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COMO VER O QUE OS DADOS QUE NOS MOSTRAM?
Uma abordagem das imagens produzidas por plataformas tecnológicas enquanto
textos culturais
Danielle Miranda da Silva1
RESUMO
Os dispositivos técnicos e virtuais próprios da cibercultura vêm possibilitando a
construção de novas formas de produção e exposição de conhecimento, assim como
atualizando as experiências estéticas e informativas dos sujeitos em relação à apreensão
das mensagens em circulação na sociedade. Sabendo-se deste contexto, propõe-se neste
trabalho observar a visualização de dados a partir dos seus processos de semiose,
considerando os estudos da semiótica da cultura. Interessa-nos pensar quais ordens de
processos culturais nos levam à utilização destas imagens, considerando o sistema da
visualização de dados como um texto cultural dinâmico, relacional e associado a devires
que implicam novos processos associativos e geração de sentidos com diferentes graus
de funções comunicativa, criativa e mnemônicas.
PALAVRAS-CHAVE: Visualização de dados. Linguagens líquidas. Semiótica da
Cultura.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO INTERESSE E OBJETO
A emergência do ciberespaço trouxe uma nova configuração para o modelo de
comunicação na sociedade contemporânea, onde a troca unidimensional de informações
dá lugar à ambientes sem fronteiras para o compartilhamento de informações e, por
consequência, conhecimento. Um ambiente onde deslocalizam-se os saberes, mudam-se
os estatutos cognitivos e apagam-se fronteiras entre saber e informação (MARTÍNBARBERO, 2006).
Com enorme variedade de assuntos retratados, formas pictóricas ou simbólicas
de
expressão
e
suportes
mais
diversos
entre
si,
a
visualização
de
dados/informações/histórias está incutida, em certa medida, nos fazeres humanos desde
que se reconhece a necessidade de mostrar a um espectador informações quantitativas
__________
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Informação – PPGCOM. E-mail: [email protected].
2
ou qualitativas que permitam a apreensão de conceitos, padrões, tendências, constâncias
e variações.
Já a noção de visualização de informação tal como processo de construção
funcional a partir de imagens produzidas por dispositivos computacionais que utilizam
cor, forma, hierarquia e composição para comunicar conjuntos de informações surge
situada em um contexto próprio das transmutações sociais do período do ciberespaço e
do engendramento de novas formas culturais de transmissão de conhecimento. Partindo
dessa inscrição cultural, a proposta do trabalho é analisar as imagens criadas a partir de
dispositivos computacionais enquanto texto cultural (LOTMAN, 1978; 1996), em
relação com outros sistemas e, portanto, enquanto sistema semiótico da cultura. Da
intersecção destas referências, pretende-se apreender estruturalidades das imagens
produzidas por dispositivos computacionais, assim como as modelizações que atuam
sobre suas configurações em semiose com outros sistemas.
Para tanto, a análise se dará a partir do canal Visual Complexity. O Visual
Complexity trata-se de uma plataforma online, lançada em 2005, que reúne exemplos de
visualização de redes e dados complexos sob a curadoria de Manuel Lima, pesquisador
do design de informação. O site divulga trabalhos de diversas disciplinas – biologia,
história, comunicação, política e tantas outras, a partir da conversão de uma
determinada área de interesse para imagens inscritas em uma linguagem visual
específica e codificada por algoritmos. Segundo Lima2, o Visual Complexity é um
projeto voltado para uma “nova visão de em rede no mundo, baseada em diversidade,
descentralização e não-linearidade”.
Partimos, assim, para uma análise de suas
processualidades.
2.
AMBIÊNCIA:
LINGUAGENS
LÍQUIDAS
E
OS
EQUIPAMENTOS
COLETIVOS DE INTELIGÊNCIA
Unindo arte, design e ciência, o Visual Complexity pode ser percebido como um
resultado da intersecção, no mínimo, de dois grandes fenômenos tecno-culturais
recentes: a ampliação da ciência em rede – com maior número de trabalhos realizados a
partir de parcerias entre diferentes instituições – e a disseminação do design de
informação em trabalhos que explicitam a visualização de dados, como percebe-se, por
__________
2
Disponível em: <http://www.visualcomplexity.com/vc/blog/>. Acesso em: maio 2013. Tradução da autora.
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exemplo, no grande volume de infográficos que circulam em sites e nas redes sociais
diariamente.
Essas constatações direcionam nosso olhar para o contexto das linguagens
líquidas de que fala Santaella (2007) quando posiciona as linguagens no centro da
discussão sobre as transformações contidas nesta nova ordem de organização
contemporânea. Na sua perspectiva, o ambiente das linguagens líquidas é este em que
presenciamos transmutações que se encaminham para o desaparecimento de obstáculos
que bloqueavam o fluxo de signos e trocas de informação em suportes tradicionais,
causa e efeito dos novos arranjos sociais e, também, próprias do devir humano.
Linguagens antes consideradas do tempo – verbo, som, vídeo – se
espacializam nas cartografias líquidas e invisíveis do ciberespaço, assim
como linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos –
fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos. Já não há lugar,
nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem,
pois todos entram na dança das instabilidades. Texto, imagem e som já não
são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se,
complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzamse. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força
dos suportes fixos lhe emprestavam. Viraram aparições. (SANTAELLA,
2007, p. 24)
Temos, portanto, um ambiente das cartografias líquidas e invisíveis do
ciberespaço, como enfatiza a autora, onde a web se configura como espaço privilegiado
para produção de conhecimento, oportunidade de consultar uma memória comum, e
para trocas de conhecimento resultantes em uma popularização do universo acadêmico.
É deste cenário complexo que emergem o que o Pierry Lévy chama de
“equipamentos coletivos de inteligência” (1993), não mais ligados à ênfase no objeto (o
computador, as máquinas, os programas), mas ao projeto (as mudanças nos ambientes
cognitivos, alterações nas redes de relações humanas que constitui). Conforme Lévy
(1993), os equipamentos coletivos de inteligência estão reestruturando os espaços
cognitivos
dos
indivíduos
e
impulsionando
devires
a
partir
dos
próprios
engendramentos das simulações e dos fluxos inesgotáveis e maleáveis de dados digitais.
Partindo deste ponto, a estruturação de uma nova forma de visualização de dados
baseada em códigos estéticos e codificados a partir do computador pode ser circunscrita
neste quadro cultural mais amplo, visto que participa da nova ecologia cognitiva que se
desenha para a ruptura de agenciamentos semióticos cristalizados há séculos (LÉVY,
1993). Dito isto, partimos destes múltiplos desdobramentos culturais para pensar o
4
Visual Complexity à luz da semiótica da cultura, buscando observar suas
potencialidades.
3. O CONTINUUM SEMIÓTICO DA VISUALIZAÇÃO DE DADOS
Partindo de Lotman (1978; 1996) e Machado (2003), apreendemos as diferentes
imagens contidas no portal Visual Complexity enquanto textos semióticos, dotados de
“um mecanismo supra-individual de conservação e transmissão de certos comunicados e
elaboração de outros novos” (LOTMAN; USPENSKI, 1981, p. 60). Ao pensarmos,
então, o conjunto destas imagens enquanto texto cultural, automaticamente o
posicionamos
como
um
“continuum
semiótico,
carregado
de
possibilidades
informativas” (LOTMAN; USPENSKI, 1981).
Esse continuum formado pelo Visual Complexity concretiza processos de
semiose ao mesmo tempo em que revela informações sobre o sistema cultural no qual
foi elaborado. Para Machado (2003), se quisermos entender a mobilidade na cultura, o
foco deve estar nos textos culturais justamente em suas relações com os sistemas
modelizantes ao redor. Quanto aos sistemas modelizantes, seus processos de influência
acontecem no ambiente que circunda a semioticidade, o espaço da realização da
semiose, ou seja, na semiosfera. Os sistemas modelizantes que agem sobre os textos
culturais atuam como sistemas de signos organizados em conjuntos de regras, normas e
códigos, cujas manifestações podem ser encontradas de diferentes formas na cultura.
Estando de acordo com Lotman, a linguagem natural é sempre o sistema
modelizante primário, aquele que permite a apreensão das manifestações dos sistemas
secundários. Assim, por mais que as imagens caracterizem-se pela ausência ou pouca
presença de elementos verbais, a oralidade primária se faz presente à medida que age na
“função básica da gestão da memória social” (LÉVY, 1993, p. 77).
Nesse ponto, chegamos também a um dos sistemas modelizantes secundários
identificados: as configurações do ciberespaço. Segundo Santaella (2010), o atual
estado tecnológico não só une inúmeras possibilidades históricas da produção e
transmissão de dados, como também amplia perspectivas para os mundos visuais
interativos a partir das máquinas.
De uma sociedade acostumada a ser espectadora e passiva em relação à
informação, surgem transformações multidirecionadas, que dão origem a cidadãos com
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ampla consciência de sua capacidade de produzir, distribuir e reinventar informação.
Assim,
o lugar da cultura na sociedade muda quando a mediação tecnológica da
comunicação deixa de ser meramente instrumental para espessar-se,
condensar-se e converter-se em estrutural: a tecnologia remete, hoje, não a
alguns aparelhos, mas, sim, a novos modos de percepção e de linguagem, a
novas sensibilidades e escritas. (MARTÍN-BARBERO, 2006, p. 54-55)
Nesse contexto, Santaella (2010) posiciona a visualização de dados como um
tipo de “imagem simulada”, capaz de tornar visíveis materialidades do real. São dados
passando por “camadas sofisticadas de mediações tecnológicas que acabam resultando
em imagens crifradas”. Para Santaella (2010, p. 8), a visualização científica a partir de
imagens “extravasa os planos e limites da ciência [...]; com uma estética que nasce da
capacidade tradutória cada vez mais sutil das tecnologias para trazerem as abstrações
inteligíveis à superfície epidérmica dos sentidos”.
Dando conta deste efeito capaz de acionar as redes de percepções sensíveis de
sentidos, uma das modelizações é a da ordem estética, sendo o design de informação o
pilar essencial. Os efeitos estéticos que os dispositivos tecnológicos propiciam dão
origem a novas formas de apresentação que expandem os sentidos, tanto em suportes,
quanto em possibilidades interativas, ao mesmo tempo em que carregam consigo
aspectos importantes às técnicas de apresentação gráfica e disposição harmoniosa de
informação. Percebemos, ainda, um difuso deslocamento do sentido de autoria.
Conforme Santaella (2007), no contexto das linguagens líquidas, a obra não se dá
apenas na capacidade do artista, mas em um mergulho nas potencialidades abertas do
virtual. Assim, ao entendermos que na visualização de dados o nosso objeto está em
permanente semiose, uma vez que a cada mudança de dados tem-se uma nova
configuração da imagem, nos aproximamos de uma redução do sentido do sujeito autor
como único criador, indo em direção ao “murmúrio anônimo” de que fala Foucault
(2000) para abordar esse conjunto de massa de enunciados apreendidos não a partir de
um sujeito, mas de pluralidades discursivas. Trata-se de um processo que, em parte
desmaterializa o papel do produtor de conhecimento e, em outra, convoca a abertura na
participação pela multiplicação de conteúdo na rede.
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4. CONSIDERAÇÕES: A VISUALIZAÇÃO DE DADOS OBSERVADA EM
EXPLOSÃO
Em nosso estudo, elencamos aspectos que permitem situar a visualização de
dados enquanto textos culturais afinados com a perspectiva de comunicação de Lotman,
para quem a condição de fato da comunicação é a imprevisibilidade e ocorrência de
transformações complexas. Para Lotman (1978), é na função criadora que se tem o
ponto central para que haja comunicação e semiose e, mais que isso, para visualizar um
texto cultural em explosão. A explosão ocorre das linhas de imprevisibilidade
encontradas em um determinado sistema semiótico; ocorre quando se pode distinguir
movimentos de desestabilização, de transgressão possível. O central aqui são os
movimentos de ruptura que certos modelos provocam e, no caso da visualização de
dados, é possível compreender claramente o rompimento com o convencionado em
termos de apresentação de dados em gráficos, tabelas e textos. Um texto cultural que
está em explosão é aquele capaz de gerar novas redes de significações, novas cadeias de
sentido sobre si. A partir do exposto neste trabalho, é exatamente nessa etapa do seu
devir semiótico que identificamos o sistema de visualização de dados. Analisar as
potencialidades de suas linhas de imprevisibilidade e as formas como, processualmente,
seus mecanismos de tradutibilidade se direcionam para a conversão de um novo sistema
modelizante, com influências sobre as formas de compartilhamento e mesmo de
apreensão cognitiva do conhecimento se configura como objeto relevante para
continuidade de análise e clareamentos futuros.
HOW TO SEE WHAT THE DATA THAT SHOWS?
An approach of the images produced by technological platforms as cultural texts
ABSTRACT
Technical devices and virtual own cyberculture have made possible the
construction of new forms of production and exhibition of knowledge, as well as
updating the informational and aesthetic experiences of the subjects in relation to the
seizure of messages circulating in society. Knowing this context, this work proposes to
observe the viewing data from their processes of semiosis, considering the studies of
semiotics of culture. We are interested in thinking orders which cultural processes lead
us to the use of these images, considering the system of data visualization as a dynamic
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cultural text, and associated relational becomings involving new generation of
associative processes and senses with different degrees of communicative, creative and
mnemonic functions.
KEYWORDS: Data visualization. Liquid languages. Semiotics of Culture.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas.
Martins Fontes: São Paulo, 2000.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
LOTMAN, Iuri. A estrutura do texto artístico. Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
______. La semiosfera I. Semiótica de la Cultura e del Texto. Madrid: Ediciones
Frónesis Cátedra Universitat de València, 1996
LOTMAN, Iúri & USPENSKI, Bóris. Sobre o mecanismo semiótico da cultura. In:
Ensaios de semiótica soviética. Lisboa: Horizontes, 1981. p. 37-66. Disponível em:
<http://www.sonora.iar.unicamp.br/index.php/sonora1/article/viewFile/18/17>. Acesso
em: maio 2013.
MACHADO, Irene. Escola de semiótica: a experiência de Tártu-Moscou para o estudo
da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidadesm alteridades: mudanças e
opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Denis de. Sociedade
midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
SANTAELLA, Lucia. As imagens no contexto das estéticas tecnológicas. UNB,
2010. Disponível em: <http://www.arte.unb.br/6art/textos/lucia.pdf>. Acesso em: maio
2013.
______. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
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