O QUE NOS SALVA
José Mario Rodrigues
Dei nome de Brueguel a um siamês que ganhei de presente da
poetisa Janice Japiassu. Foi no Museu de Viena que tive uma visão mais
detalhada da arte desse pintor da Idade Média. É lá que está a maior
coleção dos seus quadros e, sobretudo, o que mais gosto: “jogos infantis”.
Tenho até uma aquarela do pintor José Cláudio, inspirada naquela obra que
dispensa adjetivos.
Passei uma manhã na sala dedicada ao genial artista. Nem tive
tempo de ver outras obras que compõem aquele acervo secular, patrimônio
dos austríacos.
Brueguel me bastava e, por isso, eu precisava olhar bem e deixalo gravado na memória. Algum dia, a propósito de um acontecimento o
quadro me chegaria por inteiro. Ele pintou uma tela que ficou mais
conhecida universalmente: “vitória de la muert” e que está no Museu do
Prado, em Madrid. Vejo-a como um prenúncio do nosso tempo. Mas deve
ter sido o retrato de sua própria época. A história da humanidade é feita de
violência e da vitória do mal. A busca de paz, infelizmente, será sempre
aspiração.
Avançamos demasiadamente em tecnologia e regredimos na
convivência entre os povos e entre nós mesmos. As manifestações que
invadem as ruas contra a violência, são resultados do cansaço, do desespero
da exaustão.
Acredito que um projeto do Governo, por melhor que seja, não
vai reverter tantos absurdos que enfrentamos diariamente. Poderá amenizar
um pouco, mas levará tempo para desviar o percurso dessas águas cuja
poluição chegou ao extremo.
São muitas décadas de exclusão, concentração de renda, de
corrupção, de descaso com a educação, de legislação em causa própria. O
desastre é imenso e a nossa estabilidade sempre foi alicerçada no ter, nas
coisas sólidas. Só buscamos ampliar mais nossos domínios ante uma
multidão que não tem o que perder. E domínio é prisão, porque nos torna
escravo de nossas próprias utilidades.
O filósofo Eduardo Prado de Mendonça, citando Aristóteles, disse
que “o valor por excelência da Filosofia está no fato de ser uma ciência
inútil. Não estando comprometida com a ordem dos interesses práticos
imediatos, pode ter a isenção de espírito e satisfazer apenas a curiosidade
humana de compreender”.
Mais do que nunca tenho a certeza de que a arte é que nos salva.
Ela está na dimensão da liberdade, do que é espontâneo, do que é existência
lúdica, do que possui um fim em si mesmo. Por isso me refugio nos “jogos
infantis” de Brueguel.
Pode parecer estranho querer se abrigar num quadro. Mais
esquisito ainda e a vontade de saber de onde vem a saudade do que me foi
impossível/ Essa solidão que se decompõe/fragmentada entre a brevidade e
o eterno? Agora sei; não há limite entre mim e a paisagem/ entre o verso e
a emoção.
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