüência disso, os Estados considerados mais pobres, ficavam a mercê da própria
sorte, enquanto os que comandavam a política e a economia do país tinham privilégios
econômicos, e podiam equipar com melhores recursos seus sistemas de ensino (Idem).
Segundo Xavier (1990), foi a partir desse momento, em que se deu a transição
da sociedade brasileira, de agroexportadora, para o modelo urbano-industrial, que houve
alterações significativas em torno da escola pública primária. Nessa transição, marcado
pela crise política e econômica, resultaria a Revolução de 30, em que se estabelecia
também o controle ideológico do Estado sobre o Sistema de Ensino.
A escola nesse cenário ainda era uma instituição, destinada às elites, em que o
controle ideológico confirmava a preocupação do grupo hegemônico, dissidente da
política oligárquica. O cenário político tinha como protagonistas desse embate os
fazendeiros, senhores de engenho, grupos decadentes do período econômico do café no
Brasil e os emergentes das atividades urbanas e industriais.Xavier (1994) explica sobre
essa questão que:
Nesse movimento, que afirmava pretender “republicar a República”,
uniam-se os antigos aliados aos novos adversários da chamada
República do Café. Era a ordem econômico-social brasileira que
ensaiava um salto, ainda que dentro dos limites impostos pelos
interesses do capitalismo internacional, agora já em fase imperialista.
O Brasil caminhava rapidamente, numa conciliação de interesses
internos e externos, para a industrialização dependente (p. 116, grifos
da autora).
Esse embate, em torno da escola pública, se dividia entre o grupo conservador
que defendia a manutenção dos privilégios educacionais e o grupo progressista, que
preconizava a modernização do sistema de ensino da elite. O discurso em torno dos
princípios da escola única, universal e gratuita era a bandeira dos trabalhadores urbanos,
a maioria imigrantes europeus, e o grupo instruído da classe média, influenciados pela
doutrina liberais européias e norte-americanas, em que reivindicavam a democratização
do regime político e do sistema escolar.
Foi somente com a emergência do processo de industrialização no país, que se
verificou o crescimento da demanda social por escola, juntamente com uma intensa
8
mobilização das elites intelectuais, em torno da reforma e da expansão do sistema
educacional vigente. Analisando o cenário econômico, político e social, até então
revelado, discutimos com Romanelli, quando diz que
A velha mentalidade escravocrata não era privilégio das camadas
dirigentes: era uma característica marcante do comportamento das
massas que se acostumaram, após três séculos, a ligar trabalho com
escravidão. O povo (...) almejavam alcançar ascender na escala social,
afastou (...) a idéia de educar-se para o trabalho. Decorreu daí (...) a
educação que acabou por expandir-se (...) aquela que representava o
próprio símbolo de classe. E foi assim que a falta de tradição da classe
média, aliada ao fator escravidão, fez com que “a intenção do sistema
escolar brasileiro de prover às necessidades educativas de cada classe,
(...) não lograsse êxito (2003, p. 44, grifos da autora).
Enquanto as classes médias procuravam a escola para ascensão social e também
ter um mínimo de condições para se conseguir trabalho nas fábricas, a grande maioria
da população, de trabalhadores rurais não tinha qualquer motivação para freqüentá-la.
Sendo essa a razão do alto índice de analfabetismo desse período.
Abordaremos a seguir como a expansão da escola pública se construiu na
sociedade brasileira a partir do movimento político-social, a partir de 30 do século XX,
quando essa estrutura começou a mudar e a tomar rumos diferentes. É importante
considerar nesse movimento, o embate estabelecido no campo das idéias, através dos
movimentos culturais e pedagógicos, em favor de reformas mais profundas e também
no campo das aspirações sociais, que aspiravam por mudanças significativas para o
aumento da expansão da escola pública, tendo em vista o processo acelerado de
urbanização, resultado da industrialização após a I Guerra, determinante depois de 1930.
A escola primária como centro da sociedade globalizada
Mészáros (2008) considera que a tarefa educacional deveria ocorrer de forma
simultânea com a transformação social, ampla e emancipadora. Ou a sociedade redefine
seu relacionamento com essas condições e necessidades, ou essa situação já existente
levará todos ao fracasso próximo (que está em curso). Nessa discussão, seria necessário
ainda analisar as relações que envolvem as demais políticas sociais que fazem parte do
Estado de Direito na atualidade. A atual política dita social, ao mesmo tempo em que
garante a sobrevivência dos indigentes, cobra destes o valor dos benefícios, que estão
vinculados diretamente ao mercado e ao consumo.
9
Nesse contexto, vale ressaltar a Constituição Federal de 1988, que deixou claro,
no plano da legislação, os direitos sociais, mas esbarra nas políticas executadas, que
avalia de acordo com valores desiguais. Temos liberdade de escolha, mas temos que
seguir as regras previamente “votadas” nos “palcos” do legislativo brasileiro (grifo
nosso).
Assim, discutimos com Vieira (2005), quando ressalta que temos mais uma
tarefa: a luta para garantir que os direitos à educação sejam respeitados e tenham
superioridade, por força da Constituição Federal, ou então ficaremos apenas na posição
de consolação, curvados a este relativismo das atuais políticas sociais.
Esse processo mostra como a educação se transformou em uma política
“flexível” (grifo nosso) aberta a diversidade, pós-moderna. A educação, como política
social, expõe Saviani (2007), nada mais é que uma expressão típica da sociedade
capitalista, produzida para compensar o caráter anti-social da economia dessa
sociedade.Problematizamos a grande tarefa de educar da escola, a qual poderia
continuar desenvolvendo a luta por uma transformação dessa sociedade, partindo das
condições atuais e refletindo sobre sua construção histórica. Para tanto, concordamos
com Saviani (2007) ao dizer que assim como a sociedade atual é alvo dos homens, ela
não será recuperada sem o empenho pratico dos próprios homens.
A partir dessas análises, até aqui destacadas, sobre o complexo processo que a
escola pública brasileira se encontra, no cenário das relações contraditórias do modo de
produção capitalista, numa condição de subordinação e dominação do imperialismo
internacional, destacamos algumas medidas já prescrita a partir do discurso da
defasagem da escola em relação processo produtivo.
Figueiredo (2006) considera que essas medidas, fazem parte das descritas pelo
BIRD, explicitadas no documento Prioridades y Estrategias para la Educación: estudio
sectorial del Banco Mundial (1995) que “visam construir um consenso de que a falta de
prioridade para as reformas no financiamento e na administração da educação vem
acarretando custos econômicos, sociais e políticos para os países em desenvolvimento”
(p. 109). Sendo necessárias para isso, as reformas, as quais além de satisfazer e camuflar
os interesses econômicos, atenderia “a necessidade de manutenção do mito liberal da
escola, como mecanismo de promoção do desenvolvimento econômico-social do país,
(...) no discurso de que a escola está defasada em relação ao processo produtivo” (idem,
10
p. 111).Esse discurso liberal da escola como promotora da ascensão social continua
responsabilizando-a pelo fracasso ou sucesso da classe trabalhadora, sendo assim
justifica-se que as reformas deveriam priorizar a expansão da educação básica
(primária) com maiores recursos financeiros, observado
No contexto da ideologia da globalização, o mito liberal da escola
liberal reforça a interpretação de que, pela educação, será possível
reduzir a pobreza e as desigualdades não apenas entre os indivíduos,
mas entre as nações. A falta de educação é que explica a diferença de
renda e a situação da pobreza (FIGUEIREDO, 2006, p. 114).
Nesse movimento, de rearticulação do capitalismo, o Estado vem “criando
discursos e estratégias específicos (...) de que a educação é capaz de corrigir as mazelas
e capacitar os indivíduos e a sociedade para o ingresso no mundo globalizado”
(ZANARDINI, 2006, p. 125). Para dar conta dessa tarefa, a escola primária teria um
novo papel a desempenhar: revisar sua função e as formas de organização. E o palco,
pode-se afirmar, estaria nas políticas educacionais, expressas a partir das perspectivas
liberais, como recurso para solucionar os problemas educacionais brasileiros.
Deitos e Xavier (2006) consideram nessa lógica atual do modo de produção
capitalista, um receituário, sintetizado em seis medidas11 para analisar esse processo.
Destacaremos para este trabalho, a terceira medida que trata sobre a
(...) centralidade da educação elementar (problemas intra-escolares),
como a condição indispensável para a promoção do desempenho
econômico e social (...) essas medidas caminhariam para a distribuição
dos recursos financeiros para as escolas públicas (...) para sua
manutenção e organização (2006, p. 76-77).
Essas considerações reforçam o ideário da escola primária, como o centro das
questões referentes às medidas adotadas pelo Estado, em consonância com a ordem
econômica e social vigente. Diante dessas análises, pode se afirmar que, a escola
11
Primeira Medida:parte do pressuposto que o processo econômico mundial acelerado e a
disponibilidade para a inserção na competitividade (globalização) geram novas exigências econômicas,
políticas e educacionais (p. 75); segunda medida: aponta como problemas e ordem geral o fato de se
estarem gerando distorções (...) já que o esgotamento do modelo econômico nacional (...) estaria levando
o país ao atraso econômico social (p. 76); quarta medida: combate à instabilidade político-institucional
(p. 77); quinta medida: refere-se à suposta ausência de mecanismos de avaliação e informações da
sociedade civil (p. 79); sexta medida: considera saudável a influência dos organismos e agências
financeiras multilaterais para o desenvolvimento da eficiência institucional, operacional e da gestão
política e financeira do Estado, e das ações sociais e econômicas no Brasil (2006, p. 79, grifos da atora).
11
pública primária vem enfrentando obstáculos e interferências ao longo de sua
construção para, sem ilusões de uma transformação radical, empreender a tarefa
histórica de possibilitar uma evolução social de “atender as efetivas necessidades
educacionais e culturais do país, promotora da emancipação humana” (Idem, 2006, p.
83). Nesse entendimento, citaremos Marx, quando teorizou sobre a produção de uma
nova forma de sociedade, um novo modo de produção, quando se esgotassem todas as
possibilidades contidas no próprio capitalismo:
(...) nenhuma formação social desaparece antes que se desenvolvam
todas as forças produtivas que ela contém, e jamais aparecem relações
de produção novas e mais altas antes de amadurecerem no seio da
própria sociedade antiga as condições materiais para sua existência.
Por isso, a humanidade se propõe apenas os objetivos que se pode
alcançar (...) (MARX e ENGELS, 1985, vol. I, p. 302).
Então, se o capitalismo ainda não se esgotou, e está em pleno desenvolvimento
das forças produtivas, é mister analisar as intenções que a sociedade atual tem em
relação à escola pública primária, para contribuir com a reflexão crítica de suas bases
teóricas-práticas, na tentativa de:
Manter vivo o rigor histórico e lógico que a elaboração e científica
exige, (...) contribuir para transformar o mundo existente e para
manter aceso o sonho de que um dia iremos construir uma sociedade
mais justa, igualitária e humana (...) que se concilie na igualdade
social (...) e na qual os homens possam desenvolver, plenamente, sua
forma de ser (LOMBARDI, 2005, p. 29).
Na compreensão desse processo, intencionamos retomar os debates que
encaminharam as questões da educação, seus embates e movimentos, através dos quais
a escola pública primária se apresenta na atualidade. Todos teriam direito a educação,
sendo que alguns níveis da sociedade com prioridade, de acordo com os interesses do
capital. A escola pública, mais especificamente a escola primária, ficaria na tarefa, ainda
que no plano do discurso, de reverter os altos índices de analfabetismos e a exclusão
social, pois dados oficiais mostram que
[...] o número absoluto de sujeitos de 15 anos ou mais (que
representam 119,5 milhões de pessoas do total da população) sem
conclusão do ensino fundamental (oito anos de escolaridade), como
etapa constituidora do direito constitucional de todos à educação, é
ainda de 65,9 milhões de brasileiros (BRASIL, 2006, p. 10).
12
Mas como cumprir este papel, se o bolo da riqueza, produzida pelo capital, não
pode ser dividido igualmente? A rigor, nessa sociedade, marcada pelas contradições,
existe uma disputa ideológica entre os grupos hegemônicos, sustentados pelas políticas
sociais estabelecidas pelo Estado, numa correlação de forças.
Deitos (2009) analisa nessa questão, que os dados educacionais do MEC sobre
“o investimento público na educação brasileira em 2007 foi de 4,6% em relação ao
Produto Interno Bruto (PIB). Em números (...) representa um aporte de R$117,4
bilhões” (2009, p. 8). Mas que apesar desses valores significativos, não são suficientes,
comparados com os juros e encargos da dívida externa brasileira. Esse contexto
possibilita uma discussão sobre as condições históricas da expansão da escola pública
no Brasil, a partir da relação Estado, sociedade e educação. A escola pública,
contraditoriamente, apesar de não ter sido o fator determinante, esteve atrelada ao
processo produtivo e ao desenvolvimento econômico, pois
O processo de industrialização não resultou de um avanço técnico
propiciado pelo desenvolvimento científico e tecnológico do país. O
processo de produção e transmissão do saber não constitui no Brasil,
uma base ou elemento propulsor da mudança nas relações de produção.
Essa é uma das facetas típicas do capitalismo que no processo da
reprodução do capital em escala mundial se instala e avança em
formações sociais “atrasadas” na quais nem todas as condições internas
necessárias a esse avanço estão presentes (XAVIER, 1990, p. 57).
Considerações finais
Estas considerações são necessárias para responder às questões da expansão da
escola publica primária no Brasil. Essas foram algumas reflexões acerca do início da
expansão da escola pública brasileira, partindo de análises preliminares sobre o tema, a
qual pretendemos discutir e aprofundar em nossa dissertação, com concisão, para
apresentar como aporte teórico-metodológico os fundamentos históricos da relação
Estado, Educação e sociedade.Na sociedade classes, a expansão e a universalização do
processo educacional é parte constituinte da política social como resultado do embate
pela disputa da riqueza produzida pela sociedade.
Vimos que a escola primária teria relevância em seu papel social, sendo atrelada
ao atendimento das necessidades sociais, mas que nem sempre correspondeu às
expectativas de seus sujeitos principais: educadores e alunos. Para compreender essa
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questão será imprescindível discutir como a escola é alvo de disputas políticas, tanto
pela função que exerce na atual sociedade, como pelas funções que os homens pensam
que ela exerce ou poderia exercer, e nesta disputa pode-se constatar que são impostas
visões ideológicas em que chavões do senso comum, são considerados como verdades
absolutas. Com concordando com Alves, podemos acrescentar que
Em nome da escola atendem-se interesses econômicos imediatos,
praticam-se clientelismo e politicagens. Estes e outros componentes
contribuem para que se plasme um discurso homogêneo e uma
imagem mais ou menos coletiva da escola. Com exceção de alguns
redutos onde se impõe a pesquisa como método de investigação e
conhecimento, pouco ou quase nada de científico se diz sobre a
escola, mas a maioria dos homens tem uma opinião a respeito dela
(ALVES, 2006, p. IX).
Pontuamos essa discussão, no intuito de investigar a escola pública primária,
considerando que desde sua gênese e expansão estive embasada nas concepções de
pública, laica, universal, gratuita, para todos, obrigatória e científica, considerada a
partir de sua produção material.
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