TORMENT Sumário Prólogo - Águas Neutras Capítulo 01 - Dezoito Dias Capítulo 02 - Dezessete Dias Capítulo 03 - Dezesseis Dias Capítulo 04 - Quinze Dias Capítulo 05 - Catorze Dias Capítulo 06 - Treze Dias Capítulo 07 - Doze Dias Capítulo 08 - Onze Dias Capítulo 09 - Dez Dias Capítulo 10 - Nove Dias Capítulo 11 - Oito Dias Capítulo 12 - Sete Dias Capítulo 13 - Seis Dias Capítulo 14 - Cinco Dias Capítulo 15 - Quatro Dias Capítulo 16 - Três Dias Capítulo 17 - Dois Dias Capítulo 18 - Dia de Ação de Graças Capítulo 19 - A Trégua foi Quebrada Epílogo – Pandemônio Prólogo - Águas Neutras Daniel olhava para a baía. Seus olhos eram tão cinzas quanto a pesada névoa envolvendo o litoral de Sausalito, com a água agitada lambendo a praia de cristais embaixo de seus pés. Não havia nenhuma violeta em seus olhos, ele podia sentir. Ela estava tão longe. Ele se preparou para o toque da tempestade fora da água. Puxou o grosso casaco preto mais perto, porém soube que seria inútil. Caçar sempre o deixava com frio. Apenas uma coisa poderia aquecê-lo hoje e ela estava inalcançável. Sentia falta de como o alto de sua cabeça era o lugar perfeito para descansar seus lábios. Imaginou seus braços preenchidos pelo corpo dela, se inclinando para beijar seu pescoço. Mas era bom que Luce não pudesse estar aqui agora. O que ela veria a deixaria aterrorizada. Atrás dele, a lamúria dos leões-marinhos caindo pesadamente ao longo da costa de Angel Island soava o modo como ele se sentia: Solitariamente abalado, sem ninguém perto para ouvir. Ninguém exceto Cam. Ele estava agachado na frente de Daniel, amarrando uma âncora enferrujada ao redor de uma notável figura molhada aos seus pés. Mesmo envolvido em algo tão sinistro, Cam parecia bem. Seus olhos verdes brilhavam e seu cabelo preto estaca cortado curto. Era a trégua; sempre trazia um rubor mais intenso nas bochechas dos anjos, um brilho aos seus cabelos e, até mesmo, uma definição mais acentuada nos músculos impecáveis de seus corpos. Dias de trégua são para os anjos o que as férias na praia são para os humanos. Mesmo que doesse em Daniel cada vez que era forçado a interromper uma vida humana, para qualquer outra pessoa ele parecia como um cara voltando de uma semana no Havaí: Relaxado, descansado e bronzeado. Apertando um de seus complicados nós, Cam disse: - Típico Daniel. Sempre se afastando e me deixando com o trabalho sujo. - Do que você está falando? Eu que acabei com ele. – Daniel olhou para o homem morto, para seu firme cabelo cinza emaranhado na testa pálida, para suas mãos nodosas e suas baratas galochas de borracha, para o rasgo vermelho escuro em seu peito. Isso fez com que Daniel se sentisse frio de novo. Se matar não fosse necessário para garantir a segurança de Luce, para salvá-la, Daniel nunca levantaria outra arma. Nunca lutaria em outra briga. E alguma coisa no que se diz respeito à morte desse homem não parece estar certa. Na verdade, Daniel tinha uma vaga e preocupante sensação de que algo estava profundamente errado. - Acabar com eles é a parte divertida. – Cam enrolou a corda ao redor do peito do homem e apertou em baixo dos braços dele. – O trabalho sujo é jogá-los no mar. Daniel ainda segurava o galho de árvore com sangue em suas mãos. Cam riu da escolha, mas não importava para Daniel o que tinha usado. Ele podia matar com qualquer coisa. - Depressa! – Rosnou, enojado pelo evidente prazer que Cam teve no derramamento de sangue humano. – Você está desperdiçando tempo. A maré está descendo. - Se não fizermos desse modo, a maré alta amanhã trará Slayer de volta à costa. Você é muito impulsivo, Daniel, sempre foi. Você sempre pensa mais que um passo à frente? Daniel cruzou os braços e olhou para as cristas brancas das ondas. Um catamarã turístico vindo do píer de São Francisco estava deslizando em direção a eles. Outrora, a visão daquele barco poderia ter trago de volta uma enchente de memórias. Milhares de viagens felizes que ele havia feito com Luce através de milhares mares de vidas passadas. Mas agora – agora que ela pode morrer e nunca mais voltar, nessa vida onde tudo era diferente e não haveria mais nenhuma reencarnação – Daniel sempre esteve ciente o quanto a memória dela era vazia. Essa era a última tentativa para os dois. Para todos, na verdade. Então eram as memórias de Luce, e não a de Daniel, que importavam, e tantas verdades chocantes teriam que ser cuidadosamente trazidas à superfície se ela sobrevivesse. O pensamento do que ela tinha que aprender fez com que todo o seu corpo ficasse tenso. Se Cam pensava que Daniel não estava pensando no próximo passo, estava errado. - Você sabe que só há um único motivo de ainda estar aqui. – Daniel disse. – Nós precisamos conversar sobre ela. Cam riu. - Eu ia. – Com um gemido, ele ergueu o corpo encharcado por cima do ombro. O terno azul-marinho do homem morto amontoado em torno das linhas da corda que Cam havia amarrado. A pesada âncora repousava em seu peito ensanguentado. – Este era valentão, não era? – Cam perguntou. – Estou quase insultado que os Anciãos não mandaram um pistoleiro mais desafiador. Então - como se fosse um lançador de peso olímpico - Cam dobrou os joelhos, rodou três vezes no vento e lançou o homem morto para a água, a claros cem mil metros no ar. Por alguns longos segundos, o corpo boiou na baía. Então o peso da âncora o arrastou para baixo... Para baixo... Para baixo. Esguichou para dentro da água. E, instantaneamente afundou até se perder de vista. Cam limpou as mãos. - Acho que eu acabo de bater um recorde. Eles eram parecidos em tantas formas, mas Cam era algo pior: Um demônio que era capaz de atos desprezíveis sem nenhum remorso. Daniel estava devastado pelo remorso. E agora, estava devastado pelo amor. - Você lida com a morte humana muito superficialmente. – Disse Daniel. - Esse cara merecia. – Respondeu Cam. – Você realmente não leva tudo isso na esportiva? Daniel foi a sua cara e cuspiu: - Ela não é um jogo para mim. - E é exatamente por isso que você vai perder. Daniel agarrou Cam pela gola de seu casaco cinza-chumbo. Ele considerou arremessá-lo na água da mesma forma que ele arremessou o predador. Uma nuvem acumulou-se além do sol, sua sombra escureceu o rosto dos dois. - Calma. – Disse Cam, erguendo as mãos. – Você tem vários inimigos, Daniel, mas agora eu não sou um deles. – Lembre-se da trégua. - Trégua para alguns. – Disse Daniel – Dezoito dias de outros tentando matá-la. - Dezoito dias de nós os pegando. – Cam corrigiu. Era uma tradição angelical que uma trégua dure dezoito dias. No céu, dezoito era o mais divino e sortudo número: Um registro de afirmação da vida de dois setes (as virtudes dos arcanjos e cardeais), equilibrados com a advertência dos quatro cavaleiros do Apocalipse. Em algumas linguagens mortais, dezoito tinha vindo a significar a própria vida, embora, nesse caso, para Luce, poderia facilmente significar morte. Cam estava certo. Como as notícias da sua imortalidade escorreram as camadas celestiais, as fileiras de inimigos dobrariam de redobrariam cada dia. Senhoria Sophia e seus companheiros, os Vinte-Quatro Anciãos de Zhsmaelin, ainda estavam atrás de Luce. Daniel havia os vislumbrado nas sombras mandadas pelos Anunciadores bem nessa manhã. Havia percebido algo a mais, uma intensa e obscura astúcia, uma que ele não havia reconhecido no começo. Um raio de sol furou as nuvens e algo brilhou no canto da visão de Daniel. Virou-se e ajoelhou-se para encontrar uma única flecha plantada na areia molhada. Era mais fina do que uma normal, de cor prata fosca e com desenhos gravados ao seu redor. Estava quente ao toque. A respiração de Daniel ficou presa na garganta. Havia eras desde que ele tinha visto um Starshot (tiro de estrela). Seus dedos tremeram quando ele gentilmente tirou-a da areia, tomando cuidado para evitar sua ponta mortal. Agora ele soube de onde aquela outra escuridão tinha vindo nesta manhã dos Anunciadores. A notícia foi ainda pior do que ele temia. Virou-se para Cam, a flecha com plumas luminosas equilibrada em suas mãos: - Ele não estava agindo sozinho. Cam enrijeceu ao ver a flecha. Moveu-se até ela com reverência, chegando a tocar da mesma forma que Daniel. - Uma arma muito valiosa para ser deixada para trás. Os Exilados devem ter tido muita pressa para fugir. Os Exilados: Uma seita de anjos errantes e covardes evitados tanto pelo Céu quando pelo Inferno. Sua única grande força era o recluso anjo Azazel, o único Starsmith remanescente, que ainda sabia a arte de produzir Starshots. Quando solto do seu arco de prata, uma Starshot poderia causar menos do que uma ferida num humano, mas para os anjos e demônios, era a arma mais mortal de todas. Todos queriam ter uma, mas ninguém estava disposto a se associar aos Exilados. O comércio de troca das Starshots sempre foi feito clandestinamente, via mensageiro. O que significava que o cara que Daniel matara não era nenhum pistoleiro enviado pelos Anciãos. Era apenas um negociante de mercadorias. Os Exilados, os verdadeiros inimigos, haviam desaparecido à primeira vista de Daniel e Cam. Daniel estremeceu. Esta não era uma boa notícia. - Nós matamos o cara errado. - Como errado? – Cam o ignorou. – O mundo não está melhor com menos um predador? A Luce não está melhor? – Ele olhou para Daniel e depois para o mar. – O único problema é... - Os Exilados. – Cam assentiu. – Então agora eles a querem também. Daniel podia sentir as pontas de suas asas eriçadas sob seu suéter de cashmere e seu casaco pesado, uma coceira ardente o fez recuar. Ficou paralisado, com os olhos fechados e seus braços juntos ao corpo, se esforçando para dominar a si mesmo antes que suas asas possam romper violentamente como as velas desfraldadas de um navio que o levaria para fora a ilha, sobre a baía, para longe. Imediatamente na direção dela. Ele fechou os olhos e tentou imaginar Luce. Teve que se afastar daquela cabana, do sono tranquilo dela na pequena ilha a leste de Tybee. Estaria à noite lá. Será que ela estaria acordada? Será que ela estaria com fome? A batalha na Sword & Cross, as revelações e a morte de sua amiga causaram muitos danos à Luce. Os anjos esperavam que ela dormisse o dia todo e durante a noite. Mas, amanhã de manhã, teriam que pôr um plano em prática. Essa foi a primeira vez que Daniel tinha proposto uma trégua. Para definir os limites, fazer as regra e elaborar um plano com consequências caso ambos os lados a violem. Era uma grande responsabilidade para arcar junto ao Cam. É claro que ele faria qualquer coisa por ela. Só queria ter certeza que fez o certo. - Nós teremos que escondê-la em algum lugar seguro. – Disse. – Tem uma escola perto do norte, perto de Fort Bragg... - A Escola Shoreline. – Cam assentiu. – Estive pensando nela também. Luce ficaria feliz lá. E educada de uma maneira que não a colocaria em perigo. E, mais importante, ela estaria protegida. Gabbe já havia explicado ao Daniel o tipo de camuflagem que a Shoreline podia proporcionar. Logo, a informação que Luce estava escondida lá se espalharia, mas por um tempo, pelo menos, dentro do perímetro da escola, ela estaria quase invisível. Lá dentro, Francesca, um anjo conhecido de Gabbe, iria tomar conta de Luce. Lá fora, Daniel e Cam iriam caçar e matar qualquer um que ousasse chegar perto dos limites da escola. Quem teria contado a Cam sobre Shoreline? Daniel não gostou da ideia de que o lado dele sabia mais do que o seu. Já estava amaldiçoando a si mesmo por não visitar o lugar antes deles fazerem a escolha, mas já tinha sido duro demais deixar Luce quando ele o fez. - Ela pode começar o mais rápido o possível amanhã. Supondo... – os olhos de Cam atravessaram o rosto de Daniel – Supondo que você diga sim. Daniel apertou a mão no bolso da calça, onde guardava uma fotografia recente de Luce no lago da Sword & Cross com o cabelo molhado brilhando, com um raro sorriso no rosto. Normalmente, no momento que ele tinha uma chance de conseguir uma foto dela em uma só vida, ele a perdia novamente. Desta vez, ela ainda estava aqui. - Qual é, Daniel... – Cam estava dizendo. – Nós dois sabemos do que ela precisa. Nós a matriculamos e a deixamos por si só. Não podemos fazer nada para apressar essa parte além de deixá-la sozinha. - Eu não posso deixá-la sozinha esse tempo todo. – Daniel jogou as palavras fora rapidamente. Olhou para a flecha em suas mãos, se sentindo doente. Ele queria arremessá-la no mar, mas não podia. - Então... – Cam o pressionou – Você não contou a ela. Daniel congelou. - Eu não posso contar nada a ela. Podemos perdê-la. - Você pode perdê-la. – Cam zombou. - Você sabe o que eu quis dizer. – Daniel enrijeceu. – É muito arriscado supor que ela absorva tudo sem... Ele fechou os olhos para banir a imagem da agonizante chama da brasa. Mas estava sempre queimando o fundo de sua mente, ameaçando se espalhar rapidamente. Se contasse a verdade e a matasse, dessa vez ela nunca voltaria. E seria sua culpa. Não podia fazer nada, pois não conseguiria existir sem ela. Suas asas queimaram por causa do pensamento. O melhor era mantê-la abrigada por mais tempo. - Que conveniente para você. – Cam murmurou. – Eu só espero que ela não esteja decepcionada. Daniel o ignorou. - Você realmente acredita que ela será capaz de aprender nessa escola? - Acredito. – Cam respondeu devagar. – Supondo que concordamos que ela não terá nenhuma distração externa. Isso significa sem Daniel e sem Cam. Essa tem que ser a regra principal. Não vê-la por dezoito dias? Daniel não conseguir entender. Mais do que isso, não conseguia ver Luce concordando com isso. Eles acabaram de descobrir um ao outro nessa vida e finalmente têm a chance de estarem juntos. Mas, como sempre, explicar os detalhes podia matá-la. Ela não podia ouvir sobre as vidas passadas dela pela boca dos anjos. Luce não sabia disso ainda, mas muito em breve, ela estaria sozinha para descobrir... Tudo. A verdade enterrada – espacialmente o que Luce pensaria dela – horrorizava Daniel. Mas Luce descobrindo sozinha era a única maneira de romper com esse terrível círculo. Por causa disso, sua experiência em Shoreline seria crucial. Por dezoito dias Daniel podia matar muitos Exilados que surgissem em seu caminho. Mas quando a trégua terminasse tudo estaria nas mãos de Luce novamente. Somente em suas mãos. O sol estava se pondo sobre o Monte Tamalpais e a névoa da noite se enrolava adentro. - Deixe que eu a levo à Shoreline. – Daniel disse. Esta seria sua última chance de vê-la. Cam o olhou curiosamente, se perguntando se cederia. Pela segunda vez, Daniel teve que forçar fisicamente suas asas doloridas para dentro da pele. - Certo. – Cam disse no fim. – Em troca da Starshot. Daniel entregou a arma e Cam a escorregou para dentro de seu casaco. - Leve-a até a escola e depois me encontre. Não estrague o plano. Eu estarei observando. - E depois? - Você e eu temos uma caçada para fazer. Daniel assentiu e desfraldou suas asas, sentindo o intenso prazer de soltá-las por todo o corpo. Parou por um instante, reunindo energia, sentindo a resistência do vento áspero. Hora de fugir dessa maldita e feia cena, para deixar suas asas o levarem para um lugar onde ele poderia ser seu verdadeiro eu. De volta para Luce. E de volta à mentira que teria que conviver por mais um tempo. - A trégua começa amanhã à meia noite. – Daniel gritou, chutando para trás um borrifo de areia na praia. Decolou e voou através do céu. Capítulo 1 – Dezoito Dias Luce planejou manter os olhos fechados por todas as seis horas de voo de Geórgia até a Califórnia, até o momento em que as rodas do avião tocassem na pista de São Francisco. Meio acordada, ela achou muito mais fácil fingir que já estava junto a Daniel de novo. Parecia uma vida inteira desde que ela tinha o visto, mesmo tendo sido há poucos dias. Desde que se despediram na Sword & Cross na sexta-feira de manhã, todo o corpo de Luce parecia grogue. A ausência de sua voz, de seu calor, o toque de suas asas: Tinha penetrado em seus ossos, como uma doença estranha. Um braço tocou nela e ela abriu os olhos. Ela ficou cara a cara com os olhos arregalados de um rapaz de cabelos castanhos que era alguns anos mais velho que ela. - Desculpa. – Ambos disseram ao mesmo tempo, os dois recuando alguns centímetros para cada lado da poltrona do avião. Lá fora a visão era espantosa. O avião estava fazendo sua descida em São Francisco e Luce nunca tinha visto algo parecido com isso antes. À medida que olhou o lado sul da baía. Um sinuoso afluente azul parecia atravessar a Terra em seu caminho para o mar. O fluxo dividido por um campo de verde vibrante num lado e de um redemoinho de algo vermelho e branco do outro. Ela apertou a testa no painel duplo de plástico e tentou obter uma visão melhor. - O que é isso? – Perguntou em voz alta. - Sal. – Respondeu o rapaz, apontando. Ele se inclinou mais perto. – Eles retiram do Pacífico. A resposta foi tão simples, tão... Humana. Quase uma surpresa após o tempo que ela passou com Daniel e os outros. Ela era ainda inexperiente no uso dos termos literalmente, anjos e demônios. Ela olhou através da água azul da meia-noite que parecia se esticar eternamente. Sol sobre a água havia sempre significado manhã na costa Atlântica, Luce levantou. Mas aqui era quase noite. - Você não é daqui, é? – Seu colega de assento perguntou. Luce balançou a cabeça, mas segurou a língua. Seguiu olhando pela janela. Antes de deixar a Geórgia nesta manhã, o Sr. Cole tinha ensinado a ela sobre mantes um perfil discreto. Os outros professores haviam sido avisados que os pais de Luce haviam solicitado uma transferência. Era uma mentira. Até onde os pais de Luce e qualquer outra pessoa sabiam era que ela ainda estava matriculada na Sword & Cross. Poucas semanas antes, isso a teria enfurecido mas as coisas que tinham acontecido nos último dias na escola haviam transformado Luce em uma pessoa que passou a levar o mundo mais a sério. Havia deslumbrado um retrato de outra vida, uma das tantas que ela compartilhou com Daniel antes. Descobriu um amor mais importante para ela do que qualquer outra coisa que ela imaginou ser possível. E então ela já tinha visto tudo isso ameaçado por uma velha louca, com um punhal, a quem ela pensava que podia confiar. Havia mais lá fora como Miss Sophia, isso Luce sabia, mas ninguém lhe disse como reconhecê-los. Miss Sophia parecia normal, até o final. Poderiam os outros parecer tão inocentes quanto... Tão inocentes como esse cara de cabelos castanhos sentado ao seu lado? Luce engoliu em seco, cruzou as mãos no colo e tentou pensar em Daniel. Ele estava a levando para algum lugar seguro. Luce o imaginou a esperando em uma dessas cadeiras de plástico cinza do aeroporto, com os cotovelos sobre os joelhos, sua cabeça loira enfiada entre os ombros. Balançando para frente e para trás o seu tênis preto Converse. Levantando-se a cada poucos minutos para andar ao redor da esteira de bagagem. Houve um choque quando o avião tocou o solo. De repente, ela estava nervosa. Ficaria ele tão feliz em vê-la como ela ficaria em vê-lo? Focou no padrão bege e marrom sobre o assento de pano em sua frente. Seu pescoço estava duro por causa do longo voo e suas roupas tinham um velho cheiro de avião entupido. A equipe de terra da Marinha, fora da janela parecia estar levando um tempo anormalmente longo para dirigir o avião ao Jetway. Seus joelhos chacoalhavam de impaciência. - Acho que você vai ficar na Califórnia por um tempo. – O cara ao lado dela deu um sorriso preguiçoso que só fez Luce ficar mais ansiosa para sair. - Por que você diz isso? – Perguntou rapidamente. – O que faria você pensar isso? – Ele piscou. - Com essa enorme sacola vermelha e tudo. – Luce se afastou dele. Ela não o tinha notado até dois minutos atrás, quando ele tinha abalado o seu despertar. Como ele sabia de sua bagagem? - Ei, não se assuste. – Ele atirou-lhe um olhar estranho. – Eu estava de em pé atrás de você do check-in. – Luce sorriu sem jeito. - Eu tenho namorado. – Fluiu de sua boca. Instantaneamente suas bochechas ficaram avermelhadas. O cara tossiu. - Entendi. Luce fez uma careta. Ela não sabia o porquê dela dizer isso. Não queria ser rude, mas a luz do cinto de segurança foi desligada e tudo o que ela queria fazer era passar por esse cara e sair direto do avião. Ele deve ter tido a mesma ideia, porque ele se enfiou para trás no corredor e passou a mão em frente. Tão educadamente quanto pôde, Luce empurrou-se para a saída limitada. Só para ficarem presos em um gargalo de lentidão agonizante sobre a Jetway. Silenciosamente xingando todos os californianos casuais que se amontoavam em sua frente, Luce ficava na ponta dos pés e passou de pé para pé. No momento em que ela entrou no terminal, ela própria se impulsionava, meio louca com impaciência. Finalmente ela conseguia se mover. Movimentou-se habilmente no meio da multidão e esqueceu tudo sobre o cara que ela acabara de conhecer no avião. Esqueceu-se de se sentir nervosa pelo fato de nunca ter ido para a Califórnia. Nunca em sua vida fora para mais do que o oeste de Branson, Missouri, naquela época, quando seus pais arrastaram-na para ver de perto Yakov Smirnoff. E, pela primeira vez em dias, até esqueceu momentaneamente as coisas horríveis que havia visto em Sword & Cross. Estava indo em direção à única coisa no mundo que tinha o poder para fazê-la se sentir melhor. A única coisa que poderia fazê-la sentir que toda a angústia que tinha tido através de todas as sombras, que a batalha irreal no cemitério, e o pior de tudo, o desgosto da morte de Penn, talvez valesse a pena sobreviver. Lá estava ele... Sentado exatamente como ela imaginara que estaria no passado, em um bloco triste de cadeiras cinzas, ao lado de uma porta automática deslizante que abria e fechava por trás dele. Por um segundo, Luce parou e só apreciou vê-lo. Daniel estava de chinelos e jeans escuro. Ela nunca o tinha visto assim antes, e uma camiseta vermelha que foi rasgada perto do bolso da frente. Ele parecia o mesmo, mas de alguma forma diferente. Parecia mais descansado do que estava quando se despediram no outro dia. E parecia que ela tinha perdido tanto dele, ou sua pele estava ainda mais radiante do que ela se lembrava? Ele olhou para cima e finalmente a viu. Seu sorriso praticamente brilhava. Ela saiu correndo em sua direção. Dentro de um segundo, seus braços estavam ao seu redor, com o rosto enterrado em seu peito, e Luce soltou uma respiração mais longa, mais profunda. Sua boca encontrou a dele e se afundaram em um beijo. Ela relaxou feliz em seus braços. Luce não tinha percebido até agora, mas uma parte sua perguntava se ela jamais iria vê-lo novamente, que tudo poderia ter sido um sonho. O amor que sentia, o amor que Daniel correspondia, tudo ainda parecia tão surreal. Ainda presa em seu beijo, Luce ligeiramente beliscou seu bíceps. Não era um sonho. Pela primeira, no qual era nem sabia a quanto tempo, ela sentiu como se estivesse em casa. - Você está aqui. – Ele sussurrou em seu ouvido. – Você está aqui! - Nós dois estamos aqui. Eles riram, ainda se beijando, se alimentando de casa pedaço da doce estranheza de se verem outra vez. Mas quando Luce menos esperava, seu riso se transformou em uma fungada. Ela estava procurando uma maneira de dizer o quão duro os últimos dias tinham sido para ela sem ele, sem ninguém, meio dormindo, meio grogue ciente de que tudo havia mudado, mas, nos brações de Daniel, agora, ela não conseguiu encontrar as palavras. - Eu sei. – Disse ele. – Vamos pegar sua mala e sair daqui. Luce virou-se para o carrossel de bagagens e encontrou o seu companheiro de avião parado em sua frente, segurando nas mãos as alças de sua mochila enorme. - Eu vi isso passar. – Disse ele com um sorriso forçado no rosto, como se estivesse teimando em provar suas boas intenções. – É seu, não é? Antes de Luce ter tempo para responder, Daniel aliviou o cara da bolsa pesada, usando apenas uma mão. - Obrigada, cara. Vou levá-la daqui. – Disse ele, de forma decisiva o suficiente para terminar a conversa. O outro viu como Daniel deslizou a outra mão na cintura de Luce e a conduziu. Esta foi a primeira vez desde Sword & Cross que Luce tinha sido capaz de ver o mundo como Daniel o fazia, a sua primeira oportunidade de saber se outras pessoas podiam perceber, só de olha, de que havia algo de extraordinário nele. Em seguida, andaram através das portas de vidro deslizantes e ela teve a primeira respiração real da Costa Oeste. O ar de início de novembro estava fresco e vivo de alguma forma e saudável, não encharcado e resfriado como o ar de Savanna esta tarde quando seu avião havia decolado. O céu estava azul brilhante, sem nuvens no horizonte. Tudo parecia cuidado, limpeza até o estacionamento realizada fila após fila de carros recém-lavados. Uma linha de montanhas emolduravam tudo, trigueiros marrons com pontos irregulares e verdes de árvores. Uma colina seguida de outra. Ela não estava mais na Geórgia. - Eu não posso decidir se é uma surpresa. – Brincou Daniel. – Eu deixo você sair de baixo da minha asa por dois dias e outro rapaz ataca. – Luce revirou os olhos. - Vamos lá. Nós quase não nos falamos. Eu dormi durante o voo todo. – Ela cutucou-o. – Sonhando com você. Os lábios franzidos de Daniel se transformaram em um sorriso e ele deu um beijo no alto de sua cabeça. Ela parou, querendo mais, nem sequer percebendo que Daniel havia parado na frente de um carro. E não apenas um carro qualquer... Um Alfa Romeo preto. A mandíbula de Luce caiu quando Daniel abriu a porta do passageiro. - Is-isso... – Balbuciou. – Isso é... Você sabe que este é o meu carro dos sonhos? - Mais do que isso. – Daniel riu. – Este costumava ser o seu carro. Ele riu quando ela praticamente pulou com suas palavras. Ela ainda estava se acostumando com a parte da reencarnação de sua história. Era tão injusto. Todo um carro que ela não tinha na memória. Uma vida inteira que ela não conseguir lembrar. Luce estava desesperada para saber sobre eles, quase como se seus “eus” anteriores fossem irmãos que tinham sido separados ao nascer. Descansou a mão sobre o para-brisa, em busca de um punhado de algo, um déjà vu por exemplo. Nada. - Foi um presente de dezesseis anos de seus pais, um casal há vidas atrás. – Daniel olhou para os lados, como se estivesse tentando decidir o quanto podia dizer. Ele sabia que ela estava com faminta por detalhes, mas pode não ser capaz de engolir muitos de uma só vez. - Eu só comprei desse cara no Reno. Ele o comprou depois, uh... Bem, depois de você... Entrar em combustão espontânea, pensou Luce, preenchendo a verdade amarga de que Daniel não iria falar. Essa foi a única coisa certa sobre suas vidas passadas: O final raramente alterado. Exceto, ao que parece desta vez. Desta vez eles podiam dar as mãos, se beijarem, e ela... Não sabia o que mais eles podiam fazer. Mas ela estava morrendo de vontade de descobrir. Apertouse. Eles tinham que ter cuidado. Dezessete anos não foi suficiente, e nesta vida, Luce era inflexível quanto a furar ao redor para ver como era realmente ficar com Daniel. Ele limpou a garganta e deu um tapinha no capô preto brilhante. - Ainda dirige como um campeão. O único problema é... – Ele olhou para o pequeno porta-malas do conversível, então para a sacola de Luce, em seguida, de volta ao porta-malas. Sim, Luce tinha um péssimo hábito de excesso de bagagem. Ela era a primeira a admitir. Dessa vez ela não tinha culpa. Arriane e Gabbe tinham embalado suas coisas de deu dormitório na Sword & Cross. Todas as peças de roupa pretas que ela nunca tinha tido a chance de vestir. Tinha estado muito ocupada dizendo adeus a Daniel e Penn para fazer as malas. Estremeceu se sentindo culpada por estar aqui na Califórnia, com Daniel, tão longe de onde tinha deixado uma amiga enterrada. Não parecia justo. Mr. Cole assegurou-lhe que a Srta. Sophia seria punida pelo o que ela fez à Penn, mas quando Luce havia pressionado ele sobre o que exatamente isso significava, ele puxou o bigode e o torceu para cima. Daniel olhou desconfiado ao redor do estacionamento. Ele abriu o porta-malas com a enorme mochila de Luce na mão. Foi um ajuste impossível, mas, em seguida, um som de sucção suave veio de trás do carro e a bolsa de Luce começou a encolher. Um minuto depois, Daniel pressionou o porta-malas fechado. Luce piscou. - Faz isso de novo! – Daniel não riu. Parecia nervoso. Ele deslizou no assento do motorista e ligou o carro sem dizer uma palavra. Era uma coisa estranha e nova para Luce: Ver que seu rosto parece tão sereno na superfície, mas conhecê-lo tão bem para sentir algo a mais por baixo. - O que há de errado? - Sr. Cole te disse sobre manter uma postura discreta, não é? Luce assentiu com a cabeça. Daniel se afastou do local, em seguida, virou-se para sair do estacionamento, tirando um cartão de crédito na máquina em seu caminho para fora. - Isso foi estúpido. Eu deveria ter pensado. - O que é o grande negócio? – Luce colocou seus cabelos negros para trás das orelhas quando o carro começou a pegar velocidade. – Você pensa que está atraindo a atenção de Cam enfiando uma mala em um porta-malas? Daniel tinha um olhar distante e balançou a cabeça. - O Cam não. – Um momento depois apertou o joelho. – Esqueça o que eu disse. Eu... Nós apenas temos que ser cautelosos. – Luce o ouviu, mas estava muito sobrecarregada para ouvir com muita atenção. Estava adorando assistir Daniel habilmente mexendo a alavanca do câmbio quando eles subiram a rampa de acesso para a rodovia e se compactando no tráfego. Amando sentir o vendo chicoteando o carro, que acelerou em direção ao imponente Skyline de São Francisco. Amando, acima de tudo, estar com Daniel. Em São Francisco propriamente, a estrada se tornou muito montanhosa. Cada vez que uma crista de pico começava a ir para baixo, Luce tinha um vislumbre diferente da cidade. Parecia mais velha e nova ao mesmo tempo: Arranha-céus com janelas espelhadas formando um contraste com restaurantes e bares que pareciam ter um século. Carros enchiam as ruas, estacionados em ângulos que desafiavam a gravidade. Cães e carrinhos por toda a parte. O brilho da água azul em torno da borda da cidade e o primeiro vislumbre da doce maçã vermelha Ponte Golden Gate à distância. Seus olhos dispararam acerca de acompanhar todos os locais. E mesmo que tivesse passado a maior parte dos últimos dias dormindo, de repente ela sentiu uma onda de cansaço. Daniel esticou o braço em volta dela e guiou a cabeça na direção de seu ombro. - Fatos não conhecido sobre os anjos: Somos excelentes travesseiros. – Luce riu, levantando a cabeça para beijar sua bochecha. - Eu não poderia dormir. – Disse, se enroscando no pescoço do maior. Sobre a Ponte Golden Gate, multidões de pedestres, ciclistas e corredores ladeando os carros. Lá embaixo estava a baía brilhante, pontilhada de barcos com suas velas brancas e as notas do início de um pôr-do-sol violeta. - Se passaram dias desde que nós vimos. Eu quero aproveitar. – Disse ela. – Diga-me o que você está fazendo. Conte-me tudo. Por um instante, ela pensou que viu as mãos de Daniel se apertarem em torno do volante. -- Se o seu objetivo não é ir dormir, - Disse ele, abrindo um sorriso. – então eu realmente não deveria aprofundar as minúcias do Conselho. Oito horas de duração da reunião dos Anjos, eu estive preso todos os dias até ontem. Veja, a diretoria se reuniu para discutir uma emenda à proposição 363B, que detalha o formato sancionado a participação angelical no circuito terceiro. - Ok, eu entendo. – Ela o cutucou. Daniel estava brincando, mas era um tipo novo e estranho de piada. Ele estava sendo aberto sobre ser um anjo, que ela amava, ou pelo menos iria amá-lo, uma vez que ela tinha tido um pouco mais de tempo para processá-lo. Luce ainda sentia seu coração e cérebro lutando para alcançar as mudanças de sua vida, mas eles voltaram juntos a estar bem agora, então tudo era infinitamente mais fácil. Não havia nada para os separarem mais. Ela puxou seu braço. – Pelo menos pode me dizer para onde estamos indo. Daniel recuou e Luce sentiu um nó de frio se desdobrar dentro do peito. Moveu-se para colocar a mão sobre a dele mas o mesmo se afastou para reduzir a marcha. - Uma escola de Fort Bragg chamada Shoreline. As aulas começam amanhã. - Estamos nos matriculando em outra escola? Perguntou. – Por quê? Parecia tão permanente. Isto era supostamente para ser uma viagem provisória. Seus pais nem sequer sabiam que ela tinha deixado o estado da Geórgia. - Você vai gostar de Shoreline. É muito progressivo e muito melhor do que a Sword & Cross. Eu acho que você vai ser capaz de se desenvolver... Lá. E nenhum mal acontecerá a você. A escola tem uma qualidade especial de proteção. Um escudo de camuflagem semelhante... - Eu não entendo. Por que eu preciso de um escudo protetor? Eu pensei que vir para cá, longe de Miss Sophia, era o suficiente. - Não é apenas a Miss Sophia. – Disse Daniel em voz baixa. – Há outros. - Quem? Você pode me proteger de Cam, ou Molly, ou quem for. – Luce riu, mas a sensação de frio no peito foi se espalhando para o seu intestino. - Não é Cam ou Molly, tampouco. Luce, eu não posso falar sobre isso. - Saberemos que não há mais ninguém lá? Quaisquer outros anjos? Existem alguns anjos lá. Ninguém sabe, mas eu tenho certeza que você vai se dar bem. Há mais uma coisa. – Sua voz era plana, enquanto olhava para frente. – Eu não vou me matricular. – Seus olhos não se desviaram nenhuma vez fora da estrada. – Apenas você. É por pouco tempo. - Pouco quanto? - Algumas... Semanas. Luce puxou o volante enquanto tentava pisar nos freios. - Algumas semanas? - Se eu pudesse ficar com você, eu ficaria. – A voz de Daniel era tão plana, tão firme, que fez Luce ficar ainda mais chateada. – Você viu o que aconteceu com a sua mochila no porta-malas. Isso foi como se eu atirasse um clarão no céu para que todos soubessem onde estamos. Para alertar quem está procurando para mim, e por mim, quero dizer, você. Eu sou muito fácil de encontrar, muito fácil para os outros rastrearem. E aquilo com a sua bolsa? Isso não é nada comparado com as coisas que faço todos os dias que poderia chamar a atenção de... – Ele balançou a cabeça bruscamente. – Não vou colocá-la em perigo, Luce, eu não vou. Então, não. – O rosto de Daniel parecia triste. – É complicado. - E deixe-me adivinhar: Você não pode explicar. - Eu gostaria de poder. Luce puxou os joelhos para o peito, inclinou-se para longe dele e contra a porta do passageiro, se sentindo claustrofóbica de alguma forma sob o grande céu azul da Califórnia. Durante meia hora, os dois permaneceram em silêncio. Dentro e fora das nuvens do nevoeiro, subindo e descendo o terreno rochoso e árido. Passaram por sinais de Sonoma e quando o carro cruzou através do exuberante verde das vinhas, Daniel falou: - São mais três horas de Fort Bragg. Você vai ficar com raiva de mim o tempo todo? Luce o ignorou. Pensou e se recusou a dar voz às centenas de perguntas, as frustações, as acusações e finalmente desculpas por agir como uma pirralha mimada. No desvio para o Vale do Anderson, numa bifurcação ao oeste, Daniel tentou novamente segurar sua mão. - Talvez você me perdoa a tempo de desfrutar dos nossos últimos minutos juntos? Ela queria. Ela realmente não queria estar lutando com Daniel no momento. Mas a recente menção do tipo “passar poucos minutos juntos”, dele deixá-la sozinha por razões que ela não conseguia entender e que ele sempre se recusou a explicar a deixava nervosa e com medo, toda aquela frustração novamente. Num mar turvo, novo estado, nova escola, novos perigos em toda parte, Daniel era seu único porto-seguro. E ele estava prestes a deixa-la? Ela já não tinha o suficiente? Ambos não tinham tido o suficiente? Foi só depois de eles passarem pelas sequoias, que saiu uma noite azul royal estrelada, que Daniel disse algo que rompeu sua atenção. Eles tinham acabado de passar por um cartaz que dizia “Bem vindo ao Mendocino” e Luce foi olhando para o oeste. A lua cheia brilhava sobre um conjunto de edifícios: Um farol, várias torres de água, cobre e linhas das bem preservadas velhas casas de madeira. Em algum lugar além de tudo isso tinha um mar que ela podia ouvir, mas não podia ver. Daniel apontou para o leste, em uma floresta escura e densa de árvores paubrasil e de bordo. - Vê aquele parque de trailers à frente? – Ela nunca teria visto se ele não tivesse apontado para fora, mas agora Luce piscou para ver um caminho estreito, num calcário endurecido uma placa de madeira com letras brancas, escrito “Mendocino Casas Móveis”. – Você morava ali. - O quê? – Luce prendeu a respiração tão rapidamente, que ela começou a tossir. O parque parecia triste e solitário. Uma linha de maçantes tetos baixos com caixas de cortador de cookies junto a uma estrada de cascalhos baratos. – Isso é terrível. - Você viveu ali antes, quando era um parque para trailers. – Disse Daniel calmamente ao parar o carro ao lado da estrada. – Antes havia casas móveis. Seu pai, numa outra vida, levou sua família para fora de Illinois durante a corrida do ouro. – Ele parecia olhar para dentro em algum lugar, e, tristemente, balançou a cabeça. – Costumava ser um lugar muito agradável. Luce avistou um homem calvo, com uma barriga igual a de um cão sarnento laranja em uma trela. O homem estava vestindo uma camiseta branca e cueca de flanela. Luce não se via ali. No entanto, foi tão claro para Daniel. - Você tinha uma cabana de dois cômodos e sua mãe era uma cozinheira terrível, por isso todo o lugar sempre cheirava a repolho. Você tinha umas cortinas de risca azul que eu usava uma parta para que eu pudesse escalar através de sua janela à noite, após seus pais dormirem. O carro estava parado. Luce fechou os olhos e tentou lutar contra as lágrimas estúpidas. Ouvindo sua história pela boca de Daniel a fez sentir o possível e o impossível. Ouvi-lo também a fez se sentir extremamente culpada. Ele preso a ela por muito tempo. Sobre tantas outras vidas. Ela havia esquecido o quão bem ele a conhecia. Melhor ainda, do que ela conhecia a si mesma. Será que Daniel sabe o que ela estava pensando agora? Luce sabia que, de certa forma, era mais fácil para ela nunca ter que se lembrar do como é para Daniel, que passava por isso de novo e de novo. Se ele disse que teria que sair algumas semanas e não podia explicar o porquê, ela teria que confiar nele. - Como foi quando você me conheceu? – Perguntou. Daniel sorriu. - Eu cortava a madeira em troca de refeições na época. Certa noite, na hora do jantar, eu estava andando por sua casa. Sua mãe tinha um repolho em andamento, e cheirava tão mal que eu quase pulei de sua casa. Mas então eu te vi pela janela. Você estava costurando. Eu não conseguia tirar os olhos de suas mãos. – Luce olhou para as mãos, pálidas, com os dedos afinados e pequenos, palmas quadradas. Ela se perguntava se elas pareciam sempre as mesmas. Daniel as alcançou. – Elas são tão suaves quanto eram antigamente. Luce abanou a cabeça. Adorava a história, queria ouvir mais mil como essas, mas não era isso que quis dizer. - Eu quero saber sobre a primeira vez que me encontrou. – Disse. – A verdadeira primeira vez. Como foi isso? Após uma longa pausa, ele finalmente disse: - Está ficando tarde. Eles estão esperando por você na Shoreline antes da meia-noite. Ele pisou no acelerador, virando rapidamente à esquerda em Mendocino, no centro da cidade. No espelho lateral, Luce assistiu ao estacionamento de caravanas tornarem-se menores, mais escuras, até que desaparecerem completamente. Mas então, poucos segundos depois, Daniel estacionou o carro na frente de uma lanchonete 24 horas, toda em branco com paredes amarelas e janelas da frente do chão ao teto. O quarteirão estava cheio de estranhos edifícios peculiares que lembraram Luce de uma versão menos abafada do litoral de Nova Inglaterra, perto de sua antiga escola preparatória de Nova Hampshire, Dover. A rua foi pavimentada com paralelepípedos irregulares que brilhavam à luz amarela do alto dos postes. Ao seu final, a estrada parecia cair diretamente no oceano. A frieza esgueirando-se sobre ela. Ela tinha que ignorar seu medo reflexivo do escuro. Daniel tinha explicado sobre as sombras, que eles não tinham nada a temer, eram apenas mensageiros. O que deveria ter sido reconfortante, exceto que era difícil ignorar que isso significava que haviam coisas importantes a ter medo. - Por que você não vai me dizer? – Ela não se conteve. Não sabia por que sentia que era tão importante perguntar. Se ela estava tendo que confiar em Daniel quando ele disse que teve que abandoná-la depois de desejá-la por toda a sua vida por esta reunião, bem, talvez ela só quisesse entender as origens dessa confiança. Para saber quando e como tudo tinha começado. - Você sabe o que o meu sobrenome significa? – Disse ele, surpreendendo-a. Luce mordeu o lábio, tentando pensar de volta na pesquisa que ela e Penn tinham feito. - Eu me lembro da Miss Sophia dizendo algo sobre Vigilantes, mas eu não sei o que isso significa, ou se eu devia mesmo acreditar nela. – Seus dedos foram para o seu pescoço, para o lugar onde a faca de Miss Sophia tinha deitado. - Ela estava certa. Os Grigoris são um clã. Eles são um clã nomeado depois de mim, na verdade. Porque assistir e aprender com o que acontece quando... Quando eu ainda era bem vindo ao céu. E antes, quando você era... Bem, tudo isso aconteceu muito tempo atrás, Luce. É difícil para mim me lembrar mais disso. - Onde? Onde eu estava. – Ela pressionou. – Lembro-me de Miss Sophia dizendo algo sobre os Grigoris consorciarem-se com mulheres mortais. É isso o que aconteceu? Será que você...? Ele a olhou. Algo mudou no seu rosto, e na luz ofuscante, Luce não poderia dizer o que significava. Era quase como se ele estivesse aliviado que ela tivesse adivinhado, então não teria que soletrar. - A primeira vez que eu te vi, - continuou Daniel – não foi diferente de qualquer outro momento que te vi desde então. O mundo era mais novo, mas você estava do mesmo jeito. Foi... Amor à primeira vista. – Dessa parte ela entendia. Ele balançou a cabeça. – Assim como sempre, a única diferença era que, no começo, você estava fora dos limites para mim. Eu estava sendo punido e eu tinha caído para você no pior momento possível. As coisas eram muito violentas no céu. Por causa de quem... Eu sou... Deveria ficar longe de você. Você era uma distração. O foco deveria ser vencer a guerra. É a mesma guerra que ainda está acontecendo. – Ele suspirou. – E caso você não tenha notado, eu ainda estou muito distraído. - Então você era um anjo de nível muito alto. – Luce murmurou. - Claro. – Daniel parecia infeliz, parando em seguida, parecendo, quando falou de novo, as palavras dilaceradas. – Foi uma queda de um dos postos mais elevados. Claro que sim. Daniel deveria ter sido importante no céu, a fim de ter causado um dilema tão grande. Para que seu amor por uma garota mortal fosse tão fora dos limites. - Você desistiu de tudo? Por mim? – Ele tocou sua testa com dela. - Eu não mudaria nada. - Mas eu não era nada. – Disse Luce. Sentia-se pesada, como se ela se arrastasse. Arrastando-o para baixo. – Você teve que renunciar tanto. – Ela sentiu seu estômago doer. – E agora você está condenado para sempre. Desligando o carro, Daniel deu um sorriso triste. - Pode não ser para sempre. - O que você quer dizer? - Venha. – Disse o anjo, pulando para fora do carro e voltando para abrir a porta. – Vamos dar um passeio. Andaram lentamente ao fim da rua, que não era um beco sem saída depois de tudo, mas levou a uma escada íngreme, rochosa que descia para a água. O ar estava úmido com a água do mar. Logo à esquerda da escada, uma trilha levava embora. Daniel pegou a mão dela e se moveu para a borda do penhasco. - Onde estamos? – Luce perguntou. Daniel sorriu para ela, endireitando seus ombros e desdobrando suas asas. Lentamente, elas se estenderam para cima e para fora de seus ombros, desdobrando-se com uma série, quase inaudível, de pressões suaves e rangidos. Totalmente flexionadas, elas fizeram um tipo de som, suave como o de um edredom de penas sendo atirado sobre uma cama. Pela primeira vez, Luce notou as costas da camisa de Daniel. Havia duas pequenas fendas, quase invisíveis, que se separaram agora e deixavam suas asas passarem. Será que todas as roupas de Daniel tinham essas alterações angelicais? Ou ele tem certas coisas especiais que ele usava quando sabia que ele planejava voar? De qualquer maneira, suas asas nunca deixaram de fazer com que Luce ficasse sem palavras. Elas eram enormes, subindo três vezes mais alto do que Daniel e se curvaram para o céu e para os lados como grandes velas brancas. Sua vasta extensão refletia a luz das estrelas e eram refletidas mais intensamente, que brilhavam iridescentes. Perto de seu corpo que escureceu sombreado com uma cor creme rico de terra onde se desvendaram os músculos de seu ombro. Mas ao longo de suas bordas afiadas, elas cresciam finas e brilhavam, tornando-se quase transparente nas pontas. Luce as olhou, extasiada, tentando lembrar-se da linha de cada pena gloriosa, para manter tudo dentro dela para quando ele fosse embora. Ele brilhou tão resplandecente que o sol poderia pegar sua luz emprestada. O sorriso em seus olhos violetas dizia-lhe como é bom sentir quando ele deixava suas asas para fora. Tão bom quanto Luce sentia quando ela estava enrolada a elas. - Voe comigo. – Ele sussurrou. - O quê? - Eu não vê-la por algum tempo. Tenho que lhe dar algo para se recordar de mim. Luce beijou-o antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, pondo os dedos em seu pescoço, segurando-o firmemente como pôde, esperando dar-lhe algo para lembrar-se dela também. Com as costas pressionadas contra o peito dele, e a cabeça dele sobre seu ombro, Daniel traçou uma linha de beijos por seu pescoço. Ela prendeu a respiração, esperando. Então ele inclinou as pernas e graciosamente se empurrou para fora da borda do precipício. Estavam voando. Longe da borda rochosa da costa, sobre as ondas de prata abaixo, arqueando o céu como se fossem subindo para a lua. Daniel lhe dava um abraço apertado a cada rajada de vento áspero, a cada varrer frio do oceano. A noite foi absolutamente tranquila. Como se fossem as únicas duas pessoas que ficaram no mundo inteiro. - Este é o Céu, não é? – Perguntou ela. Daniel riu. - Eu gostaria que fosse. Talvez um dia, mais cedo ou mais tarde. Quando tinham voado tão alto, suficiente para que eles não pudessem ver a terra de casa lado deles, Daniel se inclinou delicadamente ao norte e mergulhou em um arco largo que passava pela cidade de Mendocino, que brilhava vivamente no horizonte. Eles estavam muito acima do maior edifício da cidade e moviam-se incrivelmente rápido. Mas Luce nunca se sentiu mais segura ou melhor com o amor da sua vida. E então, muito brevemente, eles foram descendo gradualmente e se aproximando da borda de um penhasco diferente. Os sons do oceano ficaram mais altos novamente. Uma estrada escura de pista simples fora da estrada principal. Quando seus pés tocaram levemente para baixo em um remendo de grama fresca e expressa, Luce suspirou. - Onde estamos? – Perguntou, embora, naturalmente, já soubesse. Na Escola Shoreline. Podia ver um grande edifício a distância, mas a partir daqui, parecia totalmente escuro, apenas uma forma no horizonte. Daniel segurou-a, pressionada contra ele, como se ainda estivessem no ar. Ela virou a cabeça para olhar sua expressão. Seus olhos estavam úmidos. - Os que me condenaram ainda estão me vigiando, Luce. Eles o têm feito há milênios. E não querem que fiquemos juntos. Farão qualquer coisa que podem para nos separar. É por isso que não é seguro para eu ficar aqui. – Ela assentiu com a cabeça, os olhos ardendo. - Mas porque eu estou aqui? - Porque eu farei tudo ao meu alcance para mantê-la segura e este é o melhor lugar para você agora. Eu te amo, Luce. Mais do que tudo. Estarei de volta para você assim que eu puder. Ela queria protestar, mas se conteve. Ele havia desistido de tudo por ela. Quando ele a deixou para fora de seu abraço, ele abriu a palma da mão e uma pequena forma vermelha dentro dela começou a crescer. Sua mochila. Ele tinha a levado na parte de trás do carro e, sem ela saber, levou-a até aqui dentro de sua mão. Em apenas alguns segundos ela havia preenchido totalmente, de volta ao seu tamanho real. Se ela não tivesse tão desolada com o que significava ele entregá-la, Luce teria adorado o truque. Uma única luz passou dentro do prédio. Uma silhueta apareceu na porta. - Não por muito tempo. Assim que as coisas estiverem mais seguras eu voltarei para você. – Sua mão agarrou seu pulso quente e antes que ela percebesse, foi pega em seus braços e puxada para seus lábios. Ela deixou tudo cair, deixando encher seu coração até a borda. Talvez não conseguisse se lembrar de suas vidas anteriores, mas, quando Daniel a beijos, se sentiu perto do passado. E do futuro. A figura na porta estava caminhando em sua direção, uma mulher em um vestido curto de branco. O beijo que Luce havia compartilhado com Daniel, doce demais para ser tão breve, a deixou tão fora do ar como os seus beijos sempre fizeram. - Não vá. – Sussurrou com os olhos fechados. Foi tudo acontecendo muito rápido. Ela não podia desistir de Daniel. Ainda não. Achava que jamais poderia. Sentiu a corrente de ar, o que significava que ele já havia decolado. Seu coração foi atrás dele. Quando abriu os olhos, viu o último vestígio de suas asas desaparecerem dentro de uma nuvem, dentro da noite escura. Capítulo 2 – Dezessete Dias Thwap. Luce estremeceu e esfregou o rosto. Seu nariz picado. Thwap. Thwap. Agora eram as maçãs do rosto. Suas pálpebras se abriram e, quase imediatamente, ela ficou surpresa. Uma menina loira aguada com a boca e as sobrancelhas sombriamente juntas estava inclinada sobre ela. Seus cabelos estavam amontoados em cima de sua cabeça. Ela usava calças de yoga e uma regata canelada de camuflagem que combinava com seus olhos castanhos salpicados de verde. Segurava uma bola de pingue-pongue entre os dedos, prontos para arremessá-la. Luce se mexeu para trás em seus lençóis e encarou o rosto da menina. Seu coração já estava ferido pela falta de Daniel. Ela não precisava de mais nenhuma dor. Olhou para baixo, ainda tentando se orientar, e lembrou-se da cama. Tinha indiscriminadamente desabado na noite anterior. A mulher de brando que apareceu na sequência de Daniel se apresentou como Francesca, uma das professoras de Shoreline. Mesmo em seu estupor atordoado, Luce poderia dizer que a mulher era bonita. Estava na casa dos trinta anos, com cabelos loiros escovados em seus ombros, bochechas redondas e grandes, feições suaves. Anjo, Luce decidiu quase que imediatamente. Francesca não fez perguntas a caminho do quarto de Luce. Deve ter ficado esperando a noite a fora e deve ter percebido o esgotamento total de Luce. Agora, essa estranha que tinha tirado de volta à consciência de Luce parecia pronta para lançar uma outra bola. - Bom. – Disse ela numa voz rouca. – Você está acordada. - Quem é você? – Luce perguntou sonolenta. – Quem é você, mais do que isso. Além de ser estranho eu acordar e percebê-la de cócoras no meu quarto. Ou uma criança interrompendo meu mantra matinal com um balbuciar num sono estranhamente pessoal. - Eu sou Shelby. Enchantée. Não é um anjo, supôs. Apenas uma menina californiana com um forte sentido de direito. Luce sentou na cama e olhou ao redor. O quarto estava um pouco apertado, mas foi muito bem decorado, com piso de madeira de cor clara, uma lareira, um micro-ondas, duas mesas de largura extensa; e construíram-na estantes que dobram como uma escada para o que Luce percebeu agora ser a beliche superior. Pôde ver um banheiro privado através de uma porta de correr de madeira. E teve de piscar algumas vezes para ter certeza... Era uma janela com vista para o mar. Nada mal para uma menina que passou o mês passado olhando para um cemitério antigo e posta em um quarto mais apropriado para um hospital do que para uma escola. Mas então, pelo menos nesse caso do cemitério e do quarto significavam que ela estava com Daniel. Ela mal tinha começado a ficar confortável em Sword & Cross. E agora ela estava de volta à estaca zero. - Francesca não mencionou nada sobre eu ter uma companheira de quarto. – Luce soube imediatamente a partir da expressão no rosto de Shelby que esta era a coisa errada a dizer. Então, ela deu uma olhada rápida na decoração que Shelby fez. Luce nunca tinha confiado em seus próprios instintos de design de interiores, ou talvez ela nunca tinha tido a oportunidade de desfrutar deles. Não tinha ficado na Sword & Cross tempo o suficiente para fazer muita decoração, mas mesmo antes disso, seu quarto em Dover era de paredes brancas e nuas. Estéril e chique, como Callie tinha dito uma vez. Este quarto, por outro lado, havia algo sobre ele que estava estranhamente... Moderno. Variedades de plantas em vasos, ela nunca tinha visto antes alinhados no peitoril da janela, bandeiras de oração foram amarradas no teto. Uma colcha de retalhos em cores suaves estava deslizando para fora do beliche superior, meio sem atrapalhar a vista de Luce de um calendário de astrologia gravado sobre o espelho. - O que você achou? Que eles estavam indo limpar o alojamento do reitor só porque você é Lucinda Price? - Hum, não? – Luce abanou a cabeça. – Não é isso o que eu quis dizer. Espere aí, como você sabe meu nome? - Então você é Lucinda Price? – A menina dos olhos verdes salpicados pareceu reparar no pijama cinza da Ratty de Luce. – Sorte a minha. – Luce emudeceu. – Desculpe. – Shelby soltou o ar e ajustou seu tom, se encostando à beira da cama de Luce. – Eu sou apenas uma criança. Leon, que é o meu terapeuta, está tentando me fazer ser menos severa quando eu conheço pessoas. - Está funcionando? – Luce era apenas uma criança também, mas ela não fora desagradável com todos os estranhos que entraram em contato com ela. - O que eu quero dizer é... – Shelby se moveu, desconfortável. – Eu não estou acostumada a compartilhar. Podemos... – Ela sacudiu a cabeça – Começar de novo? - Isso seria bom. - Ok. – Shelby respirou fundo. – Frankie não mencionou na noite passada sobre uma companheira de quarto porque, em seguida, ela teria notado ou, ela já tinha percebido, que revelaria que eu não estava na cama quando você chegou. Eu vim através daquela janela. – Ela apontou. – Por volta das três. Para fora da janela, Luce podia ver uma borda larga conectando-se a uma parte angular do telhado. Imaginou Shelby atravessando toda uma rede de saliências no telhado para voltar aqui no meio da noite. Shelby teve uma sequência de bocejos. - Veja, quando se trata de crianças Nephilim’s na Shoreline, a única coisa que os professores são rigorosos é quando a pretensão das disciplinas. Disciplina em si não se cobra muito. Embora, é claro, Frankie não vai anunciar isso para uma garota nova. Especialmente para Lucinda Price. Lá estava ela novamente. Essa vantagem na voz de Shelby, quando ela disse o nome de Luce. Luce queria saber o que significava. E onde Shelby tinha estado até as três. E como ela passou através da janela no escuro, sem derrubar nenhuma dessas plantas. E quem eram as crianças Nephilim? Luce teve súbitos flashbacks vividos na sua bagunça mental, de quando Ariane a levou ao ginásio quando elas se conheceram. Sua companheira de quarto da Shoreline era muito parecida com Ariane, e Luce lembrou da semelhança do tipo como-eu-poderia-ser-sua-amiga, e estava se sentindo em seu primeiro dia na Sword & Cross. Mas, embora Ariane parecesse intimidadora e até mesmo um pouco perigosa, tinha sido algo encantadoramente fajuta, sua ideia sobre ela, desde o início. A nova companheira de quarto de Luce, por outro lado, parecia chata. Shelby saltou para fora da cama e se moveu devagar para o banheiro para escovar os dentes. Depois de procurar através de sua mochila para encontrar sua escova de dente, Luce a seguiu e apontou timidamente para a pasta de dentes. - Esqueci de trazer a minha. - Sem dúvida, o deslumbramento de sua celebridade te cegou para as pequenas necessidades da vida. – Respondeu Shelby, mas pegou o tubo e o estendeu para Luce. Escovaram seus dentes em silêncio por cerca de dez segundos até que Luce não pôde aguentar mais. Cuspiu a boca cheia de espuma. - Shelby? Com a cabeça na cavidade da pia de porcelana, Shelby cuspiu e disse: - O quê? Em vez de perguntar qualquer uma das questões que tinham sido formuladas pela sua cabeça um minuto antes, Luce se surpreendeu e perguntou: - O que eu estava dizendo no meu sonho? Esta manhã foi a primeira, em pelo menos um mês complicado, cheio de sonhos com Daniel em que Luce tinha acordado incapaz de se lembrar de uma única coisa de seu sono. Nada. Nem um roçar da asa do anjo. Nem um beijo de seus lábios. Ela olhou para o rosto áspero de Shelby no espelho. Luce precisava da menina para ajudá-la a exercitar sua memória. Ela deve ter sonhado com Daniel. Se não tivesse... O que poderia significar? - Sei lá. – Shelby disse finalmente. – Você estava toda coberta e incoerente. Da próxima vez, tente enunciar. – Ela saiu do banheiro e colocou um par de chinelos laranja. – É hora do café. Você vem ou não? Luce correu para fora do banheiro. - O que posso usar? Ela ainda estava de pijama. Francesca não tinha dito nada ontem à noite sobre um código de vestimenta. Até então, ela também deixou de mencionar a parte do companheiro de quarto. Shelby balançou os ombros. - O que eu sou, polícia da moda? O que levar menos tempo. Estou com fome. Luce se empurrou para dentro de um par de jeans e um suéter preto envolvente. Ela teria gostado de passar mais alguns minutos olhando seu “look” de primeiro-dia-de-escola, mas ela só pegou sua mochila e seguiu Shelby para fora da porta. O corredor do dormitório era diferente durante o dia. Para todo lado que olhava era iluminado, janelas amplas com vista para o mar, ou estantes rebaixadas abarrotadas de livros espessos de capa dura colorida. O chão, as paredes, o teto rebaixado e íngremes escadas, eram todos feitos da mesma madeira maple utilizada para construir os móveis dentro do quarto de Luce. Ela deveria ter dado para todo o lugar uma sensação de cabana aconchegante, exceto que o layout da escola era tão intrigante e bizarro como os dormitórios da Sword & Cross, eram chatos e simples. Em alguns passos, o corredor parecia se separar em pequenos corredores afluentes, com escadas em espiral num labirinto mal iluminado. Dois lances de escadas depois, no que parecia ser uma porta secreta, Luce e Shelby entraram através de um conjunto de janelas de vidro duplos em uma sacada à luz do dia. O sol estava incrivelmente brilhante, mas o ar estava bastante fresco, o que deixou Luce feliz por ter vestido um suéter. Cheirava como o oceano, mas não realmente como em casa. Menos salgado, mais pálido do que o litoral da costa leste. - Café da manhã é servido no terraço. – Shelby apontou para uma grande extensão de terra verde. Este gramado foi delimitado em três lados por espessas matas de hortênsias azuis, e na quarta pelo precipício, caindo direto no mar. Foi difícil para Luce acreditar no quão bonito era o cenário da escola. Não poderia imaginar ser capaz de ficar dentro tempo suficiente para aguentar a aula. Enquanto se aproximavam do terraço, Luce viu outro edifício, uma estrutura retangular de madeira com telhas e alegres vidraças amarelas. Um grande quadro de uma mão esculpida pendurada sobre a entrada: “Salão da Bagunça”, lia-se em citações, como se estivesse tentando ser irônico. Foi certamente a mais agradável bagunça que Luce já tinha visto. O terraço estava cheio de móveis de ferro brancos e cerca de uma centena dos mais descontraídos estudantes que Luce vira em sua vida. A maioria deles estava sem sapatos, os seus pés apoiados sobre as mesas enquanto comiam em pratos elaborados de café da manhã. Eggs Benedict, panquecas belgas cobertas de fruta, quiche de espinafre salpicado de flocos. As crianças estavam lendo o jornal, tagarelando no celular, jogando críquete no gramado. Luce conhecia garotos ricos em Dover, mas as crianças ricas da Costa Leste eram atormentadas e esnobes, não sendo despreocupados. A cena toda parecia mais como no primeiro dia do verão de uma terça-feira no início de novembro. Foi tudo muito agradável, quase foi difícil de invejar os olhares de autossatisfação nos rostos destas crianças. Quase. Luce tentou imaginar Arriane aqui, o que ela pensaria de Shelby ou do jantar ladeado pelo mar, como ela provavelmente não saberia do que fazer piada primeiro. Luce desejava que ela pudesse voltar para Arriane agora. Seria bom para ser capaz de rir. Olhando ao redor, ela acidentalmente chamou a atenção de um casal de alunos. Uma menina bonita com pele cor de azeitona e um rapaz ruivo com ombros largos enfrentando uma enorme pilha de panquecas. Seu instinto foi virar o rosto assim que fez contato visual, sempre a aposta mais segura na Sword & Cross. Mas... Nenhuma dessas crianças a olhou. A maior surpresa sobre Shoreline não era o sol de cristal ou o confortável terraço de café da manhã ou os baldes de dinheiro pairando sobre todos. Foi aqui que os alunos estavam sorrindo. Bem, a maioria deles estava sorrindo. Quando Shelby e Luce atingiram uma mesa desocupada, Shelby pegou um pequeno cartaz e o arremessou no chão. Luce se inclinou para o lado para ver a palavra “reservado” escrito nele no momento em que um garoto de sua idade em um terno de garçom com gravata preta se aproximou com uma bandeja de prata. - Hum, essa mesa é re... – Ele começou a dizer, a voz embargada intempestivamente. - O café, preto. – Shelby disse. Abruptamente perguntou a Luce: - O que você quer? - Uh, mesmo. – Disse Luce, desconfortável por ser aguardada. – Talvez um pouco de leite. - Bolsistas. Viram escravos para sobreviver. – Shelby revirou os olhos para Luce enquanto o garçom se afastou para pegar seus cafés. Ela pegou o San Francisco Chronicle no meio da mesa e desdobrou a primeira página com um bocejo. Foi então que Luce tinha o suficiente ao seu redor. - Ei! – Empurrou o braço de Shelby para baixo para que ela pudesse ver seu rosto por trás do jornal. As pesadas sobrancelhas de Shelby se levantaram em surpresa. – Eu costumava ser uma bolsista. – Contou Luce. – Não da minha última escola, mas a escola anterior. – Shelby impeliu sua mão. - Devo estar impressionada com essa parte de seu currículo também? Luce estava prestes a perguntar o que Shelby tinha ouvido falar dela quando sentiu uma mão quente em seu ombro. Francesca, a professora conheceu na porta noite passada, estava sorrindo para ela. Era alta, com postura imperiosa e tinha um estilo que era compreendido sem esforço. Os cabelos macios e loiros de Francesca estavam limpos e virados para o lado. Seus lábios estavam rosa brilhantes. Usava um vestido justo preto equipado com um cinto azul. Era o tipo de roupa que faria qualquer um se sentir deselegante, por comparação. Luce desejava que ela tivesse, pelo menos, colocado rímel. E talvez não estivesse usando seu Converse cheio de lama. - Ah, que bom! Vocês duas interagindo. – Francesca sorriu. – Eu sabia que vocês iam se tornar grandes amigas! – Shelby estava silenciosa, mas balançou seu jornal. Luce apenas limpou a garganta. – Eu acho que você vai achar Shoreline um ajuste muito simples, Luce. Foi concebido dessa maneira. A maioria dos nossos superdotados se sentem à vontade. - Dotados? - Claro, você pode vir a mim com todas as perguntas. Ou apenas confiar em Shelby. Pela primeira vez durante toda a manhã, Shelby riu. Seu riso era uma coisa áspera e empedrada, o tipo de gargalhada de Luce esperaria de um homem velho, um fumante pela vida inteira e não uma adolescente apaixonada por ioga. Luce podia sentir o rosto se comprimindo em uma carranca. A última coisa que queria era “ficar à vontade” em Shoreline. Ela não pertencia a esse monte de crianças mimadas e dotadas em um precipício sobre o oceano. Deveria estar com pessoas reais, pessoas com alma ao invés de raquetes de squash, que sabiam como era a vida. Pertencia a Daniel. Ainda não tinha ideia do que estava fazendo aqui, além de se esconder muito temporariamente, enquanto Daniel tomava conta de sua guerra. Depois disso, ele ia levá-la de volta para casa. Ou algo assim. - Bem, eu vou te ver tanto na classe. Desfrute do café da manhã! – Francesca falou por cima do ombro enquanto deslizava para longe. – Experimente a quiche! – Acenou com a mão, sinalizando para o garçom para trazer um prato para cada menina. Quando ela se foi, Shelby tomou um grande gole de seu café e limpou a boca com as costas da mão. - Hum, Shelby. - Já ouviu em comer em paz? Luce bateu seu copo de café de volta em seu descanso de copo e esperou impacientemente para o garçom colocar nervoso as suas quiches e desaparecer novamente. Parte dela queria encontrar outra mesa. Havia zumbido de conversas felizes ao seu redor. E se não poderia entrar em uma delas, mesmo sentando sozinha seria melhor do que isso. Mas ficou confusa com o que Francesca tinha dito. Por que relatar que Shelby era uma ótima companheira de quarto quando ficou claro que a menina era um inimigo total? Luce esfarelou o pedaço de quiche em torno de sua boca, sabendo que ela não seria capaz de comer até que ela falou. - Ok, eu sei que sou nova aqui e por alguma razão isso te incomoda. Acho que você tinha um quarto só para você, eu não sei. – Shelby abaixou o jornal, logo abaixo de seus olhos. Ela levantou uma sobrancelha gigante. – Mas eu não sou tão ruim assim. Então e se eu tiver algumas perguntas? Perdoe-me por não ter vindo para a escola sabendo que diabos são os Nephermans. - Nephilim. - Tanto faz. Eu não me importo. Não tenho interesse em fazê-la inimiga, o que significa que alguns, - Disse, gesticulando para o espaço entre as duas. – vem de você. Então, qual é o seu problema, afinal? O lado da boca de Shelby se contraiu. Ela dobrou, abaixou o jornal e se recostou na cadeira. - Você deveria se preocupar com o Nephilim. Nós vamos ser os seus colegas. – Levantou a mão agitando-a no terraço. – Vejam só o bonito e privilegiado corpo de alunos da Escola Shoreline. Metade desses narcóticos você nunca verá novamente, exceto como objeto de nossas piadas. - Nossas? - Sim, você está no “programa de honras” com o Nephilim. Mas não se preocupe, caso você não estiver muito animada. – Luce bufou. – A grande charada aqui é um disfarce, um lugar para esconder os Nephs sem ninguém suspeitar muito. Na verdade, a única pessoa que já tenha sido suspeito é Beaker Brady. - Quem é Beaker Brady? – Luce perguntou, se inclinando para que não precisasse gritar sobre a estática aproximada das ondas quebrando praia abaixo. - Esse nerd classe A duas mesas atrás. – Shelby acenou para um garoto gordinho vestido de xadrez, que tinha acabado de derramar iogurte todo num livro enorme. – Seus pais abominam o fato dele nunca ter sido aceito nas classes de honra. A cada semestre, eles empreendem uma campanha. Ele entra na pontuação Mensa, nos resultados de feiras de ciências, ele impressionou Nobelistas famosos, a coisa toda. E a cada semestre, Francesca tem que fazer algum teste de beliche instransponível para mantê-lo fora. – Ela bufou. – Tipo: Ei, Beaker, resolva esse cubo Rubik em menos de trinta segundos. – Shelby estalou a língua contra os dentes. – Só o Ninrode que passou neste. - Mas se é um disfarce, - Luce perguntou, se sentindo mal por Beaker. – um disfarce para o quê? - Para pessoas como eu. Eu sou uma Nephilim. N-E-P-H-I-L-I-M. O que significa qualquer coisa com o anjo em seu DNA. Os mortais, imortais, transeternais. Tentamos não discriminar. - Não deveria ser no singular, você sabe, Nephil, como querubim de querubins e serafim de serafins? Shelby fez uma careta. - Sério? Você gostaria de ser chamada de Nephil? Parece um saco que você carrega sua vergonha dentro. Não, obrigada. É Nephilim, não importa quantos de nós você esteja falando. Então Shelby era uma espécie de anjo. Estranho. Ela não parece e nem age como um. Ela não era linda como Daniel, Cam ou Francesca. Não possui o magnetismo de alguém como Roland ou Arriane. Ela só parecia grosseira e mal-humorada. - Então é como uma escola de preparação de anjos. – Disse Luce. – Mas para o quê? Você vai para a faculdade de anjos depois disso? - Depende do que o mundo precisa. Um monte de garotos tiram um ano de folga e fazem a Nephilim Corps. Você começa a viajar, ter um caso com um estrangeiro. Mas isso é em tempos, você sabe, de relativa paz. Agora, bem... - Agora o quê? - Tanto faz. – Shelby parecia que estava mordendo a palavra. – Depende apenas de quem você é. Todos aqui têm, você sabe, diferentes graus de poder. – Continuou ela, parecendo ler a mente de Luce. – Uma grande parte dependendo de sua árvore genealógica. Mas no seu caso... – Este Luce conhecia. - Eu só estou aqui por causa do Daniel. Shelby atirou o guardanapo sobre o prato vazio e se levantou. - Essa é uma maneira impressionante de subir na vida, Luce. A menina cujo namorado influente mexeu os pauzinhos. – Era o que todos pensavam sobre ela aqui? Era isso... A verdade? Shelby se aproximou e roubou o último pedaço da quiche fora do prato de Luce. – Se você quer um fã clube da Lucinda Price, tenho certeza que você pode encontrar isso aqui. Apenas me deixe fora disso, ok? - O que você está falando? – Luce se levantou. Talvez ela e Shelby precisavam rebobinar novamente. – Eu não quero um fã clube. - Veja, eu te disse. – Ela ouviu uma voz alta e bonita dizer. De repente, a garota com o lenço verde estava de pé diante dela, rindo e cutucando outra menina para frente. Luce olhou para eles, mas Shelby já estava longe que não valia a pena ir atrás. De perto, a moça do lenço verde parecia uma Salma Hayek jovem, com lábios cheios e um peito ainda mais completo. A outra menina, com sua coloração clara, olhos castanhos e cabelo preto curto, parecia com Luce. - Espere, então você é mesmo Lucinda Price? – A menina pálida perguntou. Tinha dentes brancos muito pequenos e estava os usando para prender um par de paetês com ponta de de alfinetes enquanto ela trançava pequenos cachos de cabelo em nós. – Como em Luce e Daniel? Como aquela garota que acabou de vir daquela escola horrível no Alabama? - Geórgia. – Luce meio que assentiu. - É a mesma coisa. Gente do céu, como era o Cam? Eu o vi uma vez num converto do Death Metal. Claro que eu estava muito nervosa para me apresentar. Não que você estaria interessada em Cam, porque, obviamente, Daniel! – Ela vibrou com uma risada. – Sou Dawn, b-t-dubs. Está é Jasmine. - Oi. – Luce disse lentamente. Isso era novo. – Hum... - Não se preocupe, ela só bebeu, como, onze cafés. – Jasmine falou cerca de três vezes mais lento do que Dawn. – O que ela quer dizer é que estamos muito animadas para conhecê-lo. Nós sempre dizemos como você e Daniel são, assim, a maior história de amor que existe. - Sério? – Luce estalou os nós dos dedos. - Você está brincando? – Dawn perguntou, embora Luce ainda esperasse que elas estivessem trabalhando em algum tipo de piada. – Todo aquele morrer de novo e de novo? Ok, isso não te faz desejá-lo ainda mais? Eu aposto que sim! E oh... Quando esse fogo que te queima, - Ela fechou os olhos, pôs a mão sobre seu estômago e, em seguida, ajeitou seu corpo, apertando o punho sobre o coração. – Minha mãe costumava a me contar a história quando eu era uma garotinha. Luce ficou chocada. Olhou ao redor do terraço ocupado, se perguntando se alguém pudesse ouvi-las. Falando em queimar, suas bochechas devem estar bem vermelhas agora. Um sino de ferro tocou além do telhado do refeitório para sinalizar o fim do café da manhã, e Luce estava contente de ver que os outros tinham coisas para se concentrar. Como chegar à classe. - Sua mãe costumava contar qual história? – Perguntou lentamente. – Sobre mim e Daniel? - Apenas alguns dos destaques. – Disse Dawn, abrindo os olhos. – Parece como um flash quente? Como uma menopausa e tal, não que você soubesse. Jasmine bateu no braço de Dawn. - Você acabou de comparar a paixão desenfreada de Luce com um flash quente? - Desculpe. – Dawn deu uma risadinha. – Estou fascinada. Parece tão romântico e maravilhoso. Eu estou com inveja, no bom sentido! - Com inveja do fato que eu morro toda vez que tento ficar com o cara dos meus sonhos? – Luce encolheu os ombros. – É realmente de matar. - Diga isso para a garota, cujo único beijo foi com Ira Frank da Síndrome do Intestino Irritável. – Jasmine gesticulou provocantemente para Dawn. Quando Luce não riu, Dawn e Jasmine se encheram com uma risadinha apaziguadora, como se elas pensassem que elas estavam sendo modestas. Luce nunca tinha recebido esses risos antes. - O que exatamente a sua mãe disse? – Luce perguntou. - Oh, apenas o normal: A guerra eclodiu, merda atingiu o ventilador e, quando estabeleceram um limite nas nuvens, Daniel era “Nada pode nos separar”, e aquilo chateou todo mundo. É claro que é minha parte favorita da história. Então agora o seu amor tem que sofrer essa punição eterna onde ainda desesperadamente você quer o outro, mas você não pode, tipo, você sabe. - Mas em algumas vidas eles podem. – Jasmine corrigiu Dawn, então piscou maliciosamente para Luce, que quase não podia se mover do choque de ouvir tudo isso. - De jeito nenhum! – Dawn levantou uma mão com desdém. – A questão toda é que ela explode em chamas quando ela... – Ao ver a expressão horrorizada de Luce, Dawn estremeceu. – Desculpe. Não é o que você quer ouvir. Jasmine limpou a garganta e se inclinou. - Minha irmã mais velha me contou essa história de um de seus passados que eu juro que seria... - Oh! – Dawn juntou seu braço com o de Luce, como se esse conhecimento, conhecimento que Luce não tinha acesso, a fazia uma amiga mais desejável. Isso estava enlouquecedor. Luce foi profundamente envergonhada. E, bem, um pouco animada. E completamente incerta se algo disso era verdade. Uma coisa era certa: Luce era, de repente... Famosa. Mas parecia estranho. Como se ela fosse uma daquelas peruas sem nome ao lado do menino, estrela do filme, em uma foto de paparazzi. - Vocês! – Jasmine estava apontando exageradamente para o relógio em seu telefone. – Estamos tão super atrasadas! Temos que nos registrar na aula... Luce fez uma careta, rapidamente pegando sua mochila. Não tinha ideia de que classe tinha primeiro, ou onde encontrá-la, ou como tirar o entusiasmo de Jasmine e Dawn. Ela não tinha visto sorrisos tão estendidos e ansiosos desde, bem, talvez nunca. -Alguma de vocês sabe como descobrir onde é a minha primeira aula? Eu não acho que tenho uma agenda. - Duh. – Disse Dawn. – Siga-nos. Estamos todas juntas. Todo o tempo! É tão divertido. As duas meninas andavam com Luce, uma de cada lado, e a levaram em um tour entre as mesas de outras crianças terminando seus cafés da manhã. Apesar de ser tão “super tarde”. Jasmine e Dawn passeavam pela grama recém-cortada. Luce pensou em perguntar para as meninas o que tinha de errado com Shelby, mas não queria começar parecendo como uma fofoca. Além disso, as meninas pareciam legais, mas não era como Luce precisasse fazer novas amizades. Tinha como objetivo de lembrar a si mesma: Isso era apenas temporário. Temporário, mas ainda belíssimo. As três caminharam ao longo do caminho de hortênsia, que curvava em torno do refeitório. Dawn estava conversando sobre alguma coisa, mas Luce não conseguia tirar os olhos da beira ameaçadora e dramática, como o terreno caía abruptamente em centenas de metros para o brilhante oceano. As ondas rolavam para o pequeno trecho de praia ao pé do precipício tão despreocupadamente quanto o corpo discente de Shoreline rolava em direção a sala de aula. - Aqui estamos nós. – Disse Jasmine. Uma impressionante cabana de dois andares de estrutura ficava sozinha no final do caminho. Havia sido construída no meio de sombreadas sequoias, portanto, seu telhado, íngreme, triangular, amplo e aberto gramado na frente estava coberto com uma manta de agulhas caídas. Havia um pequeno pedaço de terra e gramado com algumas mesas de piquenique, mas a atração principal era a cabana em si: Mais da metade parecia que era feita de vidro. Todas as janelas eram largas, coloridas e abriam com portar de correr. Como algo que Frank Lloyd Wright poderia ter concebido. Vários alunos descansavam em uma grande plataforma que dava para o oceano, e várias mais miúdas estavam em cima das escadas gêmeas que acabavam no caminho. - Bem vinda ao Chalé Néfi. – Disse Jasmine. - Este é o lugar onde vocês têm aula? – Luce ficou boquiaberta. Parecia mais uma casa de férias do que um prédio escolar. Ao seu lado, Dawn gritou e apertou o pulso de Luce. - Bom dia, Steven! – Dawn chamou pelo gramado, acenando para um homem mais velho que estava parado ao pé da escada. Ele tinha um rosto fino, elegante óculos retangular e uma cabeça grossa de ondulado cabelo sal e pimenta. – Eu simplesmente adoro quando ele veste o terno de três peças. – Sussurrou. - Bom dia, meninas. – O homem sorriu e acenou para elas. Olhou para Luce tempo o suficiente para fazê-la curvar de nervosismo, mas o sorriso permaneceu no rosto. – Vejo vocês daqui a pouco. – Gritou e começou a subir as escadas. - Steven Filmore. – Jasmine murmurou, informando Luce na medida em que seguia atrás dele até a escada. – Também conhecido por S.F. ou Silver Fox. Ele é um dos nossos professores, e sim, Dawn é verdadeiramente, loucamente, profundamente apaixonada por ele. Mesmo que ele a tenha advertido. Ela é sem-vergonha. - Mas eu amo Francesca também. – Dawn deu um tapa em Jasmine e em seguida virou-se para Luce, os olhos escuros, sorrindo. – Eu te desafio a não desenvolver um pouco de paixão por eles. - Espere. – Luce pausa. – O Silver Fox e Francesca são nossos professores? E você os chama pelos seus primeiros nomes? E eles estão juntos? Quem ensina o quê? - Chamamos o bloco inteiro da manhã de humanidades. – Disse Jasmine. – Embora angélicos seria mais adequado. Frankie e Steven ensinam conjuntamente. Parte do acordo aqui, uma espécie de Yin e Yang. Você sabe, de modo que nenhum dos alunos seja... Seduzido. Luce mordeu o lábio. Chegaram ao topo das escadas e estavam em uma multidão de estudantes no deck. Todo mundo estava começando a andar devagar através das portas de vidro deslizantes. - O que quer dizer com “seduzido”? - Eles são ambos caídos, é claro, mas escolheram lados diferentes. Ela é um anjo e ele é mais um demônio. – Dawn falou despreocupadamente, como se estivesse falando a diferença entre os sabores de iogurte congelado. Vendo os olhos de Luce incharem, acrescentou. – Não é como se eles pudessem casar ou qualquer coisa, no entanto, seria o casamento mais quente do mundo. Eles só... Vivem em pecado. - Um demônio está ensinando as nossas aulas de humanidades? – Luce perguntou. – E isso é certo? Dawn e Jasmine se entreolharam e riram. - Muito bem. – Disse Dawn. – Você vai mudar de ideia em relação a Steven. Vamos lá, temos que ir. Seguindo o fluxo das outras crianças, Luce entrou na sala de aula. Era ampla e tinha três rasos degraus de escada, com mesa em cima delas, que levava a longas mesas mais abaixo. A maior parte da luz vinha através de claraboias. A iluminação natural e tetos altos fizeram a sala parecer ainda maior do que era. Uma brisa soprava pelas portas abertas, mantendo o ar confortável e fresco. Não poderia ser mais diferente do que a Sword & Cross. Pensou que ela quase poderia ter gostado de Shoreline se não fosse pelo fato de que – sua verdadeira razão de estar aqui – a mais importante pessoa em sua vida estava faltando. Questionou se Daniel estava pensando nela. Será que ele sentia sua falta do jeito que ela sentia falta dele? Luce escolheu uma mesa perto das janelas, entre Jasmine e um bonito rapaz perto da porta. Estava de shorts, um boné dos Dodgers e uma blusa de moletom da Marinha. Algumas garotas estavam agrupadas perto da porta do banheiro. Uma delas tinha cabelos crespos e quadrados óculos roxos. Quando Luce viu o perfil da menina, quase caiu de seu assento. Penn. Mas quando a menina se virou para Luce, seu rosto era um pouco mais quadrado e suas roupas estavam um pouco apertadas. Sua risada era um pouco mais alta e Luce quase sentiu como se seu coração estivesse murchando. É claro que não era Penn. Não seria nunca mais. Luce podia sentir os outros alunos a olhando, algumas encaravam totalmente. A única que não fez foi Shelby, que deu um aceno reconhecendo Luce. Não era uma enorme sala de aula, apenas vinte mesas dispostas sobre os degraus da escada, de frente para as duas longas mesas de mogno na frente. Havia duas hidrocores para quadro branco atrás das mesas. Duas prateleiras em casa lado. Duas latas de lixo. Duas lâmpadas de mesa. Dois laptops, um em casa mesa. E os dois professores – Steven e Francesca – amontoados perto da frente da sala, sussurrando. Em um movimento que Luce não esperava, viraram e olharam para ela também, então deslizaram sobre o piso de madeira. Francesca se sentou em cima de uma, com uma perna dobrada debaixo dela e um de seus saltos altos deslizando sobre o piso de madeira. Steven se encostou à outra mesa, abriu uma pesada pasta de couro marrom e descansou a caneta entre os lábios. Para um homem mais velho, ele era bonito com certeza, mas Luce quase desejava que ele não fosse. Ele lembrava Cam, e quão enganoso o charme de um demônio poderia ser. Esperou o resto da turma tirarem os livros que ela não tinha, para mergulhar na leitura de alguns exercícios que ela correria atrás depois, então poderia se render ao sentimento de estar oprimida e apenas sonhar acordada com Daniel. Mas nada disso aconteceu. E a maioria das crianças ainda estava olhando para ela sorrateiramente. - Até agora vocês todos devem ter notado que estamos acolhendo uma nova aluna. – A voz de Francesca foi baixa e de uma grossura de mel, como uma cantora de Jazz. Steven sorriu, mostrando um flash brilhante de dentes brancos. – Diga-nos Luce, do que você está gostando em Shoreline até agora? A cor se esvaiu do rosto de Luce da mesma forma que as mesas dos outros alunos fizeram sons raspando no chão. Eles realmente estavam se virando em seus lugares para se concentrarem nela. Podia sentir seu coração disparar e as palmas das mãos ficarem úmidas. Ela se encolheu em seu assento, desejando que fosse apenas uma menina normal em uma casa normal da escola de Thunderbolt, em Geórgia. Ás vezes, ao longo dos dias passados, desejou que nunca tivesse visto uma sombra, nunca tivesse entrado em um tipo de problema que tinha deixando sua querida amiga morrer ou tivesse envolvida com Cam, ou tivesse tornado impossível para Daniel estar perto dela. Mas havia um lugar onde sua mente ansiosa e confusa sempre chegava a um ponto final: Como ser normal e ainda ter o Daniel? A qual estava muito longe de ser normal. Era impossível. Então lá estava ela, aguentando firme. - Eu acho que eu ainda estou me acostumando a Shoreline. – Sua voz tremeu, a traindo, ecoando no teto inclinado. – Mas parece tudo bem até agora. Steven riu. - Bem, Francesca e eu pensamos que para te ajudar a se acostumar com isso, teríamos que mudar a marcha nas nossas apresentações habituais de alunos na terça-feira de manhã. Do outro lado da sala, Shelby piou. - Sim! Luce notou que tinha uma pilha de blocos em sua mesa e um grande cartaz em seus pés que dizia “Aparências não tão ruins”. Então Luce acabara de conseguir ficar fora da apresentação. Isso tinha que valer algo para os pontos de companheira de quarto. - O que Steven quer dizer... – Francesca opinou. – É que vamos participar de um jogo para quebrar o gelo. – Ela deslizou para baixo de sua mesa e caminhou ao redor da sala, os saltos estalando enquanto ela distribuía uma folha de papel para casa aluno. Luce esperava o coro de gemidos que as palavras geralmente evocavam numa sala de aula de adolescentes. Mas essas crianças pareciam tão agradáveis e bem-ajustadas. Na verdade, eles estavam apenas seguindo o fluxo. Quando Francesca colocou a folha na mesa de Luce, disse: - Isso deve dar uma ideia do que alguns de seus colegas são, e quais objetivos nós trabalhamos nessa classe. Luce olhou para o papel. As linhas foram desenhadas na página, a dividindo em vinte cubículos. Cada cubículo continha uma frase. Era um jogo que já tinha jogado uma vez no acampamento de verão, no oeste da Geórgia, quando criança e outras vezes em suas aulas em Dover. O objetivo era ir ao redor da sala e combinar um aluno diferente com cada frase. A princípio ela ficou aliviada, há definitivamente mais quebra-gelos embaraçosos lá fora. Porém quando olhou mais de perto as frases esperando coisas normais como “Tem uma tartaruga de estimação” ou “Quer fazer paraquedismo um dia”, ela se assustou ao ver coisas como “Fala mais de dezoito línguas” e “Visitou o mundo exterior”. Estava prestes a ser dolorosamente óbvio que Luce era a única que não era Nephilim na classe. Pensou de volta no garçom nervoso que tinha trazido seu café da manhã e o da Shelby. Talvez Luce estivesse mais confortável entre as crianças bolsistas. Beaker Brady nem sabia que ele tinha evitado um grande problema. - Caso ninguém tenha dúvidas, – Disse Steven na frente da sala. – estão livres para começarem. - Vão para fora e divirtam-se. – Francesca acrescentou. – Leve o tempo que vocês precisarem. Luce seguiu o resto dos alunos para o convés. Enquanto eles caminhavam em direção ao parapeito, Jasmine se inclinou sobre o ombro de Luce, apontando uma unha esmaltada de verde em um dos cubículos. - Eu tenho um parente que é um querubim puro-sangue. – Disse. – O louco velho tio Carlos. Luce abanou a cabeça, como se soubesse o que aquilo significava e anotou o nome de Jasmine. - Oh, e eu posso levitar. – Dawn gorjeou, apontando para o canto superior esquerdo da página de Luce. – Não é cem por cento do tempo, mas geralmente depois que eu tomar o meu café. - Uau. – Luce tentou não olhar, não parecia que Dawn estava fazendo uma piada. Ela era capaz de levitar? Tentando não mostrar que estava se sentindo casa vez mais inadequada, procurou a página para alguma coisa, qualquer coisa que ela sabia fazer. Tinha experiência em convocar os Anunciadores. As sombras. Daniel tinha dito o nome apropriado deles na última noite em Sword & Cross. Apesar dela nunca ter realmente os “convocado”, eles sempre apareciam. Luce tinha alguma experiência. - Você pode me escrever lá. – Apontou para o canto inferior esquerdo do papel de Jasmine e Dawn a olhou, um pouco espantada, mas não descrente, antes de passar para preencher o resto de suas folhas. O coração de Luce abrandou um pouco. Talvez isso não fosse ser tão ruim. Nos próximos minutos, ela se encontrou com Lilith, uma ruiva afetada que era de um dos três trios Nephilim: - Você pode nos diferenciar pelas nossas caudas vestiginais. – Explicou. O meu é encaracolado. – Oliver, de voz profunda, um menino agachado que tinha visitado o mundo exterior nas férias de verão do ano passado: - Foi tão censurado que nem sequer posso contar. Jack, que sentiu como se estivesse na iminência de ser capaz de ler mentes e achei que seria certo se Luce escrevê-lo por isso: - Eu sinto que você está ok com isso, estou certo? – Ele fez uma arma com seus dedos e estalou a língua. Ela ainda tinha três cubículos na esquerda quando Shelby puxou o papel de suas mãos. - Eu posso fazer esses dois. – Disse, apontando para dois dos cubículos. – Qual deles você quer? Fala mais de dezoito línguas ou pode vislumbrar vidas passadas? - Espere um minuto. – Sussurrou Luce. – Você... Você pode vislumbrar vidas passadas? Shelby balançou as sobrancelhas para Luce e riscou a sua assinatura no cubículo, acrescentando seu nome no de “dezoito línguas” para uma boa medida. Luce olhou para o papel, pensando em todas suas próprias vidas passadas e no quão frustrante elas eram fora dos limites para ela. Havia subestimado Shelby. Mas sua companheira de quarto já tinha ido. Parado no lugar de Shelby estava o menino que ela se sentou ao lado dentro da sala de aula. Era meio metro maior do que Luce, com um sorriso brilhante, simpático, um pouco de sardas no nariz e olhos azuis. Alguma coisa sobre ele, até a maneira como estava mastigando a caneta, olhou... Resistente. Luce percebeu que esta era uma palavra estranha para descrever alguém com quem nunca tinha falado, mas não podia fazer nada. - Oh, graças a Deus! - Ele riu, batendo na testa. – A única coisa que eu posso fazer é uma coisa que você deixou... - Pode refletir uma imagem de espelho de si ou dos outros? – Luce leu devagar. Ele jogou a cabeça de um lado para outro e escreveu seu nome na caixa. Miles Fisher. – Realmente impressionante para alguém como você, tenho certeza. - Hum, sim. – Luce virou. Alguém como ela, que nem sabia o que aquilo significava. - Espere. Hey, onde você está indo? – Ele puxou sua manga. – Você não sacou a piada auto modesta? – Quando ela balançou a cabeça, o rosto de Miles caiu. –Eu só quis dizer, em comparação com todo o resto da classe, eu mal estou aguentando. A única pessoa que eu já fui capaz de refletir além de mim foi minha mãe. Assustou meu pai por cerca de dez segundos, mas depois desapareceu. - Espere. – Luce piscou para Miles. – Você fez uma imagem de espelho da sua mãe? - Por acaso. Dizem que é mais fácil de fazer com as pessoas que, bem, eu amo. – Ele ficou vermelho, um pouco rosa em suas bochechas. – Agora você vai pensar que eu sou algum tipo de filhinho da mamãe. Eu só quis dizer “fácil” é sobre onde os meus poderes acabam. Considerando que você... Você é a famosa Lucinda Price. – Acenou suas mãos. - Eu gostaria que todos parassem de dizer isso. – Disparou. Então, se sentindo rude, suspirou e se inclinou contra o deck de grade para olhar a água. Foi tão difícil para processar todas estas sugestões de que as outras pessoas aqui sabiam mais sobre ela do que ela sabia sobre si mesma. Não queria descontar nesse cara. – Eu sinto muito, é que eu pensei que era a única que estava quase aguentando. Qual é a sua história? - Ah, eu sou o que eles chamam de fraco. – Disse, fazendo citações de ar exagerado. – Mamãe tem anjo em seu sangue de algumas gerações atrás, mas todos os meus parentes são mortais. Meus poderes são vergonhosamente de baixo grau, mas estou aqui porque os meus pais dotaram a escola com, hum, esta plataforma que você está parada em cima. - Wow. - Não é realmente impressionante. Minha família é obcecada por eu estar na Shoreline. Você deve ouvir a pressão que eu recebo em casa para marcar um encontro com uma garota Nephilim agradável de vez em quando. – Luce riu. Em um dos primeiros risos verdadeiros que ela tinha em dias. Miles revirou os olhos, bem-humorado. - Então... Eu te vi tomando café com a Shelby esta manhã. Ela é sua companheira de quarto? – Luce assentiu. - Falando em garotas Nephilim... – Brincou. - Bem, eu sei que ela é meio, hum... – Miles vaiou e fez um movimento de agarras com uma mão, fazendo Luce elogiar de novo. – De qualquer forma, eu não sou o estudante prodígio aqui, mas eu tenho estado por aqui há algum tempo, e, na metade do tempo, acho que este lugar é muito louco. Então, se você quiser ter um café da manhã bem normal ou algo assim... Luce se encontrou balançando a cabeça. Normal. Música para os ouvidos mortais. - Como amanhã...? – Miles perguntou. - Isso soa muito vem. – Miles sorriu e acenou, foi então que Luce percebeu que todos os outros alunos já tinham voltado para dentro. Sozinha pela primeira vez durante toda a manhã olhou para a folha de papel em sua mão. Dúvidas sobre como se sente sobre as outras crianças de Shoreline. Sentia falta de Daniel, que poderia ter decifrado um monte disso para ela se não tivesse ido, onde ele estava, afinal? Ela nem sabia. Muito longe. Pressionou um dedo nos lábios, lembrando seu último beijo. O incrível abraço de suas asas. Sentiu tanto frio sem ele, mesmo sob o sol da Califórnia, mas estava aqui por causa dele, aceita nessa classe de anjos ou o que quer eles eram, completa com sua nova reputação bizarra, tudo graças a ele. De uma forma estranha, se sentiu bem de estar ligada a Daniel tão inextricavelmente. Até que ele volte para ela, isso era tudo que ela tinha que se agarrar. Capítulo 3 – Dezesseis Dias - Ok, me bata, o que é a coisa mais estranha sobre Shoreline até agora? Era quarta-feira de manhã antes da aula e Luce estava sentada em uma mesa de café da manhã ensolarada no terraço dividindo um bule de chá com Miles. Ele estava vestindo uma camiseta vintage amarela com o logotipo do Sunkist sobre ele, um boné de beisebol puxado para baixo, um pouco acima de seus olhos azuis, sandálias e jeans desgastados. Sentindo-se motivada pelo código de vestimenta muito relaxado de Shoreline, Luce havia trocado seu traje preto padrão. Estava usando um vestido vermelho com um casaquinho branco curto. Sentiase como se fosse o primeiro dia de sol depois de um longo período de chuva. Deixou cair uma colher de açúcar em sua xícara e riu. - Eu nem sei por onde começar. Talvez a minha companheira de quarto, acho que entrou escondida pouco antes do nascer do sol desta manhã e foi embora de novo antes de eu acordar. Não, espere, está na aula dada por um casal de demônio e anjo. Ou... – Ela engoliu. – O modo como as crianças daqui me olham como se eu fosse uma aberração lendária. Uma aberração anônima eu já estou acostumada, mas uma aberração de má fama... - Você não tem má fama. – Miles deu uma mordida em seu gigante croissant. – Eu vou lidar com eles um de cada vez. – Disse, mastigando. Ele limpou o canto da boca com um guardanapo e Luce, meio maravilhada, riu de seus modos ocasionalmente impecáveis à mesa. Não podia deixar de imaginá-lo tomando algumas aulas de etiqueta no clube de golfe como um menino. - Shelby é meio rude. – Disse Miles. – Mas ela pode ser legal também. Quando tem vontade. Não que eu tenha visto esse seu lado. – Riu. – Mas esse é o boato. E eu também estranhei o caso Frankie/Steven no começo, mas de alguma forma eles fazem funcionar. É como um ato de equilíbrio celestial. Por alguma razão, tendo ambos os lados, dá aos estudantes uma maior liberdade para se desenvolver. Aqui essa palavra de novo: Desenvolver. Lembrou que Daniel tinha a usado quando lhe disse que não iria se juntar a ela em Shoreline. Mas se desenvolver em quê? Só podia ser relacionado às crianças que eram Nephilim. Não Luce, que era totalmente humana e solitária em sua classe cheia de quase anjos, esperando até seu anjo tivesse vontade ir lá salvá-la. - Luce. – Disse Miles, interrompendo seus pensamentos. – A razão pela qual as pessoas te olham é porque todos ouviram falar de você e Daniel, mas ninguém sabe a verdadeira história. - Então, ao invés de apenas me perguntarem... -O quê? Se vocês dois transam mesmo nas nuvens? Ou se a sua glória, você sabe, sempre galopante oprime o seu mortal. – Ele parou, capturando o olhar horrorizado no rosto de Luce e em seguida engoliu em seco. – Desculpe. Quero dizer, você está certa. Eles deixaram explodir em um grande mito. Todo mundo, é isso. Eu tento não, hum, especular. – Miles colocou seu chá na mesa e olhou para o guardanapo. – Talvez seja muito pessoal perguntar. – Miles desviou o olhar e agora estava a olhando, mas não fez Luce se sentir nervosa. Ao invés disso, seus olhos azuis e o sorriso torto pareciam um pouco como uma porta aberta, um convite para falar sobre algumas coisas que ela não tinha sido capaz de dizer a ninguém. Por mais que fosse um saco, Luce entendeu o porquê de Daniel e Sr. Cole a haviam proibido de chegar a Callie ou seus pais, mas os dois que a inscreveram na Shoreline. Foram os únicos que tinham dito que ela estaria bem aqui. Então, não conseguia ver nenhuma razão para manter sua história em segredo para alguém como Miles. Especialmente uma vez que ele já sabia alguma versão da verdade. - É uma longa história. – Disse. – Literalmente. E eu ainda não sei tudo, mas, basicamente, Daniel é um anjo importante. Acho que ele era grande coisa antes da queda. – Engoliu, sem querer encontrar os olhos de Miles. Sentia-se nervosa. – Pelo menos foi até se apaixonar por mim. Ela começou a desabafar tudo. Desde seu primeiro dia na Sword & Cross, e como Arriane e Gabbe cuidaram dela, a forma como Molly e Cam zombavam dela, a sensação angustiante de ver uma foto sua numa vida anterior. A morte de Penn e como isso a devastou. A batalha surreal no cemitério. Luce deixou de fora alguns detalhes de Daniel, momentos privados que eles compartilhavam, mas, no momento que ela terminou, achou que tinha dado a Miles uma bonita imagem completa do que tinha acontecido e esperou dissipar o mito de sua intriga pelo menos para uma pessoa. No final, se sentia mais leve. - Uau. Eu nunca tinha dito essas coisas para ninguém. Parece muito bom dizer em voz alta. Como ele é mais real agora que eu admiti para outra pessoa... - Você pode continuar se quiser. – Disse ele. - Eu sei que só estou aqui por um tempo curto. – Disse ela. – E de certa forma, eu acho que Shoreline vai me ajudar a me acostumar com as pessoas, quero dizer, anjos como Daniel, Nephilim e como você, mas eu ainda não posso deixar de me sentir deslocada. Como se eu estivesse posando algo que eu não sou. Miles estava concordando com Luce o tempo todo e ela contou sua história, agora ele sacudiu a cabeça. - De jeito nenhum, o fato de que você é mortal, a coisa toda é ainda mais impressionante. Luce olhou em volta do terraço. Pela primeira vez, notou uma linha divisória clara entre os quadros das crianças Nephilim do resto do corpo discente. Os Nephilim reivindicaram todas as mesas no lado oeste, mais próximos da água. Havia poucos deles, não mais de vinte, mas pegavam um monte de mesas a mais, às vezes com apenas um garoto em uma mesa que poderia ter sentado seis, enquanto o resto das crianças tiveram que enfiar as mesas restantes do lado leste. Shelby, por exemplo, que se sentou sozinha, lutando contra o vento forte sobre o papel que ela tentava ler. Havia um monte de cadeiras, mas não nenhum dos não-Nephilim parecia querer atravessas para se sentar com as crianças “talentosas”. Luce reconheceu algumas das outras crianças não dotadas ontem. Após o almoço, as aulas foram realizadas no edifício principal, uma estrutura com uma arquitetura muito menos impressionante onde as disciplinas mais tradicionais foram ensinadas. Biologia, geometria, história da Europa. Alguns desses estudantes pareciam bons, mas Luce sentiu uma distância não dita, tudo porque estava na faixa talentosa, que frustrou a possibilidade de uma conversa. - Não me interpretem mal, eu comecei a amizade com alguns desses caras. – Miles apontou para uma mesa cheia. – Eu ia escolher Connor ou Eddie G. para um jogo de rugby qualquer dia desses contra qualquer um dos Nephilim. Mas, falando sério, você acha que alguém ali poderia ter lidado com o que você fez e viveu para contar? Luce esfregou o pescoço e sentiu lágrimas nos cantos dos olhos. O punhal de Miss Sophia ainda estava fresco em sua mente e ela jamais poderia pensar naquela noite sem o seu coração doer por Penn. Sua morte tinha sido tão sem sentido. Nada disso era justo. - Eu sobrevivi. – Disse ela, baixinho. - Sim. – Disse Miles, estremecendo. – Essa parte eu ouvi falar. É estranho: Francesca e Steven são ótimos nos ensinando sobre o presente e o futuro, mas não muito do passado. Algo a ver com nos capacitar. - O que você quer dizer? - Pergunte-me qualquer coisa sobre a grande batalha que está por vir e do papel que um jovem Nephilim sadio como eu poderia desempenhar, mas as primeiras coisas que você estava falando? Nenhuma das lições aqui realmente vão entrar nesse assunto. Falando nisso... – Miles apontou para o terraço que estava esvaziando. – Nós devemos ir. Você quer fazer isso de novo algum dia? - Com certeza. – E Luce falava sério. Gostava de Miles. Ele era muito mais fácil de conversar do que qualquer um que ela conhecera até agora. Era simpático e tinha o tipo de senso de humor que colocam Luce instantaneamente à vontade. Porém estava distraída por algo que ele tinha dito. A batalha que estava por vir. A batalha de Daniel e Cam ou uma batalha com o grupo de Anciãos da Miss Sophia? Se até mesmo os Nephilim estavam se preparando para isso, onde aquilo deixava Luce? Steven e Francesca tinham um jeito de se vestir com as cores complementares que os faziam parecer melhor vestidos para uma foto do que para uma aula. No segundo dia de Luce em Shoreline, Francesca estava usando três polegadas de salto de ouro estilo gladiador e com um moderno vestido cor de abóbora da linha A. Tinha um laço solto em volta do pescoço que combinava, quase exatamente, com a gravata laranja que Steven usava com sua camisa marfim de Oxford e blazer azul-marinho. Estavam impressionantes de se olhar e Luce foi desenhada para eles, mas não exatamente na paixão de casal que Dawn havia previsto no dia anterior. Observando seus professores de sua mesa entre Miles e Jasmine, Luce se sentiu atraída por Francesca e Steven por razões mais perto de seu coração. Eles a lembravam de seu relacionamento com Daniel. Apesar de nunca ter os visto realmente se tocarem quando estavam juntos, que era quase sempre, o magnetismo entre os dois deformava as paredes. É claro que tinha algo a ver com os seus poderes como anjos caídos, mas também deve ter a ver com a maneira única em que eram conectados. Luce não podia deixar de ressenti-los. Eram lembranças constantes do que ela não podia ter agora. A maioria dos alunos tinham tomado seus lugares. Dawn e Jasmine estavam indo em direção de Luce para que ela se juntasse ao comitê de direção para que pudesse ajudá-los a planejar todos esses surpreendentes eventos sociais. Luce nunca tinha sido uma menina boa em atividades extracurriculares, mas essas meninas tinham sido tão boas com ela e a cara de Jasmine parecia tão brilhante quando falou sobre uma viagem de barco que estavam planejando para mais tarde nessa semana que Luce decidiu dar à comissão uma chance. Estava adicionando seu nome à lista quando Steven se adiantou, sacudiu a blazer sobre a mesa atrás dele e, sem palavras, abriu bem os braços ao seu redor como se convocasse. Um fragmento de sombra preta profunda parecia partir das sombras de uma das sequoias fora da janela, descascou para fora da erva, então, tomou solidez e chicoteou para dentro da sala pela janela aberta. Foi rápido e onde ela tinha ido, enegreceu o dia e a sala entrou na escuridão. Luce engasgou por força de hábito, mas não foi a única. Na verdade, a maioria dos estudantes recuaram nervosamente em suas mesas enquanto Steven começou a rondar a sombra. Ele apenas colocou suas mãos e começou a torcer cada vez mais rápido, parecendo lutar com alguma coisa. Logo, a sombra estava girando em sua frente tão rapidamente que ficou borrada como os raios de uma roda. Uma rajada de espesso vento com fungos foi emitida a partir de seu núcleo, soprando o cabelo de Luce em volta do rosto. Steven manipulou a sombra, esticando os braços a partir de uma desarrumada forma amorfa em uma apertada e preta esfera do tamanho de uma toranja. - Classe. – Disse ele, friamente levitando a bola de escuridão poucos centímetros acima dos dedos. – Conheçam o assunto da lição de hoje. Francesca se adiantou e transferiu a sombra para suas mãos. Em seus saltos altos ela era quase tão alta quando Steven. E, Luce imaginou, era tão hábil em lidar com as sombras. - Vocês todos tem visto os Anunciadores em algum momento. – Disse ela, caminhando lentamente até as carteiras de estudante em formato de meia-lua para que cada um pudesse dar uma olhada melhor. – E alguns de vocês – Continuou, olhando para Luce. – tem até mesmo alguma experiência em trabalhar com eles. Mas você sabe realmente o que eles são? Sabe o que eles podem fazer? Fofocas, Luce pensou, lembrando o que Daniel tinha te dito na noite da batalha. Ela ainda estava muito nova em Shoreline para se sentir confortável em dizer a resposta, mas nenhum dos outros alunos parecia saber. Lentamente levantou a mão. Francesca levantou a cabeça. - Luce. - Elas carregas as mensagens. – Disse, ficando mais segura enquanto falava, pensando com a garantia de Daniel. – Mas eles são inofensivos. - Mensageiros, sim. Mas inofensivos? – Francesca olhou para Steven. Seu tom não traía o fato de Luce estar certa ou errada, o que fez Luce se sentir envergonhada. A classe inteira ficou surpresa quando Francesca voltou para o lado de Steven, segurou um dos lados da borda da sombra enquanto ele segurava o outro e deu um puxão firme. - Chamamos isso de vislumbrar. – Disse ela. A sombra estava inchada e esticada como um balão a explodir. Ela fez um som mais encorpado como a sua negritude distorcida, com cores mais vivas do que qualquer coisa que Luce tinha visto antes. Verde e amarelo fortes, ouro brilhantes, trechos de rosa e roxo marmorizados. Um grande turbilhão de cores brilhando mais forte e mais distinta por trás de uma rede de sombras. Steven e Francesca ainda estavam puxando, pisando para trás lentamente até que a sombra tinha o tamanho e a forma de uma tela de projeção de grandes dimensões. Então eles pararam. Não deram nenhum aviso, nenhum “O que você está prestes a ver”, e depois de uma momento horrível, Luce sabia o porquê. Não poderia haver uma preparação para isso. O emaranhado de cores separadas se instalaram finalmente em uma lona de formas distintas. Estavam olhando uma cidade. Uma cidade antiga com paredes de pedra... Pegando fogo. Superlotada e poluída, consumida por raiva e chamas. As pessoas encurraladas pelas chamas, suas bocas num vazio escuro, levantando os braços para os céus. E em toda parte uma chuva de faíscas brilhantes e pedaços pegando fogo, uma chuva de luzes aterrissando em toda parte e inflamando tudo o que tocava. Luce praticamente podia sentir o cheiro da podridão e desgraça que vinham através da tela de sombra. Foi horrível para olhar, mas, o mais estranho, de longe, era que não havia nenhum som. Outros estudantes em torno dela estavam esquivando suas cabeças como se estivessem tentando bloquear alguns lamentos, alguns gritos que para Luce era indistinguível. Não havia nada além de um puro silêncio enquanto eles observavam cada vez mais pessoas morrerem. Quando ela não tinha mais certeza se seu estômago podia aguentar mais, o foco da imagem mudou como se a tela tirasse o zoom e Luce podia ver à distância. Não uma, mas duas cidades estavam em chamas. Uma estranha ideia lhe atingiu, suavemente, como uma memória que ela sempre teve, mas não tinha pensado por enquanto. Ela sabia o que estavam vendo: Sodoma e Gomorra. Duas cidades na Bíblia, duas cidades destruídas por Deus. Então, como desligar um interruptor de luz, Steven e Francesca estalarem seus dedos e a imagem desapareceu. Os restos da sombra se despedaçaram em uma pequena nuvem negra de cinzas que se instalaram eventualmente no chão da sala de aula. Perto de Luce, os outros alunos pareciam estar recuperando o fôlego. Luce não podia tirar os olhos do local onde a sombra tinha estado. Como foi feito isso? Estava começando a congelar de novo, os pedações de escuridão se juntando, voltando lentamente para uma forma mais familiar de sombra. Com seus serviços completos, o Anunciador avançou lentamente ao longo do piso, então deslizou para fora da sala de aula, como uma sombra projetada por uma porta fechada. - Você pode estar se perguntando por que fizemos vocês passarem por isso. – Disse Steven, se dirigindo a classe. Ele e Francesca trocaram um olhar preocupado quando olharam ao redor da sala. Dawn estava choramingando em sua mesa. - Como você sabe, - Disse Francesca. – a maior parte do tempo nesta classe, nós gostamos de nos concentrar no que você, como Nephilim, tem o poder de fazer. Como você pode mudar as coisas para melhor, no entanto, cada um de vocês decidem definir isso. Nós gostamos de olhar para frente ao invés de para trás. - Mas o que viram hoje, – Disse Steven. – foi mais do que apenas uma de história com efeitos especiais incríveis. E não foram só imagens que evocávamos. Não, o que você estava vendo eram as reais Sodoma e Gomorra, quando elas foram destruídas pelo grande Tirano, quando ele... - Unh-unh-unh! – Disse Francesca, sacudindo um dedo. – Nós não vamos dar nome a ninguém aqui. - Claro que sim. Ela está certa, como de costume. Mesmo que eu às vezes caia a fazer propaganda. – Steven sorriu para a classe. – Mas como eu ia dizendo, os Anunciadores são mais do que meras sombras. Eles podem guardar muitas informações valiosas. De certa forma, são sombras, mas sombras do passado, de eventos de muito tempo atrás e também recentes. - O que vocês viram hoje, - Francesca concluiu. – foi apenas uma demonstração de uma habilidade de valor inestimável que alguns de vocês podem ser capazes de aproveitar. Algum dia. - Você não vai querer tentar isso agora. – Steven limpou as mãos com um lenço que tinha puxado do bolso. – Na verdade, vamos proibir que vocês tentem fazer isso, sob pena de perder o controle e se perderem nas sombras. Mas um dia, talvez, seja uma possibilidade. Luce compartilhou um olhar com Miles. Ele deu um sorriso com os olhos arregalados como se estivesse aliviado ao ouvir isso. Ele não parecia se sentir em um todo excluído, não como Luce se sentia. - Além disso, - Disse Francesca. – a maioria de vocês provavelmente vão achar que se sentem cansados. Luce olhou no rosto dos alunos ao redor da sala quando Francesca falou. Sua voz teve o efeito de babosa em queimaduras solares. Metade das crianças tinha os olhos fechados como se tivessem sido amenizadas. - Isso é muito normal. O vislumbre das sombras não é feito sem grandes custos. É preciso energia para olhar para trás até mesmo alguns dias, mas olhar para trás milênios? Bem, vocês mesmos podem sentir os efeitos. Tendo em vista isso – Ela olhou para Steven. – vamos deixar vocês saírem hoje cedo para descansar. - Vamos recapitular amanhã, para nos certificar que vocês tenham feito sua leitura de desaparição. – Steven disse. – A classe está liberada. Ao redor de Luce, os estudantes se levantaram lentamente de suas mesas. Pareciam confusos e exaustos. Quando ela se levantou, seus joelhos estavam vacilantes, mas de alguma forma se sentia menos agitada do que os outros pareciam estar. Apertou seu casaco sobre os ombros e seguiu Miles para fora da sala de aula. - Muita coisa intensa. – Disse ele, descendo as escadas dois degraus de cada vez. Você está bem? - Estou bem. – Disse Luce. Ela estava. – E você? Miles esfregou a testa. - Só era como se realmente estivesse lá. Estou feliz que eles nos deixaram sair cedo. Sinto que preciso de uma soneca. - Sério! – Dawn acrescentou se aproximando atrás deles no caminho sinuoso de volta para o dormitório. – Isso foi a última coisa que eu estava esperando na minha manhã. Estou sentindo tanto sono agora. Era verdade: A destruição de Sodoma e Gomorra foi horrível. Tão real. A pele de Luce ainda estava quente por causa do incêndio. Pegaram o atalho de volta para o dormitório, ao redor do lado norte do refeitório e pelas sombras das sequoias. Era estranho ver o campus vazio, com todas as outras crianças de Shoreline ainda na classe no edifício principal. Um por um, os Nephilim agitaram os passos e foram direto para a cama. Exceto Luce. Não estava nem um pouco cansada. Ao invés disso, se sentia estranhamente ansiosa. Desejou novamente que Daniel estivesse lá. Queria muito falar com ele sobre a demonstração de Francesca e Steven e saber por que ele não tinha dito mais cedo que havia mais sobre sombras do que ela podia ver. Na frente de Luce estavam as escadas que conduziam ao seu dormitório. Atrás dela, a floresta de sequoias. Começou a andar pela entrada do dormitório sem vontade de entrar, sem vontade de dormir e fingir que ela não tinha visto. Francesca e Steven não tinha tentando assustar a classe, pois eles devem ter a intenção de ensinar-lhes algo. Algo que não poderia vir a público e ser dito. Mas se os Anunciadores carregavam mensagens e ecos do passado, então qual foi o motivo daquela que eles tinham acabado de mostrar? Entrou na floresta. Seu relógio marcava onze horas da manhã, mas poderia ter sido meia-noite sob a copa escura das árvores. A expectativa a tomava pelas pernas nuas quando ela se aprofundava no bosque sombrio. Não queria pensar nisso demais. O pensamento só iria aumentar as chances de ela se acovardar. Estava prestes a entrar num território inexplorado. Território proibido. Estava indo convocar um Anunciador. Tinha feito coisas com eles antes. A primeira vez foi quando ela beliscou um durante a aula para mantê-lo escondido em seu bolso. Teve uma vez na biblioteca quando ela golpeou um longe de Penn. Pobre Penn. Luce não poderia deixar de se perguntar qual era a mensagem que aquele Anunciador estava carregando. Então se ela soubesse como manipulá-lo do mesmo modo que Francesca e Steven tinham manipulado um hoje, será que ela podia ter impedido o que aconteceu? Fechou os olhos. Viu Penn caída contra a parede, o peito envolto de sangue. Sua amiga estava morta. Não. Olhando retrospectivamente para aquela noite era muito doloroso e nunca levou Luce a lugar nenhum. Tudo o que ela podia fazer era olhar para frente. Teve que lugar contra o medo frio arranhando seu interior. Uma forma furtiva, preta e familiar estava à espreita ao lado da verdadeira sombra de um ramo baixo de sequoia a meros dez metros à sua frente. Ela eu um passo em direção a ele, e o Anunciador se encolheu. Tentando não fazer movimentos bruscos, Luce continuou cada vez mais perto, desejando que a sombra não se fosse. Ali. A sombra contorceu sob o ramo da árvore, mas ficou onde estava. Com o coração acelerado, Luce tentou se acalmar. Sim, estava escuro na floresta e sim, nenhuma alma viva sabia onde estava e bem, com certeza, havia uma chance de ninguém sentir sua falta por um bom tempo se algo acontecesse, mas não havia motivo para pânico. Certo? Então, por que se sentia tomada por um medo inquietante? Por que ela estava tendo o mesmo tremor nas mãos que ela costumava ter quando via as sombras quando era uma menina, bem antes dela saber que eram basicamente inofensivas? Era hora de fazer uma jogada. Ela podia tanto ficar aqui congelada para sempre ou podia se acovardar e voltar de mau-humor para o dormitório, ou... Seu braço disparou, não tremendo mais, e pegou a coisa. Ela a arrastou e a agarrou firmemente até o peito, surpreendida pelo seu peso, pela forma fria e úmida que era. Como uma toalha molhada. Seus braços tremiam. O que ela fazia com isso agora? A imagem dessas cidades queimando brilhou em sua mente. Luce perguntou se ela poderia ver esta mensagem sozinha. Se ela pudesse descobrir como desvendar seus segredos. Como é que essas coisas funcionam? Tudo o que Francesca e Steven fizeram foi puxar. Segurando o fôlego, Luce manejou os dedos ao longo das plumosas bordas da sombra, a agarrou e deu um leve puxão. Para sua surpresa, o Anunciador foi flexível, quase como massa de vidraceiro, e tomou qualquer forma que as mãos dela sugeriam. Fazendo careta, ela tentou manipulá-la em um quadrado. Em algo como a tela que ela viu seus professores formarem. No começo era fácil, mas a sombra parecia ficar mais dura quanto mais ela esticava. E cada vez que ela reposicionava as mãos para puxar a outra parte, o resto se recolhia em uma fria massa negra irregular. Logo ela estava sem ar e utilizando o braço para limpar o suar da testa. Ela não queria desistir, mas quando a sombra começou a vibras, Luce gritou e a deixou cair no chão. Instantaneamente ela disparou para dentro da árvore. Só depois que ela foi embora que fez Luce perceber: Não tinha sido a sombra que estava vibrando. Era o telefone celular em sua mochila. Ela se acostumou a não ter um. Até aquele momento, tinha até esquecido que o Sr. Cole havia fado seu telefone velho para ela antes que a colocou no avião para a Califórnia. Era quase completamente inútil, para que ele tenha uma maneira de chegar até ela, para mantê-la atualizada em relação as histórias que ele estava inventando para seus pais, que ainda acreditavam que ela estava em Sword & Cross. De modo que quando Luce conversasse com eles, ela podia mentir de forma consistente. Ninguém além de Sr. Cole tinha esse número. E por razões de segurança realmente irritantes, Daniel não tinha dado a ela uma maneira de alcançá-lo. E agora, o telefone tinha custado a Luce seu primeiro progresso real com uma sombra. Puxou o telefone e abriu a mensagem que Sr. Cole tinha acabado de enviar: Ligue para seus pais. Eles acham que você tirou um A em uma prova de história que eu apliquei e que você está fazendo teste para a equipe de natação na próxima semana. Não se esqueça de agir como se tudo tivesse bem. E um minuto depois: Você está bem? Resmungando, Luce enfiou o telefone em sua mochila e começou a vagar através da espessa cobertura morta de agulhas de sequoias em direção à borda da floresta, em direção a seu dormitório. A mensagem a fez pensar no resto das crianças em Sword & Cross. Será que Arriane ainda estava lá, e se sim, em quem ela estava jogando aviõezinhos de papel durante as aulas? Será que Molly tinha encontrado alguém para fazer de seu inimigo agora que Luce se foi? Ou será que as duas teriam se mudado desde quando Luce e Daniel tinham ido embora? Será que Randy caiu na história de que os pais de Luce tinham feito sua transferência? Luce suspirou. Ela não odiava os pais para falar a verdade. Odiava não ser capaz de lhes dizer o quão longe se sentia e quão sozinha. Mas um telefonema? Cada palavra falsa, ela diria que tirou A em uma prova de história inventada, faria alguns testes falsos para a equipe de natação, só iria fazê-la se sentir muito mais nostálgica. Sr. Cole deve ter enlouquecido dizendo a ela para ligar para eles e mentir. Mas se ela contasse aos pais a verdade, eles iriam pensar que ela estava enlouquecendo. E se ela não entrasse em contato com eles, saberiam que algo estava acontecendo. Iram a Sword & Cross descobrir que estava desaparecida, e depois? Ela poderia mandar um e-mail para eles. Mentir não seria tão difícil por e-mail. Isso. Iria comprar alguns dias antes que ela tenha que ligar. Iria mandar um email para eles à noite. Saiu da floresta, no caminho, e engasgou. Era noite. Olhou para o magnífico bosque sombreado. Há quanto tempo ela esteve lá com a sombra? Olhou para o relógio. Eram oito e meia da noite. Tinha perdido o almoço. E suas aulas à tarde. E o jantar. Tinha estado tão escuro na floresta que não tinha percebido o tempo passar, mas agora tudo se chocou nela. Estava cansada, com frio e com fome. Depois de três voltas erradas no dormitório, Luce finalmente encontrou sua porta. Silenciosamente esperando que Shelby estivesse onde quer que ela ia para desaparecer à noite. Enfiou a enorme e antiga chave na fechadura e girou a maçaneta. As luzes estavam apagadas, mas o fogo estava queimando na lareira. Shelby estava sentada de pernas cruzadas sobre o chão, de olhos fechados, meditando. Quando Luce entrou, abriu um olho, olhando muito irritada. - Desculpe. – Sussurrou Luce, afundando na cadeira mais próxima da porta. – Não se preocupe comigo. Finja que não estou aqui. Por algum tempo, Shelby fez exatamente isso. Ela mal fechou os olhos e voltou a meditar e a sala estava tranquila. Luce ligou o computador que veio com sua mesa e olhou para a tela, tentando compor em sua cabeça a mensagem mais inócua possível para seus pais e, enquanto ela estava nele, uma para Callie, que estava enviando uma enxurrada constante de e-mails não lidos na caixa de entrada de Luce na semana passada. Digitando tão lentamente como ela podia para que o barulho de seu teclado não dessa a Shelby outra razão para odiá-la, Luce escreveu: Queridos pai e mãe, Sinto muito a falta de vocês. Só queria lhes comunicar que a vida na Sword & Cross está boa. O peito apertou quando ela se esforçou para manter os dedos digitando: Tanto quando eu sei ninguém mais morreu esta semana. Mas ao invés disso ela escreveu: Ainda indo muito bem em todas as minhas aulas. Posso até tentar fazer um teste para a equipe de mergulho! Luce olhou pela janela para o céu claro e estrelado. Ela teve que sair rápido. Caso contrário ela podia o perder. Estou pensando em quando esta chuva vai dar trégua... Acho que em novembro na Geórgia. Com amor, Luce. Ela copiou a mensagem em um novo e-mail para Callie, mudou algumas palavras escolhidas, moveu seu mouse sobre o botão Enviar, fechou os olhos, clicou duas vezes e abaixou a cabeça. Ela era uma farsa horrível de uma filha e amiga mentirosa. E o que ela estava pensando? Estes foram os e-mails mais insípidos que ela já escreveu. Estavam indo só para assustar as pessoas. Seu estômago roncou. Na segunda vez, mais alto. Shelby limpou a garganta. Luce girou em sua cadeira e encarou a menina, só para a encontrar na posição Downward Dog de ioga. Luce podia sentir as lágrimas brotando nos cantos dos olhos. - Estou com fome, ok? Por que você não vai registrar uma reclamação me transferindo para outro quarto? Shelby calmamente pulou à frente em seu tapete de ioga, mergulhou os braços em posição de oração e disse: - Eu ia lhe dizer sobre a caixa de macarrão orgânico com queijo na minha gaveta de meias. Não há necessidade de ficar choramingando. Eita. Onze minutos depois, Luce estava sentada debaixo de um cobertor em sua cama com uma tigela fumegante de macarrão com queijo, com olhos secos e uma companheira de quarto que de repente parou de odiá-la. - Eu não estava chorando porque estava com fome. – Luce queria esclarecer, que o macarrão com queijo estava tão bom, o presente generoso e inesperado de Shelby, que quase trouxe lágrimas aos olhos frescos. Luce queria se abrir para alguém e Shelby estava bem ali. Ela ainda não estava à vontade, mas compartilhar seu estoque de alimentos foi um grande passo para alguém que mal havia falado com Luce até agora. - Eu, hum, estou tendo alguns problemas familiares. É muito difícil estar longe. - Boo-hoo. – Shelby disse, mastigando sua própria tigela de macarrão. – Deixeme adivinhar: Seus pais continuam felizes e casados. - Isso não é justo. – Disse Luce, se sentando. – Você não tem ideia do que eu passei. - E você tem alguma ideia do que eu passei? – Shelby desviou o olhar. – Não penso assim. Olha, aqui estou eu: Filha única criada por uma mãe solteira. Problema com o papai? Talvez. Ser um saco ter que viver com isso porque eu odeio compartilhar? Certamente. Mas o que eu não suporto é algumas queridinhas com rosto bonitinho com uma vida familiar feliz e um namorado caprichoso aparecendo na minha área para murmurar sobre seu pobre caso de amor à distância. – Luce prendeu a respiração. - Não é nada disso. - Ah, não? Esclareça-me. - Eu sou uma farsa. – Disse Luce. – Eu estou... Mentindo para as pessoas que eu amo. - Mentindo para o seu namorado caprichoso? – Os olhos de Shelby se estreitaram de uma maneira que fez Luce pensar que sua companheira de quarto podia estar realmente interessada. - Não. – Murmurou Luce. – Eu não estou nem falando com ele. Shelby se recostou na cama de Luce e apoiou seus pés para que eles descansassem na parte de baixo do beliche. - Por que não? - É muito longo, estúpido e complicado. - Bem, toda garota com metade do cérebro sabe que há apenas uma coisa a fazer quando você rompe com o seu homem. - Não, nós não rompemos. – Disse Luce, no tempo exato quando Shelby disse: - Mude o seu cabelo. - Mudar o meu cabelo? - Novo começo. – Disse Shelby. – Eu já tingi o meu de laranja. – Contou. – Um inferno, uma vez que eu mesma raspei depois que esse imbecil partiu o meu coração. Havia um espelho oval pequeno com uma moldura de madeira ornado, ligado à cômoda na sala. De sua posição na cama, Luce podia ver seu reflexo. Colocou a tigela com macarrão na cama e se levantou para se aproximar. Havia cortado seu cabelo depois de Trevor, mas isso era diferente. A maior parte tinha sido chamuscada, de qualquer maneira. E quando chegou a Sword & Cross, tinha sido o cabelo de Arriane que ela cortou. No entanto, Luce achou que entendeu o que Shelby quis dizer quando disse começar de novo. Você poderia se transformar em outra pessoa, fingir que não era a pessoa que tinha acabado de passar por tanta dor. Mesmo que, graças a Deus, Luce não estivesse lamentando a perda permanente de seu relacionamento com Daniel, mas estava lamentando todos os outros tipos de perdas. Penn, sua família, a vida que ela costumava a ter antes que as coisas ficassem tão complicadas. - Você realmente está pensando sobre isso, não é? Não me faça botar para fora peróxido debaixo da pia. Luce correu os dedos pelo cabelo curto e preto. O que Daniel acharia? Mas se ele queria que ela fosse feliz aqui até que pudessem estar juntos novamente, ela teria que deixar quem ela tinha sido na Sword & Cross. Virou-se para encarar Shelby. - Pegue a garrafa. Capítulo 4 – Quinze Dias Ela não estava assim tão loira. Luce molhou as mãos na pia e puxou suas curtas ondas clareadas. Fez isso em uma completa carga de aulas na quinta-feira, que incluiu uma palestra de segurança de forma inesperada que durou duas horas de Francesca reiterando o porquê dos Anunciadores não poderem ser mexidos acidentalmente (quase parecia como se ela tivesse se dirigindo diretamente a Luce). E então retornou as suas perguntas de sua biologia “regular” e as aulas de matemática no edifício principal da escola, que pareciam oito horas seguidas de olhares espantados de seus colegas – Nephilim e crianças não-Neph igualmente – mesmo que Shelby tivesse agindo bem com a nova aparência de Luce, na privacidade de seu dormitório na noite anterior, ela não estava cheia de elogios do mesmo jeito que Arriane era ou o confiável apoio que a Penn sempre tinha para dar. Saindo para o mundo de manhã, Luce tinha dominado seus nervos. Miles foi o primeiro a vê-la ele havia lhe dado um sinal positivo, mas ele era tão bom, nunca teria fingido se realmente achasse que ela parecia terrível. Claro, Dawn e Jasmine tinham se reunido ao seu lado logo depois de Humanidades, ansiosas para tocar em seus cabelos, perguntando a Luce quem tinha sido a sua inspiração. - Muito Gwen Stefani. – Jasmine disse, balançando a cabeça. - Não, é Madge, certo? – Dawn disse. – Como, Era “Vogue”. – Antes que Luce pudesse responder, Dawn gesticulou de Luce para ela mesma. – Mas eu acho que nós não somos mais Twinkies. - Twinkies? – Luce abanou a cabeça. Jasmine olhou de soslaio para Luce. - Vamos, não diga que você nunca percebeu? Vocês duas pareciam... Bem, pareciam tão iguais. Poderiam ter sido praticamente irmãs. Agora, sozinha diante do espelho do banheiro no prédio principal, Luce olhou para seu reflexo e pensou nos olhos arregalados de Dawn. Elas tinham coloração semelhante: Pele pálida, lábios vermelhos, cabelo escuro. Mas Dawn era menor do que ela. Usava cores vivas, seis dias por semana. E era muito mais tagarela que Luce nunca poderia ser. Alguns aspectos superficiais de lado, Luce e Dawn não poderiam ser mais diferentes. A porta do banheiro se abriu e uma morena de aparência saudável, de jeans e uma camisola amarela entrou. Luce a reconheceu da sua classe de história europeia. Algo como Amy. Ela encostou-se à pia ao lado de Luce e começou a brincar com as sobrancelhas. - Por que você fez isso com seu cabelo? – Perguntou, olhando para Luce, que piscou. Era uma coisa para se falar com seus tipo-amigos na Shoreline, mas ela nunca havia falado com essa garota antes. A resposta de Shelby, fresquinha, surgiu em sua mente, mas será que ela estava brincando? Tudo que aquelas garrafas de água oxigenada tinham feito na noite passada com Luce era ter dado um olhar tão falso no exterior quando ela já se sentia por dentro. Callie e seus pais dificilmente a reconheceriam agora, o que não era a ideia. E Daniel? O que Daniel acharia? Luce de repente se sentia tão transparentemente falsa, mesmo um desconhecido podia ver através dela. - Eu não sei. – Empurrou a menina e foi para fora da porta do banheiro. – Eu não sei por que fiz isso. Clareando o cabelo não lavaria as memórias obscuras do passado de poucas semanas. Se ela realmente queria um novo começo, teria que fazer um. Mas como? Havia tão pouca coisa que ela tinha sobre controle no momento. Seu mundo inteiro estava nas mãos do Sr. Cole e Daniel. E ambos estavam muito longe. Foi muito assustador e rápido o modo como ela passou a depender de Daniel, mais assustador ainda era não saber quando o veria novamente. Em comparação com o dia cheio de felicidade com ele, ela estava esperando na Califórnia, estava mais solitária do que nunca. Arrastava-se por todo o campus, lentamente percebendo que a única vez que sentiu qualquer independência desde que chegou a Shoreline tinha sido... Sozinha na mata com a sombra. Após a demonstração ontem na sala de aula, Luce estava esperando mais do mesmo de Francesca e Steven. Tinha esperança de que talvez os alunos tivessem a chance de experimentarem as sombras sozinhos hoje. Ainda teve uma breve fantasia de ser capaz de fazer aquilo que tinha feito na floresta na frente de todos os Nephilim. Nada disso tinha acontecido. Na verdade, a classe hoje parecia como um grande passo para trás. Uma palestra sobre a chata etiqueta de segurança dos Anunciadores e porque os alunos não deviam, em circunstância alguma, tentarem sozinhos o que tinham visto no dia anterior. Foi frustrante e regressivo. Então, agora, ao invés de voltar para o dormitório, Luce se encontrou correndo atrás do refeitório, até a trilha na borda do penhasco e subindo as escadas de madeira do chalé Nephilim. O escritório de Francesca era anexado ao segundo andar e ela disse para a classe se sentir livre para dar uma passadinha por ali qualquer momento. O edifício estava muito diferente sem os outros estudantes para aquecê-lo. Escuro, ventoso e praticamente sem sentimento. Cada barulho era feito por Luce, ecoando nas vigas inclinadas de madeira. Podia ver uma luz no primeiro lance da escada e sentir o rico aroma de café. Ainda não sabia se ia contar para Francesca o que ela tinha sido capaz de fazer na floresta. Pode parecer insignificante para alguém tão hábil como Francesca. Ou pode parecer uma violação das suas instruções da aula de hoje. Parte de Luce só queria sondar a professora para ver se ela poderia ser alguém que Luce podia recorrer quando, em dias como hoje, ela começasse a sentir como se pudesse desmoronar. Alcançou o topo das escadas e se encontrou no começo de um corredor longo e aberto. Em sua esquerda, além do corrimão de madeira, olhou para a sala de aula, escura e vazia, no segundo andar. Em sua direita havia uma fileira de pesadas portas de madeira com vidro colorido nelas. Andando tranquilamente pelo assoalho, Luce percebeu que não sabia qual escritório era o de Francesca. Apenas uma das portas estava entreaberta, a terceira da direita, com luz proveniente da parte de vidro. Ela pensou que ouviu uma voz interna masculina. Estava prestes a bater quando um som agudo de uma mulher a fez congelar. - Foi um erro tentar mesmo. – Francesca praticamente assobiou. - Nós demos uma chance. Não tivemos sorte. Steven. - Não tivemos sorte? – Francesca zombou. – Você quer dizer irresponsabilidade. Do ponto de vista meramente estatístico, as chances do Anunciador trazer más notícias eram muito grandes. Você viu o que aconteceu a essas crianças. Eles não estavam prontos. – Uma pausa. Luce avançou um pouco mais ao longo do tapete persa na sala. – Mas ela estava. - Não vou sacrificar todo o progresso que uma classe inteira fez só porque alguns... - Alguma. - Não seja míope, Francesca. Nós viemos com um ótimo currículo. Eu sei tanto quanto você. Nossos alunos superam qualquer outro programa Nephilim no mundo. Você fez tudo isso. Você tem direito de ter uma sensação de orgulho. Mas as coisas são diferentes agora. - Steven está certo, Francesca. – A terceira voz. Masculina. Luce achou que soava familiar. Mas quem era? – Poderia muito bem jogar o seu calendário acadêmico para fora da janela. A trégua entre os nossos lados é o único cronograma que mais importa. – Francesca suspirou. – Você realmente acha que... A voz desconhecida disse: - Se eu conheço bem Daniel, ele vai estar na hora certa. Ele provavelmente está em contagem regressiva agora. - Há algo mais. – Disse Steven. Uma pausa, então o que pareceu como uma gaveta sendo aberta, em seguida, um suspiro. Luce teria matado para estar do outro lado da parede para ver o que eles podiam ver. - Onde você conseguiu isso? – A outra voz masculina perguntou. – Você está negociando? - É claro que ele não está! – Francesca parecia com remorso- Steven encontrou na floresta durante uma de duas rondas na outra noite. - Isso é autêntico, não é? – Steven perguntou. Um suspiro. - Houve muito tempo para eu dizer. – O desconhecido se resguardou. – Eu não tenho visto uma Starshot há anos. Daniel vai saber. Vou levar para ele. - Isso é tudo? O que você sugere que façamos nesse meio tempo? – Francesca perguntou. - Olha, isso não é coisa minha. – A familiaridade com a voz masculina era como uma coceira na parte de trás do cérebro de Luce. – E isso realmente não é meu estilo. - Por favor. – Suplicou Francesca. O escritório estava em silêncio. O coração de Luce estava batendo. - Tudo bem. Se eu fosse você? Aprofundaria as coisas por aqui. Aumentaria sua supervisão e faria tudo o que pudesse preparar todos eles. O Fim dos Tempos não é para ser muito bonito. Fim dos Tempos. Isso foi o que Arriane tinha dito que aconteceria se Cam e seu exército tivessem vencido naquela noite em Sword & Cross. Mas não tinha vencido. A menos que já tenha acontecido outra batalha. Mas então para que os Nephilim precisavam se preparar? O som das pernas de uma cadeira pesada raspando no chão fez Luce voltar. Ela sabia que não deveria ser apanhada bisbilhotando a conversa. Seja lá o que fosse. Pela primeira vez, estava contente com a fonte infinita de recantos misteriosos na arquitetura de Shoreline. Abaixou-se sob uma moldura decorada com telhas de madeira entre duas estantes e se apertou na reentrância da parede. Um único conjunto de passos saiu do escritório e a porta se fechou com firmeza. Luce prendeu a respiração e esperou até a figura descer as escadas. Na primeira, podia ver apenas seus pés. Botas europeias de couro marrom. Em seguida, um par de jeans de lavagem escura entrou na linha de visão quando ele deu a volta no corrimão para o segundo andar do chalé. Uma camisa listrada de abotoar na cor branca e azul. E, finalmente, a juba claramente reconhecível de dreadlocks preto e dourado. Roland Sparks tinha aparecido em Shoreline. Luce saltou de seu poleiro escondido. Ainda podia estar num melhor comportamento nervoso na frente de Francesca e Steven, que eram assustadoramente lindos, poderosos, maduros e seus professores. Roland não a intimidava, não muito, afinal, não mais. Além disso, ele era o mais próximo de Daniel que ela tinha estado em dias. Desceu escondida as escadas interiores tão silenciosamente quanto pôde, então, irrompeu pela porta do chalé para a escada. Roland estava caminhando em direção ao oceano, como se ele não tivesse um cuidado no mundo. - Roland. – Gritou, descendo até o último lance de escadas para o chão e começando a correr. Ele ficou onde o caminho acabou e a ameaça caiu até as rochas escarpadas e íngremes. Estava tão quieto, olhando para a água. Luce ficou surpresa ao sentir borboletas no estômago quando, muito lentamente, começou a virar. - Bem, bem. – Ele sorriu. – Lucinda Price descobriu a água oxigenada. - Ah. – Ela agarrou seu cabelo. Que estúpido que tem de olhar para ele. - Não, não. – Disse ele, caminhando em sua direção, afofando seu cabelo com os dedos. – Combina com você. Pontas duras para tempos difíceis. - O que você está fazendo aqui? - Me matriculando. – Deu de ombros. – Eu acabei de pegar meu horário de aula, conheci os professores. Parece ser um lugar bonito e doce. Uma mochila de tecido estava atirada sobre um de seus ombros com algo longo, estreito e prata saindo dela. Seguindo com os olhos, Roland passou a bolsa para o outro ombro e apertou a parte de cima com um nó. - Roland. – Sua voz tremeu. – Você saiu da Sword & Cross? Por quê? O que você está fazendo aqui? - Só precisava de uma mudança de ritmo. – Ele tentou misteriosamente. Luce ia perguntar sobre os outros, Arriane e Gabbe. Mesmo Molly. Se alguém tinha notado ou se importado com o fato dela ter ido embora. Mas quando ela abriu a boca, o que saiu foi muito diferente do que ela esperava: - O que você estava falando lá com Francesca e Steven? O rosto de Roland mudou de repente, se cristalizou em algo mais antigo, menos despreocupado. - Isso depende. O quanto você ouviu? - Daniel. Eu ouvi você dizer que ele... Você não precisa mentir para mim, Roland. Quanto tempo até que ele volte? Porque eu acho que não consigo... - Vamos dar uma volta, Luce. Tão estranho Roland Sparks colocar seu braço sobre os ombros dela em Sword & Cross, quanto confortante o que ele fez naquele dia em Shoreline. Eles nunca foram amigos de verdade, ele era uma lembrança de seu passado... Um vínculo que não poderia ajudar a transformar o momento. Caminharam ao longo da borda do penhasco, por volta do terraço do café da manhã e para o lado oeste dos dormitórios, além de um jardim de rosas que Luce nunca tinha visto antes. Era crepúsculo e a água em sua direita estava com cores vivas, refletindo as nuvens rosas, laranjas e violetas deslizando na frente do sol. Roland a levou para um bando que dava de frente para a água, longe de todos os prédios do campus. Olhando para baixo, ela podia ver um conjunto robusto de escadas esculpidas na rocha, começando logo abaixo de onde estavam sentados e levando todo o caminho até a praia. - O que você sabe que não está me dizendo? – Luce perguntou quando o silêncio começou a ficar com ela. - Que a água está dez graus. – Disse Roland. - Não é o que eu quis dizer. – Disse ela, o olhando bem nos olhos. – Ele te enviou aqui para me vigiar? Roland coçou a cabeça. - Olhe, Daniel está fora fazendo suas coisas. – Ele fez um movimento esvoaçando no céu. – Enquanto isso. – E ela achou que ele inclinou a cabeça em direção à floresta atrás do dormitório. - Você tem o seu próprio negócio para cuidar. - O quê? Não, eu não tenho nada. Eu só estou aqui porque... - Mentira. – Ele riu. - Nós todos temos nossos segredos, Luce. O meu me trouxe a Shoreline. O seu a tem para os bosques. Ela começou a protestar, mas Roland acenou para ela com aquele ar enigmático em seus olhos. - Eu não vou te colocar em problemas. Na verdade, estou torcendo por você. – Seus olhos se moveram por ela, mar afora. – Agora, de volta à água. Ela é frígida. Você já esteve nela? Eu sei que você gosta de nadar. Golpeando Luce que tinha estado em Shoreline por três dias, com o mar sempre visível, as ondas sempre audíveis, o ar salgado sempre revestindo tudo, mas ela ainda não tinha posto os pés na praia. E não era como a Sword & Cross, onde um rol de coisas que estavam fora dos limites. Ela não sabia o porquê isto ainda não tinha ocorrido a ela. Balançou a cabeça. - Tudo o que você pode fazer em uma praia que é fria é construir uma fogueira. – Roland a olhou. – Você já fez amigos por aqui? – Luce encolheu os ombros. - Poucos. - Traga os esta noite, depois do anoitecer. – Apontou para uma estreita península de areia no sopé das escadas de pedra. – Logo ali. – Luce olhou para Roland lateralmente. - O que exatamente você tem em mente? – Roland sorriu diabolicamente. - Não se preocupe, nós vamos mantê-los inocentes. Mas você sabe como é. Sou novo na área, gostaria de fazer minha presença ser notada. - Cara, pise no meu calcanhar mais uma vez e eu realmente vou ter que quebrar seu tornozelo. - Talvez se você não estivesse monopolizando todo o feixe da lanterna lá em cima, Shel, o resto de nós poderia ver para onde estamos indo. Luce tentou sufocar seu riso enquanto seguiu uma briga entre Miles e Shelby no campus escuro. Era quase onze e Shoreline já estava escura e silenciosa, exceto para um pio de uma coruja. Uma lua minguante laranja estava baixa no céu, envolta por um véu de neblina. Dentre os três, eles só foram capazes de encontrar uma lanterna (a de Shelby), portanto, apenas um deles (Shelby) tinha uma visão clara do caminho para a água. Para os outros dois, a terra que parecia tão exuberante e bem cuidada durante o dia, estava cheia de armadilhas como pinhos de bristlecones caídas, espessas raízes de samambaias e as coisas dos pés de Shelby. Quando Roland tinha pedido para ela trazer alguns amigos hoje, Luce tinha sentindo um afundamento em seu estômago. Não havia nenhum monitor no saguão de Shoreline, nenhuma aterrorizante câmera de segurança que gravava casa movimento dos alunos, por isso não tinha a ameaça de ser pega, o que a deixava nervosa. Na verdade, se esgueirar para fora do dormitório tinha sido relativamente fácil. Era atrair uma multidão o grande desafio. Dawn e Jasmine pareciam as candidatas mais prováveis para uma festa na praia, mas quando Luce passou no quarto delas no quinto andar, o corredor estava escuro e ninguém respondeu a batida. De volta ao seu próprio quarto, Shelby estava enroscada em algum tipo de pose de ioga tântrico que doía em Luce só de olhar. Luce não queria quebrar a concentração feroz de sua companheira de quarto a convidando para uma festa desconhecida, mas, em seguida, uma batida forte na porta fez Shelby cair irritada de sua pose de qualquer maneira. Miles tinha ido perguntar a Luce se ela queria tomar um sorvete. Luce olhou para trás e para frente, entre Miles e Shelby, e sorriu. - Eu tenho uma ideia melhor. Dez minutos depois, enrolada em camisolas com capuz, um boné para trás dos Dodgers (Miles), meias de lã com biqueira de formas individuais costuradas de uma maneira em que ela ainda podia usar sandálias (Shelby) e sentindo um nervoso na barriga por Roland se misturar com a galera de Shoreline (Luce), os três andaram em direção a borda do penhasco. - Então, quem é esse cara novo? – Miles perguntou, apontando para uma depressão no caminho pedregoso, pouco antes de Luce ir voando para lá. - Ele é apenas... Um cara da minha última escola. – Luce procurou uma melhor descrição quando os três começaram a descer as escadas de pedra. Roland não era exatamente seu amigo. E embora as crianças de Shoreline parecessem muito mente aberta, ela não tinha certeza se deveria lhes dizer de que lado da divisão de anjo caído Roland pertencia. - Ele era amigo de Daniel. – Disse finalmente. – Ele provavelmente vai fazer uma festa muito pequena. Eu não acho que ele conheça alguém aqui além de mim. Podiam sentir o cheiro antes que pudessem vê-lo: Um sinal de fumaça de uma fogueira de bom tamanho. Então, quando eles estavam quase no pé da escada íngreme, se inclinaram para uma curva nas rochas e congelaram quando faíscas de uma fogueira laranja e selvagem finalmente apareceu. O vento estava selvagem, como um animal indomado, mas não foi páreo para a violência dos foliões. No final do grupo, mais próximo ao local onde estava Luce, uma multidão de caras hippies com longas barbas espessas e camisas feias de tecido formavam um improvisado círculo de baterias. Sua batida constante provinha de um grupo próximo em um ritmo constante para dançar. Na outra extremidade da festa estava a fogueira, e quando Luce ficou na ponta dos pés, reconheceu um monte de garotos da Shoreline aglomerados ao redor do fogo, na esperança de vencer o frio. Todo mundo estava segurando um pedaço de pau em chamas, disputando o melhor lugar para assarem seus cachorros-quentes e marshmallows. Suas panelas de ferro fundido cheias de feijão. Era impossível adivinhar como eles todos descobriram sobre ele, mas estava claro que todos estavam se divertindo. No meio disso tudo estava Roland. Tinha trocado sua camisa de botão e botas cara de couro, e vestia, como todo mundo ali, um moletom com capuz e jeans desfiado. Estava de pé sobre um rochedo, fazendo gestos exagerados e turbulentos, contando uma história que Luce não podia ouvir bem. Dawn e Jasmine estavam entre os ouvintes cativados. Seus rostos iluminados pelo fogo pareciam bem vivos. - Esta é sua ideia de uma festa de pequeno porte? – Miles perguntou. Luce estava olhando Roland, imaginando que história ele estava contando. Algo sobre a forma como estava tomando conta da situação fazia Luce se sentir de volta no quarto de Cam. A primeira e única festa de verdade que ela já tinha estado na Sword & Cross, e isso a fez sentir falta de Arriane. E claro, Penn, que estava se sentindo nervosa quando chegou à festa, mas acabou se divertindo como ninguém. E Daniel que mal falava com Luce naquela época, as coisas eram tão diferentes agora. - Bem, eu não sei quanto a vocês, – Disse Shelby, largando as sandálias e se acolchoando na areia com suas meias. – mas eu vou pegar uma bebida para mim e depois um cachorro-quente, então talvez uma aula com um dos caras da bateria. - Eu também. – Disse Miles. – Exceto pela parte da bateria, caso não seja óbvio. - Luce. – Rolando acenou de sua posição sobre a rocha. – Você fez isso. Miles e Shelby já estavam muito à sua frente, indo em direção à estação de cachorro-quente, por isso Luce caminhou sobre uma duna de areia fria e úmida até Roland e os outros. - Você não estava brincando quando disse que queria fazer sua presença conhecida. Isto é realmente alguma coisa, Roland. Roland acenou graciosamente. - Alguma coisa, hein? Algo bom ou algo ruim? – Parecia mais uma pergunta capciosa, o que Luce queria dizer ela já não podia mais. Pensou na conversa acalorada que ouvira no gabinete do professor. Quanto acentuada a voz de Francesca tinha soado. A linha entre o que foi bom e o que era ruim ficou incrivelmente embaçada. Roland e Steven eram anjos caídos que tinham mudado de partido. Demônios, certo? Será que ela sabe mesmo o que isso significava? Mas então, havia Cam e... O que Roland quer dizer com essa pergunta? Piscou para ele. Talvez ele estivesse apenas perguntando se Luce estava se divertindo? Uma grande quantidade de festeiros coloridos giravam em torno dela, mas Luce podia sentir as pretas ondas intermináveis nas proximidades. O ar frio perto da água estava chicoteando, mas a fogueira estava quente em sua pele. Tantas coisas pareciam estar em contradição agora, todas se chocando contra ela de uma vez só. - Quem são todas essas pessoas, Roland? - Vamos ver. – Roland apontou para as crianças hippies no círculo dos tambores. – Da cidade. – À sua direita ele fez um gesto para um grupo de grandes rapazes tentando impressionar um grupo muito menor de meninas com uns péssimos fingidos movimentos de dança. – Aqueles caras são fuzileiros navais estacionados em Fort Bragg. Do jeito que estão festejando espero que estejam de licença no fim de semana. – Quando Jasmine e Dawn se juntaram a ele, Roland colocou um braço em volta de casa um de seus ombros. – Essas duas eu acredito que você conheça. - Você não nos disse que era grande amiga do diretor celeste e social, Luce. – Disse Jasmine. - Sério. – Dawn se inclinou para sussurrar em voz alta para Luce. – Só o meu diário sabe quantas vezes eu queria ir a uma festa de Roland Sparks. E meu diário nunca dirá. - Ah, mas eu posso. – Brincou Roland. - Não tem nenhum petisco nesta festa? – Shelby apareceu por trás de Luce com Miles ao seu lado. Ela foi segurando dois cachorros-quentes em uma mão e estendendo a outra livre para Roland. – Shelby Sterris. Quem é você? - Shelby Sterris. – Roland repetiu. – Sou Roland Sparks. Você já morou no Leste de L.A.? Já nos conhecemos antes? - Não. - Ela tem uma memória fotográfica. – Miles completou, escorregando a Luce um cachorro-quente vegetariano, que não era seu favorito, mas era um gesto bonito apesar de tudo. – Sou Miles. Festa legal, à propósito. - Muito legal. – Dawn concordou, balançando com a batida junto a Roland. - E quando Steven e Francesca? – Luce teve que praticamente gritar para Shelby. – Será que eles não nos ouvem aqui embaixo? Uma coisa era fugir do radar. Outra era plantar um estrondo sônico diretamente no radar. Jasmine olhou para trás em direção ao campus. - Eles vão nos ouvir, com certeza, mas a nossa correia é bem longa em Shoreline. Pelo menos para os Nephilim. Enquanto ficarmos no campus, sob sua vigilância, podemos muito bem fazer o que quisermos. - Isso inclui um concurso de passar embaixo da corda? – Roland sorriu ironicamente exibindo um ramo muito espesso atrás dele. – Miles você vai segurar a outra extremidade para mim? Segundos depois, o ramo cresceu, mudou a batida da música e parecia que todo o pessoal da festa parou o que estava fazendo para formar uma fila longa e animada para o passa-passa. - Luce. – Miles a chamou. – Você não vai simplesmente ficar parada, vai? Ela estudou a multidão, se sentindo fortemente plantada em seu lugar na areia. Porém Dawn e Jasmine já estavam fazendo uma abertura para que ela se espremesse na fila entre as duas. Já em posição para a competição, provavelmente nascida em posição de competição, estava Shelby esticando as costas. Mesmo os conceituados fuzileiros iam brincar. - Ótimo. – Luce riu e entrou na fila. Quando o jogo começou, a fila avançou rapidamente, por três rodadas Luce deslizou facilmente sob o ramo. Na quarta vez, ela passou por baixo com um pouco de dificuldade, ter que inclinar o queixo para trás distante o suficiente para ver as estrelas e ter uma rodada de aplausos por fazer isso. Logo ela estava torcendo pelas outras crianças também, apenas um pouco surpresa ao se encontrar pulando para cima e para baixo quando Shelby conseguiu passar. Havia algo surpreendente sobre arquear na posição do passa-passa depois de uma virada do jogo bem-sucedida... O pessoal da festa parecia começar a se animar. Cada rodada dava uma carga surpreendente de adrenalina. Divertir-se não era normalmente uma coisa tão simples. Por muito tempo, o riso era geralmente seguido de perto pela culpa, um sentimento persistente de que ela não deveria estar se divertindo por um motivo ou outro. Mas de alguma forma esta noite ela se sentia mais leve. Sem perceber, ela tinha sido capaz de ficar indiferente à escuridão. No momento, Luce estava se arqueando para a quinta rodada, a linha estava significativamente menor. Metade das crianças na festa já tinham sido eliminadas e todos estavam se aglomerando ao redor de Miles ou Roland, assistindo a última criança passar. Na parte de trás da fila, Luce estava tonta, frívola, de modo que o forte aperto que ela sentiu em seu braço quase a fez perder o equilíbrio. Ela começou a gritar, em seguida, sentiu dedos tampando a sua boca. - Shhh. Daniel foi a puxando para fora da fila e fora da festa. Sua mão forte e quente deslizando em seu pescoço, os lábios roçando o lado de seu rosto. Por apenas um momento, o toque de sua pele na dela juntamente com o brilho violeta brilhante de seus olhos e a crescente necessidade de agarrá-lo e nunca mais deixá-lo ir, tudo fez Luce divinamente tonta. - O que você está fazendo aqui? – Ela sussurrou. Quis dizer graças a Deus você está aqui ou tem sido tão difícil ficar separada de você ou o que ela realmente quis dizer: Eu te amo. Mas havia também você me abandonou e eu pensei que não era seguro e que história é essa de trégua? Todas batendo em seu cérebro. - Eu tinha que te ver. – Disse ele. Levou-a para trás de uma grande rocha vulcânica na praia, havia um sorriso cúmplice no rosto. O tipo de sorriso que era contagiante, encontrando o seu caminho para os lábios de Luce. O tipo de sorriso que não apenas reconhecia que eles estavam quebrando a regra de Daniel, mas que eles estavam curtindo fazer isso. - Quando cheguei perto o suficiente para ver essa festa, eu observei todos dançando. – Disse ele. – E fiquei um pouco com ciúmes. - Ciúmes? – Luce perguntou. Eles estavam sozinhos agora. Ela jogos os braços ao redor de seus ombros largos e olhou profundamente em seus olhos violetas. – Por que você iria ficar com ciúmes? - Porque – Disse ele, esfregando as mãos nas costas dela. – Encontre tempo para passar comigo por toda a eternidade. Daniel segurou a mão direita dela na dele, envolveu a esquerda em torno de seu ombro e iniciou uma lenta dança na areia, dois passou para lá e para cá. Eles ainda podiam ouvir a música da festa, mas deste lado da pedra parecia como um concerto privado. Luce fechou os olhos e se derreteu em seu peito, encontrou o lugar onde sua cabeça coube em seu ombro, como uma peça de quebra-cabeça. - Não, isso não está certo. – Disse Daniel após um momento. Apontou para seus pés. Ela notou que estava descalço. – Tire os sapatos. – Disse. – E eu vou lhe mostrar como os anjos dançam. Luce retirou seu sapato preto e jogou de lado na praia. A areia entre os dedos dos pés era suave e fresca. Quando Daniel a puxou para perto, os dedos dela entrelaçados com o dele e ela quase perdeu seu equilíbrio, mas seus braços a seguraram com firmeza. Quando ela olhou para baixo, seus pés estavam em cima dos dele. E quando olhou para cima: A visão que ela ansiava dia e noite. Daniel desfraldando suas asas branco-prateadas. Elas encheram a superfície de sua visão, estendendo seis metros para o céu. Amplo e bonito, brilhante na noite, elas deveriam ter sido as asas mais gloriosas de todo o céu. Debaixo de seus próprios pés, Luce sentiu Daniel se elevar um pouco do chão. Suas asas batendo de leve, quase como um batimento cardíaco, os segurando centímetros acima da praia. Agora eles estavam se movendo para trás no ar, tão bem quanto patinadores movendo-se no gelo. Daniel deslizava sobre a água, a segurando nos braços. Luce ofegou quando a primeira onda espumosa deslizou sobre seus dedos. Daniel riu e levantou-lhes um pouco mais alto no céu. Ele a mergulhou para trás. Ele os girou em círculos. Estavam dançando. Sobre o oceano. A lua era como um holofote brilhando somente neles. Luce estava rindo de pura alegria, rindo tanto que Daniel começou a rir também. Ela nunca se sentiu mais leve. - Obrigada. – Sussurrou. Sua resposta foi um beijo. Ela a beijou suavemente no início. Em sua testa, depois no nariz e, finalmente, encontrou seu caminho para os lábios. Ela o beijou de volta profundamente, com fome e um pouco desesperada, jogando seu corpo inteiro para ele. Foi assim que ela voltou para casa, para Daniel, como ela tocou o amor fácil que tinham partilhado por tanto tempo. Por um momento, o mundo inteiro se calou e, depois, Luce perdeu o ar. Ela ainda não tinha percebido mas eles estavam de volta na praia. Sua mão em concha no fundo de sua cabeça, o gorro de esqui que ela tinha puxado para baixo sobre seus ouvidos. O gorro escondendo seus cabelos loiros descoloridos. Ele o arrancou e uma rajada de brisa do oceano bateu na cabeça dela. - O que você fez com seu cabelo? Sua voz era suave, mas de alguma forma, soava como uma acusação. Talvez porque a música tinha acabado e a dança e o beijo também, e agora estavam apenas duas pessoas em pé em uma praia. As asas de Daniel estavam arqueando de volta para os ombros, ainda visível, mas fora de alcança. - Quem se preocupa com o meu cabelo? – Tudo o que importava era segurá-lo. Não era isso o que ele deveria estar se preocupando também? Luce chegou perto para pegar de volta o gorro de esqui. Sua cabeça loura nua parecia muito exposta, como um sinalizador vermelho brilhante avisando a Daniel que ela poderia estar caindo aos pedaços. Assim que ela começou a se virar, Daniel colocou os braços ao seu redor. - Hey. – Disse ele, a puxando para perto novamente. – Sinto muito. Ela exalou, se aproximou e deixou que seu toque corresse sobre ela. Inclinou a cabeça para encontrar seus olhos. - É seguro agora? – Perguntou ela, querendo que Daniel começasse a falar da trégua. Será que eles poderiam, finalmente, ficar juntos? Mas o olhar desgastado em seus olhos lhe deu a resposta antes que ele abrisse a boca. - Eu não deveria estar aqui, mas eu me preocupo com você. – Ele a segurou com o braço esticado. – E pelo que parece, estou certo em me preocupar. – Apontou para uma mecha em seu cabelo. – Eu não entendo porque você fez isso, Luce. Não é você. Ela o empurrou. Sempre a incomodava quando as pessoas diziam isso. - Bem, fui eu quem o tingiu, Daniel. Então tecnicamente, sou eu. Talvez não o “eu” que você quer que eu seja. - Isso não é justo. Eu não quero que você seja alguém além de você mesma. - Que é quem, Daniel? Porque se você souber a resposta a isso, não hesite em me dar uma pista. – A voz dela ficou mais alta quando a frustração superava a paixão que escorregava entre os dedos. – Estou sozinha aqui, tentando descobrir o porquê. Tentando entender o que estou fazendo aqui com todos esses... Quando eu nem sou mesmo um... - Quando você não é o quê? Como eles tinham ido tão rapidamente da dança no ar para isso? - Eu não sei. Eu estou tentando levar no dia após dia. Fazer amigos, você sabe? Ontem entrei para um clube e estamos planejando uma viagem de iate em algum lugar. Coisas assim. O que ela realmente queria dizer a ele era sobre as sombras. E principalmente o que ela tinha feito na floresta, mas Daniel tinha estreitado seus olhos cmo se ela já tivesse feito algo errado. - Você não vai a uma viagem de barco em lugar nenhum. - O quê? - Você vai ficar aqui neste campus até eu dizer o contrário. – Ele exaltou, sentindo sua raiva crescente. – Eu odeio ficar te dando regras, Luce, mas... Eu estou fazendo tanta coisa para mantê-la segura. Eu não vou deixar nada acontecer contigo. - Literalmente. – Luce cerrou os dentes. – Ruim ou não. Parece que quando você não está por perto, você não quer que eu faça nada. - Isso não é verdade. – Ele acenou o dedo para ela. Ela nunca tinha o visto perder a paciência com tanta rapidez. Em seguida, ele olhou para o céu e Luce seguiu seu olhar. Uma sombra sibilava sobre suas cabeças como um fogo de artifício todo preto, deixando um rastro mortal e cheio de fumaça. Daniel parecia ser capaz de lê-lo imediatamente. - Eu tenho que ir. – Disse. - Que impressionante. – Ela se virou. – Aparece do nada, arruma uma briga e depois mete o pé. Isto tem que ser amor real e verdadeiro. Ele agarrou os ombros dela e a sacudiu até que ela encontrou seus olhos. - É amor verdadeiro. – Disse ele, com tal desespero que Luce não poderia dizer se obteve progresso ou se adicionou uma dor em seu coração. – Você sabe que é. – Seus olhos ardiam violeta não com raiva, mas com um desejo intenso. O tipo de olhar que faz você amar uma pessoa muito mais. Ela sentia saudades dele mesmo quando ele estava parado em sua frente. Daniel abaixou a cabeça para beijar sua bochecha, mas elas estava muito perto de chorar. Constrangida, ela se virou. Ouviu seu suspiro e depois o bater de asas. Não. Quando ela virou para o lado, Daniel estava voando no céu, a meio caminho entre o oceano e a lua. Suas asas estavam acesas num branco brilhante sobre um raio de luar. Um momento depois, era difícil separá-lo dos outros astros no céu. Capítulo 5 – Catorze Dias Durante a noite, sem vento, uma camada de névoa se aproximou como um exército, se estabelecendo sobre a cidade de Fort Bragg. Não surgiu com o nascer do sol e sua tristeza se infiltrou em tudo e em todos. Então durante a sexta-feira inteira, Luce sentia que estava sendo arrastada por uma onda em movimento lento. Os professores estavam fora de foco, sem compromisso e lentos com suas palestras. Os alunos estavam sentados numa grande inércia, lutando para ficarem acordados durante um lento e longo dia monótono. No momento que as aulas acabaram, o tédio penetrou profundamente em Luce. Não sabia o que estava fazendo na escola que não era realmente a sua, nesta vida temporária que apenas destacava a falta de uma vida real e permanente. Tudo o que ela queria fazer era rastejar até seu beliche e dormir o tempo todo, não apenas o clima e a primeira longa semana em Shoreline, mas também a discussão com Daniel e o emaranhado de dúvidas e ansiedades que se viam soltos em sua mente. Dormir na noite anterior tinha sido impossível. Nas horas mais escuras da manhã que ela voltou tropeçando ao seu dormitório. Ela virava na cama, sem nunca realmente cochilar. Daniel a excluindo já não a surpreendia, mas isso não significava que ela tinha ficado mais fácil. E aquela ordem insultante e chauvinista que lhe dera para ficar no terreno da escola? O que foi aquilo, o século XIX? Passou por sua cabeça que talvez Daniel falasse com ela assim há séculos, mas... Como Jane Eyre ou Elizabeth Bennett. Luce estava certa de que nenhuma forma dela mesma jamais teria gostado daquilo. E ela certamente não gostava agora. Ainda estava com raiva e irritada após a aula, se movendo através da neblina em direção ao dormitório. Seus olhos estavam turvos e ela estava praticamente sonâmbula quando a mão dela apertou a maçaneta. Tombando para dentro do quarto escuro e vazio, ela quase não viu o envelope que alguém tinha escorregado sob a porta. Era cor creme, frágil e quadrado e quando ela virou de ponta cabeça, viu seu nome digitado na frente com letras pequenas e maciças. Ela o rasgou, querendo um pedido de desculpas dele. Sabendo que ela lhe devia um também. A carta dentro estava datilografada num papel cor creme e dobrada em três partes. Querida Luce, Há algo que eu estive esperando há muito tempo para te dizer. Encontre-me na cidade, perto de Noyo Point, por volta das seis horas da noite? O ônibus nº5 na Rodovia 1 para a meio quilômetro de Shoreline. Utilize essa passagem de ônibus. Estarei esperando perto de North Cliff. Estou louco para te ver. Com amor, Daniel. Agitando o envelope, Luce sentiu uma pequena tira de papel dentro. Ela puxou uma passagem de ônibus azul e branca com o número cinco impressa na frente e um mapinha tosco de Fort Bragg desenhado em sua volta. Era isso. Não havia mais nada. Luce não conseguia entender. Não há menção da discussão na praia. Não havia indicação de que Daniel tenha mesmo entendido quanto errado foi quando ele praticamente desapareceu no ar naquela noite, então ele espera que ela viaje a seu capricho em seguida. Nenhum pedido de desculpas. Estranho. Daniel pode aparecer em qualquer lugar, a qualquer momento. Ele era geralmente indiferente às realidades lógicas que os seres humanos normais tinham que lidar. A cara era fria e dura em suas mãos. O lado mais precipitado dela estava tentando fingir que ela nunca havia recebido. Estava cansada de discutir, cansada de Daniel não confiar nela com mais detalhes. Mas esse desagradável e apaixonado lado de Luce perguntava se ela estava sendo muito dura com ele. Porque a relação deles valia a pena o esforço. Tentou se lembrar da maneira que seus olhos tinham olhado e sua voz soava quando ele lhe contou a história sobre a vida que ela passou na corrida do ouro na Califórnia. O jeito como ele a viu através da janela e se apaixonou, algo como na milésima vez. Essa foi a imagem que levou com ela quando deixou o dormitório minutos mais tarde para se arrastar pela Shoreline até os portões da frente, em direção à parada de ônibus onde Daniel a havia instruído a esperar. Uma imagem de seus olhos violetas articulados apertou se coração, enquanto estava sob um céu cinzento e úmido. Assistia aos carros incolores se materializarem na névoa. Quando olho de volta para Shoreline, para o formidável campus á distância, se lembrou de Jasmine, de suas palavras na festa. Enquanto permanecer sob a vigilância, podemos muito bem fazer o que quisermos. Luce estava deixando a proteção, mas onde estava o mal? Ela nem era uma estudante de verdade lá, e mesmo assim, ver Daniel novamente valia a pena o risco de ser pega. Poucos minutos depois de meia hora, o ônibus número cinco parou no ponto de ônibus. O ônibus era velho, cinza e frágil igual ao motorista que abriu a porta para deixar Luce entrar. Pegou uma cadeira vazia perto da frente. O ônibus tinha cheiro de teias de aranha, ou de um sótão pouco usado. Teve que agarrar o barato assento de couro enquanto o ônibus embarricava nas curvas à oitenta quilômetros por hora, como se a apenas centímetros além da estrada, o precipício caísse um quilômetro em linha reta para o oceano cinza e irregular lá embaixo. Chovia no momento em que chegaram à cidade, uma tímida garoa constante de uma chuvarada. A maioria das lojas na rua principal já estavam fechadas e a cidade parecia úmida e um pouco desolada. Não era exatamente a cena que tinha em mente para uma feliz conversa de reconciliação. Descendo do ônibus, Luce tirou o gorro de esqui de sua mochila e o colocou sobre sua cabeça. Podia sentir o frio da chuva sobre o nariz e nas pontas dos dedos. Viu uma placa de metal verde e torta e seguiu em direção à seta de Noyo Point. O local era uma península variada de terrenos, não verde exuberante como o terreno do campus de Shoreline, mas uma mistura de grama irregular e crostas de areia cinza molhada. As árvores dizimadas aqui e suas folhas despejadas pelo vendo no oceano vacilante. Havia um banco solitário em um trecho com lama por todo o caminho na borda, cerca de cem metros na estrada. Ali onde deveria ser onde Daniel queria que eles se encontrassem, mas Luce podia ver de onde ela estava que ele ainda não estava lá. Olhou para o relógio. Estava cinco minutos atrasada. Daniel nunca se atrasava. A chuva parecia se instalar nas pontas de seu cabelo, em vez de mergulhar nele do jeito que a chuva realmente fazia. Nem mesmo a Mãe Natureza sabia o que fazer com uma Luce tingida de loiro. Não queria esperar por Daniel em um campo aberto. Havia uma fila de lojas na rua principal. Luce hesitou ali, de pé, numa longa varanda de madeira sob um toldo de metal enferrujado. Fred Fish estava escrito no acesso a loja fechada em desbotadas letras azuis. Fort Bragg não era fantástica como Mendocino, a cidade onde ela e Daniel tinham parado antes dele ter voado com ela para Shoreline. Era mais industrial, uma verdadeira vila de pescadores à moda antiga, com docas apodrecidas instaladas em uma enseada curva onde a terra afilava para baixo em direção à água. Enquanto Luce esperava, um barco cheio de pescadores estava pisando em terra firme. Assistiu a fila de homens muito magros e endurecidos em suas capas encharcadas subindo as escadas rochosas do cais abaixo. Quando chegaram ao nível da rua, andavam sozinhos ou em grupos em silêncio, passaram o banco vazio e as árvores tristemente inclinadas, passaram pela fachada fechada de um estacionamento de cascalho na margem sul de Noyo Point. Subiram em caminhões velhos e malconservados, ligaram os motores e foram embora, o mar sombrio se diluindo até que um se destacou e não saindo de qualquer escuna. Na verdade, parecia ter surgido de repente fora da neblina. Luce saltou para trás contra as janelas de metal da loja de pescado e tentou recuperar o fôlego. Cam. Ele estava caminhando ao longo da estrada de terra bem em frente a ela, ladeado por dois pescadores vestidos de negro que não pareciam notar sua presença. Estava vestido com jeans slim preto e uma jaqueta de couro preta. Seu cabelo escuro estava menor do que quando ela o tinha visto pela última vez, brilhando na chuva. Um sinal de uma tattoo bronzeada estava visível no lado do pescoço. Contra o plano de fundo incolor do céu, seus olhos eram tão intensamente verdes quanto eles nunca haviam sido antes. A última vez que tinha o visto, Cam estava parado na frente de um exército negro de demônios adoecidos. Tão insensível, cruel e simplesmente... Mal. Ele fez seu sangue gelar. Ela tinha uma série de maldições e acusações prontas para arremessar em cima dele, mas seria melhor ainda se pudesse o evitar completamente. Tarde demais. O olhar verde de Cam caíra sobre ela, e ela congelou. Não porque ele estava jogando um daqueles falsos encantos – que ela chegara muito perto de cair em Sword & Cross – mas porque ele parecia genuinamente alarmado ao vê-la. Virou-se rapidamente, indo direção aos poucos pescadores desgarrados que restaram, e estava ao seu lado no instante seguinte. - O que você está fazendo aqui? Cam parecia mais que assustado, Luce decidiu que... Parecia quase com medo. Seus ombros estavam agrupados em seu pescoço e seus olhos não permaneciam em nada por mais de um segundo. Não tinha dito nada sobre seu cabelo, quase pareceu como se não tivesse notado. Luce tinha certeza que Cam não era para saber que ela estava aqui na Califórnia. O objetivo de sua deslocação era a manter longe de caras como ele. E agora ela tinha estragado isso. - Eu só estou... – Olhou para o caminho de cascalho branco cortando a relva junto à borda do penhasco atrás de Cam. – Estou indo para uma caminhada. - Não está não. - Deixe-me sozinha. – Tentou o empurrar. – Não tenho nada para te dizer. - O que seria ótimo, já que não é para estarmos falando um com o outro. E você não é para estar fora da escola. De repente, ela se sentiu nervosa, como se ele soubesse algo que ela não sabia. - Como você sabe que eu estou indo mesmo para uma escola aqui? Cam suspirou. - Eu sei tudo, ok? - Então você está aqui para lutar contra Daniel? Os olhos verdes de Cam se estreitaram. - Por que eu... Espera ai, você está dizendo que você está aqui para vê-lo? - Não parece tão chocado. Nós estamos juntos. – Era como se Cam ainda não tivesse entendido que ela tinha escolhido Daniel. Cam coçou a testa, preocupado. Quando ele finalmente falou, suas palavras foram apressadas: - Ela mandou te buscar, Luce? Ela estremeceu, desmoronando sob a pressão de seu olhar. - Eu recebi uma carta. - Deixe-me vê-la. Agora Luce enrijeceu, examinando a expressão peculiar de Cam para tentar entender o que ele sabia. Parecia tão inquieto quando ela. Ela não se moveu. - Você foi enganada. Grigori não iria mandar te buscar agora. - Você não sabe o que ele faria por mim. – Luce se virou, desejando que Cam nunca a tivesse visto, desejando estar longe dali. Sentiu uma necessidade infantil de se gabar para Cam da última noite em que Daniel a tinha visitado. Mas se gabaria pouco já que não havia muita glória em veicular os detalhes de sua discussão. - Eu sei que ele morreria se você morrer, Luce. Se você quiser viver mais um dia, é melhor você me mostrar a carta. - Você me mataria em detrimento de um pedaço de papel? - Eu não a mataria, mas quem lhe enviou a carta provavelmente pretendia. - O quê? – Sentindo a carta quase queimando em seu bolso, Luce resistiu ao impulso de lançar a carta nas mãos dele. Cam não sabia do que ele estava falando. Não podia saber. Mas quanto mais ele a olhava, mais ela começava a se perguntar sobre a estranha carta que ela estava segurando. Essa passagem de ônibus, as instruções. Foi estranhamente técnica e formulada. Não parecia nem um pouco com Daniel. Ela a pegou do bolso com os dedos tremendo. Cam a arrancou dela, fazendo uma careta enquanto lia. Murmurou alguma coisa baixinho enquanto seus olhos disparavam em torno da floresta do outro lado da estrada. Luce olhou em volta também, mas não conseguia ver nada de suspeito nos poucos pescadores remanescentes carregando suas cargas num caminhão enferrujado. - Vamos lá. – Disse ele, finalmente, a agarrando pelo cotovelo. – Tá na hora de você voltar para a escola. Ela se afastou. - Eu não vou a lugar nenhum com você. Eu te odeio. O que vocês estão fazendo aqui? Cam se posicionou ao seu redor. - Estou caçando. Ela o julgou, tentando não deixar transparecer que ainda a deixava nervosa. Um Cam magro, vestido num estilo punk-rock e desarmado. - Sério? – Ela inclinou a cabeça. – Caçando o quê? Cam olhou através dela em direção à ampla floresta escura. Balançou a cabeça uma vez. - Ela. Luce esticou o pescoço para ver de quem ou do quê Cam estava falando, mas antes que pudesse ver alguma coisa ela a empurrou bruscamente. Houve um estranho sopro de ar e algo prata silvou próximo ao seu rosto. - Se abaixe! – Cam gritou, exercendo pressão sobre os ombros de Luce. Ela caiu no chão da varanda, sentindo o peso dele em cima dela, cheirando a poeira das tábuas de madeira. - Me larga! – Ela gritou enquanto se contorcia de nojo, medo e frio pressionados dentro dela. Quem quer que seja que esteja lá fora devia ser muito mal. Caso contrário não estaria numa posição em que Cam a estivesse a protegendo. Um momento depois, Cam estava correndo pelo estacionamento vazio. Estava correndo em direção a uma menina. Era uma menina muito bonita da idade de Luce, vestida com um longo casaco marrom. Tinha as feições delicadas e cabelos brancos, loiros puxados alto num rabo de cavalo, mas algo estava estranho com seus olhos. Fizeram uma vaga expressão que, mesmo à distância, atingiu Luce a deixando rígida de medo. Havia mais: A menina estava armada. Segurava um arco de preta e foi às pressas encaixando uma flecha. Cam se jogou na frente, seus pés esmagando o saibro enquanto se movia em linha reta na direção da menina cujo bizarro arco de prata brilhava mesmo no nevoeiro. Como se não fosse deste mundo. Tirando os olhos da garota lunática com a flecha, Luce caiu de joelhos e esquadrinhou o estacionamento para ver se ninguém parecia tão em pânico quanto ela, mas o lugar estava vazio, estranhamente quieto. Seus pulmões estavam apertados, mal conseguia respirar. A menina se movia quase como uma máquina, sem hesitação. E Cam estava desarmado. A menina estava puxando a corda e Cam estava à queima-roupa. Porém ela levou uma fração de segundo demasiada longa e Cam se chocou contra ela, batendo nela pelas costas. Ele brutalmente arrancou a arma de suas mãos, apertando o cotovelo contra o rosto dela até ela soltar. A menina emitiu um som alto e incoerente e recuou no terreno quando Cam virou a arma contra ela. Ela levantou a mão aberta em súplica. Então Cam soltou a flecha em linha reta em seu coração. Do outro lado do estacionamento, Luce gritou e mordeu seu punho. Apesar de querer estar bem longe, encontrou-se movendo os pés com dificuldade. Alguma coisa estava errada. Luce esperava encontrar a menina ali sangrando, mas ela não lutava, não chorava. Porque ela não estava mais lá. Ela e a flecha que Cam havia atirado haviam desaparecido. Cam percorreu o estacionamento, pegando as flechas que a arqueira tinha derrubado como se fosse a mais urgente tarefa que ela já tinha realizado. Luce agachou onde a menina havia caído. Observou o áspero cascalho com o dedo, confusa e com mais medo do que tinha estado um momento antes. Não havia sinal de que alguém tivesse estado lá. Cam voltou para o lado de Luce com três flechas em uma mão e o arco de prata na outra. Institivamente, Luce estendeu a mão para um toque. Nunca tinha visto nada parecido. Por alguma razão, enviou a ela uma estranha onda de fascinação. Um pequeno hematoma surgiu em sua pele. Sua cabeça estava tonta. Cam escondeu as flechas. - Não. Elas são mortais. Não pareciam mortais. Na verdade, as flechas não tinham sequer cabeça. Eram apenas varas de prata que a ponta terminava em uma extremidade plana. E ainda uma delas tinha feito aquela menina desaparecer. Luce piscou algumas vezes. - O que aconteceu, Cam? – A voz dela estava pesada. – Quem era? - Ela era uma Exilada. – Cam não estava a olhando. Estava aficionado pelo arco de prata em suas mãos. - Uma o quê? - O pior tipo de anjo. Eles ficaram ao lado de Satanás durante a revolta, mas não colocaram os pés no submundo. - Por que não? - Você não conhece o tipo. Como aquelas meninas que querem ser convidadas para uma festa, mas na verdade, não pretendem aparecer. – Ele fez uma careta. – Assim que a batalha terminou, tentaram recuar para o Céu bem rápido, mas já era tarde demais. Você só tem uma chance nas Nuvens. – Olhou para a Luce. – A maioria de nós, de qualquer maneira. - Então, se eles não estão com o Céu... – Ela ainda estava se acostumando a falar concretamente sobre essas coisas. – Eles estão... Com o Inferno? - Dificilmente. Embora eu me lembre de quando eles vieram rastejando de volta. – Cam deu uma risada sinistra. – Normalmente subjugamos qualquer um que pegamos, mas mesmo Satanás tem seus limites. Ele os expulsou permanentemente, os deixaram cegos para acrescentar danos para insultá-los. - Mas essa menina não era cega. – Sussurrou Luce, recordando a forma como seu arco tivesse seguido Cam em todos os movimentos. A única razão dela não ter batido nele era porque ele havia se movimentado rápido. E ainda tinha Luce. Ela sabia que havia algo fora sobre essa menina. - Ela era. Só que usa outros sentidos para sentir seu caminho através do mundo. Ela pode ver depois de uma moda. Tem suas limitações e seus benefícios. Seus olhos não paravam de vasculhar as linhas das árvores. Luce perdeu a fala ao pensar em mais Exilados aninhados na floresta. Mais daqueles arcos e flechas de prata. - Bem, o que aconteceu com ela? Onde ela está agora? – Cam a olhou. - Ela está morta, Luce. Poof! Se foi. Morta? Luce olhou para o lugar no chão onde tinha acontecido, agora tão vazio quando o resto do estacionamento. Abaixou a cabeça, tonta. - Eu... Eu pensei que você não podia matar anjos. - Só por falta de uma boa arma. – Acendeu as flechas para Luce uma última vez antes de guardá-las em um pano que puxou do bolso e as prendeu dentro de sua jaqueta. – Essas coisas são difíceis de encontrar. Ah, pare de tremer, eu não vou te matar. – Ele se virou e começou a testas as portas dos carros no estacionamento, sorriu quando avistou a janela abaixada do motorista de um caminhão cinza e amarelo. Entrou e apertou a tranca. – Esteja grata que você não tenha que voltar a pé para a escola. Vamos lá, entre. Quando Cam abriu a porta do lado do passageiro, a mandíbula de Luce caiu. Espreitou-se pela janela aberta e o observou fazendo uma ligação direta na ignição. - Você acha que eu vou entrar num caminhão ligado assim com você logo depois que eu te vi matar alguém? - Se eu não tivesse a matado. – Passou a mão por baixo do volante. – Ela teria te matado, ok? Quem você acha que lhe enviou essa carta? Você foi atraída para fora da escola para ser assassinada. Será que isso torna as coisas mais fáceis? Luce encostou-se no capô do caminhão, não sabendo o que fazer. Pensou na conversa que teve com Daniel, Arriane e Gabbe na hora que ela deixava Sword & Cross. Eles disseram que Miss Sophia e os outros em sua seita podiam vir atrás dela. - Mas ela não parecia com... Será que os Exilados fazem parte dos Anciãos? Naquele momento Cam já tinha o motor ligado. Rapidamente saltou para fora, deu a volta e empurrou Luce no banco do passageiro. - Siga em frente, chop-chop. Isto é como pastorear um gato. – Finalmente ele a tinha sentada e puxou o cinto de segurança em torno dela. – Infelizmente, Luce, você tem mais de um tipo de inimigo. É por isso que eu vou te levar de volta à escola, onde é seguro. Agora. Mesmo. Ela não achava que seria inteligente ficar sozinha em um carro com Cam, mas não tinha certeza se ficar aqui por conta própria era mais esperto. - Espere um minuto. – Disse ela quando ele se virou em direção de Shoreline. – Se esses Exilados não fazem parte do céu ou do inferno, de que lado eles estão? - Os Exilados são uma sombra doentia de cinza. Caso você não tenha notado, há coisas piores por lá do que eu. Luce cruzou as mãos no colo, ansiosa para voltar para seu dormitório onde ela podia sentir, ou pelo menos fingir, que se sentia segura. Por que ela deveria acreditar em Cam? Ela já havia caído em suas mentiras muitas vezes antes. - não há nada pior do que você. O que você quer... O que tentou fazer na Sword & Cross foi horrível e errado. – Ela balançou a cabeça. – Você está apenas tentando me enganar de novo. - Não estou. – Sua voz tinha menos convencimento do que ela esperava. Parecia pensativo, até mesmo abatido. Naquele momento, tinha entrado na longa e arqueada garagem da Shoreline. – Eu nunca quis te magoar, Luce, nunca. - É por isso que você chamou todas aquelas sombras para a batalha quando eu estava no cemitério? - O bem e o mal não são tão claros como você pensa. – Ele olhou pela janela em direção aos edifícios de Shoreline, que pareciam escuros e desertos. – Você é do Sul, certo? Desta vez, de qualquer maneira. Então você deve compreender a liberdade que os vencedores têm de reescrever a história. Semântica, Luce. O que você acha do que é mal... Ao meu ver, é um simples problema de conotação. - Daniel não pensa assim. – Luce desejava que pudesse ter dito que ela não pensava assim, mas não sabia o suficiente ainda. Sentia como se estivesse tendo muito das explicações de Daniel sobre a fé. Cam estacionou o caminhão em um trecho de grama por trás de seu dormitório, saiu e deu a volta para abrir a porta do passageiro. - Daniel e eu somos duas faces da mesma moeda. – Ofereceu sua mão para ajudá-la a sair, ela o ignorou. – Deve doer em você ouvir isso. Ela quis dizer que não podia ser verdade, que não havia semelhanças entre Cam e Daniel, não importa o quanto Cam tentasse encobrir as coisas, mas na semana que estava em Shoreline, Luce tinha visto e ouvido coisas que conflitavam com o que pensava. Pensou em Francesca e Steven. Eles nasceram de um mesmo lugar: Era uma vez, antes da guerra e da queda, havia apenas um lado. Cam não era o único que afirmava que a divisão entre os anjos e demônios não era totalmente preto e branco. A luz estava acesa em sua janela. Luce imaginava Shelby sobre o tapete laranja, de pernas cruzadas em uma posição de lótus, meditando. Como poderia Luce entrar e fingir que não tinha visto um anjo morrer? Ou que tudo o que tinha acontecido esta semana não a tinha deixado cheia de dúvidas? - Vamos manter os acontecimentos desta noite entre nós, não é?- Cam disse. – E daqui para frente, faça um favor para todos e permaneça no campus, onde você não vai entrar em apuros. Ela passou por ele, fora do feixe dos faróis do caminhão roubado e pelas sombras que camuflavam as paredes de seu dormitório. Cam voltou para o caminhão, acelerando o motor ofensivamente, mas antes de se afastar, abaixou a janela e gritou para Luce: - De nada! Ela se virou. - Pelo quê? Ele sorriu e pisou fundo. - Por salvar sua vida. Capítulo 6 – Treze Dias - Está aqui. – Uma voz alta cantou do lado de fora da porta de Luce na manhã seguinte. Alguém estava batendo na porta. – Finalmente está aqui! A batida ficou mais insistente. Luce não sabia que horas eram, mas estava muito cedo para todas as risadinhas que ela podia ouvir do outro lado da porta. - Seus amigos. – Shelby chamou do beliche de cima. Luce gemeu e deslizou para fora da cama. Olhou para Shelby que estava apoiada no estômago no beliche de cima, já completamente vestida de jeans e um pretensioso colete vermelho, fazendo as palavras cruzadas do sábado. - Você nunca dorme? – Luce murmurou indo ao seu armário para arrancar o seu roupão de lã púrpura que sua mãe tinha costurado para o seu décimo terceiro aniversário. Ele ainda cabia nela. Pressionou o rosto no olho mágico e viu os convexos rostos sorridentes de Dawn e Jasmine. Estavam usando lenços brilhantes e protetores de ouvido felpudos. Jasmine levantou um suporte de copos com quatro cafés quando Dawn, que estava com um grande saco de papel marrom em sua mão, batia novamente. - Você vai as calar ou eu devo chamar a segurança do campus? – Shelby perguntou. Ignorando-a, Luce abriu a porta e as duas meninas entraram no quarto falando sem parar. -Finalmente. – Jasmine riu, entregando a Luce uma xícara de café antes de estatelar com o beliche de baixo desfeito. – Temos muito a discutir. Nem Dawn nem Jasmine jamais haviam ido ao quarto dela antes, mas Luce estava gostando do jeito que agiam como se estivessem em casa. Lembrava Penn, que havia pegado “emprestado” a chave reserva do quarto de Luce para que pudesse entrar quando houvesse necessidade. Luce olhou para seu café e engoliu em seco. De jeito nenhum ela poderia ficar emocionada aqui, agora, na frente das três. Dawn estava no banheiro, enraizada além do armário ao lado da pia. - Como membro integrante do comitê de planejamento, acho que você deveria estar a parte do discurso de boas vindas hoje. – Disse, olhando uma Luce em descrença. – Como você ainda não está vestida? O iate sai em... Bem, uma hora. – Luce coçou a testa. - O que me faz lembrar...? - Ugh. – Dawn gemeu drasticamente. – Amy Branshaw? Minha parceira de laboratório? Aquela cujo pai é dono de um iate monstro? Nada disso te faz lembrar alguma coisa? Foi tudo voltando para ela. Sábado. A viagem de barco até a costa. Jasmine e Dawn tinham armado uma ideia longe de ser educacional para o comitê de eventos de Shoreline, conhecida como Francesca, e tinha de alguma forma conseguido autorização. Luce havia concordado em ajudar, mas ela ainda não tinha feito nada. Tudo que ela podia pensar agora era no rosto de Daniel quando ela tinha o contado sobre isso e de imediato ele rejeito a ideia de ter Luce se divertindo sem ele. Agora Dawn estava vasculhando o armário de Luce. Tirou um vestido de lã de manga comprida cor de berinjela, o atirou para Luce e a calçou no banheiro. - Não se esqueça da calça legging por baixo. Está frio lá fora na água. No caminho, Luce pegou o telefone celular do carregador. Ontem à noite, depois que Cam a trouxe, se sentiu sozinha e com tanto medo e, havia quebrado a regra número um do Sr. Cole e mando uma SMS para Callie. Se Sr. Cole soubesse o quando ela precisava ter notícias da amiga... Ele provavelmente ainda ficaria furioso com ela. Agora era tarde demais. Abriu a caixa de mensagens de texto e lembrou-se de quanto seus dedos estavam tremendo quando escreveu o texto cheio de mentira: Finalmente ganhei um telefone celular! A recepção é ruim, mas eu vou ligar quando eu puder. Tudo está bem aqui, mas eu sinto sua falta! Escreva em breve! Nenhuma resposta de Callie. Ela estava doente? Ocupada? Fora da cidade? Ignorando Luce por ignorar? Luce se olhou no espelho. Olhou e se sentiu um lixo, mas concordou em ajudar Dawn e Jasmine, então puxou o vestido de lã e enrolou os cabelos loiros para trás com alguns grampos. No momento em que Luce saiu do banheiro, Shelby estava se abstendo do café da manhã que as meninas tinham trazido com elas no saco de papel. Parecia realmente muito bom. Pães doce de cereja, bolinhos de nesse, pãezinhos de canela e três tipos diferentes de suco. Jasmine entregou-lhe um enorme bolinho de neve e uma tina de requeijão. - Alimento para o cérebro. - O que é isso tudo? – Miles enfiou a cabeça pela porta entreaberta. Luce não podia ver seus olhos sob o boné de beisebol puxado para baixo, mas o seu cabelo castanho estava virando para cima nas laterais e suas gigantes covinhas apareceram quando ele sorriu. Dawn caiu na gargalhada, por nenhuma outra razão que Miles ser uma gracinha e Dawn ser Dawn, mas Miles não pareceu notar. Ele ficava mais relaxado e descontraído em torno de um grupo de muitas meninas do que Luce. Talvez ele tivesse um monte de irmãs ou algo assim. Ele não era como algumas das outras crianças de Shoreline, cuja frieza parecia ser uma fachada. Miles era verdadeiro. - Não tem nenhum amigo do seu próprio sexo, não? – Shelby perguntou, fingindo estar mais irritada do que realmente estava. Agora que ela conhecia sua companheira de quarto um pouco melhor, Luce estava começando a achar o humor abrasivo de Shelby quase que encantador. - Claro. – Miles entrou no quarto totalmente inabalável. – É que meus amigos homens não costumam aparecer com café da manhã. – Tirou um enorme rolo de canela da mochila e deu uma grande mordida. – Você está bonita, Luce. – Disse com a boca cheia. Luce corou, Dawn parou de rir e Shelby tossiu na manga: - Embaraçoso. Ao primeiro som do alto-falante no corredor, Luce saltou. as outras crianças a olhavam como se ela fosse louca, mas Luce ainda estava acostumada com as punições de Sword & Cross de pronunciar a P.A. Em vez disso, a voz âmbar de Francesca derramou-se pelo quarto: - Bom dia, Shoreline. Se você está se juntando a nós na viagem de hoje de iatismo, o ônibus para a Marina sai em dez minutos. Vamos nos reunir na entrada sul para uma contagem. E não se esqueçam de se agasalharem! Miles pegou outro doce para viagem. Shelby colocou um par de galochas de bolinhas. Jasmine apertou o aro de seus protetores de ouvido rosa e encolheu os ombros para Luce. - Tanto para planejar! Nós vamos ter que apressar o discurso de boas vindas. - Sente-se perto de nós no ônibus. – Dawn instruiu. – Nós vamos mapeá-la totalmente no caminho para Noyo Point. Noyo Point. Luce forçou-se a engolir o bolinho de neve na boca cheia. A expressão morta da menina Exilada, mesmo quando ela estava viva, a carona terrível com Cam... A memória trazia arrepios na pele de Luce. Não ajudava nada que Cam tenha esfregado na cara dela que tinha salvado sua vida. Logo depois lhe disse para não sair do campus novamente. Coisa muito estranha de dizer. Quase como se ele e Daniel estivesse em conluio. Parando, Luce se sentou na beirada da cama. - Então, nós vamos? Ela nunca tinha quebrado uma promessa de Daniel antes. Mesmo que nunca tivesse prometido não ir ao iate. A restrição foi tão dura e inapropriada que seu instinto era desprezar, mas se ela tivesse concordado em seguir as regras de Daniel, talvez não teria que ver alguém sendo morto. Apesar de que provavelmente era apenas sua paranoia surgindo de novo. Aquele bilhete tinha deliberadamente a atraído para fora do campus. Uma viagem de barco da escola era algo totalmente diferente. Não era como se Os Exilados estivessem pilotando o barco. - É claro que todos nós vamos. – Miles agarrou a mão de Luce, a puxando para ficar de pé em direção à porta. – Por que nós não? Este era o momento de escolha: Luce poderia ficar em segurança no campus do jeito que Daniel (e Cam) a tinham dito para ficar. Como uma prisioneira. Ou ela poderia sair por aquela porta e provar para si mesma que sua vida era dela. Meia hora depois, Luce estava olhando, juntamente com metade do corpo estudantil de Shoreline, para um brilhoso e branco iate de luxo Austal de quarenta metros. O ar em Shoreline tinha ficado mais claro, mas lá embaixo na água da Marina junto ao cais, havia ainda um fino feltro de névoa que sobrou da véspera. Quando Francesca desceu do ônibus, murmurou “Já basta” e levantou as palmas das mãos no ar. Muito casualmente, como se estivesse empurrando as cortinas de uma janela, ela sumiu com o nevoeiro com os dedos. Abrindo um rico e plano céu claro diretamente sobre o barco reluzente. Foi feito tão sutilmente que nenhum dos estudantes não Nephilim ou professores poderiam dizer que qualquer outra coisa, além da natureza, estava trabalhando. Mas Luce ficou boquiaberta, não tinha certeza do que ela tinha acabado de ver ou o que ela achava que tinha visto até que Dawn começou a bater palmas baixinho. - Impressionante, como de costume. Francesca sorriu levemente. - Sim, isso é melhor, não é? Luce estava começando a perceber todos os pequenos detalhes que poderiam ter sido obras de um anjo. O passeio no ônibus fretado tinha sido muito mais suave do que o ônibus público que ela tinha pegado na chuva no dia anterior. As fachadas pareciam revigoradas, como se toda a cidade houvesse recebido uma nova camada de tinta. Os alunos faziam fila para embarcar no iate que estava deslumbrante na maneira muito cara que as coisas estavam. O seu perfil elegante curvava como uma concha e cada um de seus três níveis tinha seu próprio deck branco e largo. De onde eles entraram na proa, Luce podia ver através das janelas enormes três camarotes polidamente mobiliados. No quente sol na Mariana, as preocupações de Luce com Cam e os Exilados pareciam ridículas. Ficou surpresa ao senti-las desaparecer. Acompanhou Miles na cabine no segundo andar do iate. As paredes eram de um cinza calmo, com longos sofás preto e branco em formas de L abraçados nas paredes curvas. Uma meia dúzia de alunos já tinham se lançado nos bancos estofados e foram pegando na enorme variedade de alimentos que cobriam as mesas de café. No bar, Miles abriu uma lata de Coca-Cola, a dividiu em dois copos de plástico e entregou um a Luce. - Então o demônio disse ao anjo: Me processe? Onde você acha que você vai ter que ir para encontrar um advogado? – Ele cutucou. – Entendeu? Porque dos advogados se esperam todas as... Uma piada. Sua mente estava em outro lugar e ela perdeu o fato de que Miles estava contando uma piada. Ela se forçou a se exaltar, rindo alto, até mesmo batendo em cima do balcão do bar. Miles parecia aliviado, se não um pouco desconfiado de sua reação exagerada. - Uau. – Disse Luce, sentindo-se suja quando ela reduziu o riso falso. – Essa foi boa. À sua esquerda, Lilith, a alta trigêmea ruiva que Luce conheceu no primeiro dia de aula, parou a mordida de um tartare de atum no caminho de sua boca. - Que tipo de piada esfarrapada foi essa? – Ela foi carrancuda principalmente com Luce, os lábios brilhantes fixados em um rosnado. – Você realmente acha isso engraçado? Alguma vez já esteve no submundo? Não é nenhuma matéria de riso. Esperamos isso de Miles, mas gostaria de pensar que você tenha um bom gosto. Luce foi pega de surpresa. - Eu não sabia que era uma questão de gosto. – Disse. – Nesse caso, eu definitivamente apoio Miles. - Shhh. – As mãos cuidadas de Francesca foram subitamente parar nos ombros de Luce e Lilith. – Do que quer que isso se trate, lembrem-se: Vocês estão num navio com setenta e três alunos não-Nephilim. A palavra do dia é discrição. Isso ainda era uma das partes mais estranhas sobre Shoreline no que se diz respeito à Luce. Todo o tempo eles se passavam por crianças normais da escola, fingindo que não estavam fazendo o que quer que seja que eles realmente faziam dentro do chalé Nephilim. Luce ainda queria falar com Francesca sobre os Anunciadores, para falar o que tinha feito no início da semana na floresta. Francesca se afastou deslizando e Shelby se apertou entre Luce e Miles. -Exatamente o quanto discreta vocês acham que preciso ser para tacar a cabeça de setenta e três não-Nephilim no vaso do banheiro da cabine? - Você é má. – Luce riu e depois olhou duas vezes quando Shelby estendeu seu prato de "Você é má". Luce riu, e depois olhou duas vezes quando Shelby estendeu seu prato de antepastos. - Olha quem está repartindo. – Disse Luce. – E você se considera uma filha única. Shelby puxou o prato de volta depois que Luce se serviu de uma azeitona. - Sim, bem, não se acostume ou algo parecido. Quando o motor reverberou sob seus pés, todos os estudantes aplaudiram. Luce preferia momentos como este em Shoreline, quando ela realmente não conseguia diferenciar quem era Nephilim e quem não era. Uma fila de meninas decidiu enfrentar o frio lá fora, rindo quando seus cabelos esvoaçavam com o vento. Alguns dos rapazes de sua aula de história estavam começando um jogo de pôquer em um canto da cabine principal. Nesta mesa Luce esperaria ter encontrado Roland, mas ele estava ausente. Perto do bar, Jasmine estava tirando fotos de toda a cena enquanto Dawn acenava para Luce, gesticulando com uma caneta e papel no ar que ainda tinha que escrever seu discurso. Luce ia se juntar a eles quando, pelo canto do olho, avistou Steven atrás das janelas. Estava sozinho, encostado ao gradeamento com um longo casaco preto, um chapéu tampando seus cabelos grisalhos. Ainda a deixava nervosa a ideia de pensar nele como um demônio, especialmente porque realmente gostava dele, ou pelo menos, daquilo que ela sabia sobre ele. Seu relacionamento com Francesca a confundia ainda mais. Eles eram tão unidos – o que a lembrou do que Cam havia dito na noite anterior sobre ele e Daniel não serem tão diferentes. A comparação ainda a estava importunando enquanto ela abria a porta de vidro matizado e saiu para o convés. Tudo o que podia ver no lado oeste do iate foi o azul do escuro oceano e o claro céu. A água estava calma, mas um vento forte soprou ao redor do barco. Luce teve que segurar o parapeito, olhando na luz do sol, protegendo os olhos com a mão enquanto se aproximava de Steven. Não viu Francesca em lugar algum. - Olá, Luce. – Ele sorriu e tirou o chapéu quando ela alcançou a grade. Seu rosto estava bronzeado para um mês de novembro. – Como vão as coisas? - Boa pergunta. – Disse ela. - Você já se sentiu sobrecarregada esta semana? Nossa demonstração com os Anunciadores te incomodou muito? Você sabia – Ele abaixou a voz. – que nunca tínhamos ensinado isto antes? - Me incomodou? Que nada! Eu adorei. – Disse Luce rapidamente. – Quero dizer, foi difícil assistir, mas também foi fascinante. Eu estava com vontade de falar sobre isso com alguém... – Com os olhos de Steven nela, ela se lembrou da conversa que ouvira de seus dois professores com Roland. Como tinha sido Steven, não Francesca, que tinha sido mais aberto à inclusão de Anunciadores no currículo. – Eu quero aprender tudo sobre eles. - Tudo sobre eles? – Steven inclinou a cabeça, pegando todo o sol em sua pele já dourada. – Isso pode demorar um pouco. Existem trilhões de Anunciadores, um para cada um de quase todos os momentos da história. O campo é infiltrável. A maioria de nós nem sequer sabe por onde começar. - É por isso que não lecionou sobre isso antes? -É polêmico. – Disse Steven. – Existem anjos que não acreditam que os Anunciadores têm qualquer valor. Ou que eles preferem anunciar as coisas ruins às coisas boas. Chamam defensores, como eu, de ratos de história, demasiado obcecados com o passado para prestar atenção aos pecados do presente. - Mas isso é como dizer... Que o passado não tem valor. Se isso fosse verdade, significaria que todas as vidas anteriores de Luce não eram nada, que sua história com Daniel também tinha sido inútil. Então tudo o que ela consideraria seria sua atual existência ao lado de Daniel. E isto foi suficiente? Não. Não foi. Ela tinha que acreditar que havia mais no que sentia por Daniel: Uma valiosa secreta história que possuía mais do que algumas noites de beijos extasiantes e outras de discussão. Se o passado não significasse nada, seria apenas isso o que eles tinham vivido. - Julgando pelo seu olhar, - Steven disse. – parece que eu recrutei mais uma para o meu lado. - Eu espero que você não esteja enchendo a cabeça de Luce com mais uma de suas porcarias diabólicas. – Francesca apareceu atrás deles. Suas mãos estavam na cintura e ela estava com uma carranca. Até ela começar a rir, Luce não sabia que ela estava brincando. - Estávamos conversando sobre as sombras, quero dizer, os Anunciadores. – Disse Luce. – Steven me disse que ele acha que existem trilhões deles. - Steven também acha que não precisa chamar um encanador quando estoura o cano do banheiro. – Francesca sorriu calorosamente, mas houve uma note em sua voz que fez Luce se sentir envergonhada, como se ela tivesse falado demais. – Você quer testemunhas mais cenas horríveis como aquela que vimos na classe outro dia? - Não, não é isso que eu quis dizer. - Há uma razão para que certas coisas sejam deixadas em mãos de especialistas. – Francesca olhou Steven. – Temo que, como um banheiro quebrado, usar os Anunciadores como uma janela para o passado seja uma dessas coisas. - É claro que entendo porque você, em particular, poderia se interessar por eles. – Disse Steven, atraindo toda a atenção de Luce. Então, Steven conseguiu. Suas vidas passadas. - Mas você tem que entender, - Acrescentou Francesca. – que vislumbrar sombras é altamente arriscado sem o treinamento adequado. Se você está interessada, existem universidades, rigorosos programas acadêmicos, ainda, que eu ficaria feliz em te indicar o caminho. Mas, por agora, Luce, você deve perdoar o nosso erro por apresentar isto tudo tão prematuramente a uma classe do ensino médio e deixar por isso mesmo. Luce se sentiu estranha e exposta. Ambos estavam a olhando. Inclinando-se um pouco sobre os trilhos, ela pôde ver alguns de seus amigos no convés principal na parte de baixo da embarcação. Miles tinha um par de binóculos pressionado contra os olhos e estava tentando apontar algo para Shelby que o ignorou por trás de seus Ray-Ban gigantes. Na popa, Dawn e Jasmine estavam sentadas em uma borda com Amy Branshaw. Estavam inclinadas sobre uma pasta de documentos, fazendo anotações apressadas. - Devo ir ajudar com o discurso de boas vindas. – Disse Luce, se afastando de Francesca e Steven. Podia sentir seus olhos sobre ela durante todo o caminho até a escada em caracol. Luce chegou ao convés principal, se abaixou para passar sob uma linha de velas arriadas e se espremeu por entre um grupo de estudantes não-Nephilim em um círculo em torno do entediado Sr. Kramer, o franzino professor de biologia, que estava lecionando algo sobre o frágil ecossistema logo abaixo deles. - Aí está você! – Jasmine a puxou pera a reunião. – Finalmente nosso plano está ganhando forma! - Que bom! Como eu posso ajudar você? - Às doze horas, vamos tocar o sino. – Dawn apontou para um enorme sino de bronze pendurado por uma roldana branca perto da proa do navio. – Aí eu vou dar as boas vindas a todos, Amy vai falar de como essa viagem foi possível e a Jas vai falar dos eventos sociais deste semestre. Tudo o que precisamos é de alguém para dizer alguma coisa do meio ambiente. – Todas as três garotas olharam para Luce. - Isso é um iate híbrido ou algo assim? – Luce perguntou. Amy deu de ombros e sacudiu a cabeça. O rosto de Dawn se iluminou com uma ideia. - Você pode dizer algo sobre como estar aqui faz a gente ser mais consciente do meio ambiente porque aquele que na natureza convive, age em prol dela. - Você é boa em escrever poemas? – Jasmine perguntou. – Poderia tentar fazer um, tipo, divertido? Culpada por se abster totalmente de quaisquer responsabilidades reais, Luce sentiu a necessidade de aceitar. - Poesia do Meio Ambiente. – Disse ela, pensando que a única coisa que ela era pior do que poesia e biologia marinha era falar em público. – Claro. Eu posso fazer isso. - Ok, ufa! – Dawn limpou a testa. – Então, aqui vai a minha visão. – Pulou na borda de onde estava sentada e começou a fazer uma lista das coisas em seus dedos. Luce sabia que ela deveria estar prestando atenção aos pedidos de Dawn (“Não seria fantástico se nós fizéssemos uma fila crescente de altura?”), especialmente porque em um curto espaço de tempo ela deveria criar algo inteligente e que rimasse sobre o meio ambiente para dizer perante uma centena de colegas de classe, mas sua mente ainda estava obscurecida pela conversa bizarra que teve com Francesca e Steven. Deixe os Anunciadores para os especialistas. Se Steven estava certo que realmente havia um Anunciador para cada momento da história, então foi como dizer a ela para deixar todo o passado para os especialistas. Luce não estava tentando reivindicar conhecimentos sobre Sodoma e Gomorra, era apenas no seu próprio passado, dela e de Daniel, em que ela estava interessada. E se alguém deveria ser um especialista nisso, Luce concluiu que ela deveria ser uma. Mas o próprio Steven tinha dito: Havia um trilhão de sombras lá fora. Seria quase impossível até mesmo localizar aquelas que tinham alguma coisa a ver com ela e Daniel, além de que não sabia o que fazer caso as achasse. Olhou para o convés do segundo andar. Podia ver apenas o topo das cabeças de Francesca e Steven. Se Luce deixasse sua imaginação correr livremente, poderia enxergar uma conversa afiada entre eles. Sobre Luce. E sobre os Anunciadores. Provavelmente o acordo de nunca mais reviver o assunto com ela. Tinha certeza que quando se tratasse de seu passado, teria que agir por conta própria. Espera aí. O primeiro dia de aula, durante o quebra-gelo. Shelby disse – Luce se levantou, esquecendo completamente que estava no meio de uma reunião e atravessou o convés quando um grito agudo soou atrás dela. Quando se virou de costas em direção ao som, Luce viu o lampejo do mergulho de algo negro caindo do barco. Um segundo depois, ele tinha ido embora. Em seguida, um esguicho. - Oh, meu Deus! Dawn! – Jasmine e Amy estavam inclinadas no parapeito ao longo da proa, olhando para baixo na água. Estavam gritando. - Vou pegar o barco salva-vidas. – Amy gritou, correndo para dentro da cabine. Luce pulou na corda ao lado de Jasmine e engoliu em seco. Dawn tinha caído no mar e estava se debatendo na água. No início, a cabeça escura de cabelos e os braços se debatendo eram tudo o que era visível, mas então ela olhou para cima e viu o terror em seu rosto branco. Um horrível segundo depois uma grande onda ultrapassou o pequeno corpo de Dawn. O barco ainda estava em movimento, a puxando para mais longe. As meninas tremeram, esperando que ela ressurgisse. - O que aconteceu? – Steven exigiu, de repente ao seu lado. Francesca foi soltando e puxando a corda do salva-vidas em seus laços com o aro. Os lábios de Jasmine tremeram. - Ela estava tentando tocar o sino para chamar a atenção de todos para o discurso. Ela m-m-mal se inclinou para fora, eu não sei como ela perdeu o equilíbrio. Luce deu outra dolorosa olhada para a proa do navio. A queda na água gelada era provavelmente trinta pés. Ainda não havia sinal de Dawn. - Onde ela está? – Luce chorou. – Ela sabe nadar? Sem esperar uma resposta, pegou o colete salva-vidas das mãos de Francesca, enfiou seu braço nele e subiu ao topo do arco. - Luce - para! Ouviu o grito atrás dela, mas já era tarde demais. Mergulhou na água, segurando a respiração em seu caminho para baixo, pensando em Daniel e em seu último mergulho no lago. Sentiu o frio nas costelas primeiro, um forte aperto em torno de seus pulmões com o choque de temperatura. Esperou até que sua descida abrandasse, em seguida, nadou para a superfície. As ondas derramavam sobre sua cabeça, cuspindo sal em sua boca e nariz, mas ela segurou o colete apertado. Estava pesado para nadar com ele, mas se ela encontrar Dawn, quando ela encontrasse Dawn, ambas iriam precisar dele para se manterem na superfície enquanto aguardavam o salva-vidas. Ela poia sentir vagamente o tumulto lá em cima do iate, as pessoas gritando e correndo ao redor do deck, a chamando. Mas se Luce ia ser de alguma ajuda para Dawn, teria que ignorá-los. Luce pensou que tinha visto o ponto preto da cabeça de Dawn na água gelada. Ela investiu para frente, contra as ondas, em sua direção. Seu pé conectado com alguma coisa – uma mão? – mas depois foi embora e ela não tinha certeza se tinha sido mesmo Dawn. Luce não podia ir para debaixo d’água enquanto tivesse segurando o colete salva-vidas e ela tinha um mau pressentimento que Dawn estava mais embaixo. Ela sabia que não devia largar o salva-vidas, mas ela não poderia salvar Dawn, a menos que ela fizesse isso. Atirando-o de lado, Luce encheu os pulmões com ar e depois mergulhou fundo, nadando com força até que o calor da superfície desapareceu e a água se tornou tão fria que doía. Não conseguia ver nada, apenas se agarrava em todos os lugares que podia, esperando chegar a Dawn antes que fosse tarde demais. Foi o cabelo de Dawn que Luce sentiu primeiro. O choque fine de curtas ondas escuras. Sondando um pouco abaixo, sentiu o rosto da amiga, depois seu pescoço e então seu ombro. Dawn tinha afundado muito rápido em um tempo muito curto. Luce deslizou seus braços sob as axilas de Dawn e depois usou toda a sua força para puxá-la para cima, chutando poderosamente até a superfície. Elas estavam muito debaixo d’água, a luz do dia era um brilho distante e Dawn parecia mais pesada do que ela poderia ser, como se um grande peso estivesse ligado a ela, arrastando ambas para baixo. Enfim, Luce rompeu a superfície. Dawn tossiu, cuspindo água para fora da boca. Seus olhos estavam vermelhos e seu cabelo estava emaranhado na testa. Com um braço enrolado no peito de Dawn, Luce delicadamente remou para o salva-vidas. - Luce, - Sussurrou Dawn nas ondas agitadas, Luce não podia ouvi-la, mas podia ler seus lábios. – o que está acontecendo? - Eu não sei. – Luce sacudiu a cabeça, se esforçando para mantê-las boiando. - Nadem para o barco salva-vidas! – O convite veio de trás. Mas nadar em qualquer lugar era impossível. Elas mal conseguiam manter a cabeça em cima da água. A tripulação estava abaixando um bote salva-vidas inflável. Steven estava dentro dele. Assim que o barco encontrou o oceano, ele começou a remar rapidamente na direção delas. Luce fechou os olhos e deixou um alívio palpável inundá-la com a próxima onda. Se ela pudesse apenas segurar um pouco mais, iam ficar bem. - Peguem a minha mão. – Steven gritou para as meninas, as pernas de Luce pareciam que estavam nadando por uma hora. Empurrou Dawn na direção dele de modo que Dawn podia ser a primeira a sair. Steven tinha tirado as calças e a camisa Oxford branca que estava molhada agora e grudando no peito. Seus braços musculosos eram enormes quando ele alcançou Dawn. O rosto vermelho com o esforço, ele resmungou e a puxou. Quando Dawn foi estendida sobre a amurada, longe o suficiente para que não caísse na água novamente, Steven voltou e rapidamente tomou conta dos braços de Luce. Sentia-se leve, praticamente se elevando para fora da água com sua ajuda. Foi só quando sentiu seu corpo deslizando o resto do caminho para dentro do barco que ela percebeu o quanto estava encharcada e congelando. Exceto onde os dedos de Steven tinham estado. Ali as gotas de água sobre a pele dela estavam evaporando. Ela se sentou, movendo-se para ajudar Steven a puxar Dawn tremendo o resto do caminho até o bote. Exausta, Dawn mal podia se manter ereta. Luce e Steven tiveram que pegá-la por cada braço e erguê-la. Estava quase toda dentro do barco, quando sentiu um forte solavanco puxando Dawn de volta para a água. Os olhos escuros de Dawn se arregalaram e ela gritou quando escorregou para trás. Luce não estava preparada: Dawn escorregou do aperto molhado dela e Luce caiu contra a lateral da balsa. - Aguenta firme! – Steven pegou em sua cintura bem na hora. Levantou-se, quase virando o bote. Quando ele se esforçou para levantar Dawn para fora da água, Luce viu o mais breve flash de ouro se estendendo desde as costas dele. Suas asas. A maneira como elas se projetavam instantaneamente, no momento em que Steven necessitava de mais força, parecia acontecer quase que contra sua vontade. Elas estavam brilhando, a cor do tipo de joias caras que Luce só tinha visto por trás de caixas de vidro em lojas de departamento. Elas não eram como as asas de Daniel. As de Daniel eram quentes e acolhedoras, maravilhosas e sexys. As de Steven eram frias e intimidantes, irregulares e aterrorizantes. Steven grunhiu, os músculos de seus braços esticados, suas asas bateram apenas uma vez, dando-lhe o impulso suficiente para trazer Dawn para fora da água. As asas agitavam vento o suficiente para achatar Luce contra o outro lado da balsa. Assim que Dawn estava segura, os pés de Steven tocaram novamente o chão do barco. Suas asas deslizaram imediatamente de volta para sua pele. Elas saíram de dois pequenos rasgos na parte traseira de sua camisa, a única prova que Luce tinha de que o que ela tinha visto era real. Seu rosto estava lavado e suas mãos tremendo. Os três, então, colidiram no interior da balsa. Dawn não tinha percebido nada, e Luce queria saber se alguém que estava assistindo do barco tinha percebido também. Steven olhou para Luce como se ela tivesse acabado de vê-lo nu. Ela queria lhe dizer que tinha sido impressionante ver as suas asas, ela não tinha conhecido, até então, que mesmo o lado escuro dos anjos caídos poderia ser tão deslumbrante. Ela estendeu a mão para Dawn, em parte com a expectativa de ver sangue em algum lugar em sua pele. Realmente pareceu como se algo a tivesse pegado pela mandíbula, mas não havia nenhum sinal de ferimento. - Você está bem? – Luce finalmente sussurrou. Dawn sacudiu a cabeça, jogando gotículas de água para fora de seu cabelo. - Eu posso nadar, Luce. Eu sou uma boa nadadora. Alguma coisa tinha me.. Alguma coisa. - Ainda está lá embaixo. – Steven terminou, pegando o remo e nos levando de volta para o iate. - Como parecia? – Luce perguntou. – Um tubarão ou... Dawn estremeceu. - Mãos. - Mãos? - Luce! – Steven vociferou. Ela se virou para ele: Ele parecia um ser diferente daquele que ela tinha falado uns minutos mais cedo no convés. Houve uma dureza em seus olhos que ela nunca tinha visto antes. - O que você fez hoje foi – Ele rompeu. Seu rosto molhado parecia selvagem. Luce prendeu a respiração, esperando por isso. Imprudente. Estúpido. Perigoso. – muito corajoso. – Ele finalmente disse, as bochechas e a testa repousavam em sua expressão habitual. Luce expirou, tendo dificuldade até para encontrar a voz para agradecer. Ela não podia tirar os olhos das pernas tremendo de Dawn. E as finas marcas vermelhas que surgiam em torno de seus tornozelos. Marcas que pareciam ter sido deixadas por dedos. - Tenho certeza de que as meninas estão com medo. – Disse Steven calmamente. – Mas não há razão para levantar uma histeria geral em toda a escola. Deixe-me ter uma conversa com Francesca. Até vocês ouvirem falar de mim: Nenhuma palavra sobre isso com ninguém. Dawn? A menina acenou com a cabeça, olhando aterrorizada. - Luce? O rosto dela se contorceu. Não tinha certeza sobre como manter este segredo. Dawn tinha quase morrido. - Luce. – Steven segurou seu ombro, tirou os óculos quadrados emoldurados e olhou para os olhos castanhos escuros de Luce com os seus próprios olhos marrons. À medida que o bote salva-vidas era içado até o deck principal, onde o resto da escola esperava, sua respiração estava quente em sua orelha. – Nenhuma palavra. Para ninguém. É para a sua própria proteção. Capítulo 7 – Doze Dias - Eu não entendo o porquê de você estar tão estranha. – Shelby disse a Luce na manhã seguinte. – Você já está aqui, o que, por seis dias? E você é a maior heroína de Shoreline. Talvez você vá querer viver à altura de sua reputação depois de tudo. O céu de domingo de manhã estava salpicado de nuvens Cumulus. Luce e Shelby estavam caminhando na prainha de Shoreline, compartilhando uma laranja e uma garrafa térmica de chai. Um vento forte levou o cheiro das velhas sequoias caídas no chão do bosque. A maré estava alta e áspera, levantando longas carreiras de algas pretas aglomeradas com águas-vivas e troncos podres no caminho das meninas. - Não foi nada. – Resmungou Luce, o que não era exatamente verdade. Pulando naquela água gelada atrás de Dawn foi certamente alguma coisa, mas Steven – a gravidade de seu tom de voz e a força de seu aperto no braço dela – colocou um medo em Luce para que ela nunca falasse do resgate de Dawn. Olhou para a espuma salgada à esquerda na esteira de uma onda recuando. Estava tentando não olhar para as águas profundas e escuras – para que ela não pensasse nas mãos naquelas profundezas geladas. Para sua própria proteção. Steven devia ter dito no plural. Como que para a proteção de todos os alunos. Caso contrário, se ele só quisesse dizer à Luce... - Dawn está bem. – Disse ela. – Isso é tudo que importa. - Hum, sim, por causa de você, Baywatch. (Seriado americano de salva-vidas) - Não comece a me chamar de Baywatch. - Você prefere pensar em si mesma como uma salvadora do tipo pau-pra-todaobra? – Shelby tinha a mais inexpressiva forma de provocação. – Frankie disse que algum cara misterioso estava espreitando o terreno das últimas duas noites. Você deve dar a ele... - O quê? – Luce quase cuspiu seu chai. – Quem é? - Repito: Um cara misterioso. Eles não o conhecem. – Shelby se sentou em uma molhada pedra achatada, ignorando sabiamente algumas pedras dentro do oceano. – Apenas um cara. Ouvi Frankie falando com Kramer sobre isso ontem no barco, após toda a comoção. Luce se sentou ao lado de Shelby e começou a cavar a areia à procura de pedras. Alguém estava espreitando Shoreline. Será que foi Daniel? Seria exatamente o que ele faria. Tão teimoso em manter sua própria promessa de não vê-la, mas incapaz de ficar longe. O pensamento a fez sentir mais saudades dele. Podia se sentir quase à beira das lágrimas, o que era louco. Quais as chances do cara misterioso não ser Daniel. Poderia ser Cam. Poderia ser qualquer um. Poderia ser um Exilado. - Francesca parecia preocupada? – Perguntou à Shelby. - Você não estaria? - Espere um minuto. É por isso que você não saiu escondida na noite passada? Foi a primeira noite que Luce não tinha sido acordada por Shelby entrando pela janela. - Não. – Shelby estava atenuada por causa de toda a ioga. Sua próxima pedra saltou seis vezes em um arco largo, voltando quase todo o caminho de volta pare elas, como um bumerangue. - Aonde você vai toda noite, afinal? Shelby enfiou as mãos nos bolsos de seu colete de esqui vermelho. Estava olhando para as ondas cinzentas tão intensamente que ficou claro que havia visto alguma coisa lá fora ou estava evitando a pergunta. Luce seguiu seu olhar, quase aliviada ao ver nada na água além de ondas cinza e brancas por todo o caminho até o horizonte. - Shelby. - O quê? Eu não vou a lugar nenhum. Luce começou a se levantar, irritada por Shelby achar que não podia contar nada a ela. Luce estava batendo a úmida areia das costas de suas pernas quando a mão de Shelby a puxaram de volta para a pedra. - Ok, eu costumava ir ver o meu namorado idiota. – Shelby suspirou pesadamente, lançando uma pedra inabilmente na água, quase golpeando uma gaivota descendo para pegar um peixe. – Antes de se tornar o meu exnamorado idiota. - Ah, Shel, sinto muito. – Luce mordeu os lábios. – Eu nem sabia que você tinha um namorado. - Eu tive que começar a mantê-lo à distância. Ele estava começando a se importar demais com o fato de eu ter uma nova companheira de quarto. Sempre me enchendo o saco para deixá-lo ir lá tarde da noite. Queria conhecer você. Eu não sei que tipo de garota que ele pensou que eu fosse. Sem ofensa, mas três é uma multidão no meu livro. - Quem é ele? – Luce perguntou. – Ele estuda aqui? - Phillip Aves. Ele é um veterano na escola principal. Luce acha que não o conhecia. - Aquele garoto pálido com o cabelo descolorido loiro? – Shelby disse. – Até parece com aquele albino David Bowie? Não dá para deixar de sentir muita falta dele. – Sua boca se contorceu. – Infelizmente. - Por que você não me disse que terminou? - Eu prefiro baixar músicas do Vampire Weekend para fazer playback quando você não está por perto. Melhor para os meus chacras. Além disso... – Apontou o dedo para Luce. – Você é a única que está temperamental e toda estranha hoje. Daniel está te tratando mal ou algo assim? Luce se recostou sobre os cotovelos. - Na verdade, isso exigiria que a gente se visse o que aparentemente não estamos autorizados a fazer. Se Luce fechasse os olhos, poderia deixar o som das ondas a levarem de volta para a primeira noite em que ela beijou Daniel. Nesta vida. Seus corpos úmidos e enroscados no calçadão em Savannah. A pressão faminta de suas mãos a puxando para perto. Tudo parecia possível até então. Abriu os olhos. Estava tão longe de tudo isso agora. - Então o seu ex-namorado idiota... - Não. – Shelby fez um movimento de zip com os dedos. – Eu não quero falar sobre o ex-namorado idiota mais do que eu acho que você não quer falar sobre Daniel. Próximo. Isso era justo, mas não era exatamente que Luce não queria falar sobre Daniel. Era mais como se ela começasse a falar sobre Daniel e não fosse mais capaz de calar a boca. Ela já soava um disco quebrado em sua própria mente... Repetindo um total de, oh, quatro experiências físicas que ela teve com ele nesta vida. (Ela escolheu somente começar a contar uma vez que ela parara de fingir que ela não existia) Imagine quão rapidamente ela iria entediar Shelby, que provavelmente tinha toneladas de namorados, toneladas de experiências. Comparando Luce com quase ninguém. Um beijo que ela mal conseguia se lembrar em um rapaz que explodiu em chamas. Um punhado de momentos muito quentes com Daniel. Isso praticamente resumia tudo. Luce não era, sem dúvida nenhuma, uma expert quando se tratava de amor. Novamente sentiu a injustiça de sua situação: Daniel tinha todas essas grandes memórias dos dois juntos para se lembrar quando as coisas ficassem difíceis. Ela não tinha nada. Até que olhou para sua companheira de quarto. - Shelby? Shelby estava com seu capuz vermelho sobre a cabeça e estava cutucando com uma vara a areia molhada. - Eu já disse que não quero falar sobre ele. - Eu sei. Estava pensando... Lembra-se de quando você mencionou que sabia vislumbrar suas vidas passadas? Isso era o que ela estava prestes a perguntar a Shelby quando Dawn caiu no mar. - Eu nunca disse isso. – A vara mergulhou mais fundo na areia. O rosto de Shelby estava corado e seu grosso cabelo loiro estava encrespando para fora de seu rabo de cavalo. - Sim, você disse. – Luce inclinou a cabeça. – Você escreveu isso no meu papel. Naquele dia que estávamos fazendo o quebra-gelo? Você o tirou das minhas mãos e disse que você podia falar mais de dezoito línguas e vislumbrar vidas passadas e qual delas eu queria preencher. - Eu me lembro do que disse, mas você entendeu mal o que eu quis dizer. - Ok. – Luce disse lentamente. – Bem... - Só porque eu vislumbrei uma vida passada antes não significa que eu sei como fazê-lo e não quer dizer que era a minha. - Então, não era a sua? - Claro que não, a reencarnação é para malucos. Luce franziu a testa e cravou suas mãos na areia molhada, querendo se enterrar nela. - Hey, isso foi uma piada. – Shelby cutucou Luce de brincadeira. – Desenvolvida especialmente para a menina que teve que passar pela puberdade milhares de vezes. – Ela fez uma careta. – Uma vez já foi suficiente para mim, obrigada. Então, Luce era aquela garota. A menina que tinha tido que passar pela puberdade milhares de vezes. Nunca tinha pensado sobre isso dessa forma antes. Era quase engraçado. Pelo lado de fora, passar por infindáveis puberdades parecia que era a pior parte de seu lote, mas era muito mais complicado que isso. Luce começava a dizer que ela passaria por mais mil espinhas e variações hormonais se ela pudesse olhar em suas vidas passadas e entender mais sobre si mesma, mas então olhou para Shelby. - Se não era a sua, então, a vida passada que você vislumbrou era de quem? - Por que você está sendo tão intrometida? Droga... Luce podia sentir a pressão sanguínea dela subir. - Shelby, meu Deus do céu, quebra meu galho! - Ok. – Shelby disse finalmente, fazendo um movimento de “relaxa ai” com as mãos. – Eu estava em uma festa numa noite em Corona. As coisas ficaram meio loucas, sessões seminuas e tudo mais, e, bem, essa não é a real história. Então eu me lembro de sair para apanhar um ar. Estava chovendo, difícil ver para onde estava indo. Virei a esquina em um beco e lá estava esse cara, com um visual malconservado. Estava inclinado sobre uma esfera na escuridão. Nunca tinha visto nada assim, em forma de globo, mas brilhando, meio que flutuando acima de suas mãos. Ele estava chorando. - O que era? - Eu não sabia até então, mas agora eu sei que era um Anunciador. Luce ficou hipnotizada. - E você viu alguma vida passada que ele estava vislumbrando? Como era? Shelby encontrou os olhos de Luce e engoliu. - Era muito horrível, Luce. - Sinto muito. – Disse Luce. – Eu estava apenas perguntando porque... Parecia ser grande coisa admitir o que ela estava prestes a admitir. Francesca iria se opor a isso, mas Luce precisava de respostas e precisava de ajuda. A ajuda de Shelby. - Eu preciso vislumbrar algumas das minhas vidas passadas. – Disse Luce. – Ou eu pelo menos preciso tentar. Tem coisas que estão acontecendo recentemente que eu deveria simplesmente aceitar porque eu não conheço melhor – só poderia conhecer melhor, muito melhor, se eu pudesse ver de onde eu venho. Onde estive. Isso faz algum sentido? Shelby assentiu. - Eu preciso saber o que eu tive no passado com Daniel para que eu possa me sentir mais segura sobre o que eu tenho com ele agora. – Luce respirou. – Aquele cara, aquele no beco... Você viu o que ele fez com o Anunciador? Shelby balançou os ombros. - Ele tipo conduziu ele a uma forma. Eu nem sequer sabia o que era na época e eu não sei como ele o rastreou. É por isso que a demonstração de Francesca e Steven me assustou muito. Eu vi o que aconteceu naquela noite e eu tenho tentando esquecê-la desde então. Não tinha ideia de que o que eu estava vendo era um Anunciador. - Se eu pudesse rastrear um Anunciador, você acha que poderia conduzi-lo? - Sem promessas. – Shelby disse. – Mas eu posso dar o melhor de mim. Você sabe como encontrá-los? - Não exatamente, mas quão difícil pode ser? Eles estiveram me assombrando toda a minha vida. Shelby pôs sua mão sobre a mão de Luce na rocha. - Eu quero te ajudar, Luce, mas é estranho. Estou assustada. E se você ver algo, que, você sabe, que não deveria? - Quando você terminou com o SAEB... - Eu pensei que já havia dito que não... - Apenas ouça: Você não está feliz que você descobriu tudo o que quer que seja que fez você terminar com ele, mais cedo ou mais tarde? Quero dizer, e se você ficasse noiva ou algo assim e só depois... - Blech! – Shelby levantou a mão para parar Luce. – Entendi. Agora vamos lá nos encontrar com uma sombra. Luce conduziu Shelby de volta por toda a praia e subiu as escadas íngremes de pedra onde os traços maltratados de verbenas vermelhas e amarelas tinha se forçado através do solo de areia molhada. Elas atravessaram a plataforma de puro verde, tentando não interromper um grupo de alunos não-Nephilim em um jogo de frisbee. Elas passaram pela janela do quarto do terceiro andar do dormitório e deram a volta por trás do edifício. Na beira da floresta de sequoias, Luce apontou para um espaço entre as árvores. - Foi lá onde eu encontrei um deles da última vez. Shelby marchou para dentro da floresta à frene de Luce, atropelando as longas folhas das trepadeiras entre as sequoias e parando em uma gigantesca samambaia. Estava escuro sob as sequoias e Luce estava feliz pela companhia de Shelby. Pensou no outro dia, a rapidez com o que o tempo tinha passado enquanto ela estava perturbando aquela sombra, chegando a lugar nenhum. De repente se sentia oprimida. - Se nós podemos encontrar e capturar um Anunciador e se pode até fazer um vislumbre aparecer, – Disse ela. – você acha que quais são as chances do locutor ter alguma coisa para mostrar sobre mim e Daniel? E se tivermos mais outra cena terrível da Bíblia como vimos na sala de aula? Shelby abanou a cabeça. - De Daniel eu não sei, mas se pudermos convocar e vislumbrar um Anunciador, então ele terá a ver com você. Eles deveriam ser especificamente convocados, já que você não estará sempre interessada no que eles têm a dizer. Como receber lixo eletrônico misturado com os seus e-mails importantes, mas ainda assim é dirigido a você. - Como eles poderiam ser... Especificamente convocados? Isso significaria que Francesca e Steven estiveram na destruição de Sodoma e Gomorra? - Bem, sim. Eles estão por aí desde sempre. Há rumores de que seus currículos são bastante impressionantes. Shelby olhou estranhamente para Luce. - Enxerga melhor as coisas. De que outra forma você acha que eles conseguiram trabalhos em Shoreline? Esta é uma escola muito boa. Algo escuro e escorregadio se moveu sobre elas: Um pesado manto de um Anunciador se esticando sonolentamente nas longas sombras do galho de uma sequoia. - Ali. – Luce apontou, não perdendo tempo. Virou-se para cima em um galho baixo que se estendia atrás de Shelby. Luce teve que se equilibrar sobre um pé e se inclinar para a esquerda apenas para tocar o Anunciador com a ponta dos dedos. – Eu não posso alcança-lo. Shelby pegou uma pinha e lançou no centro da sombra onde rolou até cair no chão. - Não! – Luce sussurrou. – Você vai o irritar. - Está me irritando sendo tão tímido. Basta segurar a sua mão. Fazendo caretas, Luce fez como lhe foi dito. Assistiu a pinha ricochetear no lado exposto da sombra, então ouviu o suave som de um assobio que costumava encher os ouvidos dela com pavor. Um lado da sombra estava deslizando, muito lentamente, para longe do ramo. Ele escapuliu e pousou no braço estendido e trêmulo de Luce. Ela beliscou as suas bordas com os dedos. Luce pulou do galho onde estava de pé e se aproximou de Shelby, seu frio mofo se oferecendo em suas mãos. - Aqui. – Disse Shelby. – Vou pegar metade e você pega a outra metade, como vimos na sala de aula. Eca, é molinho. - Ok. Afrouxa o aperto, ele não vai a lugar nenhum. Deixe-o apenas se desanimar e tomar forma. Parecia ter passado um longo tempo antes da sombra fazer absolutamente nada. Luce sentia como se ela estivesse jogando com o tabuleiro Ouija na idade que ela era criança. Uma energia inexplicável na ponta de seus dedos. A sensação de movimento contínuo e ligeiro antes que ela pudesse ver qualquer diferença na forma do Anunciador. Em seguida houve uma lufada: Estava contraindo, dobrando lentamente em sua própria escuridão. Logo, a coisa toda havia assumido o tamanho e a forma de uma caixa grande. Ele ficou um pouco acima de seus dedos. - Você vê isso? – Disse Shelby ofegante. Sua voz era quase inaudível sobre o chiado da sombra. – Olha lá no meio. Como havia acontecido durante a aula, um véu escuro parecia decolar do Anunciador, revelando uma chocante explosão de cores. Luce protegeu os olhos, observando como a luz brilhante parecia resolver voltar para dentro da tela da sombra em uma imagem nebulosa e fora de foco. Então, finalmente, em formas distintas e em cores suaves. Estavam olhando para uma sala de estar. A parte de trás de uma poltrona reclinável azul com apoio para os pés levantados e o canto inferior raramente desgastado. Uma televisão velha, com painéis de madeira, transmitindo uma reprise de Mork & Mindy com o volume desligado. Um gordo terrier de Jack Russell estava enrolado em uma manta de retalhos redonda. Luce assistiu a porta de vaivém se abrir ao que parecia ser uma cozinha. Uma mulher, com idade superior da avó de Luce quando ela morreu, atravessou. Estava usando um pesado vestido modelado de rosa e branco, tênis branco e óculos grossos em uma corda em seu pescoço. Estava carregando uma bandeja de frutas cortadas. - Quem são essas pessoas? – Luce perguntou em voz alta. Quando a velha colocou a bandeja sobre a mesa de café, uma mão enrugada se estendeu em torno da cadeira e selecionou um pedaço de banana. Luce se inclinou para ver mais claramente e o foco da imagem mudou com ela. Como um panorama 3D. Não tinha notado o velho sentado na cadeira. Ele era frágil, com alguns chumaços de cabelos brancos e rugas em toda sua testa. Sua boca se movia, mas Luce não podia ouvir nada. Uma fileira de fotos emolduradas forrava a cornija da lareira. O som do vento nas orelhas de Luce ficou mais alto, tão alto que a fez estremecer. Sem que ela fizesse nada além de se perguntar sobre as fotos, a imagem do Anunciador se ampliou. Isso deu a Luce uma sensação de chicotada... E uma fotografia emoldurada vista bem de perto. Uma moldura fina banhada à ouro em torno de uma placa de vidro manchada. No interior, a pequena fotografia que tinha uma fina borda em formato de concha ao redor de uma imagem preto-e-branco amarelada. Dois rostos na fotografia: O dela e o de Daniel. Segurando o fôlego, estudou seu próprio rosto, que parecia um pouco mais jovem do que era agora. Cabelos pretos cacheados na altura dos ombros. Uma blusa branca com gola Peter Pan. Uma saia tipo A-line tocando na altura da panturrilha. Mãos de luvas brancas, segurando as de Daniel. Ele estava olhando diretamente para ela, sorrindo. O Anunciador começou a vibrar, em seguida, tremores e, depois, a imagem dentro começou a piscar e desaparecer. - Não. – Luce chamou pronta para se jogar dentro. Seus ombros conectados com a borda do Anunciador, mas isso o foi o mais longe que chegou. Um toque de um frio doloroso empurrou suas costas e deixou sua pele se sentindo úmida. Uma mão apertou ao redor de seu pulso. - Não tenha ideias selvagens. – Shelby advertiu. Tarde demais. A tela ficou preta e o Anunciador caiu de suas mãos no chão da floresta, se destruindo em pedaços como um vidro preto quebrando. Luce reprimiu um gemido. Seu peito arfava. Sentia-se como uma parte dela tivesse morrido. Abaixando-se de quatro, pressionou a testa no chão e rolou para o lado. Estava frio, mais escuro do que quando tinham começado. O relógio em seu pulso marcava duas horas, mas era de manhã quando chegaram à floresta. Olhando para o oeste, em direção a beira da floresta, Luce podia ver a diferença na luz que atingia o dormitório. Os Anunciadores engoliam o tempo. Shelby se deitou ao seu lado. - Você está bem? - Estou tão confusa. Essas pessoas. – Luce pôs a mão na testa. – Eu não tenho ideia de que eles são. Shelby limpou a garganta e parecia desconfortável. - Você não acha que, hum, talvez você costumava conhecê-los? Como há muito tempo atrás. Como, talvez eles fossem seus... Luce esperou que ela terminasse. - Meus o quê? - Isso realmente não passou pela sua cabeça que aqueles eram seus pais de outra vida? Isto é o que eles se parecem hoje em dia? Luce ficou boquiaberta. - Não. Espera... Você quer dizer, que eu tive pais totalmente diferentes em casa uma das minhas vidas passadas? Eu pensei que Harry e Doreen... Eu só assumi que eles estariam o tempo todo. De repente ela se lembrou de algo que Daniel havia dito, sobre sua mão fazendo um péssimo repolho cozido naquela vida passada. Na época não tinha se preocupado com isso, mas agora fazia um pouco mais de sentido. Doreen era uma cozinheira maravilhosa. Todo mundo no leste da Geórgia sabia disso. O que significava que Shelby devia estar certa. Luce provavelmente tinha uma nação inteira de famílias passadas que ela nem sequer podia lembrar. - Eu sou tão estúpida. – Disse ela. Por que ela não prestou mais atenção à forma como o homem e a mulher pareciam? Por que ela não sentia a menor conexão com eles? Ela sentiu como se tivesse vivido toda a sua vida e só agora descobrisse que era adotada. Quantas vezes ela foi entregue a pais diferentes? - Isso é... Isso é... - Totalmente confuso. – Disse Shelby. – Eu sei. Pelo lado positivo você poderia salvar a si mesma um bocado de dinheiro para terapia se você pudesse olhar para trás, para todas as suas outras famílias, ver todos os problemas que teve com centenas de mães antes desta. Luce escondeu o rosto nas mãos. - Isto é, se você precisar de terapia de família. – Shelby suspirou. – Desculpe, mas quem está falando sobre eles mesmos de novo? – Ela levantou a mão direita, em seguida, colocou-a lentamente para baixo. – Você sabe, Shasta não é tão longe daqui. - O que é Shasta? - O Monte Shasta, na Califórnia. É apenas algumas horas naquela direção. – Shelby apontou seu polegar em direção ao norte. - Mas os Anunciadores só mostram o passado. Qual seria o motivo de ir lá agora? Eles estão provavelmente... Shelby balançou a cabeça. - O passado é um termo amplo. Anunciadores mostram o passado distante até os eventos que acontecem a segundos atrás, e tudo que está no meio. Eu vi um laptop sobre o canto da mesa, então há uma boa chance... Você sabe... - Mas nós não sabemos onde eles vivem. - Talvez você não. Eu vi de perto em um pedaço do e-mail deles e tenho o endereço. Comprometida com a memória. Shasta Shire Circle, 1291, apartamento 34. – Shelby encolheu os ombros. – Então, se você quiser ir os visitar, nós poderíamos, com certeza, dirigir até lá e voltar em um dia. - Certo. – Luce bufou. Ela queria desesperadamente ir visitá-los, mas simplesmente não parecia possível. – Em qual carro? Shelby deu uma risada sinistramente falsa. - Havia apenas uma coisa que não era idiota em relação ao meu ex-namorado idiota. – Ela cavou no bolso de sua camisola e puxou um longo molho de chaves. – E aquela era a sua doce Mercedes, estacionado aqui no estacionamento dos estudantes. Sorte para você, eu me esqueci de lhe devolver a chave extra. Elas se derrubaram na estrada antes que alguém pudesse impedi-las. Luce encontrou um mapa no porta-luvas e traçou a linha até Shasta com o dedo. Falou algumas instruções para Shelby, que dirigia como um morcego fora do inferno, mas a Mercedes marrom quase parecia gostar do abuso. Luce queria saber como Shelby se mantinha tão calma. Se Luce tivesse acabado de terminar com Daniel e “pegado emprestado” seu carro para a tarde, não seria capaz de impedir a si mesma de lembrar viagens que tinham feito, ou discussões que tiveram enquanto dirigiam para assistir a um filme, ou o que eles fizeram no banco traseiro com todas as janelas abertas. Certamente Shelby estava pensando em seu ex. Luce queria perguntar, mas Shelby tinha sido clara que o assunto estava fora de questão. - Você vai mudar seu cabelo? – Luce finalmente perguntou, lembrando o que Shelby tinha dito sobre se recuperar de términos de namoro. – Eu poderia te ajudar, se você for. O rosto Shelby se forçou em uma carranca. - Aquele ridículo não merece. Depois de uma longa pausa, acrescentou: - Mas obrigada. O percurso durou quase todo o resto da tarde e Shelby aproveitou para se exercitar, brigando com o rádio, procurando nos canais pelos estranhos mais loucos que ela podia encontrar. O ar ficou mais frio, as árvores desbastadas e a elevação da paisagem aumentou de forma constante o tempo todo. Luce se focou em ficar calma, imaginando uma centena de cenários sobre o encontro destes pais. Ela tentou evitar pensar no que Daniel iria dizer se soubesse onde ela estava indo. - Ali está. – Shelby apontou quando uma enorme montanha com neve apareceu a vista diretamente na frente da estrada. – A cidade fica bem naqueles montes. Devemos estar lá logo após o pôr do sol. Luce não sabia como agradecer Shelby por tê-la arrastado todo o caminho aqui por um capricho. O que quer que esteja por trás da mudança de atitude de Shelby, Luce estava grata. Não teria sido capaz de fazer tudo isso sozinha. A cidade de Shasta era maluca e artística, com um bom número de pessoas idosas andando calmamente pelas grandes avenidas. Shelby abriu as janelas e deixou entrar o ar da noite precocemente viva. Isso ajudou a estabilizar o estômago de Luce que estava se contorcendo com a expectativa de realmente ter que falar com as pessoas que ela havia visto no Anunciador. - O que eu devo dizer a eles? Surpresa, eu sou sua filha de volta dos mortos. Luce praticou em voz alta, enquanto estavam paradas em um semáforo. - A menos que você queira pirar completamente um doce casal de idade, nós vamos ter que trabalhar nisso. – Shelby disse. – Por que você não finge que é uma solicitadora (pessoa que procura negócios ou donativos) só para chegar na porta e sondá-los? Luce olhou para a calça jeans, seus tênis surrados e a mochila roxa. Ela não parecia como uma vendedora impressionante. - O que eu vendo? Shelby começou a dirigir novamente. - Vende lavagens de carro ou algo parecido. Você pode dizer que você tem recibos em sua mochila. Eu fiz isso uma vez em um verão, de porta em porta. Quase levei um tiro. – Ela estremeceu, em seguida, olhou para o rosto branco de Luce. – Vamos, sua própria mão e pai não vão atirar em você. Ah, olha, hey, aqui estamos nós! - Shelby, podemos apenas sentar em silêncio por um tempo? Acho que preciso respirar. - Desculpe. – Shelby estacionou em um amplo estacionamento de frente para um composto de pequenos edifícios em estilo bangalô. – Respirar eu consigo. Passado o nervosismo, Luce teve que admitir que era um lugar muito agradável. Uma série de bangalôs que ficavam em um semicírculo ao redor de uma lagoa. Havia um edifício principal com uma fileira de cadeiras de rodas alinhadas fora das portas. Em uma grande faixa lia-se Bem vindo à comunidade de aposentados Shasta Shire. Sua garganta parecia tão seca que doía engolir. Não sabia se ainda tinha coragem de dizer duas palavras a essas pessoas. Talvez fosse uma daquelas coisas que você simplesmente não podia pensar muito. Talvez ela precisasse chegar até lá, bater na aldraba e depois descobrir como agir. - Apartamento trinca e quatro. – Shelby olhou para um edifício quadrado de estuque com um telhado de telha de tinta espanhola. – Parece que está lá. Se você quiser que eu... Antes que Luce pudesse ficar nervosa, estava fora do carro e correu até a calçada arejada em direção ao edifício. O ar estava quente e cheio de um perfume inebriante das rosas. Pessoas idosas agradáveis estavam por toda parte. Divididas em equipes na quadra de shuffleboard (tipo de jogo pouco conhecido no Brasil) perto da entrada, tomando um passeio noturno por meio de um jardim de flores cuidadosamente podadas ao lado da piscina. Na luz precoce do entardecer, os olhos de Luce se estreitaram para tentar focalizar o casal em algum lugar da multidão, mas ninguém parecia familiar. Ela teria que ir direto a casa deles. Pela trilha que conduzia ao bangalô, Luce podia ver uma luz no meio da janela. Ela se aproximou até que tivesse uma visão mais clara. Era estranho: A mesma sala que ela tinha visto mais cedo no Anunciador. Até mesmo o branco cão gordo dormindo no tapete. Podia ouvir os pratos sendo lavados na cozinha. Podia ver os tornozelos finos com meias marrom do homem que tinha sido seu pai, no entanto, há muitos anos atrás. Ele não aparentava ser seu pai. Não se parecia com seu pai e a mulher não parecia com a sua mãe. Não era que houvesse algo de errado com eles. Pareciam perfeitamente legais. Se ela batesse na porta e inventasse algumas mentiras sobre lavagens de carro, será que eles se tornariam menos estranhos? Não, ela decidiu. Mas isso não era tudo. Mesmo que ela não reconhecesse seus pais, se eles realmente fossem seus pais, é claro que a reconheceriam. Sentia- se estúpida por não ter pensado nisso antes. Elas a olhariam e saberiam que eram a filha deles. Seus pais eram muito mais velhos do que a maioria das outras pessoas que tinha visto lá fora. O choque disso podia ser demais para eles. Foi demais para Luce, e este casal tinha certa de setenta anos a mais que ela. Até então, estava pressionada contra a janela da sala deles, agachada atrás de um espinhoso cacto Artemísia. Seus dedos estavam sujos por pressionar o batente da janela. Se sua filha tivesse morrido quando ela tinha dezessete anos, eles deveriam estar de luto por quase cinquenta anos. Eles estariam em paz com isso agora. Não estariam? Luce aparecendo sem ser convidada por detrás de um cacto seria a última coisa que eles precisavam. Shelby ficaria desapontada. Luce por si só estava decepcionada. Doía perceber que esse era o mais perto que chegaria deles. Pendurada no lado de fora da janela da casa seus ex-pais, ela sentiu as lágrimas rolarem em seu rosto. Ela nem sequer sabia o nome deles. Capítulo 8 – Onze Dias Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Segunda-feira, 15/11 às 09:49 Assunto: Aguentando firme. Queridos mamãe e papai, Desculpe-me, eu estive fora de contato. As coisas na escola têm me ocupado bastante, mas estou tendo um monte de boas experiências. Minha aula favorita nestes dias é de Humanidades. Agora estou trabalhando em uma tarefa de crédito-extra que ocupa muito o meu tempo. Sinto falta de vocês e espero vê-los em breve. Obrigada por serem pais tão bons. Não acho que eu digo isso a vocês o suficiente. Com amor, Luce. Luce clicou no botão de Enviar em seu laptop e rapidamente mudou o seu navegador de volta para a apresentação online que Francesca estava dando na frente da sala. Luce ainda estava se acostumando a estar em uma escola onde foram entregues computadores com internet sem fio bem no meio da aula. Sword & Cross tinha um total de sete computadores para alunos que ficavam na biblioteca. Mesmo se você conseguisse pôr suas mãos na senha criptografada para acessar a Web, todos os sites eram bloqueados, exceto por umas poucas pesquisas acadêmicas. O e-mail para seus pais tinha sido motivado por culpa. Na noite anterior, teve a estranha sensação de que ao dirigir até a Comunidade de Aposentados em Monte Shasta, estava traindo seus pais verdadeiros, aquelas que a criaram nesta vida. Claro que, em algum momento, esses outros pais tinham sido verdadeiros também, mas isso ainda era um pensamento muito estranho para Luce absorver bem. Shelby não tinha ficado um décimo chateada pelo fato de ter conduzido Luce todo o caminho até lá por nenhuma razão. Ao invés disso, apenas ligou a Mercedes e dirigiu até o In-N-Out Burger mais próximo para que pudessem obter uns sanduíches de queijo grelhado com molho especial. - Não pense duas vezes. – Disse Shelby, limpando a boca com um guardanapo. – Você sabe quantos ataques de pânico minha família neurótica me deu? Acredite, eu sou a última pessoa que iria julgá-la por isso. Agora Luce olhou através da sala de aula para Shelby e sentiu uma intensa gratidão pela menina que, uma semana antes, a aterrorizava. Os cabelos loiros e grossos de Shelby estavam puxados para trás por uma bandana de tecido terry e estava tomando notas atentas da palestra de Francesca. Cada tela que Luce podia ver em sua visão periférica estava fixa na apresentação azul e ouro do PowerPoint que Francesca estava passando completamente num passo de caracol. Até mesmo a tela de Dawn. Ela parecia especialmente espirituosa hoje em um vestido rosa forte e um rabo de cavalo. Será possível que ela já tivesse se recuperado do que havia acontecido no barco? Ou estava encobrindo o terror que deve ter sentido, e talvez ainda sentia? Olhando mais para o monitor de Roland, Luce amassou seu rosto. Não era surpresa para ela que ele tivesse ficado invisível desde que chegou a Shoreline, mas quando apareceu na sala de aula, estava realmente chateada por ver seu colega da antiga escola seguindo as regras. Pelo menos Roland não parecia especialmente interessado na palestra sobre Oportunidades de Carreira para Nephilim: Como suas habilidades especiais podem lhe dar asas. Na verdade, o olhar no rosto de Roland estava mais desapontado do que qualquer outra coisas. Sua boca formava uma careta e ele continuava balançando levemente sua cabeça. Também estranho era o fato de que cada vez que Francesca fazia contato visual com os alunos, ela claramente pulava Roland. Luce abriu o bate-papo da sala de aula para ver se Roland estava conectado. Era para ser uma ferramenta para a classe soltar perguntas uns aos outros, mas as perguntas que Luce tinha para Roland não eram para discutir em classe. Ele sabia de alguma coisa, alguma coisa a mais do que deixou transparecer no outro dia. Certamente tinha a ver com Daniel. Também queria lhe perguntar onde tinha ido no sábado e se ele tinha ouvido falar do voo que Dawn tinha feito no mar. Só Roland não estava online. A única pessoa na sala que estava conectada ao chat era Miles. Uma janela de texto com o nome dele apareceu em sua tela: Oiiiii ai! Ele estava ao seu lado. Luce podia até ouvi-lo rindo. Era bonito ele dispensar suas próprias piadas bobas. Isso era exatamente o tipo de harmonia pateta e provocativa que ela adoraria ter com Daniel. Se ele não estivesse tão pensativo o tempo todo. Se ele estivesse realmente por perto. Mas não estava. Ela escreveu de volta: Como está o tempo ai na sua área? Ficou ensolarado agora. – ele digitou, ainda sorrindo. – Ei, o que você fez na noite passada? Eu dei uma passada pelo seu quarto para ver se você queria pegar o jantar. Ela levantou os olhos do computador, direto para Miles. Seus profundos olhos azuis eram tão sinceros que ela teve uma vontade de botar tudo para fora sobre tudo o que tinha acontecido. Ele tinha sido tão maravilhoso no outro dia a escutando falar sobre sua época na em Sword & Cross. Mas não havia maneira de responder sua pergunta via bate-papo. Por mais que ela quisesse dizer a ele, não sabia se ela deveria falar sobre isso. Mesmo incluindo Shelby em seu projeto secreto, era praticamente implorar por problemas com Steven e Francesca. A expressão de Miles mudou de um sorriso casualmente normal para uma careta estranha. Fez Luce se sentir terrível, e também um pouco surpresa por poder provocar esse tipo de reação nele. Francesca desligou o projetor. Quando cruzou os braços sobre o peito, as mangas de seda cor de rosa da blusa camponesa floresceram para fora de sua jaqueta de couro. Pela primeira vez, Luce notou o quão longe Steven estava. Ele estava sentando no parapeito da janela no canto oeste da sala. Mal tinha dito uma palavra na sala de aula o dia todo. - Vamos ver o quão bem vocês prestaram atenção. – Disse Francesca, sorrindo largamente para os alunos. – Por que vocês não se dividem em pares e se revezam imitando entrevistas? Ao som de todos os outros alunos se levantando de suas carteiras, Luce gemeu internamente. Ela tinha ouvido quase nada da palestra de Francesca e não tinha ideia do que a tarefa tratava. Além disso, sabia que era temporariamente apenas uma intrusa no programa Nephilim, mas será que era demais pedir a seus professores para se lembrarem de vez em quando que ela não era como o resto das crianças na classe? Miles tocou na tela de seu computador onde ele tinha mandado a mensagem para ela: Você quer ser a minha parceira? Só então Shelby apareceu. - Eu digo para fazermos a CIA ou os Médicos Sem Fronteiras. – Shelby disse. Ela fez sinal para que Miles entregasse a mesa ao lado de Luce para ela. Miles ficou onde estava. – Não tem como eu estar requerendo ficticiamente alguma estúpida posição de assistente de dentista. Luce olhou para trás e para frente, entre Shelby e Miles. Ambos pareciam se sentir proprietários dela, algo que não tinha percebido até agora. Na verdade, ela queria fazer parceria com Miles. Não o via desde sábado. Ela meio que estava sentindo falta dele. De uma maneira amigável. Mais do jeito vamos trocar uma ideia tomando um café do que do jeito vamos passear na praia durante o pôr do sol e você pode sorrir para mim com seus incríveis olhos azuis. Porque ela estava com Daniel, não pensava em outros garotos. Definitivamente começou a corar intensamente no meio da aula enquanto lembrava a si mesma que ela não pensava em outros garotos. - Está tudo bem por aqui? – Steven pôs a mão bronzeada na mesa de Luce e lhe deu uma acenada com a cabeça com seus olhos castanhos no jeito você pode me dizer. Luce ainda estava nervosa perto dele depois do que tinha dito para ela e Dawn no bote salva-vidas no outro dia. Nervosa o suficiente para evitar tocar no assunto com Dawn. - Tudo está ótimo. – Respondeu Shelby. Pegou Luce pelo cotovelo e a puxou até o deck, onde avistou alguns dos outros estudantes que já estavam em pares realizando suas entrevistas de imitação. – Luce e eu estávamos falando sobre currículos. Francesca apareceu atrás de Steven. - Miles. – Ela disse suavemente. – Jasmine ainda precisa de um parceiro, se você quisesse se sentar perto dela. Algumas mesas a frente, Jasmine disse: - Eu e Dawn não conseguimos concordar sobre quem deve interpretar a estrela novata e quem devia interpretar – A voz dela caiu uma oitava – o diretor de elenco. Então ela me abandonou para se juntar a Roland. Miles parecia desapontado. - Diretor de elenco. – Murmurou. – Finalmente encontrei minha vocação. – Ele saiu para se juntar a sua parceira e Luce o assistiu ir embora. Com a situação dissipada, Francesca dirigiu Steven de volta para frente da sala, mas mesmo ele caminhando ao lado de Francesca, Luce podia senti-lo a olhando. Ela sutilmente verificou seu telefone. Callie ainda não tinha mandado nenhuma mensagem de volta, isso não era como ela era e Luce se culpava. Talvez fosse melhor para ambas se Luce apenas mantivesse distância. Era só por pouco tempo. Seguiu Shelby até um banco de madeira construído na curva do deck. O sol estava brilhante no céu claro, mas a única parte do deck que não estava lotada de estudantes era sob a sombra fresca de uma alta sequoia. Luce retirou uma camada de capim do banco e fechou seu suéter até seu pescoço. - Você foi muito legal com tudo na noite passada. – Disse em voz baixa. – Eu estava enlouquecendo. - Eu sei. – Riu Shelby. – Você estava toda... – Fez uma cara de zumbi tremendo. - Dá um tempo. Era difícil. Minha única chance de aprender alguma coisa sobre meu passado e eu empaquei completamente. - Vocês sulistas e sua culpa. – Shelby deu de ombros. – Você tem que ficar mais tranquila. Tenho certeza que existem muito mais pais de onde esses dois velhotes vieram. Talvez até mesmo alguns que não estejam tão perto da morte. – Antes que o rosto de Luce pudesse desmoronar, acrescentou Shelby: - Tudo que estou dizendo é que, se você se sentir vontade de rastrear outro membro da família, apenas diga. Você está subindo na minha estima Luce, é meio estranho. - Shelby. – Sussurrou Luce, de repente, com os dentes cerrados. – Não se mexa. Além do deck, o maior e mais sinistro Anunciador que Luce já tinha visto estava ondulando na longa sombra projetada por uma sequoia enorme. Lentamente, seguindo os olhos de Luce, Shelby olhou para o chão. O Anunciador estava usando a sombra real da árvore como camuflagem. Partes dele continuavam se mexendo. - Parece doente, ou com medo, ou, não sei. – Shelby parou, torcendo os lábios. – Há algo de errado com ele, certo? Luce estava olhando através de Shelby, passando pela escada em caracol até o nível do chão do chalé. Abaixo deles tinham vários suportes de madeira sem pintura que apoiavam o convés. Se Luce pudesse agarrar a sombra, Shelby poderia se juntar a ela sob a plataforma antes que alguém visse alguma coisa. Poderia ajudar Luce a vislumbras sua mensagem e poderiam subir de volta a tempo de voltar para a classe. - Você não está considerando seriamente o que eu acho que você está considerando seriamente. – Disse Shelby. – Está? - Fica de olho aqui por um minuto. – Disse Luce. – Esteja pronta quando eu chamar. Luce desceu alguns passos, de modo que sua cabeça estivesse só ao nível do pavimento, onde o resto dos alunos estava ocupado no exercício das suas entrevistas. Shelby estava de costas para Luce. Daria um sinal caso alguém notasse que Luce tinha sumido. Luce podia ouvir Dawn no canto, improvisando com Roland: - Você sabe, eu fiquei chocada quando eu fui nomeada para um Globo de Ouro... Luce olhou para a escuridão esticada ao longo da grama. Pensou em perguntar se os outros alunos tinham visto algo, mas não podia se preocupar com isso. Estava perdendo tempo. O Anunciador estava a uns bons dez metros de distância, mas de onde estava perto da plataforma, estava protegida dos olhos dos outros alunos. Seria óbvio demais se ela caminhasse até ele. Estava indo tentar persuadi-lo a sair do chão e ir até ela sem usar as mãos. E não tinha ideia de como fazer isso. Foi quando ela percebeu a figura encostada no outro lado da sequoia. Também escondido da visão dos alunos no convés. Cam estava fumando um cigarro, cantarolando para si mesmo como se não tivesse cuidado no mundo. Exceto que ele estava totalmente coberto de sangue seco. Seu cabelo estava emaranhado à testa, os braços estavam arranhados e machucados. Sua camiseta estava molhada e manchada de suor e seus jeans também estavam manchados. Ele parecia sujo e nojento, como se tivesse acabado de sair da batalha. Só não havia ninguém mais ao redor, sem corpo, sem nada. Apenas Cam. Ele piscou para ela. - O que você está fazendo aqui? – Ela sussurrou. – O que você fez? – Sua cabeça nadando pelo cheiro desagradável saindo de suas roupas ensanguentadas. - Ah, só salvei sua vida. Mais uma vez. Quantas vezes essa vez faz? – Ele bateu as cinzas do cigarro. – Hoje foi o grupo de Miss Sophia e não posso dizer que não gostei. Monstros sangrentos. Estão atrás de você também, você sabe. Foi espalhada a notícia de que você está aqui. E que você gosta de passear no escuro, desacompanhada pela floresta. – Ele apontou. - Você os matou? – Ela ficou horrorizada, olhando para o convés para ver se Shelby ou alguém podia vê-los. Não. - Alguns deles, sim, só agora, com minhas próprias mãos. – Cam mostrou as palmas das mãos cobertas com algo vermelho e viscoso que Luce realmente não queria ver. – Eu concordo que os bosques são adoráveis, Luce, mas também estão cheios de coisas que querem que você morra. Então me faça um favor. - Não. Você não me convence me pedindo favores. Tudo sobre você me enjoa. - Tudo bem. – Revirou os olhos. – Então faça isso por Grigori. Mantenha-se no campus. – Ele acendeu o cigarro na grama, jogou seus ombros para trás e desfraldou suas asas. – Eu não posso estar sempre aqui para te vigiar. E Deus sabe que Grigori não pode. As asas de Cam eram altas, estreitas e puxadas firmemente para trás de seus ombros, elegantes e douradas, salpicadas com listras pretas. Desejava que elas a dessem repulsa, mas não a davam. Como as asas de Steven, as de Cam eram irregulares, ásperas que também pareciam que elas sobreviveram a uma vida de lutas. As listras pretas davam às asas de Cam uma qualidade escura e sensual. Havia algo magnético sobre elas. Mas não. Odiava tudo sobre Cam. Ela o odiaria para sempre. Cam bateu suas asas uma vez, levantando os pés do chão. O bater das asas foi tremendamente espalhafatoso e chutou para trás um redemoinho de vento que levantou as folhas do chão. - Obrigada. – Disse Luce, secamente, antes que ele caísse sob o convés. Então ele foi embora na sombra da floresta. Cam estava a protegendo agora? Onde estava Daniel? Não era para Shoreline ser segura? Sob a vigia de Cam, o Anunciador – a razão pela qual Luce tinha vindo aqui em primeiro lugar – espiralou de sua sombra, como um pequeno ciclone negro. Mais perto. Em seguida, mais perto ainda. Finalmente, a sombra se lançou no ar um pouco acima de sua cabeça. - Shelby. – Luce sussurrou em voz alta. – Desça aqui. Shelby olhou para Luce. Para o Anunciador em forma de ciclone oscilando sobre ela. - O que você fez para demorar tanto? – Perguntou ela, correndo as escadas a tempo de assistir ao massivo Anunciador tombar. Direto para os braços de Luce. Luce gritou, mas, felizmente, Shelby botou a mão sobre sua boca. - Obrigada. – Disse Luce, suas palavras abafadas contra os dedos de Shelby. As meninas ainda estavam amontoadas três degraus abaixo do convés, à vista de qualquer pessoa que possa atravessar para o lado sombrio. Luce não podia endireitar os joelhos sob o peso da sombra. Era o mais pesado que ela já havia tocado, e mais frio em sua pele. Ele não era negro como a maioria dos outros, mas um cinza esverdeado doentio. Partes dele ainda estavam se contraindo, iluminando como um relâmpago distante. - Eu não tenho um bom pressentimento sobre isso. – Disse Shelby. - Vamos. – Sussurrou Luce. – Convoque-o. agora é sua vez de fazer o vislumbre. - Minha vez? Quem falou sobre eu ter uma vez? Você que me arrastou até aqui. – Shelby agitou as mãos como se a última coisa na terra que ela queria fazer era tocar a besta nos braços de Luce. – Eu sei que eu disse que iria te ajudar a localizar seus parentes, mas qualquer tipo de pais que tiver ai dentro... Eu não acho que nenhuma de nós quer conhecer. - Shelby, por favor. – Implorou Luce, gemendo sob o peso, o frio e a sordidez da sombra. – Eu não sou um Nephilim. Se você não me ajudar, não posso fazer isso. - O que exatamente vocês estão tentando fazer? – Uma voz por trás no topo das escadas disse. Steven tinha suas mãos apertadas contra o corrimão e ficou olhando para as meninas. Parecia maior do que era na classe, se elevando sobre elas como se tivesse dobrado de tamanho. Seus profundos olhos castanhos olhavam tempestuosos, mas Luce podia sentir o calor saindo deles, e estava com medo. Até mesmo o Anunciador em seus braços estremeceu e se afastou. Ambas as meninas estavam tão assustadas que gritaram. Tremendo pelo som, a sombra fugiu dos braços de Luce. Ela se moveu tão rapidamente que não teve nenhuma chance de pará-la e não deixou nada para trás além de um frio odor fétido. Ao longe, um sino tocou. Luce podia sentir todos os outros garotos se agrupando em direção ao refeitório para o almoço. Na saída, Miles enfiou a cabeça sobre o parapeito e olhou para baixo, para Luce, mas deu uma olhada na expressão em brasa de Steven, arregalou os olhos e se mandou. - Luce. – Disse Steven, mas educadamente do que ela esperava. – Você se importaria de me ver depois da aula? Quando ele ergueu as mãos saindo da grade, a madeira debaixo delas estava preta, queimada. Steven abriu a porta antes que Luce mesma batesse. Sua camisa cinza estava um pouco enrugada e sua gravata de malha preta estava frouxa no pescoço. Mas ele tinha recuperado a aparência de serenidade, o que Luce começou a perceber que tinha sido um esforço para um demônio. Ele limpou os óculos em um lenço com um monograma e se afastou. - Por favor, entre. O escritório não era grande, apenas largo o suficiente para uma mesa grande e preta, apenas longo o suficiente para três altas e negras estantes de livros, cama uma repleta com centenas de livros em bom estado. Porém era confortável e até mesmo acolhedora – não como Luce tinha imaginado que um escritório de um demônio seria. Tinha um tapete persa no centro da sala, uma ampla janela de vista para o leste nas sequoias. Agora, ao anoitecer, a floresta tinha uma cor etérea, quase lavanda. Steven se sentou em uma das duas cadeiras da mesa marrom e acenou para Luce se sentar na outra. Ela examinou as peças de arte emolduradas, cortadas a serra em casa centímetro extra da parede. A maioria delas eram retratos em diferentes graus de detalhe. Luce reconheceu alguns esboços do próprio Steven e várias pinturas lisonjeiras de Francesca. Luce respirou fundo, imaginando como começar. - Sinto muito ter convocado o Anunciador hoje, eu... - Você contou para alguém sobre o que aconteceu com Dawn na água? - Não. Você me disse para não contar. - Você não disse à Shelby? Miles? - Eu não disse à ninguém. Ele considerou isso por um momento. - Por que você chamou os Anunciadores de Sombras no outro dia quando estávamos conversando no barco? - Apenas saiu sem pensar. Quando eu estava crescendo, sempre fizeram parte das sombras. Destacavam-se e vinham até mim. Então é isso que eu os chamava antes que eu soubesse o que eles eram. – Luce encolheu os ombros. – Estúpido, de verdade. - Não é estúpido. – Steven se levantou e foi até a estante mais distante. Pegou um livro grosso com uma capa vermelha e empoeirada e levou de volta para a mesa. A República de Platão. Steven abriu na página exata que estava procurando, virando o livro para a frente de Luce. Ela uma ilustração de um grupo de homens dentro de uma caverna, acorrentados um ao lado do outro, de frente para uma parede. O fogo ardia por trás deles. Estavam apontando para as sombras na parede por um segundo grupo de homens que caminhavam atrás deles. Abaixo da imagem, uma legenda dizia: A Alegoria da Caverna. - O que é isso? – Luce perguntou. Seu conhecimento de Platão começou e terminou com o fato de que ele passava tempo com Sócrates. - A prova do porquê o seu nome para os Anunciadores é realmente muito inteligente. – Steven apontou para a ilustração. – Imagine que esses homens passaram a vida vendo apenas as sombras na parede. Passaram a compreender o mundo e o que acontece nele através dessas sombras, sem nunca ver o que as criava. Não entendem que o que estão vendo são as sombras. Ela olhou um pouco além do dedo de Steven para o segundo grupo de homens. - Então eles não podem se virar, nunca ver as pessoas e as coisas criando as sombras? - Exatamente. E porque eles não podem ver o que realmente está criando as sombras, assumem o que podem ver – essas sombras na parede – é a realidade. Não têm ideia de que as sombras são meras representações e as distorções de algo muito mais verdadeiro e mais real. – Fez uma pausa. – Você entende o porquê de eu estar lhe dizendo isso? Luce balançou a cabeça. - Você quer que eu pare de mexer com os Anunciadores? Steven fechou o livro com um estalo e depois atravessou para o outro lado da sala. Ela se sentiu como se tivesse o decepcionado de alguma forma. - Porque eu não acredito que você vá parar... De mexer com os Anunciadores, mesmo se eu te pedir, mas eu quero que você entenda com o que você está lidando na próxima vez que convocar um. Os Anunciadores são sombras do passado. Podem ser úteis, mas também contém algumas distorções confusas e até mesmo perigosas. Há muito para aprender. Uma limpa técnica segura de convocação: Então, naturalmente, uma vez que você aperfeiçoou seu talento, o ruído do Anunciador pode ser rastreado e sua mensagem ser ouvida claramente. - Você quer dizer aquele assobio? Há um jeito de ouvir através daquilo? - Não se preocupe. Ainda não. – Steven se virou e afundou as mãos nos bolsos. – O que você e Shelby estavam procurando hoje? Luce se sentiu corada e incomodada. Esta reunião não estava sendo do jeito que esperava. Pensou em talvez uma detenção, alguma coleta de lixo. - Nós estávamos tentando aprender mais sobre a minha família – Finalmente conseguira botar para fora. Felizmente, Steven parecia não ter ideia de que ela tinha visto Cam mais cedo. – Ou minhas famílias, acho que deveria dizer assim... - Isso é tudo? - Estou em apuros? - Você não estava fazendo qualquer outra coisa? - O que mais eu poderia estar fazendo? Passou por sua mente que Steven podia pensar que ela estava querendo encontrar Daniel, tentando mandar a ela uma mensagem ou algo assim. Como se soubesse mesmo como fazer isso. - Invoque um agora. – Disse Steven, abrindo a janela. Já tinha passado o crepúsculo e o estômago de Luce dizia a ela que a maioria dos outros alunos estavam antes, quase animados. – Quando convocamos Anunciadores, estamos fazendo uma espécie de desejo. Não é um desejo de algo material, mas um desejo de compreender melhor o mundo, o nosso papel nele e o que nos tornar. Imediatamente, Luce pensou em Daniel, o que ela mais queria para seu relacionamento. Sentiu ter um grande papel no que se tratava em se tornar um deles e ela queria ter. será que foi por isso que foi capaz de convocar os Anunciadores antes de ela mesmo saber como? Nervosa, se centrou na cadeira. Fechou os olhos. Imaginou uma sombra se destacando na longa escuridão que se estendia desde os troncos das árvores lá fora, imaginava se materializando e se levantando, preenchendo o espaço da janela aberta. Então, flutuando mais perto dela. Sentiu o cheiro do suave odor de bolor primeiro, quase como azeitonas pretas, em seguida, abriu os olhos com o toque frio em sua bochecha. A temperatura na sala tinha caído alguns graus. Steven esfregou as mãos de repente no úmido escritório ventoso. - Sim, é isso ai. – Ele murmurou. O Anunciador estava flutuando no ar de seu escritório, fino e transparente, do tamanho de um lenço de seda. Ele deslizou diretamente para Luce, então envolveu um cacho felpudo de nada em torno de um peso de papel feito de vidro sobre a mesa. Luce estava ofegante. Steven estava sorrindo quando deu um passo a frente em sua direção, o guiando verticalmente até que se tornou uma tela preta. Em seguida, ele estava nas mãos dela, que começou a puxar. O cuidadoso movimento parecia como tentar esticar uma crosta de torta sem quebrá-la, algo que Luce tinha visto sua mãe fazer pelo menos uma centena de vezes. A escuridão rodando em tons de cinza suaves e, depois, a menor imagem em preto e brando veio à tona. Um quarto escuro com uma cama de solteiro. Luce, uma ex-Luce, claramente, deitada de lado, olhando pela janela aberta. Devia ter 16 anos de idade. A porta atrás da cama estava aberta e um rosto iluminado, pela luz do corredor, apareceu na mesma. A mãe. A mãe que Luce tinha ido ver com Shelby! Mas jovem, muito jovem, talvez uns cinquenta anos, com os óculos na ponta do nariz. Ela sorriu, como se satisfeita de encontrar a filha dormindo, em seguida, fechou a porta. Um momento depois, um par de mãos agarrava o vidro da janela. Os olhos de Luce se arregalaram como os da ex-Luce sentada na cama. Fora da janela, os dedos se esticaram, depois um par de mãos se tornou visível, em seguida, dois braços fortes, se levantaram azuis sob a luz da lua. Então o rosto de Daniel, brilhante, quando entrou pela janela. O coração de Luce estava acelerado. Queria mergulhar no Anunciador, como queria ontem com Shelby. Mas então Steven estalou os dedos e a coisa toda se fechou como uma veneziana enrolando até o topo da janela. Em seguida, o Anunciador se quebrou e derramou pelo chão. A sombra estava em fragmentos moles sobre a mesa. Luce pegou um, mas se desintegrou em suas mãos. Steven se sentou atrás de sua escrivaninha, sondando Luce com os olhos como se para ver o que o vislumbre tinha feito com ela. De repente, pareceu muito particular, o que ela acabara de testemunhar no Anunciador: Não sabia se ela queria que Steven soubesse o quão forte a tinha balançado. Afinal, ele pertencia tecnicamente ao outro lado. Nos últimos dias ela tinha visto mais e mais o demônio dentro dele. Não apenas o temperamento explosivo, nascendo até que ele perdesse as estribeiras, mas também as gloriosas asas negras e douradas. Steven era magnético e encantador, assim como Cam era – e, ela lembrou a si mesma, como Cam também era um demônio. - Por que você está me ajudando com isso? - Porque eu não quero que você se machuque. – Steven praticamente sussurrou. - Será que isso realmente aconteceu? Steven olhou para longe. - É uma representação de algo. E quem sabe o quão distorcida é. É uma sombra de um evento passado, não realidade. Há sempre alguma verdade para o Anunciador, mas nunca é a simples verdade. É isso que os torna tão problemáticos e tão perigosos para aqueles sem treinamento apropriado. – Ele olhou para o relógio. De baixo veio o som da porta se abrindo e fechando no chão. Steven endureceu quando ouviu uns rápidos saltos altos subindo as escadas. Francesca. Luce tentou ler o rosto de Steven. Ela entregou a ela A República, que deslizou em sua mochila. Pouco antes do belo rosto de Francesca aparecer na porta, Steven disse para Luce: - Da próxima vez que Shelby e você optarem por não concluir uma de suas atribuições, vou lhe pedir para escrever um trabalho de pesquisa de cinco páginas com citações. Desta vez, eu a deixo ir apenas com uma advertência. - Eu entendo. – Luce chamou a atenção de Francesca na porta. Ela sorriu para Luce – embora pudesse se tratar de um sorriso de dispensar, estilo pode ir ou um sorriso não pense que pode me enganar, criança, era impossível dizer. Tremendo um pouco quando se levantou e arremessou sua bolsa por cima do ombro, Luce foi em direção a porta, falando de volta para Steven: - Obrigada. Shelby tinha o fogo aceso na lareira quando Luce voltou para seu dormitório. A panela estava ligada ao lado da luz noturna de Buda e toda a sala cheirava a tomates. - Nós estamos sem macarrão com queijo, mas eu lhe fiz uma sopa. – Shelby distribuiu uma tigela bem quente, rachou um pouco de pimenta preta fresca na parte superior e a trouxe para Luce, que havia desmoronado em cima de sua cama. – Foi terrível? Luce assistiu a ascensão do vapor de sua tigela e tentou descobrir o que dizer. Esquisito, sim. Confuso. Um pouco assustador. Potencialmente... Capacitante. Mas não tinha sido terrível, não. - Foi tudo bem. Steven parecia confiar nela, pelo menos na medida em que ela a estava permitindo continuar a convocação dos Anunciadores. E os outros alunos pareciam confiar nele, até mesmo admirá-lo. Ninguém parecia preocupado com seus motivos ou suas alianças, mas com Luce, ele era tão enigmático, tão difícil de ler. Luce havia confiado nas pessoas erradas antes. Uma perseguição descuidada na melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses, é a melhor maneira de se querer a morta. Era o que a Miss Sophia havia dito sobre a confiança na noite em que ela tentou assassinar Luce. Foi Daniel quem tinha aconselhado Luce a confiar em seus instintos, mas seus próprios sentimentos pareciam incertos. Ela se questionou se Daniel já sabia sobre Shoreline quando ele a disse que, se seu conselho foi uma forma de prepará-la para esta longa separação, quando ela se tornaria menos e menos certa sobre tudo na vida. Sua família. Seu passado. Seu futuro. Olhou para Shelby. - Obrigada pela sopa. - Não deixe que Steven frustre seus planos. – Shelby bufou. – Devemos continuar a trabalhar nos Anunciadores. Eu estou tão cansada desses anjos e demônios e em sua sede de poder. “Oh, nós sabemos melhor do que vocês porque sabemos de tudo de anjos e você é apenas o filho bastardo de algum anjo que se satisfez sexualmente”. Luce riu, mas estava pensando que a mini-palestra de Steven sobre Platão e ele entregando A República hoje era o oposto de ter sede de poder. É claro não contaria nada a Shelby agora, quando deixou cair essa habitual rotina de eu estou contra Shoreline na cama de baixo de Luce. - Quer dizer, eu sei que você tem o que quer que esteja acontecendo com Daniel. – Shelby continuou. – Mas a sério, o que de bom um anjo já fez por mim? – Luce se encolheu, desculpando-se. – Eu vou te dizer: Nada. Nada além de engravidar minha mãe e então nos dispensar por completo antes de eu nascer. Um comportamento realmente celeste. – Shelby bufou. – O retrocesso é, toda minha vida, minha mãe dizia que eu deveria ser grata. Por quê? Esses poderes aguados e essa testa enorme que eu herdei de meu pai? Não, obrigada. – Ela deu um pontapé no beliche superior sombriamente. – Eu daria tudo para ser apenas normal. - Sério? – Luce tinha passado a semana inteira se sentindo inferior aos seus colegas Nephilim. Sabia que a galinha do vizinho era sempre mais gorda, mas isso ela não podia acreditar. Que vantagem ela poderia possivelmente ver em não ter seus poderes Nephilim? – Espere. – Disse Luce. – O ex-namorado idiota. Será que ele... Shelby desviou o olhar. - Estávamos meditando juntos, e eu não sei, de alguma forma durante o mantra, eu acidentalmente levitei. Não foi algo muito importante, eu estava tipo, dois centímetros do chão, mas Phil não deixou passar. Ele começou a me chatear sobre o que mais eu poderia fazer e fazendo perguntas estranhas. - Como o quê? - Eu não sei. – Disse Shelby. – Algumas coisas sobre você, na verdade. Ele queria saber se você que tinha me ensinado a levitar. Se você também podia levitar. - Por que eu? - Provavelmente mais uma de suas pervertidas fantasias com companheiras de quarto. Enfim, você devia ter visto o olhar no rosto dele naquele dia. Como se eu fosse algum tipo de aberração de circo. Eu não tinha a escolha a não ser terminar tudo. - Isso é terrível. – Luce apertou a mão de Shelby. – Mas parece que o problema é dele, não seu. Eu sei que o resto das crianças em Shoreline olha para os Nephilim de forma engraçada, mas eu fui a um monte de escolas de ensino médio e estou começando a pensar que é apenas a maneira com que a “maioria das crianças” enfrenta naturalmente a diferença. Além disso, ninguém é normal. Phil deve ter tido algo bizarro sobre ele. - Na verdade, havia algo em seus olhos. Eles eram azuis, mas fracos, quase desbotados. Ele tinha que usar essas lentes de contatos especiais para que as pessoas não o olhassem. – Shelby jogou a cabeça para o lado. – Além disso, você sabe, aquele terceiro mamilo. – Ela começou a rir, estava com o rosto vermelho na hora em que Luce se juntou a ela praticamente em lágrimas quando um leve toque na vidraça calou as duas. - É melhor não ser ele. – A voz de Shelby instantaneamente ficou sóbria quando ela pulou da cama e se atirou para abrir a janela, derrubando um vaso de mandioca na pressa. - É para você. – Disse ela, quase entorpecida. Luce estava à janela num piscar de olhos, porque até então, podia senti-lo. Apoiando as palmas das mãos sobre o peitoril, se inclinou para frente no ar da noite viva. Ela ficou de cara a cara, boca a boca, com Daniel. Por um breve momento, pensou que ele estava procurando além dela, no quarto, por Shelby, mas então ele foi beijá-la, colocando a parte de trás da cabeça dela em suas mãos macias e a puxando para si, tirando seu fôlego. O custo de uma semana de calor fluía através dela, junto com um pedido de desculpas por terem dito aquelas duras palavras outra noite na praia. - Olá. – Ele sussurrou. - Olá. Daniel estava vestindo calça jeans e uma camiseta branca. Ela podia ver o topete em seu cabelo. Suas tremendas asas brancas-pérola, batendo suavemente atrás dele, sondando a noite negra, a seduzindo por dentro. Pareciam bater no céu quase ao mesmo tempo em que a batida de seu coração. Ela queria tocá-las, para se enterrar nelas do jeito que tinha feito na outra noite na praia. Foi uma coisa impressionante vê-lo flutuando fora de sua janela do terceiro andar. Ele pegou sua mão e a puxou sobre o parapeito da janela e saiu para o ar nos braços dele, mas então ele a colocou em uma borda larga e nivelada abaixo da janela que ela nunca tinha notado antes. Ela sempre sentia vontade de chorar quando estava mais feliz. - Você não deveria estar aqui, mas estou tão feliz que você esteja. - Prove. – Disse ele, sorrindo enquanto a puxava de volta contra seu peito de modo que sua cabeça estivesse um pouco acima do ombro dela. Ele colocou um braço em volta de sua cintura. O calor irradiando de suas asas. Quando ela olhou por cima do ombro, tudo o que podia ver era branco. O mundo era branco, tudo suavemente texturizado e incandescente com a luz do luar. E então as grandes asas de Daniel começaram a bater. Seu estômago se retraiu um pouco, sabia que estava sendo levantada, disparou em linha reta em direção ao céu. A saliência embaixo deles ficava menor, as estrelas do céu brilhavam e o vento corria sobre seu corpo, despenteando os cabelos em seu rosto. Até que eles subiram, mais alto para a noite, até que a escola era apenas uma mancha preta no chão. Até que o oceano era apenas um cobertor de prata sobre a terra. Até que perfuraram uma camada de nuvem de penas. Ela não estava com frio ou com medo. Sentia-se livre de tudo o que a puxava para a terra. Livre de perigo, livre de qualquer dor que já sentira. Livre da gravidade. E o mesmo no amor. A boca de Daniel traçou uma linha de beijos até o lado de seu pescoço. Passou os braços apertados em volta da cintura e a virou de frente para ele. Seus pés estavam em cima dos dele, como quando dançaram sobre o oceano na fogueira. Não havia mais vento, o ar em torno deles estava silencioso e calmo. Os únicos sons eram as batidas das asas de Daniel enquanto pairavam no céu e as batidas do coração de Luce. - Momentos como esse – Disse ele. – fazem com que tudo que tivemos de passar valha a pena. Então ele a beijos como nunca havia beijado antes. Um longo beijo prolongado que parecia reivindicar os lábios dela para sempre. As mãos dele traçaram a linha de seu corpo, levemente no começo e depois com mais força, se deliciando em suas curvas. Ela se ajeitou em seus braços e ele correu os dedos por trás de suas coxas, seu quadril, seus ombros. Ele assumiu o controle de cada parte dela. Ela sentia os músculos debaixo da camisa de algodão, com os braços esticados e o pescoço, a cavidade nas costas dele. Ela beijou o queixo, os lábios. Aqui, nas nuvens, com os olhos brilhantes de Daniel mais intensos do que qualquer outro brilho de estrelas que ela jamais tinha visto, era este o lugar onde Luce pertencia. - Nós não podemos ficar aqui para sempre? – Perguntou ela. – Nunca vai ser o bastante para mim. Você. - Espero que não. – Daniel sorriu, mas em breve, muito em breve, suas asas mudaram, achatando. Luce sabia o que estava por vir. A lenta descida. Beijou Daniel pela última vez e soltou os braços ao redor de seu pescoço, se preparando para voar, mas depois ela perdeu o controle. E caiu. Parecia que estava acontecendo em câmera lenta. Luce tombando para trás, balançando os braços freneticamente, depois a agitação do frio e do vento enquanto caía e sua respiração a deixou. Sua última visão foi dos olhos de Daniel, o choque em seu rosto. Então tudo acelerou, estava caindo tão furiosamente que não conseguia respirar. O mundo era um vazio negro girando, se sentia enjoada e com medo, os olhos ardendo por causa do vendo, sua visão escurecendo e afunilando. Ia desmaiar. E assim seria. Nunca saberia quem realmente era. Nunca saberia se tudo tinha valido a pena. Nunca saberia se era digna do amor de Daniel e ele do dela. Estava tudo acabado e era isso. O vento era uma fúria em seus ouvidos. Fechou os olhos e esperou o fim. E então ele a pegou. Havia braços ao seu redor, fortes, braços familiares e estava reduzindo a velocidade gentilmente, não caindo mais. Estava sendo embalada. Por Daniel. Seus olhos estavam fechados, mas Luce o conhecia. Começou a chorar, tão aliviada que Daniel a tinha pegado, a havia salvado. Nesse momento, nunca tinha o amado tanto, não importa quantas vidas tenham vivido. - Você está bem? – Daniel sussurrou com sua voz macia, seus lábios tão perto dela. - Sim. – Ela podia sentir a batida de suas asas. – Você me pegou. - Eu sempre vou te pegar quando você cair. Lentamente, voltaram ao mundo que haviam deixado para trás. Shoreline e o oceano lambendo os rochedos. Quando se aproximaram do dormitório, ele a apertou fortemente e gentilmente se aproximou da borda, pousando com um toque de pluma. Luce botou os pés no parapeito e olhou para Daniel. Ela o amava. Era a única coisa que tinha certeza. - Isso... – Disse ele, olhando sério. Seu sorriso endureceu e o brilho em seus olhos parecia se desvanecer. – Isso deve satisfazer o seu desejo de viajar, pelo menos por um tempo. - O que quer dizer com desejo de viajar? - A maneira como você vive saindo do campus? – Sua voz estava muito menos calorosa do que tinha estado há pouco. – Você tem que parar de fazer isso quando não estou por perto para que eu cuide de você. - Ah, fala sério, era apenas uma excursão. Todo mundo estava lá. Francesca e Steven... – Ela parou, pensando sobre a forma como Steven reagiu ao que aconteceu com Dawn. Não ousaria falar sobre sua viagem com Shelby. Ou dando de cara com Cam no deck. - Você tem tornado as coisas muito difíceis para mim. – Disse Daniel. - Também não está sendo fácil para mim. - Eu disse que havia regras. Eu lhe disse para não deixar este campus, mas você não escutou. Quantas vezes você me desobedeceu? - Desobedeci você? – Ela riu, mas por dentro se sentiu tonta e doente. – O que você é? Meu namorado ou meu mestre? - Você sabe o que acontece quando você sai daqui? O perigo em que você se mete só porque está entediada? - Olha, já foi tudo revelado. – Disse ela. – Cam já sabia que eu estava aqui. - Claro que Cam sabe que você está aqui. – Disse Daniel, exasperado. – Quantas vezes eu tenho que te dizer que Cam não é uma ameaça agora? Ele não vai tentar te influenciar. - Por que não? - Porque ele é esperto. E você deveria ser muito mais ao invés de ficar saindo sorrateiramente assim. Há perigos que você não pode entender. Ela abriu a boca, mas não sabia o que dizer. Se dissesse a Daniel que tinha falado com Cam aquele dia, que ele tinha matado vários seguidores de Miss Sophia, iria apenas reforças a ideia dele. Raiva irrompeu Luce, por Daniel, e suas regras misteriosas, seu tratamento com ela como se ela fosse uma criança. Faria qualquer coisa para ficar com ele, mas seus olhos tinham endurecido em um cinza claro e seu momento no céu já parecia um sonho distante. - Você entende o tipo de inferno que eu passo para mantê-la segura? - Como é que eu vou entender quando você não me diz nada? As características bonitas de Daniel se distorceram em uma expressão assustadora. - Isso é culpa dela? – Apontou o dedo para seu dormitório. – Que tipo de ideias sinistras ela tem colocado em sua cabeça? - Eu posso pensar por mim mesma, obrigada. – Luce estreitou os olhos. – Mas como você conhece Shelby? Daniel ignorou a pergunta. Luce não podia acreditar no jeito que ele estava falando com ela, como se ela fosse um tipo de animal doméstico mal comportado. Todo o calor que tinha a enchido um momento atrás, quando Daniel a tinha beijado, a olhado, não era o bastante quando ela sentia esse frio toda vez que ele falava com ela. - Talvez Shelby esteja certa. – Disse ela. Não via Daniel há tanto tempo, mas o Daniel que queria ver – aquele que ela amava mais que tudo, a pessoa que a seguiu por milênios porque ele não podia viver sem ela – ainda estava lá em cima nas nuvens, não aqui em baixo, mandando nela. Talvez mesmo depois de todas essas vidas, ela realmente não o conhecesse. – Talvez os anjos e os seres humanos não devessem... Mas não podia dizer isso. - Luce. – Os dedos dele apertaram ao redor de seu pulso, mas ela se livrou deles. Seus olhos estavam abertos e escuros e seu rosto estava branco por causa do frio. Seu coração estava pedindo a ela para agarrá-lo e mantê-lo por perto, pare sentir seu corpo pressionando contra o dela, mas ela sabia que no fundo não era esse o tipo de brida que podia ser curada com um beijo. Ela o empurrou passando pela estreita borda e abriu a janela, surpresa ao descobrir que o quarto já estava escuro. Subiu para dentro e quando ela se voltou para Daniel, percebeu que suas asas estavam trêmulas. Quase como se ele estivesse prestes a chorar. Queria voltar para ele, para segurá-lo, confortálo e amá-lo. Mas não podia. Fechou as venezianas e ficou em seu quarto escuro. Sozinha. Capítulo 9 – Dez Dias Quando Luce acordou na manhã de terça-feira, Shelby já tinha saído. A cama dela estava feita, a colcha de retalhos feita à mão dobrada no pé da cama e seu pretensioso colete vermelho e sua sacola haviam sido arrancados do prendedor de roupa na porta. Ainda de pijama, Luce enfiou uma caneca de água no micro-ondas para fazer chá e, em seguida, sentou-se para verificar seu e-mail. Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Segunda-feira, 16/11 às 01:34 Assunto: Não leve para o lado pessoal. Cara L. Recebi sua mensagem, e antes de tudo, sinto sua falta também. Mas tive uma sugestão que me veio do nada: Que se chama “eu e você trocando ideia”. A Callie Louca e suas ideias selvagens. Eu sei que você está ocupada. Eu sei que você está sob vigilância pesada e é difícil dar uma escapulida. O que eu não sei é um único detalhe sobre sua vida: Com quem você almoça? Qual aula você mais gosta? O que aconteceu com aquele cara? Veja, eu nem sei o nome dele. E odeio isso. Estou feliz que você tenha um telefone, mas não me mande mensagem me dizendo que vai me ligar. Apenas ligue. Não escuto sua voz há décadas. Não estou brava com você. Ainda. xoC. Luce fechou o e-mail. Era quase impossível zangar Callie. Ela nunca tinha realmente feito isso antes. O fato de Callie não suspeitar que Luce estivesse mentindo era apenas mais uma prova do quão distante elas estavam. A vergonha que Luce sentia era grande, pesando nos ombros. No e-mail seguinte: Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Segunda-feira, 16/11 às 08:30 Assunto: Bem, querida, nós te amamos muito. Luce bebê, Seus e-mails sempre iluminam nossos dias. Como está a equipe de natação? Você está secando o cabelo agora que está fazendo frio lá fora? Eu sei, sou chata, mas sinto sua falta. Você acha que Sword & Cross vai conceder-lhe permissão para sair do campus no dia de Ação de Graças, na próxima semana? Papai poderia ligar para o reitor? Não vamos contar vitória ainda, mas seu pai já saiu para comprar um peru de tofu. Estou enchendo o congelador com tortas extras. Você ainda come aquela com batata-doce? Nós te amamos e pensamos em você o tempo todo. Mamãe. A mão de Luce ficou pendurada congelada no mouse. Era uma manhã de terça-feira. Ação de Graças estava há uma semana e meia distante. Era a primeira vez que o seu feriado favorito nem tinha passado por sua mente. Mas rapidamente da mesma maneira que entrou em sua mente, Luce tentou bani-lo. Não havia nenhuma maneira do Sr. Cole a deixar ir para casa no dia de Ação de Graças. Estava prestes a clicar em Responder quando uma piscante janela laranja na parte inferior da tela chamou sua atenção. Miles estava online. Estava tentando conversar com ela. Miles (08:08) – Bom dia, senhorita Luce. Miles (08:09) – Estou MORRENDO de fome. Você acorda faminta como eu? Miles (08:15) – Quer café? Vou dar uma passada em seu quarto no caminho. Cinco minutos? Luce olhou para o relógio. 08:21. Houve uma batida crescente na porta. Ela ainda estava de pijama. Ainda na cabeceira da cama. Abriu a porta um pouco. O sol da manhã brotava dos pisos de madeira no corredor. Lembro Luce de descer sempre a iluminada escada de madeira na casa de seus pais para almoçar, a maneira como o mundo inteiro parecia mais brilhante através da lente de um corredor cheio de luz. Miles não estava usando o boné dos Dodgers hoje, então era uma das poucas vezes em que ela podia ver claramente os olhos dele. Eles eram de um azul profundo, como nove horas da manhã de um céu azul de verão. Seu cabelo estava molhado, pingando nos ombros de sua camisa branca. Luce engoliu em seco, incapaz de parar sua mente de imaginá-lo no chuveiro. Ele sorriu mostrando uma covinha e seu sorriso super branco. Parecia tão Califórnia hoje; Luce ficou surpresa ao perceber o quão bom ele fez parecer. - Hey. – Luce firmou o quanto ela pôde a grande parte do seu corpo de pijamas atrás da porta. – Eu acabei de ver suas mensagens. Estou afim de café da manhã, mas não estou vestida ainda. - Eu posso esperar. – Miles se encostou na parede do corredor. Seu estômago roncou alto. Tentou cobrir com os braços a cintura para encobrir o sim. - Eu vou me apressar. – Luce riu, fechando a porta. Parou diante do armário, tentando não pensar na Ação de Graças de seus pais ou em Callie ou porque tantas pessoas importantes estavam escapando dela de uma vez só. Pegou um suéter longo e cinza de seu armário e o jogou sobre um jeans preto. Escovou os dentes, colocou os brincos de um grande aro prata e uma bisnaga de creme nas mãos, agarrou sua bolsa e estudou-se no espelho. Não parecia uma garota que estava presa em alguma disputa de poder de um relacionamento, ou uma menina que não podia ir para casa de sua família no dia de Ação de Graças. No momento, parecia uma menina que estava animada para abrir a porta e encontrar um cara que a fazia se sentir normal, feliz e como se realmente tudo estivesse maravilhoso. Um cara que não era seu namorado. Suspirou, abrindo a porta para Miles. Seu rosto se iluminou. Quando chegaram lá fora, Luce percebeu que o tempo havia mudado. O ar da manhã ensolarada estava tão vivo quanto tinha estado na borda do telhado na noite passada com Daniel. Parecia gelado. Miles estendeu seu enorme casaco cáqui para ela, mas a mesma dispensou. - Eu só preciso de um pouco de café para me aquecer. Sentaram-se na mesma mesa onde se sentaram na semana anterior. Imediatamente uma dupla de estudantes garçons veio correndo. Ambos os rapazes pareciam ser amigos de Miles e brincavam com uma facilidade. Luce certamente nunca tinha tido esse nível de serviço quando se sentava com Shelby. Enquanto os rapazes disparavam perguntas de como a equipe de futebol de mentira de Miles tinha ido na noite anterior, se ele tinha visto o vídeo no Youtube do cara pregando uma peça na namorada e se ele tinha planos para depois da aula hoje. Luce procurou pelo terraço pela sua companheira de quarto, mas não conseguiu encontrá-la. Miles respondeu a todas as perguntas dos meninos, mas não pareceu interessado em estender a conversa nem um pouco. Apontou para Luce. - Esta é Luce. Ela quer uma xícara grande do café mais quente e... - Ovos mexidos. – Disse Luce, dobrando o pequeno menu que o refeitório de Shoreline imprimia a cada dia. - O mesmo para mim, rapazes. Obrigado. – Miles devolveu os dois menos e se focalizou integralmente em Luce. – Parece que eu não tenho te visto por aqui fora muito recentemente depois das aulas. Como estão as coisas? A pergunta de Miles não a surpreendeu. Talvez porque ela já estava se sentindo como um imã de culpa esta manhã. Ela gostou que não houvesse nenhum “Onde você estava se escondendo?” Ou “Você está me evitando?” atrelado no final. Só uma pergunta: Como estão as coisas? Ela sorriu para ele, então de alguma forma perdeu a noção de seu sorriso e quase estava se acolhendo na hora em que disse: - As coisas estão bem. - Uh-oh. A luta horrível com Daniel. Mentir para os seus pais. Perder a melhor amiga. Parte dela queria desabafar tudo para Miles, mas sabia que não deveria. Não era possível. Isso seria levar a amizade deles a um nível que ela não tinha certeza se era uma boa ideia. Ela nunca tinha tido um amigo homem de verdade antes, o tipo de amigo que compartilhava tudo e confiava como uma amiga mulher. Será que as coisas ficariam... Complicadas? - Miles. – Ela finalmente disse. – O que as pessoas fazem por aqui no dia de Ação de Graças? - Eu não sei. Acho que nunca fiquei aqui para descobrir. Gostaria de poder, às vezes. Ação de Graças na minha casa é detestavelmente enorme. Pelo menos uma centena de pessoas. Com suas gravatas pretas... - Você está brincando. Ele balançou a cabeça. - Eu gostaria de estar. Sério mesmo. Temos que contratar flanelinhas. – Fez uma pausa. – Por que você está perguntando? Espere. Você precisa de um lugar para ir? - Uhh... - você vem comigo. – Ele riu de sua expressão chocada. – Por favor. Meu irmão não vai voltar da faculdade este ano e ele era minha única salvação. Eu posso lhe mostrar Santa Barbara. Nós podemos nos livrar do peru e pegar os melhores tacos do mundo em Super Rica. – Ele levantou a sobrancelha. – Vai ser muito menos torturante para mim tendo você comigo. Pode até ser divertido. Enquanto Luce estava meditando sobre sua oferta, sentiu uma mão em suas costas. Ela sabia que o toque agora, calmo a ponto de ter poderes de cura, era o de Francesca. - Falei com Daniel na noite passada. – Disse Francesca. Luce tentou não reagir quando Francesca se inclinou. Será que Daniel tinha ido vê-la depois que Luce havia o trancado no lado de fora? A ideia a deixou com ciúmes embora não soubesse o porquê. - Ele está preocupado com você. – Francesca fez uma pausa, parecendo procurar pelo rosto de Luce. – Eu disse a ele que você está indo muito bem, considerando o seu novo ambiente. Eu lhe disse que iria me tornar disponível para você para qualquer coisa que você precise. Por favor, entenda que você deve vir a mim com suas perguntas. – A nitidez entrou em seu olhar, uma qualidade difícil e feroz. Venha a mim ao invés de ir a Steven parecia estar lá, indizível. E, em seguida, Francesca foi embora, tão rapidamente quanto apareceu, o revestimento de seda do casaco de lã branco açoitando contra sua meia-calça preta. - Então... Ação de Graças. – Miles finalmente disse, esfregando as mãos. - Ok, ok. – Luce engoliu o resto de seu café. – Eu vou pensar sobre isso. Shelby não apareceu no chalé Nephilim naquela manhã para a aula – uma palestra sobre a convocação dos anjos antepassados, como forma de enviar um correio de voz celestial. Na hora do almoço, Luce começou a ficar nervosa. Mas indo para sua aula de matemática, finalmente avistou o familiar colete vermelho presunçoso praticamente correndo em sua direção. - Hey! – Puxou o grosso rabo do cabelo loiro de sua companheira de quarto. – Onde você esteve? Shelby virou-se lentamente. O olhar em seu rosto levou Luce de volta a seu primeiro dia em Shoreline. As narinas de Shelby estavam alargadas e as sobrancelhas estavam curvadas para frente. - Você está bem? – Luce perguntou. - Sim. – Shelby se virou e começou a brincar com o armário mais próximo, girando uma combinação e depois abrindo numa explosão. Dentro havia um capacete de futebol e um engradado de garrafas de Gatorade. Um cartaz do Laker Girls foi esparramado na parte interna da porta. - É isso mesmo seu armário? – Luce perguntou. Não conhecia nenhuma única criança Nephilim que usava um armário, porém Shelby estava esquadrinhando este, jogando as meias sujas de suor de forma imprudente sobre o ombro. Shelby bateu no armário fechado, em seguida, mudou-se para rodar a combinação do próximo. - Agora você está me julgando? - Não. – Luce abanou a cabeça. – Shel, o que está acontecendo? Você desapareceu esta manhã, você perdeu a aula. - Estou aqui agora, não estou? – Shelby suspirou. – Frankie e Steven estão muito mais relaxados em deixar uma menina tirar um dia de folga do que os humanoides por aqui. - Por que você precisa de um dia de folga? Você estava bem na noite passada, até... Até que Daniel apareceu. Bem no momento que Daniel apareceu na janela, Shelby ficou toda pálida e quieta e foi direto para a cama e... Enquanto Luce olhava para Shelby, sentiu como se seu QI, de repente, caísse pela metade, Luce se tornou consciente do resto do corredor. Onde os armários enferrujados terminavam, a parede cinda acarpetada estava guarnecida com meninas: Dawn, Jasmine e Lilith. Garotas patricinhas com casacos de lã como Amy Branshaw das aulas da tarde de Luce. Meninas punks com piercings que pareciam um pouco com Arriane, mas eram bem menos divertidas de se conversar. Luce nunca tinha visto algumas meninas antes. Meninas com livros apertados contra o peito, o chiclete fazendo bolhas de ar em suas bocas e os olhos dardejando para o tapete. O teto com vigas de madeira sobre elas. Em qualquer lugar, menos diretamente para Luce e Shelby. Embora fosse evidente que todas elas estavam entreouvindo. A sensação de mal estar no estômago começou a lhe dizer o porquê. Era o maior conflito de Nephilim e não-Nephilim que Luce já tinha visto até agora em Shoreline. E casa garota neste corredor havia descoberto antes dela: Shelby e Luce estavam prestes a brigar por um rapaz. - Oh. – Luce ingeriu. – Você e Daniel. - Sim. Nós. Há muito tempo atrás. – Shelby não a olharia. - Ok. – Luce se focou na respiração. Ela podia lidar com isso, mas os sussurros que voavam em torno da parede de meninas fazia sua pele se arrepiar e ela estremeceu. Shelby zombou. - Eu sinto muito se a ideia te repugna tanto. - Não é isso. – Mas Luce sentia nojo. Nojo de si mesma. – Eu sempre... Eu pensei que eu era a única. Shelby colocou as mãos nos quadris. - Você pensou que casa vez que desapareceu por dezessete anos, Daniel apenas cruzava os braços? Terra para Luce há um “antes de” para Daniel. Ou um “entre o” ou o que quer que seja. – Ela fez uma pausa para dar uma piscadinha para Luce. – Você realmente é assim tão egocêntrica? – Luce emudeceu. Shelby resmungou e virou o rosto para o resto do corredor. – Este campo de força de estrogênio deve se dissipar. – Ela latia, balançando os dedos para elas. – Siga em frente. Todas vocês. Agora! Enquanto as meninas corriam, Luce pressionou a cabeça contra o armário de metal frio. Ela queria se arrastar para dentro dele e se esconder. Shelby apoiou as costas contra a parede ao lado do rosto de Luce. - Sabe... – Ela disse, com a voz se amaciando. – Daniel é um namorado de merda. E um mentiroso. Ele está mentindo para você. Luce se endireitou e foi até Shelby, sentindo suas bochechas ruborizarem. Luce podia estar chateada com Daniel agora, mas ninguém falava mal de seu namorado. - Whoa. – Shelby se esquivou. – Calma, não. Eita. – Ela deslizou pela parede para se sentar no chão. – Olha, eu não deveria ter tocado no assunto. Foi uma noite estúpida há muito tempo e ele estava claramente muito infeliz sem você. Eu não sabia de você até então, pensava que todo o folclore sobre vocês... Era extremamente chato. Que, como você deve saber, explica o rancor enorme que eu sentia sobre o seu nome. – Ela bateu no chão ao seu lado e Luce deslizou pela parede para se sentar. Shelby fez uma tentativa de sorriso. – Eu juro Luce, nunca pensei que ia te conhecer. Eu definitivamente nunca esperava que você fosse ser... Legal. - Você acha que eu sou legal? – Luce perguntou, rindo baixinho para si mesma. – Você estava certa sobre eu ser egocêntrica. - Ugh, justamente o que pensei. Você é uma daquelas impossíveis-de-ficarchateada-com-as-pessoas, não é? – Shelby suspirou. – Tudo bem. Sinto muito por ter ido atrás de seu namorado e, você sabe, te odiar antes de conhecê-la. Eu não vou fazer isso de novo. Isso era estranho, a única coisa que poderia ter feito duas amigas instantaneamente se afastarem uma da outra estava realmente as tornando mais próximas. Isso não era culpa de Shelby. Qualquer lampejo de raiva que Luce sentia sobre isso era algo que ela precisava resolver com... Daniel. Uma noite estúpida, Shelby tinha dito. Mas o que realmente tinha acontecido? O pôr-do-sol encontrou Luce descendo a escada rochosa da praia. Estava frio no lado de fora, mais frio ainda quando ela se aproximou da água. Os últimos raios de luz do dia dançavam nos finos lençóis de nuvens, colorindo o oceano laranja, rosa e azul pastel. O mar calmo se esticava em sua frente, olhando como um caminho para o Céu. Até que ela chegou ao largo círculo de areia, ainda enegrecido pela fogueira de Roland, Luce não sabia o que estava fazendo lá. Então ela se encontrou rastejando por trás da alta rocha de lava onde Daniel a tinha arrastado para longe. Onde os dois haviam dançado e, em seguida, passaram os poucos e preciosos momentos que tinham juntos brigando por algo tão estúpido quando a cor de seus cabelos. Callie tinha um namorado em Dover com o qual ela rompeu depois de uma briga por causa de uma torradeira. Um deles tinha atolado a coisa com uma enorme rosquinha de Nova York, o outro ficou enlouquecido. Luce não conseguia se lembrar de todos os detalhes agora, mas se lembrou de pensar: Quem rompe por causa de um utensílio de cozinha? Mas nunca foi realmente por causa da torradeira, Callie tinha dito. A torradeira foi apenas um sintoma, algo que representava tudo o que havia de errado entre eles. Luce odiava que ela e Daniel continuassem brigando. Aquela na praia por causa do cabelo tingido lembrou a história de Callie. Parecia a previsão de algumas grandes discussões feias estavam a caminho. Apoiando-se contra o vento, Luce percebeu que tinha vindo até aqui para tentar descobrir onde tinham se saído mal naquela noite. Ela foi estupidamente à procura de sinais na água, alguma pista esculpida na rocha vulcânica áspera. Estava procurando por toda parte, exceto dentro de si. Porque o que estava dentro de Luce era apenas o grande enigma de seu passado. Talvez as respostas ainda estivessem em algum lugar nos Anunciadores, mas, por enquanto, permaneciam frustrantemente fora de seu alcance. Não queria culpar Daniel. Ela era a única que tinha sido ingênua a ponto de supor que sua relação era exclusiva ao longo do tempo, mas ele nunca tinha dito o contrário. Assim, ele praticamente definiu que ela entrasse de cabeça nesse conflito. Era embaraçoso. E mais um item para assinalar na longa lista de coisas que ela achava que merecia saber e que Daniel não decidiu contar a ela. Ela sentiu algo que achava que era chuva, uma sensação de garoa em seu rosto e nas pontas dos dedos. Mas estava quente em vez de fria. Era em pó e luz, e não molhado. Ela virou o rosto para o céu e foi cegada pela luz violeta brilhante. Não querendo proteger seus olhos, viu, mesmo quando a luz se intensificou tão brilhante que doía. As partículas se acumulavam lentamente em direção da água e apenas a pouca distância da praia, caindo em um arranjo e delineando uma forma que ela reconheceria em qualquer lugar. Ele parecia ter ficado mais lindo. Seus pés descalços pairavam polegadas fora da água enquanto se aproximava da praia. Suas amplas asas brancas pareciam estar afiadas com a luz violeta e pulsavam quase imperceptivelmente no vento áspero. Não era justo. A maneira como ele a fazia se sentir quando olhava para ele – impressionada, extasiada e até um pouco com medo. Mal podia pensar em outra coisa. Todo aborrecimento ou frustração persistentes desapareceram. Havia apenas o inegável empurrão em sua direção. - Você fica aparecendo. – Ela sussurrou. A voz de Daniel era conduzida pela água. - Eu disse que queria falar com você. Luce sentiu a boca franzir. - Sobre Shelby? - Sobre o perigo que você continua se metendo. – Daniel falou tão claramente. Ela estava esperando que sua menção sobre Shelby provocasse alguma reação. Porém Daniel apenas inclinou a cabeça. Ele chegou à borda molhada da praia, onde a água espumava e rolava, e flutuou acima da areia em frente dela. – O que tem Shelby? - Você realmente vai fingir que não sabe? - Espera. – Daniel colocou os pés no chão, dobrando os joelhos em um plié profundo quando seus pés nus tocaram a areia. Quando se endireitou, puxou suas asas para trás, longe de seu rosto, e enviou uma onda de vento de volta com elas. Luce conseguiu sua primeira sensação de como elas deviam ser pesadas. Levou menos de dois segundos para Daniel chegar até ela, mas quando seus braços deslizaram em torno de suas costas e a puxou para ele, não poderia ter vindo com a rapidez necessária. - Não vamos iniciar com um mau começo. – Disse ele. Ela fechou os olhos e deixou que ela a levantasse do chão. Sua boca se encontrou com a dela e ela inclinou seu rosto para o céu, deixando a percepção dele a dominar. Não houve escuridão, não estava mais frio, apenas a adorável sensação de ser banhada em seu brilho violeta. Até mesmo o agito do mar foi silenciado por um zumbido suave, a energia que Daniel carregava em seu corpo. As mãos dela estavam embrulhadas apertadas em volta do pescoço dele, em seguida, acariciou os músculos firmes em seus ombros, roçando no macio e espesso perímetro de suas asas. Elas eram fortes, brancas e brilhantes, sempre muito maiores do que ela se lembrava. Duas velas grandes se estendendo de seus lados, cada centímetro delas era perfeito e harmonioso. Podia sentir a tensão contra os dedos, como se estivesse tocando uma lona esticada, mas sedosa, macia e deliciosamente aveludada. Pareciam responder ao seu toque, mesmo que a estendendo para frente a se esfregar contra ela, a puxando mais perto, até que foi enterrada nelas, aninhada cada vez mais profundamente e ainda assim não recebendo o suficiente. Daniel estremeceu. - Está tudo bem? – Ela sussurrou, porque às vezes ele ficava nervoso quando as coisas entre eles começavam a esquentar. – Dói em você? Hoje à noite seus olhos pareciam ávidos. - É uma sensação maravilhosa. Nada se compara. Seus dedos deslizaram ao longo da cintura dela, deslizando dentro de sua blusa. Normalmente, a mais suave carícia das mãos de Daniel a enfraqueciam. Hoje à noite seu toque estava mais forte. Quase bruto. Não sabia o que tinha dado nele, mas gostou. Seus lábios focalizando os dela, depois se desviaram para cima, depois da parte superior do nariz dela, descendo suavemente em cada uma de suas pálpebras. Quando ele se afastou, ela abriu os olhos e olhou para ele. - Você é tão bonita. – Ele sussurrou. Era exatamente o que a maioria das garotas teria gostado de ouvir, só que, logo depois que ele disse isso, Luce se sentiu arrancada de seu corpo, substituída por outra pessoa. Shelby. Mas não só Shelby, porque quais foram as chances de que ela tenha sido a única? De ter tido outros olhos, narizes e bochechas tomados pelos beijos de Daniel? Ter tido outros corpos reunidos com ele em uma praia? Outros lábios enroscados, outros corações batendo? Ter tido outros elogios trocados nos sussurros? - O que há de errado? – Perguntou ele. Luce se sentiu mal. Eles poderiam vaporizar até as janelas com seus beijos, mas logo que eles começaram a usar suas bocas para outras coisas, como falar, tudo ficou tão complicado. Ela virou o rosto. - Você mentiu para mim. Daniel não ridicularizou ou ficou zangado como ela esperava que ficasse, quase não querendo que ficasse. Sentou-se na areia. Apoiou as mãos nos joelhos e olhou para as ondas espumantes. - Sobre o quê exatamente? Mesmo quando as palavras saíram, Luce lamentou onde ela estava levando. - Eu poderia fazer o mesmo que você e não contar nada, nunca. - Eu não posso te dizer tudo o que você quer saber se você não me dizer o que a está incomodando. Ela pensou em Shelby, mas quando se imaginou jogando o cartão de ciúmes na mesa, só para tê-lo a tratando como uma criança, se sentiu patética. Ao invés disso, disse: - Eu sinto que somos estranhos. Como se eu não te conhecesse melhor do que ninguém. - Ah. – Sua voz estava calma, mas seu rosto estava tão irritantemente estoico. Luce queria sacudi-lo. Nada o irritava. - Você está me fazendo de refém aqui, Daniel. Eu não sei nada. Eu não conheço ninguém. Estou sozinha. Casa vez que te vejo você coloca algum novo muro e nunca me deixa entrar. Você nunca me deixa entrar. Você me arrastou todo o caminho até aqui. Ela estava pensando na Califórnia, mas era mais do que isso. Seu passado, a concepção limitada que tinha a respeito saiu de sua mente como um rolo de um filme, caindo, se desenrolando no chão. Daniel a havia arrastado muito, muito mais além da Califórnia. Ele a arrastou através de séculos de brigas como esta que estavam tendo agora. Através de mortes agonizantes que causaram dor a todos ao seu redor, como aqueles bons velhinhos que ela tinha visitado na semana passada. Daniel havia arruinado a vida do casal. Matou sua filha. Tudo porque ele tinha sido um anjo importante que viu algo que ele queria e foi atrás disto. Não, ele não tinha apenas a arrastado até a Califórnia. Ela a arrastou para uma eternidade amaldiçoada. Um fardo que deveria ter sido só dele para suportar. - Estou sofrendo, eu e todos que me amam, por causa de sua maldição. Por todo o tempo. Por causa de você. Ele estremeceu como se tivesse sido golpeado. - Você quer ir para casa. – Disse ele. Ela chutou a areia. - Eu quero voltar. Eu quero que você retire tudo o que foi que você tenha feito para me botar nisso. Eu só quero viver e morrer em uma vida normal e terminar com pessoas normais por coisas mais normais, como torradeiras, e não pelos segredos sobrenaturais do universo que você nem ao menos confia em mim para contar. - Espera. – O rosto de Daniel tinha ficado completamente branco. Seus ombros rígidos e suas mãos estavam tremendo. Mesmo suas asas, que momentos atrás pareciam tão poderosas, pareciam frágeis. Luce queria estender a mão e tocá-las como se de alguma forma elas fossem a dizer se a dor que via nos olhos dele era real, mas ela manteve sua posição. - Nós estamos terminando? – Ele perguntou, sua voz era fraca e baixa. - Será que estamos mesmo juntos, Daniel? Ele ficou de pé encostou no rosto dela. Antes que ela pudesse se afastar, sentiu o calor caindo sobre suas bochechas. Fechou os olhos, tentando resistir à força magnética de seu toque, mas era tão forte, mais forte do que qualquer outra coisa. Isso apagou sua raiva, deixou sua identidade em frangalhos. Quem era ela sem ele? Por que o puxão para perto de Daniel sempre derrotava seu puxão para longe? Razão, sensibilidade, autopreservação: Nenhum deles jamais poderia competir. Devia ser parte do castigo de Daniel. Que ela estava ligada a ele para sempre, como uma marionete ao seu titereiro. Ela sabia que não devia o querer com todas as fibras de seu ser, mas não se continha. Olhando para ele, sentindo seu toque – o resto do mundo desbotava num segundo plano. Ela só queria que amá-lo não fosse sempre tão difícil. - O que é esse negócio de querer ganhar uma torradeira? – Daniel sussurrou em seu ouvido. - Eu acho que eu não sei o que eu quero. - Eu sei. – Seus olhos estavam atentos, sustentando os dela. – Eu quero você. - Eu sei, mas... - Nada vai mudar isso. Não importa o que você ouça. Não importa o que aconteça. - Mas eu preciso mais do que ser querida. Eu preciso que nós fiquemos juntos, de fato juntos. - Em breve. Eu prometo. Tudo isso é apenas temporário. - Se é assim que você diz... – Luce viu que a lua tinha subido sobre suas cabeças. Ela estava laranja, brilhante e minguante, um esplendor sereno. – O que você quer falar comigo? Daniel enfiou o cabelo loiro de Luce atrás da orelha, observando os cachos de cabelo por muito tempo. – Escola. – Disse ele com uma hesitação que a fez pensar que ele estava sendo pouco verdadeiro. – Eu pedi a Francesca para cuidar de você, mas eu queria ver por mim mesmo. Você está aprendendo alguma coisa? Você está passando por um bom momento? Ela sentiu o súbito desejo de se vangloriar com ele sobre seu trabalho com os Anunciadores, sobre sua conversa com Steven e os vislumbres que ela tinha de seus pais, mas o rosto de Daniel parecia mais ansioso e aberto do que ela tinha visto durante toda a noite. Ele parecia estar tentando evitar outra briga por isso Luce decidiu fazer o mesmo. Fechou os olhos. Disse a ele o que ele precisava ouvir. A escola estava muito boa. Ela estava bem. Os lábios de Daniel desceram sobre os dela outra vez, brevemente, quente, até que todo seu corpo estava formigando. - Eu tenho que ir. – Disse ele, finalmente, ficando de pé. – Eu nem deveria estar aqui, mas eu não posso me manter longe de você. Eu me preocupo com você a cada momento. Eu te amo, Luce. Tanto que chega a doer. Ela fechou os olhos contra a batida de suas asas e a ferroada da areia quando ele levantou em seu rastro. Capítulo 10 – Nove Dias Uma série de ecos sibilantes e rangidos cortava o som de águias pescadoras. A nota longa e cantante de metal raspando metal, então o choque da fina lâmina de prata resvalava em seu oponente desprevenido. Francesca e Steven estavam lutando. Bem, não, eles estavam esgrimando (lutando com espadas). Uma demonstração para os alunos que estavam prestes a encenar suas próprias lutas. - Saber como empunhar uma espada – sendo ela um florete luminoso igual ao que estamos usando hoje, ou algo tão perigoso quando um cutelo – é uma habilidade de valor inestimável. – Disse Steven, cortando o ar com a ponta de sua espada com movimentos curtos e como chicote. – Os exércitos do Céu e do Inferno raramente engajam numa batalha, mas quando o fazem... – Sem olhar, ele moveu sua lâmina lateralmente na direção de Francesca e, sem olhar, ela trouxe sua espada para cima e parou o golpe. – Permanecem intocados pela guerra moderna. Punhais, arcos e flechas, gigantes espadas flamejantes, estas são as nossas ferramentas eternas. O duelo que se seguiu foi para mostrar, apenas uma lição; Francesca e Steven não estavam nem mesmo usando máscaras. Estava no final da manhã de quarta-feira e Luce estava sentada no largo banco do deck, entre Jasmine e Miles. A classe inteira, incluindo seus dois professores, tinham trocado suas roupas regulares por roupas brancas que esgrimistas sempre usavam. Metade da turma segurava máscaras pretas em suas mãos. Luce chegou ao almoxarifado logo depois que a última máscara tinha sido tirada, o que não a incomodava. Estava esperando evitar o constrangimento de ter toda sua classe como testemunha de sua falta de noção: Era evidente pelo modo como os outros estavam fazendo investidas nas laterais do deck que eles já haviam praticado antes. - A ideia é se apresentar como um pequeno alvo para seu adversário quanto for possível. – Explicou Francesca para o círculo de estudantes em torno dela. – Então, você ajusta seu peso sobre um pé e dirige com o cabo de tua espada, depois balança para trás e para frente até a área do golpe, em seguida, se afasta. Ela e Steven estavam subitamente envolvidos em uma onda de golpes e defesas, fazendo um denso barulho enquanto eles habilmente repeliam os golpes um do outro. Quando a lâmina dela resvalou para a esquerda, ele se lançou para frente, mas ela balançou para trás, varrendo a espada dele para cima, dando uma volta e tocou o pulso dele. - Touché. – Disse ela, rindo. Steven voltou para a classe. - Touché, é claro, é tocado em francês. Na esgrima, contamos os pontos por toques. - Estávamos lutando de verdade. – Disse Francesca. – Eu tenho medo de que a mão de Steven estivesse pendendo com sangue no deck. Desculpe, querido. - Relativamente bem. – Ele disse. – Relativamente. Bem. – Ele se jogou lateralmente a ela, quase parecendo se levantar do chão. No frenesi que se seguiu, Luce perdeu a noção da espada de Steven quando esta riscou o ar novo e de novo, quase cortando Francesca, que desviou para o lado na hora certa e reapareceu atrás dele. Mas ele estava pronto para ela e jogou a lâmina dela longe antes de suspender a ponta da sua e atacar seu dorso. - Eu tenho medo, minha querida, que você tenha começado com o pé errado. - Veremos – Francesca levantou a mão e alisou seu cabelo, os dois olhando um para o outro com uma intensidade assassina. Cada nova rodada da encenação violenta fazia Luce ficar tensa em alarme. Estava acostumada a ser agitada, mas o resto da turma também estava surpreendentemente agitada hoje. Agitada com entusiasmo. Assistindo Francesca e Steven, nenhum deles conseguia ficar parado. Até hoje, ela se perguntava por que nenhum dos outros Nephilim jogava em qualquer time de equipes esportivas do colégio Shoreline. Jasmine tinha torcido o nariz quando perguntou a Luce se ela e Dawn estavam interessadas em fazer o teste para a equipe de natação no ginásio. De fato, até que ela entreouviu Lilith no vestiário de manhã bocejando que todos os esportes, exceto esgrima, eram extraordinariamente chatos, então Luce havia descoberto que os Nephilim não eram atletas. Mas não era isso mesmo. Eles apenas escolhiam cuidadosamente o que jogar. Luce estremeceu quando imaginou Lilith, que conhecia a tradução francesa de todos os termos de esgrima que Luce não sabia nem mesmo em inglês, se jogar esbelta e rancorosa em um ataque. Se o resto da turma estava um décimo tão hábil quando Francesca e Steven, Luce ia acabar sendo uma pilha de pedaços de corpo no final da sessão. Seus professores obviamente eram especialistas, se aproximando e se afastando flexivelmente das estocadas. A luz do sol brilhava em suas espadas, fora de suas vestes brancas acolchoadas. O cabelo loiro e espesso de Francesca caía em cascatas numa linda auréola ao redor de seus ombros enquanto ela girava em torno de Steven. Seus pés teciam padrões no deck com tanta graça, a encenação parecia quase como uma dança. As expressões em seus rostos estavam vis e cheias de determinação brutal para vencer. Após daqueles primeiros toques, eles estavam equilibrados. Devem estar ficando cansados. Estavam lutando por mais de dez minutos sem um golpe. Eles começaram a lutar tão rapidamente que os arcos de suas lâminas desapareciam, havia apenas uma pura fúria e um leve zumbido no ar e o constante estalo de suas lâminas contra a outra. Faíscas começaram a voar cada vez que suas espadas se chocavam. Faíscas de amor ou ódio? Houve momentos que quase pareciam os dois. E isso irritou Luce. Porque o amor e o ódio eram para estar claramente em lados opostos do espectro. A divisão parecia tão clara como... Bem, os anjos e demônios uma vez tinham parecido para ela. Não mais. Enquanto ela observava seus professores com pavor e medo, as memórias da discussão de ontem à noite com Daniel rodeavam sua mente. E seus próprios sentimentos de amor e ódio, ou se não completamente ódio, uma fúria crescente – se prendeu dentro dela. Um grito ecoou de seus colegas. Parecia que Luce tinha apenas piscado, mas ela tinha perdido o que aconteceu. A ponto da espada de Francesca espetar no peito de Steven. Perto do coração. Ela apertou contra ele, para o ponto onde sua lâmina fina dobrava em arco. Ambos pararam por um instante, encarando um ao outro nos olhos. Luce não poderia dizer se isto também fazia parte do show. - Direto através do meu coração. – Disse Steven. - Como se você tivesse um. – Francesca murmurou. Os dois professores pareciam momentaneamente ignorar que o deck estava cheio de alunos. - Outra vitória de Francesca. – Disse Jasmine. Ela inclinou a cabeça para Luce e deixou cair a voz. – Ela vem de uma longa linhagem de vencedores. Steven? Nem tanto. O comentário pareceu carregado, mas Jasmine apenas saltou levemente para fora do banco, tirou a máscara do rosto e reforçou seu rabo de cavalo. Pronta para ir. Enquanto os outros alunos começavam a se movimentar em torno dela, Luce tentou imaginar uma cena semelhante entre ela e Daniel: Luce levantou a mão, o segurando na misericórdia de sua espada como Francesca fez com Steven. Era, francamente, impossível de imaginar. E isso incomodava Luce. Não é porque ela queria assenhorear-se de Daniel, mas porque ela não queria ser a dominada também. Na noite anterior, ela estava muito à mercê dele. Lembrando que aquele beijo a deixou ansiosa, corada e oprimida – e não no bom sentido. Ela o amava. Mas. Ela deveria ter sido capaz de pensar na frase sem adicionar aquela conjunção feia. Mas ela não podia. O que eles tinham no momento não era o que ela queria. E se as regras do jogo iriam sempre ficar desse jeito, ela só não sabia se ela ainda queria jogar. Que tipo de jogo ela era para Daniel? Que tipo de jogo era ele para ela? Se ele tinha estado atraído por outras meninas... Em algum momento ele devia ter se questionado também. Alguém mais podia dar a cada um deles um campo para jogar mais plano? Quando Daniel a beijou, Luce sabia em seus ossos que ele era seu passado. Embalada em seus braços, estava desesperada para que ele permanecesse em seu presente. Mas no segundo em que seus lábios se separaram, não podia realmente ter certeza de que ele era seu futuro. Ela precisava de liberdade para tomar essa decisão de uma forma ou de outra. Ela nem sabia o que havia lá fora. - Miles. – Steven chamou. Ele estava totalmente de volta ao modo professor, embainhou sua espada em uma preta e estreia bainha de couro e balançando a cabeça para o canto noroeste do deck. – Você vai competir com Roland bem aqui. Ao seu lado esquerdo, Miles se inclinou para sussurrar: - Você e Roland já se conheciam, qual é o calcanhar de Aquiles dele? Não vou perder para o garoto novo. - Hum... Eu realmente não... – A mente de Luce passou em branco. Olhando para Roland, cuja máscara já cobria seu rosto, ela percebeu o quão pouco sabia sobre ele. Exceto o seu catálogo de mercadorias do mercado negro. E sua forma de tocar gaita. E do jeito que ele tinha feito Daniel rir tanto no primeiro dia em Sword & Cross. Ela ainda não descobriu o que eles estavam falando... Ou o que Roland realmente estava fazendo em Shoreline de qualquer maneira. Quando se tratava do Sr. Faísca, Luce estava definitivamente no escuro. Miles deu um tapinha em seu joelho: - Luce, eu estava brincando. Não há nenhuma maneira do cara não acabar comigo. – Levantou-se rindo. – Deseje-me sorte. Francesca tinha se mudado para o outro lado do deck, próxima à entrada do chalé e estava tomando uma garrafa de água. - Kristy e Millicent, peguem este canto. – Disse ela a duas meninas Nephilim com tranças e combinando as sapatilhas pretas. – Shelby e Dawn, venham competir aqui. – Apontou para o canto do deck em frente a Luce. – O resto de vocês vai assistir. Luce estava aliviada de que seu próprio nome não tinha sido chamado. Quando mais ela via do método de ensino de Francesca e Steven, menos ela entendia isso. Uma demonstração intimadora tomou o lugar de qualquer instrução real. Não prestar atenção e aprender, mas direto para assistir e se sobressair. Quando os primeiros seis estudantes tomaram seus lugares no deck, Luce sentiu uma pressão enorme para entender toda a arte da esgrima imediatamente. - En garde! – Shelby berrou, esgueirando para trás e se agachando com a ponta de sua espada apenas alguns centímetros de Dawn, cuja espada ainda estava embainhada. Os dedos de Dawn estavam ziguezagueando através de seu cabelo preto curto, prendendo partes dele para trás com uma mão cheia de grampos de borboleta. - Você não pode dizer en garde para mim enquanto eu estou me preparando para a batalha, Shelby! – sua voz alta ficava ainda maior quando ela ficava frustrada. – O que você foi, criada por lobos? – Ela bifou através do último grampo de plástico entre os dentes. – Tudo bem. – Disse ela, puxando sua espada. – Agora eu estou pronta. Shelby que estava segurando a profunda estocada durante toda a sessão de preparação de Dawn, agora se endireitou em pé e olhou para suas unhas ásperas. - Espere, eu tenho tempo para uma manicure? – Disse ela, intimidando Dawn apenas o suficiente para deixá-la cair em uma postura ofensiva e balançar sua espada. - Que tosco! – Dawn latiu, mas para surpresa de Luce, ela imediatamente levantou sua espada, fazendo sua lâmina habilmente açoitar o ar e bater em Shelby de lado. Dawn era uma esgrimista agressiva. Perto de Luce, Jasmine se dobrou de tanto rir. - Uma partida feita no Inferno. Um sorriso surgiu no rosto de Luce, também, porque ela nunca havia conhecido alguém tão inabalavelmente otimista quanto Dawn. No começo, Luce suspeitava falsidade, uma fachada – de onde Luce vinha, no Sul, aquele momentinho sempre feliz não poderia ser sincero. Mas Luce havia ficado impressionada com a rapidez com que Dawn se recuperou depois daquele dia no iate. O otimismo de Dawn parecia não conhecer limites. Até agora, era difícil Luce ficar perto da menina sem rir. E era especialmente difícil quando Dawn focava seu ânimo de patricinha para acabar com a raça de alguém tão friamente oposta quanto Shelby. As coisas entre Luce e Shelby ainda estavam um pouco estranhas. Ela sabia disso, Shelby sabia disso, até mesmo o luz noturna (night-light) em formato de Buda em seu quarto parecia saber disso. A verdade era que Luce meio que gostava de ver Shelby lutando por sua vida enquanto Dawn a atacava toda feliz. Shelby era uma lutadora constante e paciente. Onde a técnica de Dawn era vistosa e atraente, seus membros girando praticamente num tango através do deck, Shelby era cuidadosa com suas investidas, quase como se tivesse só isso para raciocinar. Mantinha os joelhos dobrados e nunca desistia de nada. No entanto, ela disse que tinha desistido de Daniel depois de uma noite. Foi rápida em dizer que foi por causa dos sentimentos de Daniel por Luce – que eles interferiram com tudo. Mas Luce não acreditava nela. Alguma coisa estava estranha sobre a confissão de Shelby; algo que não condiz com a reação de Daniel quando Luce tinha meio que quase tocado no assunto na noite anterior. Ele agiu como se não tivesse nada para contar. Um estrondo trouxe Luce de volta a atenção. Do outro lado do deck, Miles de alguma forma caiu de costas. Roland pairava sobre ele. Literalmente. Ele estava voando. As asas enormes que tinham sido desfraldadas dos ombros de Roland estavam tão grandes como uma grande capa de penas como uma água, mas com um lindo dourado marmóreo combinando com suas asas escuras. Ele deve ter as mesmas ranhuras cortadas em sua roupa de esgrima que Daniel tinha em sua camiseta. Luce nunca tinha visto as asas de Roland antes, e como os outros Nephilim, não conseguir parar de olhar. Shelby havia dito a ela que muitos poucos Nephilim tinham asas e nenhum deles estava em Shoreline. Vendo Roland sair em uma batalha, mesmo numa prática de espada, enviou uma onda de excitação nervosa através da multidão. As asas chamavam tanta atenção que levaram Luce um instante a perceber que a ponta da espada de Roland pairava bem no peito de Miles, o prendendo ao chão. A branca e brilhante roupa de esgrima de Roland e suas asas douradas cortavam uma rígida silhueta contra as árvores escuras e exuberantes que faziam fronteira com o deck. Com sua máscara de malha preta sobre o rosto, Roland parecia ainda mais intimidante, mais ameaçador do que se ela tivesse sido capaz de ver seu rosto. Ela esperava que sua expressão fosse divertida, porque ele realmente botou Miles numa situação de vulnerabilidade. Luce saltou e se pôs de pé para ir até ele, surpresa ao se encontrar de joelhos tremendo. - Oh, meu Deus, Miles! – Dawn gritou do outro lado do deck, esquecendo sua própria batalha apenas tempo suficiente para Shelby entrar com uma chicotada, tocando no peito blindado de Dawn, e marcando o ponto da vitória. - Não é a forma mais desportiva para ganhar. – Disse Shelby, embainhando sua espada. – Mas às vezes isso serve. Luce, apressada, passou por elas e o resto dos Nephilim que não estava envolvido no duelo de Roland e Miles. Ambos estavam ofegantes. Até então Roland tinha voltado ao chão, as asas retraídas dentro de sua pele. Miles parecia bem. Era Luce que não conseguia parar de tremer. - Você me pegou. – Miles riu nervosamente, afastando a ponta da espada. – Não vi a sua arma secreta vindo. - Desculpe, cara. – Roland disse sinceramente. – Não tinha intenção de libertar as asas sobre você. Às vezes isso só acontece quando eu me deixo levar. - Bem, bom jogo. Até o momento, de qualquer maneira. – Miles levantou a mão direita para ser ajudado a sair do chão. – Eles dizem bom jogo na esgrima? - Não, ninguém diz isso. – Roland levantou sua máscara com uma mão e, sorrindo, deixou cair a espada com a outra. Segurou a mão de Miles e o puxou para cima em uma jogada rápida. – Bom jogo mesmo. Luce soltou a respiração. É claro que Roland não ia machucar Miles. Roland foi não convencional e imprevisível, mas ele não era perigoso mesmo estando no lado de Cam naquela última noite no cemitério de Sword & Cross. Mas não havia razão para temê-lo. Por que ela tinha ficado tão nervosa? Por que ela não conseguia fazer seu coração parar de acelerar? Então ela entendeu o porquê. Era por causa de Miles. Porque ele era o amigo mais próximo que ela tinha em Shoreline. Tudo o que sabia era que, recentemente, cada vez que ela ficava perto de Miles, a fazia pensar em Daniel, e como um monte de coisas entre eles estava meio que se arrastando. E como, às vezes, às escondidas, ela desejava que Daniel pudesse ser um pouco mais como Miles. Alegre e descontraído, atencioso e naturalmente doce. Menos preocupado com coisas como estar condenado desde o início dos tempos. Um flash branco correu passando por Luce em direção aos braços de Miles. Dawn. Ela saltou sobre Miles, de olhos fechados e sua boca em um sorriso enorme. - Você está vivo! - Vivo? – Miles a colocou de volta em pé. – O vento mal começou a me derrubar. Boa coisa você nunca ter vindo assistir a um dos jogos de futebol. Em pé atrás de Dawn, observando enquanto ela acariciava Miles onde a espada tinha tocado seu colete branco, Luce se sentiu estranhamente constrangida. Não era como se ela quisesse estar acariciando Miles, certo? Ela só queria... Ela não sabia o que queria. - Quer isto? – Roland apareceu ao seu lado, lhe entregando a máscara que ele estava usando. – Você é a próxima, não é? - Eu? Não. – Ela balançou a cabeça. – O sinal não está prestes a tocar? Roland balançou a cabeça. - Boa tentativa. Apenas meta a cara e ninguém vai saber que você nunca fez esgrima antes. - Eu duvido disso. – Luce mexeu na tela de malha fina. – Roland, eu tenho que te perguntar... - Não, eu não ia transpassar a espada em Miles. Por que todo mundo fica tão assustado? - Eu sei disso... – Ela tentou sorrir. – É sobre Daniel. - Luce, você sabe as regras. - Regras de quê? - Eu posso conseguir um monte de coisas, mas não posso conseguir Daniel para você. Você só vai ter que esperar. - Espere, Roland. Eu sei que ele não pode estar aqui agora. Mas que regras? Do que você está falando? Ele apontou para trás dela. Francesca estava acenando para Luce com um dedo. Os outros Nephilim tinham todos se sentado nos bancos, com exceção de alguns alunos que pareciam que estavam se preparando para a esgrima. Jasmine e uma menina coreana chamada Sylvia, dois meninos altos e magros cujos nomes Luce nunca poderia se lembrar, e Lilith, sozinha, examinando a ponta de borracha sem corte de sua espada com cuidado escrutínio. - Luce? – Disse Francesca em voz baixa. Ela fez sinal para o espaço no deck em frente de Lilith. – Tome o seu lugar. - Prova de fogo. – Roland assobiou, dando tapinhas nas costas de Luce. – Não demonstre medo. Havia apenas cinco outros alunos em pé no meio do deck, mas para Luce, parecia como se houvesse uma centena. Francesca estava parada com os braços cruzados sobre o peito casualmente. Seu rosto estava sereno, mas para Luce parecia uma serenidade forçada. Talvez era pretendesse que Luce perdesse no mais brutal e vergonhoso combate possível. Por que mais ela queria Luce brigando contra Lilith, que era maior que Luce, pelo menos, uns trinta centímetros, e cujo cabelo vermelho ardente saía de trás de sua máscara como uma juba de leão? - Eu nunca fiz isso. – Disse Luce sem jeito. - Está tudo bem, Luce, você não precisa ser hábil ainda. – Disse Francesca. – Estamos tentando avaliar sua relativa capacidade. Basta se lembrar do que Steven e eu mostramos no início da sessão e você vai se sair muito bem. Lilith riu e chicoteou a ponta de seu florete num amplo Z. - A marca do zero, perdedora. – Disse ela. - Demonstrando o número de amigos que você tem? – Luce perguntou. Ela se lembrou do que Roland tinha dito sobre não demonstrar medo. Abaixou a máscara sobre o rosto, pegou seu florete com Francesca. Luce nem sequer sabia como segurar isso. Atrapalhou-se com o punho, perguntando se a colocaria em sua mão direita ou esquerda. Ela escrevia com a mão direita, jogava boliche e basebol com a mão esquerda. Lilith já estava olhando para ela como se desejasse que Luce já estivesse morta, e Luce sabia que não tinha tempo para testar o seu ritmo em ambas as mãos. Eles chamam de ritmo na esgrima? Sem palavras, Francesca estava por trás dela. Ela estava com os ombros encostados nas costas de Luce, praticamente dobrando seu corpo estreito em torno de Luce e levando a mão esquerda de Luce e a espada em sua mão. - Eu sou canhota também. – Disse ela. Luce abriu a boca, sem saber se devia ou não protestar. - Assim como você. – Francesca se inclinou em torno dela e deu a Luce um olhar compreensivo. Quando ela reposicionou seu toque, algo quente e tremendamente reconfortante fluiu através dos dedos de Francesca em Luce. Força ou talvez coragem – Luce não entendia como funcionava, mas era grata. - Você vai querer uma pegada mais leve. – Disse Francesca, dirigindo os dedos de Luce ao redor do cabo sob o guarda-mão do florete. – Com uma pegada muito forte e a direção da lâmina se torna menos ágil, seus movimentos defensivos mais limitados. Com uma pegada mais leve, a lâmina pode sair voando de suas mãos. Os dedos finos e suas dela guiavam os dedos de Luce para segurar o cabo curvo do punho da espada sob o guarda-mão. Com uma mão sobre a espada e a outra no ombro de Luce, Francesca levemente galopou um passo para o lado, bloqueando a passagem. - Avance. – Moveu-se para frente, impelindo a espada na direção de Lilith. A garota ruiva passou a língua nos dentes e olhou para Luce com algo como síndrome de criança. - Solte. – Francesca moveu Luce para trás como se fosse uma peça de xadrez. Ela se afastou e deu a volta, para encarar Luce, sussurrando. – O resto é só florear. Luce engoliu. Florear? - Em garde! – Lilith praticamente gritou. As longas pernas estavam dobradas e seu braço direito estava segurando o florete em linha reta para Luce. Luce recuou dois passos rápidos à galope, então, quando ela se sentiu numa distância segura o suficiente, se lançou a frente com o florete estendido. Lilith cruzou com habilidade para a esquerda do florete de Luce, se virou, em seguida, voltou por baixo com a dela, colidindo com a de Luce. As duas lâminas deslizaram uma contra a outra até que chegou a um ponto médio, então parou. Luce teve que colocar todas suas forças para parar a lâmina de Lilith com a pressão da sua. Seus braços tremiam, mas ele ficou surpresa ao descobrir que ela poderia segurar Lilith nesta posição. No fim, Lilith rompeu e recuou. Luce a assistiu mergulhando e girando algumas vezes e começou a entendê-la. Lilith era uma grunhidora, fazendo tonelada de ruídos cheio de esforço. Era um pouco de desorientação. Ela faria um barulho enorme e fintaria em uma direção, então chicotearia a ponta de sua lâmina em um grande e apertado arco tentando ultrapassar as defesas de Luce. Então Luce tentou a mesma jogada. Quando ela virou a ponta de seu florete para trás começando no seu primeiro ponto, ao sul do coração de Lilith, a moça soltou um rugido ensurdecedor. Luce estremeceu e se afastou. Achou que ela nem sequer tocara Lilith com muita força. - Você está bem? – Ela gritou prestes a levantar a máscara. - Ela não está ferida. – Francesca respondeu por Lilith. Um sorriso separou seus lábios. – Ela está com raiva por você estar ganhando dela. Luce não teve tempo de se perguntar o que significava o fato de Francesca de repente parecer estar se divertindo, porque Lilith estava se movendo em sua direção, mais uma vez, com a espada pronta. Luce ergueu a espada para se encontrar com a de Lilith, girando seu punho para se chocar três vezes antes delas desengatarem. O pulso de Luce estava acelerando e ela se sentia bem. Sentiu uma energia fluindo através dela que não tinha sentido há muito tempo. Ela era realmente boa nisso, quase tão boa quanto Lilith, que parecia ter sido criada para espetar as pessoas com coisas afiadas. Luce que nunca tinha sequer pegado em um florete, percebeu que ela realmente tinha uma chance de ganhar. Apenas mais um ponto. Ela podia ouvir os outros alunos aplaudindo, alguns até mesmo chamando seu nome. Ela podia ouvir Miles, e pensou que podia ouvir Shelby, o que realmente a encorajou. Mas o som de suas vozes estava combinado com alguma outra coisa. Algo estático e muito alto. Lilith lutou tão ferozmente quanto nunca, mas de repente, Luce estava tendo muita dificuldade de se concentrar. Ela recuou e piscou, olhando para o céu. O sol estava encoberto pelas árvores salientes, mas isso não era tudo. A crescente frota de sombras se estendendo a partir dos ramos, como manchas de tinta que se estendiam bem acima da cabeça de Luce. Não, não agora, não em público com todo mundo olhando, e não podia custar esta partida. No entanto, ninguém ainda reparou nelas, o que parecia impossível. Elas estavam fazendo tanto barulho que era impossível para Luce fazer nada além de cobrir as orelhas dela para tentar bloqueá-los. Ela levou as mãos aos ouvidos, que fez a ponta de seu florete apontar para o céu, confundindo Lilith. - Não deixe que ela te apavore, Luce. Ela é venenosa! – Dawn gorjeou do banco. - Use o prise de fer! – Shelby disse. – Lilith é péssima com o prise de fer. Correção: Lilith é uma merda em tudo, mas, sobretudo com o prise de fer. Tantas vozes – mas, ao que parecia, do que as das pessoas que estavam no convés. Luce estremeceu, tentando bloquear tudo. Mas uma voz se separou da multidão, como se estivesse sussurrando em seu ouvido vindo bem atrás de sua cabeça. Steven: - Passe uma peneira no barulho, Luce. Encontre a mensagem. Ela jogou a cabeça para o lado, mas ele estava do outro lado do convés, olhando para as árvores. Será que ele estava falando sobre os outros Nephilim? De todo o ruído e vibração que estavam fazendo? Ela olhou seus rostos, mas eles não estavam nem falando. Então quem era? Por um breve momento ela encontrou os olhos de Steven e ele ergueu o queixo em direção ao céu. Como se estivesse apontando para as sombras. Nas árvores acima de sua cabeça. Os Anunciadores falavam. E ela podia ouvi-los. Será que eles estiveram falando o tempo todo? Latim, russo, japonês. Inglês com um sotaque sulista. Um francês quebrado. Sussurros, cânticos, más direções, linhas de versos rimados. E um longo grito horripilante para ajudar. Ela balançou a cabeça, ainda segurando a espada de Lilith na baia e as vozes entreouvidas ficavam com ela. Olhou para Steven, em seguida, para Francesca. Eles não mostraram nenhum sinal, mas sabia que eles ouviam. E sabia que eles sabiam que ela estava ouvindo também. Para a mensagem por trás do barulho. Toda sua vida ela tinha ouvido o mesmo barulho quando as sombras vinham – sibilando um ruído molhado e feio. Mas agora era diferente... Um som metálico. A espada de Lilith colidiu contra Luce. A menina estava bufando como um touro bravo. Luce podia ouvir sua própria respiração dentro da máscara, ofegante, enquanto tentava segurar a espada de Lilith. Então, ela podia ouvir muito mais entre todas as vozes. De repente, podia se focar neles. Encontrar o equilíbrio só queria dizer separar a estática do material significativo. Mas como? - Il faut faire le coup double. Après ca, c’est facile a gagner. – Um dos Anunciadores sussurrou em francês. Luce tinha apenas dois anos de francês no ensino médio para continuar, mas as palavras tocaram em algum lugar mais profundo de seu cérebro. Não era apenas sua cabeça compreendendo a mensagem, de alguma forma seu corpo sabia disso também. Isso se infiltrou nela, até os ossos e se lembrou: Ela tinha estado em lugares como esse antes, em uma luta de espadas como esta, num impasse como este. O locutor estava recomendando o cruzamento duplo, um movimento de esgrima complicado em que dois ataques separados vinham um atrás do outro. Sua espada deslizou na da sua adversária e as duas romperam. Um pouco mais cedo do que Lilith, Luce saltou para frente em um movimento limpo e intuitivo, empurrando a ponta da espada para a direita, depois para a esquerda, em seguida, rente à lateral da caixa torácica de Lilith. Os Nephilim aplaudiram, mas Luce não parou. Ela se soltou em seguida, veio direto para trás uma segunda vez, mergulhando a ponta do florete para o estofamento perto do intestino de Lilith. Esse foi três. Lilith lançou seu florete no deck, arrancou sua máscara e deu a Luce uma terrível careta antes de ir rapidamente para o vestiário. O resto da turma estava de pé e Luce podia sentir seus colegas a rodeando. Dawn e Jasmine a abraçaram de ambos os lados, dando apertos. Shelby veio pela frente, levantando a mão para bater. Luce podia ver Miles esperando pacientemente atrás dela. Quando era sua vez, ele a surpreendeu, a levantando do deck e dando um longo e apertado abraço. Ela o abraçou de volta, lembrando o quão estranha ela se sentira antes, quando ela tinha ido atrás dele depois de sua partida, apenas para ver que Dawn tinha chegado primeiro. Agora ela estava muito feliz por tê-lo, feliz pelo seu apoio fácil e honesto. - Eu quero ter aulas de esgrima com você. – Disse ele, rindo. Em seus braços, Luce olhou para o céu, para as sombras se alongando entre os grandes ramos. Suas vozes estavam mais brandas agora, menos distintas, mas ainda mais claras do que já tinham sido antes, como um rádio cheio de estática que ela tinha estado ouvindo há anos e que finalmente havia sintonizado. Ela não poderia dizer se ela deveria estar grata ou com medo. Capítulo 11 – Oito Dias - Espere um pouco. – A voz de Callie explodiu no outro lado da linha. – Deixa eu me beliscar para ter certeza que eu não estou... - Você não está sonhando. – Disse Luce em seu telefone celular emprestado. A recepção estava irregular de sua posição na borda da floresta, mas o sarcasmo de Callie veio alto e claro. – Sou eu mesma. Desculpe-me por ser uma amiga tão horrível. Era quinta-feira após o jantar e Luce estava encostada no tronco robusto de uma sequoia atrás de seu dormitório. À sua esquerda estava uma ladeira ondulada e depois dela o precipício e, além disso, o oceano. Havia ainda uma luz âmbar pequena no céu sobre a água. Seus novos amigos estavam todos no chalé fazendo s’mores, contando histórias de demônio em torno da lareira. Era um evento social de Dawn e Jasmine, parte das Noites Nephilim que Luce era para ter ajudado a organizar, mas tudo o que ela realmente tinha feito era ter pedido alguns sacos de marshmallows e chocolate preto do refeitório. Então ela escapou para a margem sombria da floresta para evitar todos da Shoreline e se reconectar com algumas outras coisas importantes: Os pais dela. Callie. E os Anunciadores. Esperou até hoje para ligar para casa. Quintas-feiras na casa dos Price significava que sua mãe estaria jogando mahjong na casa dos vizinhos e seu pai teria ido ao cinema local assistir à Opera Atlanta em transmissão simultânea. Podia suportar suas vozes nas mensagens da secretária eletrônica com mais de dez anos de idade, conseguia dar conta de deixar um correio de voz de trinta segundos dizendo que ela estava implorando muito para o Sr. Cole deixá-la sair do campus no dia de Ação de Graças e que ela os amava muito. Callie não a deixaria escapar tão fácil. - Eu pensei que você só podia ligar às quartas-feiras. – Callie estava dizendo agora. Luce havia esquecido a política rigorosa de telefone em Sword & Cross. – No começo eu parei de fazer planos às quartas-feiras, esperando sua ligação. – Callie continuou. – Mas depois de um tempo, eu meio que desisti. Como você conseguiu um telefone celular, afinal? - Só isso? – Luce perguntou. – Como eu consegui um telefone celular? Você não está brava comigo? Callie soltou um longo suspiro. - Você sabe, pensei em ficar chateada. Até treinei uma briga inteira em minha mente. Mas, então, nós duas perdemos. – Fez uma pausa. – E o fato é que eu sinto sua falta, Luce. Então percebi, por que perder tempo? - Obrigada. – Sussurrou Luce, próximas das lágrimas, daquelas de felicidade. – Então o que está acontecendo com você. - Unh-unh. Eu que mando nesta conversa. Esse é o seu castigo por sair meu radar. E o que eu quero saber é: O que está acontecendo com aquele cara? Eu acho que o nome dele começava com um C? - Cam. – Luce gemeu. Cam era o último cara que ela tinha contado a Callie? – ele meio que não era... O tipo de cara que eu achava que ele era. – Ela parou por um momento. – Eu estou saindo com outra pessoa agora e as coisas estão realmente... – Ela pensou na face brilhante de Daniel, do jeito que tinha escurecido tão rapidamente durante o último encontro no lado de fora de sua janela. Então ela pensou em Miles. O Miles quente, seguro e charmosamente sem drama, que a tinha convidado para a casa da família dele no dia de Ação de Graças. Aquele que pedia picles nos seus hambúrgueres no refeitório agora, mesmo que ele não goste deles, só assim ele podia pegá-los e dar-lhes a Luce. Aquele que inclinava a cabeça para cima quando ria para que ela pudesse ver o brilho nos olhos por debaixo do sombreado boné dos Dodgers. - As coisas estão bem. – Ela disse finalmente. – Nós estamos saindo bastante. - Oh, saltitando de um menino do reformatório para outro. Curtindo a vida, né? Mas esse ai parece ser sério, eu posso ouvir isso na sua voz. Vocês vão passar o dia de Ação de Graças juntos? Traga-o para cara para enfrentar a ira de Harry? Hah! - Hum... Sim, provavelmente. – Resmungou Luce. Ela não estava totalmente certa se estava falando sobre Daniel ou Miles. - Meus pais estão insistindo em alguma grande reunião de família, em Detroit, no fim de semana, – Disse Callie. – o que eu estou boicotando. Eu queria vir visitar, mas achei que você estaria trancada na Vila Reformatório. – Ela fez uma pausa e Luce podia imaginá-la enrolada em sua cama, em seu quarto em Dover. Parecia uma vida inteira atrás desde que Luce tinha estado na escola, ela mesma. Então muito tinha mudado. – Mas se você vai estar em casa, e trazendo o menino do reformatório, então tente e me impeça. - Ok, mas Callie... Luce foi interrompida por um grito. - Então está combinado? Imagine: Em uma semana vamos estar enroladas no seu sofá, trocando ideia! Vou fazer a minha famosa pipoca para nos ajudar a ver o show de slides que o seu pai chato vai mostrar. E o seu poodle louco ficará enlouquecido... Luce nunca tinha ido à casa de Callie, na Filadélfia, e Callie nunca tinha realmente ido à casa de Luce, na Geórgia. Elas tinhas apenas visto fotos. A visita de Callie soou tão perfeita, tão exatamente aquilo que Luce precisava no momento. Isso também parecia totalmente impossível. - Vou procurar por voos agora mesmo. - Callie... - Eu vou lhe enviar um e-mail, ok? – Callie desligou antes que Luce conseguisse responder. Isso não era bom. Luce fechou o telefone. Não deveria ter sentido como se Callie tivesse se intrometendo ao se convidar para o dia de Ação de Graças. Deveria ter se sentido muito bem que sua amiga ainda queria vê-la. Mas tudo o que ela se sentia era impotente, com saudades de casa e culpada por perpetuar esse ciclo estúpido de mentiras. Seria mesmo possível ser apenas normal e feliz? O que na Terra – ou fora dela – levaria para Luce ser tão contente com sua vida quanto alguém como Miles parecia ser? Sua mente continuava circulando em torno de Daniel. E ela tinha a resposta: A única maneira que podia estar despreocupada novamente seria se ela nunca tivesse conhecido Daniel. Nunca ter conhecido o verdadeiro amor. Alguma coisa balançou no topo das árvores. Um vento gelado atacou sua pele. Ela não tinha se concentrado num Anunciador especificamente, mas ela percebeu como Steven tinha dito a ela que seu desejo por respostas devia ter convocado um. Não, não um apenas. Estremeceu, olhando para o emaranhado de galhos. Centenas de sombras camufladas, turvas e com mau cheiro. Elas fluíam juntas nos altos ramos de sequoias sobre sua cabeça. Como se alguém nas nuvens tivesse derrubado um pote gigante de tinta preta que havia se espalhado por todo céu e escorria para a copa das árvores, de um ramo para outro, até que a floresta se torne uma lavagem sólida de escuridão. No começo era quase impossível dizer onde uma sombra acabava e começava outra, qual era realmente uma sombra e qual era um Anunciador. Mas logo elas começaram a se transformar e se tornaram óbvias, maliciosamente num primeiro momento, como se estivessem se movendo inocentemente na luz do fim do dia, mas depois, mais ousadamente. Surrupiaram livremente dos ramos que tinham ocupado, tirando seus tentáculos de escuridão para baixo, para baixo, perto da cabeça de Luce. Acenando ou a ameaçando? Ela se armou se coragem, mas não conseguiu recuperar o fôlego. Havia muitas. Eram demais. Ela fez um esforço para respirar, tentando não entrar em pânico, sabendo que era tarde demais. Ela correu. Começou indo para o sul, em direção ao dormitório, mas o abismo negro rodopiando no topo das árvores se moveu com ela, sibilando ao longo dos ramos mais baixos das sequoias, se aproximando. Sentiu as alfinetadas geladas de seu toque em seus ombros. Gritou quando elas a agarraram, golpeando-as para longe com suas mãos. Mudou de rumo, girou em torno de si mesma na direção oposta, em direção ao chalé dos Nephilim para o norte. Ela iria encontrar Miles ou Shelby, ou até mesmo Francesca. Porém os Anunciadores não a deixavam ir. Imediatamente, eles deslizavam à frente, inchando em sua frente, engolindo a luz e bloqueando o caminho para o chalé. Seu assobio abafava os murmúrios distantes da fogueira Nephilim, fazendo os amigos de Luce parecerem incrivelmente distantes. Luce se obrigou a parar e respirar fundo. Sabia mais sobre os Anunciadores do que nunca. Devia ter menos medo deles. Qual era o seu problema? Talvez soubesse que estava se aproximando de algo, alguma memória ou informações que pudesse alterar o curso de sua vida. E de seu relacionamento com Daniel. A verdade era que não estava aterrorizada com os Anunciadores. Estava com medo do que ela pudesse ver dentro deles. Ou ouvir. Ontem, a menção de Steven sobre sintonizar os ruídos dos Anunciadores finalmente fez sua ficha cair, podia ouvir dentro de suas vidas passadas. Podia cortar a estática e se concentrar no que queria saber. No que ela precisava saber. Steven devia ter tido a intenção de lhe dar esta pista, devia saber que ela ouvia e levou seus novos conhecimentos direto aos Anunciadores. Virou-se e voltou para a solitária escuridão das árvores. Os assobios dos Anunciadores se aquietaram e acalmaram. A escuridão sob os ramos a encobriu com o frio e com cheiro da decomposição de folhas. No crepúsculo, os Anunciadores rastejavam para frente, se fixando na penumbra ao seu redor, se camuflando novamente entre as sombras naturais. Algumas delas se moviam de forma rápida e rígida, como soldados; outros tinham um encanto frágil. Luce se perguntava se suas aparições refletiam alguma coisa sobre as mensagens que continham. Tanta coisa sobre os Anunciadores ainda parecia impenetrável. Sintonizá-los não era nada intuitivo, como brincar com o mostrador de um rádio antigo. O que ela tinha ouvido ontem – aquela única voz entre o tumulto de vozes – tinha chegado a ela por acaso. O passado pode ter sido incompreensível para ela antes, mas podia senti-lo se pressionando contra as superfícies escurar, esperando para entrar a luz. Fechou seus olhos e reuniu as mãos. Lá, na escuridão, com o coração batendo forte, ela queria que eles saíssem. Convidara aquelas coisas mais frias e mais obscuras, pedindo a elas para que entregassem seu passado, para iluminar sua história e a de Daniel. Chamou por eles para resolver o mistério de quem ele era e por que ele a tinha escolhido. Mesmo que a verdade partisse seu coração. Uma suntuosa risada feminina ecoou na floresta. Uma risada tão clara e completa que parecia estar em torno de Luce, saltando dos galhos das árvores. Tentou rastrear sua origem, mas havia tantas sombras reunidas – Luce não sabia como localizar a fonte. Então sentiu seu sangue congelar. A risada era dela. Ou já tinha sido dela, quando era criança. Antes de Daniel, antes de Sword & Cross, antes de Trevor... Antes de uma vida cheia de segredos, mentiras e tantas questões irrespondíveis. Antes que ela tivesse visto um anjo. A risada era muito inocente, muito despreocupada para ainda pertencer a ela. Uma lufada de vento rodopiou na parte de cima dos ramos e uma dispersão de sequoias marrons se rompeu e se espalhou pelo chão. Elas tamborilavam como pingos de chuva no momento que se juntavam a milhares de seus antecessores no chão da floresta. Entre elas estava uma folhagem grande. Grossa e emplumada, totalmente intacta, caindo lentamente, de alguma forma sem a força da gravidade. Era negra em vez de marrom. E ao invés de cair no chão, flutuou levemente para a palma da mão estendida de Luce. Não era uma folhagem, mas um Anunciador. Quando ela se inclinou para examinar mais de perto, ouviu o riso novamente. Em algum lugar lá dentro, outra Luce estava rindo. Delicadamente, Luce deu um puxão nas bordas espinhosas do Anunciador. Era mais flexível do que esperava, mas fria como gelo e pegajosa contra seus dedos. Ficou maior no mais leve toque. Quando já tinha crescido cerca de um metro quadrado, Luce o libertou do puxão e ficou contente ao vê-lo ficar suspenso ao nível dos olhos em sua frente. Ela fez um esforço especial para se concentrar na audição, em sintonia com o mundo ao seu redor. Nada no começo e, em seguida... Mais uma risada crescente cantou de dentro para fora da sombra. Então o véu de escuridão se abriu e uma imagem interior se tornou mais clara. Desta vez, Daniel foi o primeiro a entrar em vista. Mesmo através da tela do Anunciador, era o paraíso vê-lo. Seu cabelo estava um par de centímetros mais longo do que ele usava agora. Era bronzeado – os ombros e a parte superior de seu nariz estavam um tanto profundos, marrom dourado. Ele usava sunga da guarnição da Marinha, confortavelmente em torno de seus quadris, o tipo que tinha visto em fotos de família a partir dos anos setenta. Ele as fez parecer tão boas. Atrás de Daniel estava à borda verdejante de uma espessa floresta, densa, de um verde luxuriante, mas brilhante com frutos silvestres. E as flores brancas que Luce nunca tinha visto antes. Ele estava de pé na orla de um curto precipício, porém dramático, olhava para uma piscina de água espumante. Daniel, entretanto, olhava para cima, em direção ao céu. A risada de novo. E então a própria voz de Luce se dividiu em risadinhas. - Apresse-se e desça aqui! Luce se inclinou para frente, mais perto da janela do Anunciador, e viu sua própria forma pisando na água num biquíni amarelo de alça. Seus longos cabelos dançavam ao seu redor, flutuando na superfície da água como uma auréola bem preta. Daniel ficou a olhando, mas também ainda estava olhando para cima. Os músculos em seu peito estavam tensos. Luce tinha um mau pressentimento que já sabia o porquê. O céu estava se enchendo de Anunciadores, como um bando de enormes corvos negros, uma nuvem tão espessa que bloqueava o sol. A Luce há muito tempo na água, não percebeu, não viu nada. Mas assistindo todos aqueles Anunciadores se esvoaçarem e se reunirem no ar úmido daquela floresta tropical, em uma imagem feita por um Anunciador, fez a Luce na floresta sentir uma súbita vertigem. - Você me faz esperar demais. – A Luce de muito tempo atrás chamou Daniel. – Muito em breve eu vou congelar. Daniel tirou os olhos do céu, a olhando com uma expressão destruída. Seus lábios estavam tremendo e seu rosto estava branco como um fantasma. - Você não vai congelar. – Eram as lágrimas que Daniel estava enxugando? Ele fechou os olhos e estremeceu. Então, fez um arco com as mãos sobre a cabeça, se empurrou das pedras e mergulhou. Daniel veio à tona um momento depois e a Luce de muito tempo atrás nadou em sua direção. Colocou os braços em volta de seu pescoço, o rosto brilhante e feliz. Luce assistia ao jogo com uma mistura de náusea e satisfação. Queria que sua antiga forma tivesse o máximo de Daniel ela tinha, sentir aquela inocente e extasiante proximidade de estar com a pessoa que amava. Mas ela sabia, assim como Daniel sabia, como o enxame de Anunciadores sabia, o que exatamente estava para acontecer assim que esta Luce apertasse seus lábios aos dele. Daniel estava certo: Ela não iria congelar. Iria queimar em uma explosão terrível de chamas. E Daniel seria deixado para trás para lamentar sua partida. Mas ele não era o único. Esta menina teve uma vida, amigos e uma família que a amava, que iria ser devastada quando a perdessem. De repente, Luce estava enfurecida. Furiosa com a maldição que havia pairado sobre ela e Daniel. Ela tinha sido inocente, impotente, não entendia nada sobre o que ia acontecer. Ainda não entendia o porquê de isso acontecer, o porquê que ela sempre tinha que morrer tão rapidamente depois de encontrar Daniel. O porquê disso ainda não ter acontecido com ela nesta vida. A Luce na água ainda estava viva. Luce não iria – não podia deixá-la morrer. Ela agarrou o Anunciador, enrolando suas bordas em seus punhos. Ele torcia e se dobrava, contorcendo as imagens dos nadadores como um espelho de parque de diversões fazia. Dentro de sua tela, outras sombras estavam descendo. Os nadadores estavam correndo contra o tempo. Na frustração, Luce gritou e balançou os punhos para o Anunciador – primeiro um, depois o outro, a chuva começando a cair na cena à sua frente. ela batia nele repetidamente, ofegante e chorando enquanto tentava o seu melhor para parar o que estava acontecendo. Então aconteceu: Seu punho direito transpassou e o braço dela afundou até o cotovelo. Imediatamente, sentiu o choque da mudança de temperatura. O calor de um sol de verão se espalhando pela palma da mão. A gravidade deslocada. Luce não podia dizer qual caminho ia, para cima ou para baixo. Sentia seu estômago recuando e temia que fosse vomitar. Ela podia passar. Podia salvar seu velho eu. Timidamente, esticou o braço esquerdo para frente. Ele, também, desapareceu no Anunciador, como se passando através de uma folha brilhante e úmida de gelatina que ondulava e ampliava, como se pudesse deixá-la passar. - Ele quer a mim. – Disse ela em voz alta. – Eu posso fazer isso. Eu posso salvar minha vida. – Ela se inclinou para trás ligeiramente e então colocou seu corpo no Anunciador. Havia sol, tão brilhante que teve que fechar seus olhos e um calor tão tropical que um brilho de suor imediatamente estourou em sua pele. E uma cena nauseante de gravidade se inclinando e a levando ao chão, como na altura de um mergulho. No momento em que estava caindo... Alguma coisa tinha de segurar seu tornozelo esquerdo. E o direito. Algo estava puxando Luce muito energicamente para trás. - Não! – Luce gritou, porque podia ver agora, podia ver, lá embaixo, uma explosão de cor amarela na água. Brilhante demais para ser a alça de seu biquíni. Será que a Luce de muito tempo atrás já estava queimando? Então, tudo desapareceu. Luce foi arrancada asperamente de volta para o pedaço de terra fria e escura de sequoias atrás do dormitório de Shoreline. Sua pele estava fria e úmida e seu equilíbrio estava completamente arruinado, caindo com o rosto no chão cheio de folhas de sequoia da floresta. Virou-se e viu duas figurar em sua frente, mas sua visão estava girando tanto que ela nem poderia dizer quem eram. - Eu pensei que iria te encontrar aqui. Shelby. Luce balançou a cabeça e piscou algumas vezes. Não apenas Shelby, mas Miles também. Ambos pareciam exaustos. Luce estava esgotada. Olhou para o relógio, não se surpreendendo mais ao ver quanto tempo passara vislumbrando o Anunciador. Era depois de uma hora da manhã. O que Miles e Shelby ainda estavam fazendo acordados? - O q-quê... O que você estava tentando... – Balbuciou Miles, apontando para o local onde o Anunciador tinha estado. Ela olhou por cima do ombro. Ele tinha se espalhado em centenas de folhas de sequoia que chovia, frágil o suficiente para se transformar em cinzas, onde eles caíam. - Eu acho que vou ficar doente. – Murmurou Luce, rolando para o lado e se dirigindo para trás de uma árvore próxima. Tentou se levantar com dificuldade algumas vezes, mas nada aconteceu. Fechou os olhos, atormentada com a culpa. Tinha ficado muito fraca e tinha se atrasado demais para salvar a si mesma. Uma mão fria se aproximou dela e puxou as loiras ondas curtas de seu cabelo para trás de seu rosto. Luce viu Shelby com a desgastada calça de ioga preta e com sandálias nos pés e sentiu uma onda de gratidão. - Obrigada. – Disse ela. Após um longo momento, limpou a boca e instavelmente se pôs em pé. – Você está brava comigo? - Que brava? Estou orgulhosa de você. Você entendeu tudo. Por que você ainda precisa de alguém como eu? – Shelby deu de ombros para Luce. - Shelby... - Não, eu vou te dizer o porquê você precisa de mim. – Desabafou Shelby. – Para mantê-la fora de catástrofes como a qual você quase acabou de jogar dentro! Quer queria, quer não, mais uma coisa: O que você estava tentando fazer? Sabe o que acontece com as pessoas que vão para dentro dos Anunciadores? Luce balançou a cabeça. - Nem eu, mas duvido que seja bonito! - Você apenas tem que saber o que você está fazendo. – Disse Miles, de repente, atrás delas. Seu rosto parecia mais pálido do que o normal. Luce realmente devia ter o abalado. - Ah, e eu presumo que você sabe o que está fazendo? – Shelby desafiou. - Não. – Ele murmurou. – Mas num verão, meus pais me fizeram entrar numas aulas com este anjo de idade que sabia ok? – Ele se virou para Luce. – E o jeito que você estava fazendo? Não era nem perto. Você realmente me assustou, Luce. - Sinto muito. – Luce estremeceu. Shelby e Miles estavam agindo como se ela tivesse os traído indo até ali sozinha. – Pensei que vocês estavam indo para a fogueira atrás do chalé. - Nós pensamos que você estava indo. – Shelby disparou de volta. – Nós estávamos ali por um tempo, mas depois Jasmine começou a chorar sobre como Dawn tinha desaparecido e os professores ficaram todos estranhos, especialmente quando perceberam que você também estava perdida, então a festa meio que terminou. Só então que mencionei casualmente a Miles que eu meio que tinha uma ideia do que você estava aprontando e que eu iria sair para te encontrar e, de repente, ele virou o Sr. Super Bonder. - Espere um minuto. – Luce interrompeu. – Dawn desapareceu? - Provavelmente não. – Miles sugeriu. – Quero dizer, você sabe como ela e Jasmine são. São tão avoadas. - Mas era a festa dela. – Disse Luce. – Ela não perderia sua própria festa. - Isso foi o que Jasmine ficava dizendo. – Miles disse. – Ela não foi para o quarto a noite passada, e não estava uma bagunça esta manhã, então, finalmente, Frankie e Steven instruíram a todos nós para voltar aos dormitórios, mas... - Vinte pratas que Dawn estava se agarrando com algum não-Neph ensebado nos bosques ao redor daqui. – Shelby revirou os olhos. - Não. – Luce teve um mau pressentimento sobre isso. Dawn tinha estado tão animada sobre a fogueira. Fez um pedido de camisetas online embora não havia nenhuma maneira no mundo que ela seria capaz de convencer qualquer uma das crianças Nephilim para usá-las. Não iria simplesmente desaparecer, não por vontade própria. - Há quanto tempo ela está desaparecida? Quando os três saíram do bosque, Luce estava ainda mais abalada. E não apenas por Dawn. Estava abalada com o que tinha visto no Anunciador. Assistir de perto a morte de seu ex-eu era agonizante e essa tinha sido a primeira vez que tinha visto isso. Daniel, por outro lado, teve de vê-la centenas de vezes. Só que agora ela podia entender por que ele tinha sido tão frio com ela quando eles se encontraram pela primeira vez: Para poupá-los do trauma de passar por mais uma morte horrível. A realidade da situação de Daniel começou a dominá-la e ela estava desesperada para vê-lo. Atravessando o gramado para o dormitório, Luce teve que sombrear seus olhos. Potentes lanternas estavam varrendo o campus. Um helicóptero zumbia à distância, o seu holofote traçava a costa, varrendo para frente e para trás ao longo da praia. Uma ampla linha de homens em uniformes escuros andava no caminho do chalé dos Nephilim até o refeitório, lentamente, varrendo o terreno. Miles disse: - Isso é padrão para a formação de grupos de busca. Forme uma linha e não deixe nenhuma polegada do terreno descoberto. - Oh Deus. – Luce disse baixinho. - Ela realmente está desaparecida. – Shelby estremeceu. – Não é um bom karma. Luce saiu correndo em direção ao chalé dos Nephilim. Miles e Shelby a seguiram. O caminho, adornado com flores e tão bonito durante o dia, agora parecia coberto de sombra. À frente deles, a fogueira na cova tinha se desvanecido a brasas, mas todas as luzes estavam acesas no Chalé, no interior dos dois andares e por todo o deck. O grande edifício em formato de A (A-frame) estava resplandecente e parecia formidável na noite escura. Luce podia ver os rostos assustados de um monte de crianças Nephilim que estavam sentados nos bancos em torno do deck. Jasmine estava chorando, seu boné vermelho de malha puxado para baixo em sua cabeça. Estava segurando a mão dura de Lilith para se apoiar enquanto dois policiais com cadernos faziam um monte de perguntas. Luce sentiu compaixão pela garota. Ela sabia quão horrível este processo podia ser. Os policiais cercaram o deck, distribuindo fotocópias em preto-e-branco de uma fotografia recente aumentada de Dawn que alguém tinha imprimido pela Internet. Olhando para baixo na baixa resolução de imagem, Luce ficou surpresa ao ver o quando ela se parecia com Dawn, pelo menos, antes de ter tingido o cabelo. Lembrou-se de ter conversado, na manhã depois que tinha feito isso, o quanto Dawn ficava brincando sobre elas não serem mais gêmeas. Luce cobriu o suspiro com a mão. Sua cabeça doía quando começou a somar tantas coisas que não tinha feito sentido. Até agora. O momento terrível no bote salva-vidas. A dura advertência de Steven sobre manter isso em segredo. A paranoia de Daniel sobre “perigos” que ele nunca explicara a Luce. Os Exilados que a tinham atraído para fora do campus, a ameaça que Cam havia destruído na floresta. A maneira com que Dawn se parecia tanto com ela na indistinta fotografia em preto-e-branco. Quem quer que tenha levado Dawn tinha se enganado. Era Luce que eles queriam. Capítulo 12 – Sete Dias Sexta de manhã, os olhos de Luce se abriram piscando e olharam para o relógio. Sete e meia da manhã. Ela tinha acabado de pegar no sono – estava uma bagunça, muito preocupada com Dawn e ainda zangada com a vida passada que havia presenciado no dia anterior, através do Anunciador. Era tão estranho ter visto os momentos que antecederam sua morte. Será que todas tinham sido assim? Sua mente continuava correndo em direção ao mesmo obstáculo toda vez: Se não tivesse sido por Daniel... Será que teria uma chance de ter uma vida normal, um relacionamento com alguém, casar, ter filhos e envelhecer como o resto do mundo? Se não tivesse sido por Daniel se apaixonar por ela séculos atrás, será que Dawn estaria desaparecida agora? Todas estas questões apenas desviavam aquela que consequentemente era a mais importante das questões: Será que o amor seria diferente com outra pessoa? Será que o amor era até mesmo possível com outra pessoa? O amor era para ser fácil, não era? Então, por que ela se sentia tão atormentada? Shelby botou a cabeça para fora olhando para baixo do beliche superior. Seu rabo de cavalo loiro grosso caía atrás dela como uma corda pesada. - Você está tão assustada com tudo isso quanto eu? Luce deu um tapinha na cama para que Shelby corresse para baixo e para se sentar ao seu lado. Ainda usando seu pesado pijama de algodão vermelho, Shelby deslizou para a cama de Luce, trazendo duas barras gigantes de chocolate preto com ela. Luce ia dizer que não podia comer, mas como o cheiro do chocolate flutuava até eu nariz, desembrulhou o papel alumínio bronze e deu a Shelby um sorriso tímido. - Veio muito a calhar. – Disse Shelby. – Sabe aquela coisa que eu disse ontem à noite sobre Dawn estar de amasso com algum ensebado? Eu me sinto muito mal por isso. Luce balançou a cabeça. - Oh, Shel, você não sabia. Você não pode se sentir mal por isso. – Ela, por outro lado, tinha muitos motivos para se sentir mal sobre o que havia acontecido com Dawn. Luce havia passado tanto tempo já se sentindo responsável pela morte de pessoas próximas a ela. Trevor, em seguida, Todd, em seguida, a pobre, pobre Penn. Sua garganta se fechou com a ideia de adicionar Dawn à lista. Enxugou uma lágrima em silêncio antes que Shelby pudesse ver. Estava chegando a um ponto em que teria que se por em quarentena, para ficar longe de todos que amava para que pudessem estar seguros. Uma batida em sua porta fez Luce e Shelby pularem. A porta se abriu lentamente. Miles. - Encontraram Dawn. - O quê? – Luce e Shelby perguntaram se sentando ao mesmo tempo. Miles arrastou a cadeira da mesa de Luce até a cama e se sentou de frente para as meninas. Tirou seu boné e enxugou a testa. Estava formando gotas de suor, como se ele estivesse vindo correndo pelo campus para contar a elas. - Eu não consegui dormir na noite passada. – Disse ele, virando o boné em suas mãos. – Eu estava de madrugada, andando por aí. Dei de cara com Steven e ele me contou as boas novas. As pessoas que a levaram a trouxeram de volta no nascer do sol. Ela está abalada, mas não se machucou. - Isso é um milagre. – Shelby murmurou. Luce estava mais suspeita. - Eu não entendo. Eles simplesmente trouxeram de volta? Ilesa? Quando é que isso acontece? E quanto tempo tinha levado para, quem quer que seja, perceber que tinha pegado a garota errada? - Não foi tão simples assim. – Admitiu Miles. – Steven estava envolvido. Ele a resgatou. - De quem? – Luce praticamente gritou. Miles deu de ombros, balançando para trás sobre as duas pernas da cadeira. - Sei lá. Tenho certeza que Steven sabe, mas, uh, eu não sou exatamente a sua primeira escolha para uma conversa tão íntima. A ideia fez Shelby vaiar. Que Dawn tinha sido encontrada, sem ferimentos, parecia relaxar todos, exceto Luce. Seu corpo estava ficando dormente. Não conseguia parar de pensar: Devia ter sido eu. Saiu da cama e pegou uma camiseta e jeans do armário. Tinha que encontrar Dawn. Dawn era a única pessoa que poderia responder suas perguntas. E mesmo que Dawn nunca entendesse, Luce sabia que ela lhe devia um pedido de desculpas. - Steven disse que as pessoas que a levaram não voltarão mais. – Adicionou Miles, observando Luce preocupada. - E você acredita nele? – Luce zombou. - Por que não? – Perguntou uma voz na porta aberta. Francesca estava encostada na soleira da porta num sobretudo cáqui. Estava radiantemente calma, mas não parecia exatamente feliz em vê-los. - Dawn está em casa agora e está segura. - Eu quero vê-la. – Disse Luce, se sentindo ridícula parada ali com sua esfarrapada camiseta e seu short de corrida que havia dormido. Francesca franziu os lábios. - A família de Dawn a pegou há uma hora. Ela vai voltar para Shoreline quando for a hora certa. - Por que você está agindo como se nada tivesse acontecido? – Luce levantou os braços. – Como se a Dawn não tivesse sido sequestrada. - Ela não foi sequestrada. – Francesca corrigiu. – Ela foi pega emprestada, e isso acabou por ser um erro. Steven lidou com isso. - Hum, é isso que deveria nos fazer sentir melhor? Ela foi pega emprestada? Para o quê? Luce procurou traços no rosto de Francesca e não viu nada além de uma calma sensata. Mas então algo em seus olhos azuis mudou: Eles se estreitaram, então, ampliaram, e um apelo silencioso passou de Francesca para Luce. Ela queria que Luce não demonstrasse o que suspeitava na frente de Miles e Shelby. Luce não sabia o porquê, mas confiou em Francesca. - Steven e eu esperamos que o resto de vocês fosse ficar um tanto abalados. Francesca continuou, ampliando seu olhar para incluir Miles e Shelby. – As aulas estão canceladas e estaremos em nossos escritórios se vocês quiserem dar uma passada e conversar. – Ela sorriu daquela maneira deslumbrantemente angelical dela, virou-se em seu salto alto e foi andando pelo corredor. Shelby se levantou e fechou a porta atrás de Francesca. - Você acredita que ela usou o termo emprestada para se referir a um ser humano? Dawn é um livro da biblioteca? – Ela enrolou as mãos para cima. – Temos que fazer alguma coisa. Desfocalizar nossas mentes disso. Quero dizer, estou contente que Dawn esteja segura e eu confio em Steven, eu acho, mas ainda estou bem assustada. - Você está certa. – Disse Luce, olhando por cima para Miles. – Nós vamos nos distrair. Nós poderíamos ir para um passeio... - É muito perigoso. – Os olhos de Shelby dardejaram de um lado para o outro. - Ou assistir a um filme... - Muito ineficiente. Minha mente vai viajar. - Eddie disse algo sobre um jogo de futebol durante o almoço. – Miles jogou para fora. Shelby fechou a mão sobre a testa. - É preciso lembrar que estou cansada dos meninos de Shoreline? - Que tal um jogo de tabuleiro? Finalmente os olhos de Shelby se iluminaram. - Que tão Jogo da Vida? Como nas suas vidas passadas? Nós poderíamos fazer aquela parada para rastrear seus familiares novamente. Eu poderia te ajudar. Luce mordeu o lábio inferior. Perfurar ontem aquele Anunciador tinha abalado seriamente suas estruturar. Ainda estava desorientada fisicamente, emocionalmente esgotada e aquilo nem ao menos havia indicado como tinha feito ela se sentir em relação a Daniel. - Eu não sei. – Disse. - Você quer dizer, mais do que você estava fazendo ontem? – Miles perguntou. Shelby inclinou a cabeça e olhou para Miles. - Você ainda está aqui? Miles pegou um travesseiro que tinha caído no chão e o lançou nela. Ela o jogou novamente nele, parecendo impressionada com seu próprio reflexo. - Ok, tudo bem. Miles pode ficar. Mascotes são sempre úteis. E nós podemos precisar de alguém para jogar debaixo de um ônibus. Certo, Luce? Luce fechou os olhos. Sim, estava morrendo de vontade de saber mais sobre seu passado, mas e se fosse mais difícil de digerir como tinha sido no dia anterior? Mesmo com Miles e Shelby ao seu lado, estava com medo de tentar novamente. Mas então se lembrou do dia em que Francesca e Steven tinham vislumbrado o Anunciador de Sodoma e Gomorra na frente da classe. Depois, os outros alunos tinham cambaleado, mas Luce ficou pensando que mesmo eles vislumbrando ou não aquela cena horrível não importava no final: Ainda teria acontecido. Assim como no seu passado. Por amor de todas suas formas anteriores, Luce não podia virar as costas agora. - Vamos fazer isso. – Disse a seus amigos. Miles deu às meninas alguns minutos para se vestirem e se reuniram novamente no corredor. Mas, então, Shelby se recusou a entrar na floresta onde Luce tinha convocado os Anunciadores. - Não olhe para mim assim, Dawn foi pega e a floresta está escura e assustadora. Eu realmente não quero ser a próxima, né? Foi quando Miles insistiu que seria bom para Luce tentar praticar a convocação dos Anunciadores em um lugar novo, como o dormitório. - Apenas assobie e os traga correndo. – Disse ele. – Faça dos Anunciadores suas cadelas. Você sabe o que você quer. - Mas eu não quero que eles comecem a espreitar por aqui. – Shelby disse, se virando para Luce. – Sem ofensa, mas uma garota gosta de sua privacidade. Luce não se ofendeu. Mas não é que os Anunciadores realmente tivessem parado de segui-la, independentemente de quando ela os convocava. Não queria que as sombras passassem pelo quarto do dormitório sem aviso prévio mais do que Shelby fazia. - A coisa com os Anunciadores é demonstrar controle. É como treinar um cachorrinho. Você só tem que o deixar saber quem é que manda. Luce ergueu a cabeça para Miles. - Desde quando você sabe tanta coisa útil sobre os Anunciadores? Miles corou. - Eu nem sempre posso ser aplicado na sala de aula, mas eu sou capaz de algumas coisas. - E daí? Ela apenas para lá e convoca? – Shelby perguntou. Luce estava na esteira de ioga de arco-íris de Shelby no centro do quarto e pensou sobre como Steven a tinha treinado. - Vamos abrir uma janela. – Disse. Shelby pulou para levantar o caixilho da janela larga, deixando entrar um sopro de ar fresco do mar frio. - Boa ideia. Torná-lo mais receptivo. - E o frio. – Disse Miles, puxando o capuz de seu moletom para cima. Então os dois se sentaram na cama de frente para Luce, como se fosse um ator no palco. Ela fechou os olhos, tentando não se sentir no local. Mas ao invés de pensar nas sombras, ao invés de convocá-los em sua mente, tudo o que conseguia era pensar em Dawn e como ela devia ter ficado aterrorizada na noite passada, como devia estar se sentindo até agora, de volta com sua família. Tinha se recuperado do incidente bizarro no iate, mas esta vez foi muito mais grave. E a culpa era de Luce. Bem, Luce e Daniel, por trazê-la aqui. Ele continuava dizendo que estava a levando para um lugar mais seguro. Agora Luce se perguntava se tudo o que ele estava fazendo era tornando Shoreline mais perigosa para todo mundo. Um suspiro de Miles fez Luce abrir os olhos. Ela olhou bem acima da janela, onde um grande Anunciador cinza-carvão estava pressionado contra o teto. No início parecia que podia ser uma sombra normal, lançada pela lâmpada no chão que Shelby havia empurrado até o quando ela fez o Vinyasa. Mas, em seguida, o Anunciador começou a se espalhar através do teto até que o quarto parecia como se tivesse sido dado uma mão de tinta mortal, deixando um rastro frio, fétido sobre a cabeça de Luce. Fora de seu alcance. O Anunciador que nem havia sido convocado – o Anunciador que podia conter, bem, qualquer coisa – estava a provocando. Ela inalou nervosamente, lembrando o que Miles tinha dito sobre controle. Concentrou-se tão ferozmente que seu cérebro começou a doer. Seu rosto estava vermelho e seus olhos estavam tensos ao ponto dela ter que desistir. Mas então: O Anunciador se dobrou, deslizando até seus pés como um parafuso espesso de tecido descartado. Piscando os olhos, ela discerniu uma menor e mais gorda sombra marrom pairando sobre a maior e mais escura, seguindo seus movimentos, quase do mesmo jeito que um pardal deve voar em estreita conformidade com um falcão. O que esse menor queria? - Incrível. – Miles sussurrou. Luce tentou deixar as palavras de Miles afundarem como um elogio. Essas coisas que aterrorizaram toda sua vida, que a fizeram infeliz? Que ela sempre tinha medo? Agora elas lhe serviam. O que realmente era meio que incrível. Não havia passado por sua cabeça até que viu o rosto intrigado de Miles. Pela primeira vez, se sentiu muito foda. Luce controlou sua respiração e, com calma, o guiou do chão para suas mãos. Uma vez que o Anunciador grande e cinza estava ao alcance, o menor se derramou no chão num ângulo dourado de luz vinda da janela, se misturando com as tábuas de madeira. Luce pegou as bordas do Anunciador e prendeu a respiração, rezando para que a mensagem interior fosse mais inocente do que a de ontem. Puxou, surpresa ao sentir essa sombra dar-lhe mais resistência do que qualquer outra tinha dado. Parecia tão pura e sem substância, mas parecia forte em suas mãos. No momento ela já o havia moldado em uma janela quadrada de uns trinta centímetros, seus braços estavam doendo. - Isso é o melhor que posso fazer. – Disse a Miles e Shelby. Eles se levantaram, aproximando. O véu cinzento do Anunciador levantou, ou Luce pensou que tinha, mas, em seguida, outro véu cinza estava embaixo. Apertou os olhos até que viu a textura cinza turva e se movendo, percebendo que não era mais a sombra que ela estava vendo: O véu cinzento que estavam olhando era uma espessa nuvem de fumaça de cigarro. Shelby tossiu. O fumo nunca saiu, mas os olhos de Luce se acostumaram a ela, logo podia ver uma ampla mesa estilo meia-lua com um feltro vermelho em cima. Um jogo de cartas estava disposto em fileiras por toda a superfície. Uma fila de estranhos se sentou amontoados em um dos lados. Alguns pareciam apreensivos e nervosos, como um homem calvo que mantinha frouxa sua gravata de bolinhas e assobiava baixinho. Outros pareciam exaustos, como uma mulher com laquê no cabelo apagando um cigarro em um meio copo cheio de alguma coisa. Seu rímel pegajoso estava enfraquecendo seus cílios superiores, deixando um bocado de grãos pretos embaixo dos olhos. E, sobre a mesa, um par de mãos estava voando através de um baralho de cartas, espertamente movendo uma carta de cada vez para cada pessoa na mesa. Luce se aproximou um pouco mais de Miles para que pudesse ter uma visão melhor. Ela estava distraída pelas luzes de neon piscando de mil máquinas de caça-níqueis pouco além das mesas. Isso foi antes de ela ver o dealer. Pensou que iria se acostumar a ver versões de si mesma nos Anunciadores. Jovem, esperançosa, sempre ingênua. Mas esta era diferente. A mulher distribuindo cartas no cassino decadente usava uma branca camisa Oxford, calças petas justas e um colete preto que inchava o peito. Suas unhas eram longas e vermelhas, com lantejoulas brilhantes em ambos os dedos mínimos, e constantemente os usava para tirar seus cabelos negros de seu rosto. Seu foco ficava pouco acima dos fios de cabelo dos jogadores, então ela nunca olhava alguém nos olhos. Era três vezes mais velha que Luce, mas ainda havia algo entre elas. - É você? – Miles, sussurrou, tentando não parecer horrorizado. - Não! – Shelby disse categoricamente. – Aquela prostituta é velha. E Luce vive apenas até completar dezessete. – ela atirou a Luce um olhar nervoso. – Quero dizer, no passado, que foi o negócio. Desta vez, porém, eu tenho certeza que ela vai viver até uma idade madura. Talvez tão velha quando esta senhora. Eu quero dizer. - Chega, Shelby. – Disse Luce. Miles balançou a cabeça. – Eu tenho tanta coisa ainda para aprender. Ok, se não sou eu, nós temos de estar... Eu não sei, de alguma forma relacionado a mim. – Luce viu quando a mulher sacou fichas para o homem calvo com uma gravata. Suas mãos pareciam meio como as de Luce. Sua maneira como a boca ficava igualmente séria. – Você acha que é minha mãe? Ou minha irmã? Shelby estava rabiscando notas furiosamente no verso da capa de um manual de ioga. - Só há uma maneira de descobrir. – Ela passou suas notas para Luce: Las Vegas Mirage Hotel e Casino, turno da noite, mesa estacionada perto do show do tigre de bengala, Vera com Lee impresso sobre as unhas. Ela olhou de volta para a dealer. Shelby era persistente nos detalhes que Luce nunca havia notado. A etiqueta de identificação da dealer estava escrito o nome Vera em letras garrafais brancas. Mas a imagem estava começando a balançar e se desvanecer. Logo toda a imagem se desfez em pedaços pequenos de sombra que caiu no chão e se enroscou como cinzas de papel queimado. - Mas espere, isso não é o passado? – Luce perguntou. Não acho não. – Disse Shelby. – Ou, pelo menos, não está muito longe no passado. Havia um anúncio para o novo Cirque Du Soleil no fundo. Então o que você diz? Ir todo o caminho até Las Vegas para encontrar essa mulher? Uma irmã de meia-idade, provavelmente, seria mais fácil de abordar do que os pais bem nos seus oitenta anos, mas mesmo assim. E se eles fossem por todo o caminho até Las Vegas e Luce travasse de novo? Shelby a cutucou. - Ei, eu devo realmente gostar de você, se eu estou concordando em ir para Las Vegas. Minha mãe era uma garçonete lá por uns anos, quando eu era criança. Estou lhe dizendo, é o inferno na Terra. - Como vamos chegar lá? – Luce perguntou, não querendo pedir a Shelby para ela pegar o carro do ex-namorado emprestado de novo. – O quão longe é Las Vegas, afinal? - Muito longe para ir dirigindo. – Miles falou. – O que é bom para mim porque eu tenho vontade de praticar o transpassamento. - Transpassamento? – Luce perguntou. - Transpassamento. – Miles se ajoelhou no chão e juntou os fragmentos da sombra em suas mãos. Pareciam cansados, mas Miles se manteve os amassando com os dedos até eles formarem uma bola solta, desarrumada. – Eu disse que não consegui dormir na noite passada. Eu meio que invadi o escritório de Steven pelo vão da janela. - Sim, certo. – Shelby empacou. – Você foi reprovado em levitação. Você definitivamente não é bom o suficiente para flutuar até o vão da janela. - E você não é forte o suficiente para arrastar a estante até lá. – Disse Miles. – Mas eu sou e eu tenho isso para mostrar. – Ele sorriu, segurando um livro preto e grosso intitulado Como Trabalhar com os Anunciadores: Convoque, Vislumbre e Viaje em Dez Mil Passos Fáceis. – Eu também tenho um hematoma enorme na minha canela por causa da saída mal planejada pelo vão da janela, mas mesmo assim... – Ele se virou para Luce, que estava tendo um momento difícil para não arrancar o livro de suas mãos. – Eu estava pensando, como seu talento evidente para vislumbrar e meu conhecimento superior... – Shelby bufou. - O que você leu três por cento do livro? - Três por cento muito úteis. – Disse Miles. – Acho que poderíamos ser capazes de fazer isso. E não acabar perdidos para sempre. Shelby inclinou a cabeça com desconfiança, mas não disse mais nada. Miles se manteve amassando o Anunciador na palma da mão, então começou a esticá-lo. Após um minuto ou dois, ele tinha crescido no que parecia uma folha de cinza quase do tamanho de uma porta. Suas bordas estavam vacilantes e eram quase transparentes, mas quando ela a empurrou um pouco para longe de seu corpo, parecia ter tomado uma forma mais firme, como um molde de gesso após o conjunto secar. Miles chegou para o lado esquerdo do retângulo escuro, tocando ao redor de sua superfície, em busca de alguma coisa. - Isso é estranho. – Ele murmurou, guarnecendo o Anunciador com os dedos. – Livro diz que se você fizer a área do Anunciador suficientemente grande, a tensão superficial reduz a uma proporção que permite a penetração. – Ele suspirou. – Isso era para estar... - Ótimo livro, Miles. – Shelby revirou os olhos. – Você é um especialista de verdade agora. - O que você está procurando? – Luce perguntou, ficando bem atrás de Miles. De repente, observando sua mão vaguear, ela a viu. Uma tranca. Piscou os olhos e a imagem desapareceu, mas sabia onde ela estava. Chegou perto de Miles e pressionou sua própria mão contra o lado esquerdo do Anunciador. Ali. O toque daquilo em seus dedos a fez ofegar. Parecia uma tranca de metal pesado com um parafuso e ferrolho usado para bloquear uma porta de jardim. Estava congelando e era áspera com uma ferrugem invisível. - E agora? – Shelby disse. Ela olhou para seus dois amigos muito confusa, encolheu os ombros, mexendo na fechadura, depois, lentamente, deslizou a trinca invisível para o lado. Com a fechadura liberada, uma porta de sombra balançou, quase os jogando para trás. - Nós fizemos isso. – Sussurrou Shelby. Estavam olhando para um longo e profundo túnel, vermelho e preto. Era úmido por dentro e cheirava a mofo e coquetéis aguados feitos com cachaça. Luce e Shelby se entreolharam incertas. Onde estava a mesa de blackjack? Onde estava a mulher que estavam olhando antes? Uma luz vermelha pulsou de dentro e, em seguida, Luce podia ouvir máquinas caça-níquel tinindo, moedas tilintando nas cestas de pagamento com estrépito. - Legal! – Miles disse, agarrando a mão dela. – Eu li sobre essa parte, é uma fase de transição. Nós apenas temos que continuar. Luce alcançou a mão de Shelby, a agarrando firmemente quando Miles entrou na escuridão úmida e puxou os três completamente para dentro. Andaram apenas um meio metro para frente, longe o suficiente para alcançar a verdadeira porta do dormitório de Luce e Shelby. Mas logo que a porta do Anunciador cinzento nublado se selou atrás deles com um pfffffft profundamente irritante, o quarto delas em Shoreline tinha desaparecido. O que tinha sido um aveludado e profundo vermelho brilhante de longe, de repente, se tornou um branco intenso. A luz branca apontava para frente, os envolvendo, enchendo os ouvidos com o som. Os três tiveram que proteger seus olhos. Miles prosseguiu, puxando Luce e Shelby atrás dele. Caso contrário, Luce poderia ter ficado paralisada. Ambas as palmas das mãos dela estavam suando dentro das mãos de seus amigos. Estava ouvindo um único acorda de música alta e perfeitamente sonora. Luce esfregou os olhos, mas era a cortina de neblina do Anunciador que estava escurecendo a visão. Miles estendeu a mão e suavemente a esfregou com um movimento circular, até que ela começou a descascar, como uma velha lasca de tinta descascando de um teto. E eu cada floco de queda, explosões de ar do deserto árido golpeavam a frieza tenebrosa, aquecendo a pele de Luce. Enquanto o Anunciador caía em pedaços, a seus pés, a vista diante deles de repente fez sentido: Estavam olhando para o Las Vegas Strip. Luce tinha apenas visto em fotos, mas agora tinha a ponta da Torre Eiffel do Hotel Paris Las Vegas ao nível dos olhos á distância. O que significava que estavam muito, muito alto. Ela ousou um olhar para baixo: Estavam parados no lado de fora de um telhado em algum lugar, com a beirada apenas um meio metro além de seus dedos. E, além disso, a intensidade do tráfico de Las Vegas, os topos de uma linha de palmeiras, uma piscina elaboradamente iluminada. Tudo, pelo menos, a uns trinta andares abaixo. Shelby largou a mão de Luce e começou a andar nos limites do teto de cimento castanho. Três idênticas e longas alas retangulares se prorrogavam a partir de um ponto central. Luce deu uma volta completa, assimilando três cento e sessenta graus de luzes de neon brilhantes, e além da Strip, uma série de montanhas áridas à distância, iluminadas estranhamente pela poluição luminosa da cidade. - Droga, Miles. – Disse Shelby, pulando sobre as claraboias para explorar mais do telhado. – Esse transpassamento foi incrível. Estou quase atraída por você agora. Quase. Miles enfiou as mãos nos bolsos. - Hum... Obrigado? - Onde estamos exatamente? – Luce perguntou. A diferença entre seu tombo solo do Anunciador e esta experiência era como noite e dia. Isso foi muito mais civilizado. Não fez ninguém querer vomitar. Além disso, tinha efetivamente funcionado. Pelo menos, pensou que tinha. – O que aconteceu com a visão que tínhamos antes? - Eu tive que diminuir o zoom. – Disse Miles. – Achei que ficaria estranho se nós três saíssemos de uma nuvem no meio do assoalho do cassino. - Só um pouquinho. – Disse Shelby, puxando uma porta trancada. – Alguma ideia brilhante sobre como descer daqui? Luce fez uma careta. O Anunciador estava tremendo em frangalhos aos pés deles. Não podia imaginar que tinha a força para ajudá-los agora. Não longe deste telhado e se sem caminho de volta para Shoreline. - Não se preocupe! Eu sou um gênio. – Shelby chamou do outro lado do telhado. Estava debruçada sobre uma das claraboias, lutando com um cadeado. Com um gemido, ela o forçou a abrir, então levantou um painel com dobradiças de vidro. Enfiou a cabeça dentro, apontando para Luce e Miles se juntarem a ela. Cautelosamente, Luce olhou para baixo, através da claraboia aberta em um banheiro, grande e opulento. Havia quatro boxes de tamanho generoso de um lado, uma linha de pias de mármore levantadas diante de um espelho dourado no outro. Um sofá roxo de pelúcia estava montado em frente de uma penteadeira e uma única mulher ali sentada, olhando para o espelho. Luce só podia ver a parte superior de seu cabelo preto bufante, mas seu reflexo mostrou uma cara muito maquiada, uma espessa franja e uma mão pintada com francesinha, reaplicando uma camada desnecessária de batom vermelho. - Tão logo Cleópatra terminar com aquele batom, vamos descer sorrateiramente até o chão. – Shelby sussurrou. Abaixo deles, Cleópatra se levantou da penteadeira. Apertou os lábios e limpou uma mancha vermelha perdida em seus dentes. Então marchou em direção à porta. - Deixe-me ver se entendi. – Disse Miles. – Você quer que eu desça sorrateiramente até o banheiro feminino? Luce deu uma olhada mais ao redor do telhado desolado. Havia realmente apenas uma maneira de entrar. - Se alguém vê-lo basta fingir que você entrou na porta errada. - Ou que vocês dois estavam dando uns amassos em um dos boxes. – Acrescentou Shelby. – O quê foi? É Las Vegas. - Vamos embora. – Miles estava corando quando desceu os pés primeiro através da janela. Estendeu os braços lentamente, até que seus pés pairaram apenas sobre o alto tampo de mármore da penteadeira. - Ajude Luce a descer. – Shelby chamou. Miles se moveu para travar a porta do banheiro, em seguida, levantou os braços para pegar Luce. Ela tentou imitar sua técnica suave, mas seus braços estavam fracos quando desceu da claraboia. Não podia ver muito abaixo dela, mas sentiu o forte aperto de Miles em volta de sua cintura, mais cedo do que ela imaginava. - Você pode largar. – Disse ele, e quando o fez, ele a desceu graciosamente até o chão. Seus dedos espalhados em suas costelas, apenas uma fina camiseta preta longe de sua pele. Seus braços ainda estavam ao seu redor quando seus pés tocaram o azulejo. Ela estava prestes a lhe agradecer, mas quando olhou para seus olhos, ficou com a língua presa. Afrouxou o aperto das mãos de Miles muito rapidamente, murmurando desculpas por tropeçar em seus pés. Ambos se inclinaram contra a penteadeira, nervosamente evitando o contato visual, olhando fixamente para a parede. Isso não devia ter acontecido. Miles era apenas seu amigo. - Olá! Alguém vai me ajudar? – Os pés com meias de Shelby estavam balançando pendurados no teto solar, chutando impacientemente. Miles passou debaixo da janela e a agarrou pelo cinto, a abaixando pela cintura. Soltou Shelby muito mais rapidamente, Luce notou, do que tinha soltado ela. Shelby saltou para o chão de azulejos dourados e destrancou a porta. - Vamos lá, vocês dois. O que estão esperando? Do outro lado da porta, garçonetes glamourosamente maquiadas com vestidos pretos se movimentavam em saltos altos de paetês, com bandejas de coqueteleiras equilibradas na curvatura de seus braços. Homens em caros ternos pretos amontoados em torno das mesas de blackjack, onde gritavam como adolescentes cada vez que uma rodada começava. Não havia nenhuma máquina de caça-níqueis tilintando e batendo em seus loops infinitos aqui. Isso era silencioso e exclusivo, e infinitamente excitante, mas não era nada parecido com a cena que tinham visto no Anunciador. A garçonete se aproximou deles. - Posso ajudar? – Abaixou a bandeja de aço inoxidável para analisá-los. - Oh, caviar. – Disse Shelby, pegando três canapés e entregando um aos outros. – Vocês estão pensando no que eu estou pensando? Luce assentiu. - Nós estávamos indo ao andar debaixo. Quando o elevador abriu as portas para o átrio luminoso e brilhante do cassino, Luce teve que ser empurrada para fora por Miles. Ela poderia dizer que tinham finalmente chegado ao lugar certo. As garçonetes de coquetéis eram mais velhas, cansadas, mostrando muito menos carne. Eles não deslizavam pelo tapete laranja manchado, eles batiam com força. E os fregueses pareciam muito mais como os que tinham visto se aglomerando nas mesas no vislumbre: Excesso de peso, de classe média, de meia-idade, tristes, autômatos de carteira vazia. Tudo que tinham que fazer agora era encontrar Vera. Shelby os manobrou através de um labirinto abarrotado de máquinas caçaníqueis, passando por pessoas imbecis nas mesas de roleta gritando com a bola pequena girando na roda, passando por grandes jogos quadradões em que as pessoas sopravam no dado e o jogavam e depois comemoravam o resultado, até uma fileira de mesas pôquer e estranhos jogos com nomes como Pai Gow, até que chegaram a um aglomerado de mesas de blackjack. A maioria dos dealers eram homens. Altos, curvados, de cabelos oleosos, homens com óculos cinza e bigode, um homem vestindo uma máscara cirúrgica no rosto. Shelby não se demorou olhando para qualquer um deles, e ela estava certa em não fazer: Lá no canto de trás do cassino, estava Vera. Seu cabelo negro estava penteado em um coque torto. Seu rosto pálido parecia magro e flácido. Luce não sentiu o jorro emocional que sentiu quando olhou para os pais de sua vida anterior, no Monte Shasta. Mas, novamente, ainda não sabia o que Vera era sua, além de uma mulher cansada de meia-idade, segurando um baralho de cartas para que uma mulher ruiva semiadormecida cortasse. Descuidada, a ruiva cortou o baralho no meio e, depois, as mãos de Vera começaram a voar. Outras mesas no cassino estavam superlotadas, mas a ruiva e o marido diminuto eram as únicas duas pessoas na mesa de Vera. Ainda assim, ela colocou as cartas num bom show para eles, tirando as cartas com uma fácil destreza que fez o trabalho parecer sem esforço. Luce podia ver um lado elegante de Vera que não tinha notado antes. Um dom para o dramático. - Então... – Disse Miles, deslocando seu peso próximo a Luce. – Nós vamos... Ou... As mãos de Shelby estavam de repente sobre os ombros de Luce, praticamente apertando ela contra uma das cadeiras de couro vazias na mesa. Embora estivesse morrendo de vontade de olhar, Luce evitou o contato visual no começo. Estava nervosa que Vera pudesse reconhecê-la antes que ela sequer tivesse uma chance. Mas os olhos de Vera passaram por cada um deles com um pequeno interesse, e Luce lembrou como ela estava diferente agora que tinha oxigenado o cabelo. Puxou a cadeira nervosamente, não sabia o que fazer. Então Miles arremessou uma nota de vinte dólares na frente de Luce, e ela se lembrou do que era para estar jogando. Deslizou o dinheiro sobre a mesa. Vera levantou uma sobrancelha feita. - Tem identidade? Luce balançou a cabeça. - Talvez pudéssemos apenas assistir? Do outro lado da mesa, a ruiva estava cochilando, com a cabeça caindo sobre o ombro duro de Shelby. Vera revirou os olhos para toda a cena e empurrou o dinheiro de Luce de volta, apontando para o cartaz de publicidade em neon do Cirque Du Soleil. - O circo é naquela direção, crianças. Luce suspirou. Iam ter que esperar até que Vera saísse do trabalho. E então ela provavelmente estaria ainda menos interessada em falar com eles. Sentindo-se derrotada, Luce estendeu a mão para tirar o dinheiro de Miles de volta. Os dedos de Vera estavam se afastando bem no momento em que Luce recolheu o dinheiro, e as pontas dos dedos delas se tocaram. Ambas colocaram as mãos na cabeça. O choque estranho momentaneamente cegou Luce. Ela segurou a respiração. Olhou fundo nos olhos avelã de Vera. E ela viu tudo: Uma cabine de dois andares em uma cidade canadense com neve. Gelo amontoado nas janelas, vento sussurrante nas vidraças. Uma menina de dez anos assistia à TV na sala, embalando um bebê no colo. Era Vera, pálida e bonita com jeans lavado com ácido e Doc Martens, um pulôver marinho grosso subindo até o queixo, um cobertor de lã barata amontoado entre ela e o encosto do sofá. Uma tigela de pipoca na mesa de café, reduzindo a um punhado de milhos não estourados. Um gato laranja gordo rondando o manto, assobiando para o radiador. E Luce... Luce era dela, a irmã do bebê em seus braços. Luce se sentiu balançando na cadeira no cassino, querendo se lembrar de tudo isso. Tão rapidamente, a impressão se desvaneceu e foi substituída por outra. Luce como criança correndo atrás de Vera, escada acima, escada abaixo, os passos largos e cansados embaixo dela batendo os pés, o peito apertado de riso sem fôlego, quando a campainha tocou e um belo rapaz de cabelo lustroso chegou para buscar Vera para um encontro, e ela parou, ajeitou a roupa, se virou se costas e se despediu. Num piscar de olhos depois e Luce era adolescente, com uma porção de cabelo preto encaracolado na altura do ombro. Esparramada na colcha denim de Vera, o tecido grosso de alguma forma confortável, folheando o diário secreto de Vera. Ele me ama, Vera tinha rabiscado repetidas vezes, com sua caligrafia ficando cada vez mais curva. E então as páginas se afastaram, o rosto irado de sua irmã se aproximando, os traços de lágrimas claras. E então, novamente, uma cena diferente, Luce maior ainda, talvez dezessete. Ela se preparou para o que estava chegando. Gelo derramando do céu como uma suave estática branca. Vera e alguns amigos patinavam sobre o lago congelado atrás de sua casa, deslizando em círculos rápidos, felizes e rindo, e na beira do gelo desgastado da lagoa, Luce se agachou, o frio se infiltrando através de sua roupa fina, enquanto amarrava os patins, com pressa, como de costume, para alcançar a irmã. E ao seu lado, um calor que ela não tinha que olhar para identificar, Daniel, que estava em silêncio, mal-humorado, seus patins já firmemente amarrados. Podia sentir o desejo de beijá-lo e ainda nenhuma sombra era visível. A noite, e tudo sobre ela, estava pontilhada de estrelas e brilhando, infinitamente claras e cheias de possibilidades. Luce procurou por sombras, então percebeu que sua ausência fazia sentido. Estas eram as memórias de Vera. E a neve fez tudo mais difícil de ver. Ainda assim, Daniel devia saber como sabia quando mergulhou no lado. Devia ter percebido isso a cada momento. Será que alguma vez ele se importou com pessoas igual a Vera depois que Luce foi morta? Houve um som de estouro do lado do lago em que Luce estava como se abrindo um paraquedas. E então: Um tiro florescente de fogo em brasa no meio de uma nevasca. Uma enorme coluna de chamas laranja brilhantes atingido o céu à beira da lagoa. Onde Luce tinha estado. Os outros patinadores correram se sentido naquela direção, se movendo rápido pela lagoa. Mas o gelo estava derretendo, rapidamente, catastroficamente, fazendo seus patins mergulharem na água gelada lá embaixo. Vera gritou ecoando na noite azul, seu olhar congelado de agonia era tudo o que Luce podia ver. No cassino, Vera puxou a mão para trás, a sacudindo como se tivesse sido queimada. Seus lábios tremeram algumas vezes antes que pudessem formar palavras: - É você. – Sacudiu a cabeça. – Mas não pode ser. - Vera. – Sussurrou Luce, levando sua mão novamente até a irmã. Queria abraçá-la para tirar toda a dor que já tinha sido causada a Vera e transferi-la para si mesma. - Não. – Vera balançou a cabeça, se afastando e sacudindo um dedo para Luce. – Não, não, não. Recuou até o dealer na mesa atrás dela, tropeçando em cima dele e jogando uma enorme pilha de fichas de pôquer em cascata para fora da mesa. Os discos coloridos deslizaram pelo chão, provocando uma onda de oohs e aahs de jogadores que pularam de suas cadeiras para os colherem. - Droga, Vera! – Um homem atarracado gritou em meio ao barulho. Quando gingou para a mesa deles em um terno de poliéster cinza barato e um sapato preto arranhado, Luce trocou um olhar preocupado com Miles e Shelby. Três crianças menores de idade não queriam nada com o supervisor, mas ele ainda estava censurando severamente Vera, os lábios enrolados em desgosto. - Quantas vezes... Vera havia encontrado seus pés novamente, mas continuou olhando apavorada para Luce, como se ela fosse o diabo, ao invés de sua irmã numa vida passada. Os olhos delineados de Vera estavam brancos com o terror que ela gaguejou: - Ela n-n-não pode estar aqui. - Cristo. – O supervisor murmurou, verificando Luce e seus amigos, em seguida, falando em um walkie-talkie. – Chame a segurança. Tenho uns bandidinhos aqui. Luce se encolheu entre Miles e Shelby e disse entre dentes: - Que tal um daqueles transpassamentos, Miles? Antes que Miles pudesse responder, três homens com enormes pulsos e pescoços apareceram e se elevaram sobre eles. O supervisor acenou com as mãos. - Leve-os para o cercado. Veja que outros tipos de problemas eles estão metidos. - Eu tenho uma ideia melhor. – A voz de uma menina resmungou atrás da parede de seguranças. Todas as cabeças chicotearam ao redor para encontrar a voz, mas apenas o rosto de Luce se iluminou. - Arriane! A pequena menina lançou a Luce um sorriso quando se esgueirou por entre a multidão. Com um calçado plataforma de cinco polegadas, seu cabelo jogado para coma todo louco e seus olhos quase engolidos por delineadores escuros, Arriane se encaixava perfeitamente com a clientela estranha do cassino. Ninguém parecia saber muito que fazer com ela, menos Shelby e Miles. O supervisor se virou para confrontar Arriane. Ele cheirava a sapato polonês e medicamentos para a tosse. - Você precisa ser levada ao cercado também, senhorita? - Oh, parece divertido. – Os olhos de Arriane se arregalaram. – Ai, eu estou sobrecarregada hoje. Tenho uns ingressos na linha de frente para o Blue Man Group, e é claro que há um jantar com a Cher depois do show. Só mais uma coisa que eu sei que eu tinha que fazer... – Ela bateu em seu queixo, em seguida, olhou para Luce. – Ah sim, mande esses três caras meterem o pé daqui. Nos dê licença! – Ela soprou um beijo para o supervisor enfurecido, encolheu os ombros num pedido de desculpas para Vera e estalou os dedos. Então todas as luzes se apagaram. Capítulo 13 – Seis Dias Apressando-os através do labirinto que era o cassino escuro, Arriane se movia como se tivesse visão noturna. - Fiquem calmos, vocês três. – Ela cantou. – Eu vou tirá-los daqui num instante. Segurou o pulso de Luce com força, e Luce, por sua vez, segurou a mão de Miles, Miles segurou a de Shelby, enquanto ela amaldiçoava a indignidade de ter que mencionar a saída de escape. Arriane os guiava infalivelmente e embora Luce não pudesse ver o que estava fazendo, podia ouvir as pessoas grunhindo e exclamando quando Arriane esbarrava neles. - Sinto muito por isso! – Ela falava. – Opa! Desculpe-me! Ela os levou a corredores escuros lotados de turistas ansiosos usando seus celulares como lanterna. Até as escadas escuras, abafada com o desuso e repleto de caixas de papelão vazias. Finalmente ela abriu num chute uma saída de emergência, os conduzindo através dela a um beco estreito e escuro. O beco estava situado entre o Mirage e outro hotel mais alto. Uma fila de contêineres de lixo exalava um mau cheiro de comida cara podre. Um filete de água da calha verde-ácido formava um pequeno rio repugnante, dividindo a pista pela metade. Bem na frente, no meio do brilhante e barulhento neon iluminado do Strip, um preto relógio de rua à moda antiga margou doze horas. - Ah. – Arriane inalou profundamente. – O início de mais um dia glorioso na Cidade do Pecado. Eu gosto de iniciá-lo com o pé direito, com um grande almoço. – Quem está com fome? - Hum... Er... – Balbuciou Shelby, olhando Luce, então Arriane, então para o cassino. – O que... Como... O olhar de Miles estava fixo para uma cicatriz brilhante e marmórea que se estendia por um lado do pescoço de Arriane. Luce estava acostumada com Arriane até agora, mas estava claro que seus amigos não sabiam o que pensar dela. Arriane acenou com o dedo para Miles. - Esse cara parece que pode comer waffles á vontade. Vamos lá, eu conheço um restaurante rico. Enquanto cortaram o beco em direção à rua, Miles se virou para Luce de declamou: - Isso foi incrível. Luce assentiu. Era tudo o que poderia fazer para acompanhar Arriane enquanto corria em toda a Strip. Vera. Ela não conseguia superar isso. Todas essas lembranças, vislumbradas em um flash. Haviam sido dolorosas e surpreendentes e ela só podia imaginar o que tinha sido para Vera. Mas, para Luce, havia sido profundamente satisfatório. Mais do que com qualquer um de seus vislumbres através dos Anunciadores, até o momento, desta vez sentiu como se houvesse experimentado uma de suas vidas passadas. Estranhamento, também tinha visto algo que nunca tinha pensado: Suas formas anteriores tinham vidas. Vidas que haviam sido plenas e significativas antes de Daniel aparecer. Arriane os levou até um IHOP (rede de restaurantes nos EUA), um pequeno prédio marrom de estuque que parecia tão antigo que poderia anteceder todos os prédios na Strip. (Obs: Uma rua famosa em Las Vegas por ter cassinos) Parecia mais claustrofóbico e mais triste do que os outros IHOPs. Shelby entrou, atravessando as portas de vidro, batendo nos sinos baratos de jingle bell no topo dela. Pegou um punhado de hortelã da bacia na recepção antes de reivindicar uma cabine no canto mais atrás. Arriane deslizou ao seu lado, enquanto Luce e Miles ficaram no outro lado da cabine laranja com couro rachado. Com um assobio e um rápido gesto circular, Arriane encomendou uma rodada de café com a bela garçonete rechonchuda com um lápis preso em seu cabelo. O resto deles se focou no espesso e laminado cardápio. Folhear as páginas era uma batalha contra o velho caldo de “maple syrup” (xarope usado em cima das panquecas nos Estados Unidos) colando a coisa toda – e uma boa maneira de evitar falar sobre o problema que tinham acabado de escapar por pouco. Finalmente Luce tinha que perguntar: - O que você está fazendo aqui, Arriane? - Fazendo um pedido de algo com um nome engraçado. Rooty Tooty, acredito eu, pois eles não têm Moons Over My Hammy aqui. Eu nunca consigo decidir. Luce revirou os olhos. Arriane não tinha necessidade de agir tão inocente. Era óbvio que seu esforço de resgate não havia sido coincidência. - Você sabe o que eu quero dizer. - Estamos em dias estranhos, Luce. Pensei em passá-los em uma cidade tão estranha quanto eles. - Sim, bem, eles estão quase no fim. Não estão, de acordo com o cronograma da trégua? Arriane pousou o copo de café e apoiou o queixo na palma da mão. - Bem, aleluia! Afinal, eles estão te ensinando alguma coisa naquela escola. - Sim e não. – Disse Luce. – Eu meio que entreouvi Roland dizendo algo sobre como Daniel estaria contando os minutos. Ele disse que tinha algo a ver com uma trégua, mas eu não sabia exatamente quantos minutos nós estávamos falando. Ao seu lado, o corpo de Miles parecia ter endurecido com a menção do nome de Daniel. Quando a garçonete chegou para anotar os pedidos, ele gritou o dele primeiro, praticamente empurrando o menu para ela. - Bife e ovos, malpassados. - Oh, másculo. – Arriane disse, olhando Miles com aprovação no meio de seu mamãe-mandou-escolher-esse-daqui que estava fazendo em seu cardápio. – Vai ser esse Rooty Tooty Fresh N’ Fruity. – Ela enunciou tão corretamente quando a Rainha da Inglaterra faria, mantendo uma cara extremamente séria. - Enroladinho de salsinha para mim. – Disse Shelby. – Na verdade, faça uma omelete de clara de ovo, sem queijo. Ah, que inferno. Enroladinho. A garçonete se virou para Luce. - E quando a você, querida? - Breakfeast Sampler. – Luce sorriu pedindo desculpas em nome de seus amigos. – Ovos mexidos, sem a carne. A garçonete assentiu com a cabeça indo para a cozinha preenchendo a note. - Ok, então o que mais você ouviu? – Arriane perguntou. - Hum. – Luce começou a brincar com a garrafa de caldo ao lado do sal e da pimenta. – Havia alguns papos, de, você sabe, Fim dos Tempos. Dando risinhos, Shelby espirrou três potes de desnatadeira no café. - Fim dos Tempos! Você realmente caiu nessa asneira? Quero dizer, quantos milênios nós estamos esperando por isso? E os seres humanos acham que foram pacientes com meros dois mil anos! Hah. Como se alguma coisa fosse mudar. Arriane parecia estar a um segundo de insultar Shelby, mas depois largou o café. - Que grosseria da minha parte nem ao menos me apresentar aos seus amigos, Luce. - Hm, nós sabemos quem você é. – Disse Shelby. - Sim, havia um capítulo inteiro sobre você no meu livro de História dos Anjos da oitava série. – Miles afirmou. Arriane aplaudiu. - E eles me disseram que aquele livro tinha sido proibido! - Sério? Você está em um livro? – Luce riu. - Por que tão surpresa? Você não me acha histórica? – Arriane se voltou para Shelby e Miles. – Agora me diga tudo sobre vocês. Eu preciso saber com quem minha garota está passando o tempo. - Uma desacreditada Nephilim hostil. – Shelby levantou a mão. Miles olhou para seu alimento. - E um inútil tetra-tetra-tetra-neto de um anjo. - Isso não é verdade. – Luce esbarrou no ombro de Miles. – Arriane, você devia ter visto como ele nos ajudou a transpassar a sombra hoje. Ele foi ótimo. É por isso que estamos aqui, porque ele leu este livro e a próxima coisa que você sabe, ele pode... - Sim, eu estava pensando nisso. – Arriane disse sarcasticamente. – Mas o que me preocupa mais é esta aqui. – Ela apontou para Shelby. A face de Arriane estava muito mais série do que Luce estava acostumada a ver. Até mesmo seus olhos azuis-claros pareciam firmes. – Não é um bom momento pare ser hostil com nada agora. Tudo está em fluxo, mas haverá um acerto de contas. E você terá que escolher um lado ou outro. – Arriane encarou Shelby deliberadamente. – Nós todos temos que saber nossas posições. Antes que alguém pudesse responder, a garçonete reapareceu, brandindo uma enorme bandeja de plástico marrom de comida. - Bem, quanto é pelo rápido serviço? – Perguntou ela. – Agora, que de vocês pediu o enroladinho? - Eu! – Shelby assustou a garçonete com a rapidez que alcançou a bandeja. - Alguém quer ketchup? Eles balançaram a cabeça. - Manteiga extra? Luce apontou para a colher de manteiga já em sua panqueca. - Estamos bem. Obrigada. - Se precisarmos de alguma coisa – Arriane disse, sorrindo para a face feliz, feita de chantilly, em seu prato. – a gente grita. - Ah, eu sei que vocês irão. – A garçonete riu, colocando a bandeja debaixo do braço. – Grite como se o mundo estivesse prestes a acabar, este eu ouvirei. Depois que ela saiu, Arriane foi a única que comeu. Arrancou um mirtilo da ponta da panqueca, o colocou em sua boca e lambeu os dedos com prazer. Finalmente, olhou ao redor da mesa. - Cai dentro. – Arriane disse. – Não há nada em bife e ovos frios. – Ela suspirou. – Vamos, gente. Vocês já leram os livros de história. Vocês não conhecem as manobras. - Nunca. – Disse Luce. – Eu não conheço nenhuma manobra. Arriane sugou o garfo, meditando. - Bem pensado. Nesse caso, me permita apresentar minha versão para você. A qual é mais divertida do que as dos livros de história de qualquer maneira porque eu não vou censurar as grandes lutas e maldições e todas as coisas sexys. Minha versão tem tudo, mas em 3D, que, devo dizer, é totalmente supervalorizada. Você viu aquele filme com... – Ela percebeu os olhares em branco em suas caras. – Ah, esquece. Ok, começa há milênios atrás. Agora, eu preciso falar de Satanás? - Travou uma precoce luta de poder contra Deus. – A voz de Miles era monótona, como se estivesse repetindo um programa de aula da terceira série, enquanto espetava um bocado do bife com o garfo. - Antes disso, eles eram super íntimos. – Acrescentou Shelby, encharcando seu enroladinho na calda. – Eu quero dizer, Deus chamava Satanás de sua estrela da manhã. Portanto, não é como se Satanás não fosse digno ou amado. - Mas ele preferia reinar no Inferno a servir no Céu. – Luce interrompeu. Ela não podia ter lido as histórias dos Nephilim, mas tinha lido Paradise Lost (um poema épico inglês). Ou pelo menos, no CliffsNotes (guias de estudo para estudantes americanos). - Muito bom. – Arriane sorriu, se inclinando para Luce. – Você sabe, Gabbe foi uma grande amiga das filhas de Milton nos dias que se passaram. Ela gostava de ter o crédito sobre aquela frase, aí eu logo digo “Você já não é a queridinha das pessoas?”. Mas tanto faz. – Arriane se moveu para dar uma garfada nos ovos de Luce. – Nossa, estão bons. Consegue um pouco de pimenta para a gente aqui? – Ela gritou para a cozinha. – Ok, onde estávamos? - Satanás. – Disse Shelby com a boca cheia de panqueca. - Certo. Então... Diga o que vocês querem do El Diablo Grande, mas ele é – Arriane sacudiu a cabeça. – um pouco responsável por introduzir a ideia de livre-arbítrio entre os anjos. Quero dizer: Ele realmente deu ao resto de nós algo para se pensar. De que lado você joga o seu peso? Dada a escolha, uma grande quantidade de anjos caiu. - Quantos? – Miles perguntou. - Os caídos? O suficiente para causar uma espécie de impasse. – Arriane ficou pensativa por um momento, em seguida, fez uma careta e chamou a garçonete. – A pimenta! Será que existe nesse estabelecimento? - E os anjos que caíram, mas não tomaram parte em nenhum lado... – Luce rompeu, pensando em Daniel. Sabia que estava cochichando, mas isso parecia algo muito importante para ser discutido no meio de uma lanchonete. Mesmo uma lanchonete quase vazia no meio da noite. Arriane baixou a voz também. - Oh, há um monte de anjos que caíram, mas ainda estão tecnicamente aliados a Deus. Mas então há aqueles que se juntaram a Satanás. Nós os chamamos de demônios, mesmo que sejam apenas anjos caídos que fizeram escolhas muito ruins. - Não é como se tivesse sido fácil para ninguém. Desde a Queda, os anjos e os demônios estavam pau a pau, divididos ao meio e etc. – Ela disse enquanto esbanjava manteiga na ponta da panqueca. – Mas tudo aquilo pode estar prestes a mudar. Luce olhou para seus ovos, sem conseguir comer. - Então, hum, antes, você parecia estar sugerindo que a minha fidelidade tinha a ver com isso? Shelby parecia um pouco menos duvidosa do que costumava ser. - Não é exatamente a sua. – Arriane balançou a cabeça. – Eu sei que parece que todos nós estivemos pendurados na balança todo esse tempo. Mas no final ela vai pesar para um anjo poderoso que escolher um lado. Quando isso acontecer a balança finalmente vai pender. É aí que importa em qual lado você está. As palavras de Arriane lembraram Luce de ter sido trancada naquela pequena capela com a Senhorita Sophia e como ela ficava dizendo que o destino do universo tinha algo a ver com Luce e Daniel. Tinha soado meio louco naquela época, e a Senhorita Sophia era uma maluca do mal. E mesmo que Luce não estivesse certa exatamente sobre o que todo mundo estava falando, sabia que tinha a ver com Daniel estar de volta. - É o Daniel. – Ela disse suavemente. – O anjo que pode fazer pender a balança é o Daniel. Isso explicava a agonia que ele carregava o tempo todo, como uma mala de duas toneladas. Isso explicava o porquê dele estar tão longe dela por tanto tempo. A única coisa que isso não explicara era porque parecia haver alguma dúvida na mente de Arriane sobre qual lado a balança ia pender. Sobre qual lado iria ganhar a guerra. Arriane abriu a boca, mas ao invés de responder, ela atacou o prato de Luce novamente. - Pode conseguir para a gente a porcaria da pimenta? – Ela gritou. Uma sombra caiu sobre sua meda. - Eu vou te dar algo flamejante. Luce olhou para trás e recuou a visão: Um menino muito alto em um longo casaco marrom desabotoado que Luce podia ver em um clarão de prata algo escondido dentro de seu cinto. Ele tinha a cabeça raspada, nariz fino e reto, a boca cheia de dentes perfeitos. E os olhos brancos. Os olhos completamente vazios de cor. Nenhuma íris, sem pupilas, nada. Sua expressão estranha e vaga lembrava Luce da menina Exilada. Embora Luce não tivesse visto aquela garota perto o suficiente para descobrir o que havia de errado com seus olhos, ela já tinha um palpite muito bom. Shelby olhou para o rapaz, engoliu em seco e se enfiou no café da manhã. - Nada a ver comigo. – Ela murmurou. - Poupe-me. – Arriane disse ao menino. – Você pode colocá-lo no sanduíche de punho que estou prestes a servir para você. – Luce assistiu com os olhos arregalados quando Arriane pequena se levantou e limpou as mãos no jeans. – Volto logo, gente. Ah, e Luce, me lembre de repreendê-la severamente por isso quando eu voltar. Antes que Luce pudesse perguntar o que esse cara tinha a ver com ela, Arriane o agarrou pela orelha, torceu com força e bateu a cabeça dele no balcão de vidro perto do bar. O barulho quebrou a preguiçosa tranquilidade de tarde da noite da lanchonete. O cara gritou como uma criança quando Arriane torceu a orelha de outro jeito e subiu em cima dele. Gritando de dor, ele começou a inclinar seu corpo magro para frente até que arrancou Arriane de suas costas a lançando contra a mostra de vidro. Ela rolou sobre a mostra e parou no final, derrubando uma torta de merengue de limão, sem seguida, ficou de pé no bar. Deu uma cambalhota para trás em direção a ela e o agarrou em uma mata-leão com as pernas, em seguida, começou a trabalhar batendo no rosto dele com seus punhos pequenos. - Arriane! – A garçonete gritou. – Não as minhas tortas! Eu tentei ser tolerante! Mas eu tenho meus meios de subsistência para cuidar! - Ah, tudo bem! – Arriane gritou. – Nós vamos levá-lo para a cozinha. – Liberou o cara, escorregou para o chão e deu um chute na bunda dele com seu salto plataforma. Ele cambaleou cegamente em direção a porta que dava para a cozinha da lanchonete. – Venham, vocês três. – Ela chamou para a mesa deles. – Podem muito bem aprender algo. Miles e Shelby jogaram seus guardanapos fora, lembrando Luce da maneira como as crianças costumavam a largar tudo em Dover e sair correndo e gritando pelos corredores “Briga! Briga!” em qualquer momento que houvesse o menor rumor de briga. Luce seguiu atrás, um pouco mais hesitante. Se Arriane estava sugerindo que esse cara tinha aparecido por sua causa, isso levantava um monte de outras perguntas cabeludas. E as pessoas que tinham pegado Dawn? E aquele tiro de flecha da menina Exilada que Cam tinha matado em Noyo Point? Uma forte pancada soou de dentro da cozinha e três homens aterrorizados em aventais sujos saíram correndo. No momento, Luce já tinha passado por eles através da porta de balanço, Arriane estava segurando o menino o pé sobre a cabeça dele enquanto Miles e Shelby o amarravam com um tipo de fio utilizado para amarrar filé mignon. Seus olhos vazios olhavam para Luce, mas também através dela. Eles o amordaçaram com um pano de cozinha, então Arriane provocou: - Você quer relaxar um pouco? No frigorífico de carne? – O menino só conseguia gemer. Tinha parado de provocar qualquer tipo de luta. Agarrando-o pelo colarinho, Arriane o arrastou pelo chão até a entrada do frigorífico, lhe deu mais alguns chutes para acrescentar, então, calmamente fechou a porta. Ela tirou o pó de suas mãos e se virou para Luce com um olhar repreensivo em seu rosto. - Quem está atrás de mim, Arriane? – A voz de Luce estava tremendo. - Um monte de gente, querida. - Isso era... – Luce pensou em seu encontro com Cam. – Um Exilado? Arriane limpou a garganta. Shelby tossiu. - Daniel disse que não poderia ficar comigo porque ele atraía muita atenção. Disse que eu estaria segura em Shoreline, mas elas chegaram lá, também. - Só porque eles te rastrearam saindo do campus. Você também atrai a atenção, Luce. E quando você está aí pelo mundo fazendo cassinos e similares em pedaços, podemos sentir isso. Isso vale para os maus, também. É por isso que você está nessa escola, para início de conversa. - O quê? – Era Shelby. – Vocês estão apenas a escondendo conosco? E a nossa segurança? E se essas pessoas Exiladas aparecerem no campus? Miles ainda não tinha dito nada, apenas olhava com alarme de Luce para Arriane. - Você ainda não entendeu que os Nephilim camuflam você? – Arriane perguntou. – Daniel não lhe contou sobre a sua, bem, coloração protetora? A mente de Luce retornou para a noite em que Daniel a deixara em Shoreline. - Talvez ele tenha mesmo falado algo sobre um escudo, mas... Havia tantas outras coisas passando por sua mente naquela noite. Já tinha sido o suficiente tentar processar que Daniel estava a deixando. Agora, ela sentia uma onda de enjoo e culpa. - Eu não entendo. Ele não deu detalhes, apenas repetia que eu tinha que ficar no campus. Pensei que estava sendo muito protetor. - Daniel sabe o que está fazendo. – Arriane encolheu os ombros. – Na maioria das vezes. – Ela enfiou a língua no canto da boca, pensativa. – Ok, às vezes. De vez em quando. - Então quem quer que esteja atrás dela não pode vê-la quando ela está com um grupo Nephilim? – Este era Miles, que parecia ter encontrado sua língua novamente. - Na verdade, os Exilados não podem ver nada. – Disse Arriane. – Eles ficaram cegos durante a revolta. Eu estava chegando nessa parte da história, é boa! A colocação dos olhos para fora e todo esse jazz edipiano. – Ela suspirou. – Oh, bem... Sim, os Exilados. Eles podem ver a queima de sua alma, que é muito mais difícil de discernir quando está com um monte de outros Nephilim. Os olhos de Miles se arregalaram. Shelby estava mordendo nervosamente as unhas. - Então é assim que eles confundiram Dawn comigo. - É como o menino do refrigerador de carne que te encontrou hoje à noite, na verdade. – Disse Arriane. – Poxa, é como eu te encontrei também. Você é como uma vela em uma caverna escura aqui fora. – Ela pegou uma lata de creme de chantilly do balcão e disparou um jato em sua boca. – Eu gosto um pouco de energético sem leite depois de uma briga. – Ela bocejou, o que fez Luce olhar para o relógio digital verde sobre o balcão. Eram duas e meia da manhã. – Bem, embora eu ame meter porrada e pegar os nomes, já passou da hora de vocês três se recolherem. – Arriane assobiou por entre os dentes e uma bolha espessa de um Anunciador escorreu das sombras sob as mesas de preparação. – Eu nunca faço isso, ok? Se alguém perguntar, eu nunca faço isso. Viajar por Anunciadores é muito perigoso. Ouviu isso, herói? – Ela esmurrou Miles na testa, em seguida sacudiu os dedos abertos. A sombra saltou imediatamente na forma perfeita de uma porta, no meio da cozinha. – Mas estou no comando aqui e esta é a maneira mais rápida de vocês voltaram para casa e em segurança. - Legal. – Disse Miles, como se estivesse tomando notas. Arriane sacudiu a cabeça para ele. - Não arrumem nenhuma ideia. Eu vou levar vocês de volta à escola, onde vão ficar. – Ela fez contato visual com cada um deles. – Ou vocês vão ter que responder comigo. - Você está vindo com a gente? – Shelby perguntou, finalmente mostrando apenas um mínimo de temor por Arriane. - Parece que sim. – Arriane piscou para Luce. – Você virou uma espécie de fogo de artifício. Alguém tem que manter um olho você. Transpassar com Arriane foi ainda mais suave do que tinha sido a caminho de Las Vegas. Parecia como vir para dentro depois de ser exposto ao sol: A luz estava escurecendo um pouco quando você caminha através da porta, mas ao piscar algumas vezes, você acostuma. Luce estava quase desapontada ao se descobrir de volta em seu quarto de dormitório depois do brilho e emoção de Las Vegas. Mas então pensou em Dawn, e em Vera. Quase decepcionada. Seus olhos se fixaram em todos os sinais conhecidos de que estavam de volta: Duas camas de beliche desfeitas, a desorganização das plantas no peitoril da janela, os tapetes de ioga de Shelby empilhados em um canto, a cópia de Steven da República de Platão repousando na mesa de Luce e uma coisa que não estava esperando ver. Daniel, todo vestido de preto, cuidando de um fogo ardente na lareira. - Aaaugh! – Shelby gritou, caindo de volta para os braços de Miles. – Você me assustou até a morte! E no meu próprio local de santuário. Não é legal, Daniel. – Ela atirou a Luce um olhar feio, como se ela tivesse algo a ver com sua aparição. Daniel ignorou Shelby, apenas disse calmamente a Luce: - Bem vinda de volta. Ela não sabia se corria para ele ou se chorava. - Daniel. - Daniel? – Arriane disse ofegante. Ela arregalou os olhos como se tivesse visto um fantasma. Daniel congelou, claramente não esperando o encontro com Arriane, tampouco. - Eu, eu só preciso dela por um momento. Então eu vou. Ele parecia culpado, até mesmo com medo. - Certo. – Arriane disse, agarrando Miles e Shelby pelo cangote. – Nós estávamos saindo. Nenhum de nós te viu aqui. – Ela levou os outros atrás dela. – Nos encontramos mais tarde, Luce. Shelby parecia que não conseguia sair do quarto com rapidez suficiente. Os olhos de Miles olhavam tempestuosos e ficaram fixos em Luce até Arriane praticamente o jogar para o corredor, batendo a porta atrás deles com um grande estrondo. Então Daniel veio até Luce. Ela fechou os olhos e deixou o toque de sua proximidade aquecê-la. Ela prendeu o ar, feliz por estar em casa. Não o lar Shoreline, mas o lar que Daniel a fazia se sentir. Mesmo quando estava no mais estranho dos lugares. Mesmo quando o relacionamento deles estava uma confusão. Como parecia estar agora. Ele ainda não a estava beijando, nem mesmo a envolvendo em seus braços. O surpreendente era que ela queria que ele fizesse essas coisas, mesmo depois de tudo o que tinha visto. A ausência de seu toque causava uma dor profunda dentro do peito. Quando ela abriu os olhos, ele estava lá, apenas alguns centímetros de distância, examinando todas as suas partes com seus olhos violeta. - Você me assustou. Ela nunca o ouviu dizer isso. Estava acostumada a ser a única que estava com medo. - Você está bem? – Perguntou ele. Luce balançou a cabeça. Daniel pegou sua mão e a guiou sem palavras até a janela, fora da sala quente perto do fogo e de volta para a noite fria, sobre a beirada áspera sob a janela de onde ele tinha vindo até ela antes. A lua estava oblonga e baixa no céu. As corujas estavam dormindo nos bosques. Daqui de cima, Luce podia ver as ondas quebrando suavemente na margem, do outro lado do campus, uma única luz no alto do chalé dos Nephilim, mas não podia ser Francesca ou Steven. Ela e Daniel se sentaram na beirada e balançavam as pernas. Encostaram-se na ligeira inclinação do telhado atrás deles e olharam para as estrelas, que estavam foscas no céu, como se mascaradas pelo mais fino brilho da nuvem. Não demorou muito para Luce começar a chorar. Porque ele estava braço com ela ou ela estava muito brava com ele. Porque o corpo dela tinha acabado de passar por muita coisa, dentro e fora dos Anunciadores, através das fronteiras de estados, num passado recente e de volta aqui. Porque seu coração e sua cabeça estavam emaranhados e confusos, e estar perto de Daniel fazia piorar as coisas ainda mais. Porque Miles e Shelby pareciam odiá-lo. Devido ao puro horror no rosto de Vera quando reconheceu Luce. Por causa de todas as lágrimas que sua irmã devia ter chorado por ela e porque Luce a tinha machucado mais uma vez aparecendo na mesa de blackjack dela. Por causa de todas as suas outras famílias de luto, afundadas em tristeza porque suas filhas tiveram o azar de ser a reencarnação de uma garota estúpida no amor. Porque pensar nessas famílias fizeram Luce desesperadamente sentir falto de seus pais em Thunderbolt. Porque era responsável pelo sequestro de Dawn. Porque ela tinha dezessete anos, e ainda viva, contra milhares de anos que custaram as possibilidades. Porque ela sabia o suficiente para temer o que o futuro traria. Porque entre esse tempo, já que eram três e meia da manhã, e não havia dormido em dias, e não sabia mais o que fazer. Agora ele a abraçou, encaixando seu corpo em seu calor, a puxando para ele e a embalando em seus braços. Ela chorou, soluçou e desejou um lenço de papel para assuar o nariz. Perguntava-se como era possível se sentir tão mal por tantas coisas ao mesmo tempo. - Shhh. – Sussurrou Daniel. – Shhh. Um dia atrás, ela tinha se sentido mal assistindo Daniel a amar no esquecimento naquele Anunciador. A inevitável violência costurada na relação deles parecia instransponível. Mas agora, especialmente depois de conversar com Arriane, Luce podia sentir algo grande chegando. Algo mudando, talvez o mundo inteiro mudando, com Luce e Daniel pairando na beirada. Estava tudo ao redor deles, no espaço celeste, e isso afetava a forma com ela se via, e a Daniel também. A aparência impotente que tinha visto nos olhos deles naqueles momentos antes de morrer: Agora eles sentiam como – se eles fossem – o passado. Isso lembrava a ela do jeito que ele a olhou após o primeiro beijo nessa vida, na praia pantanosa perto de Sword & Cross. O sabor de seus lábios nos dela, a sensação de sua respiração em seu pescoço, as mãos fortes em volta dela: Tudo tinha sito tão maravilhoso, exceto pelo medo em seus olhos. Mas Daniel não a olhava daquele jeito há um tempo. A maneira como ele a olhava agora não mostrava nada. Ele a olhava como se ela fosse protelar, quase como se ela tivesse que fazer. As coisas estavam diferentes nesta vida. Todo mundo estava dizendo isso, e Luce podia sentir isso, também: Uma revelação crescendo cada vez mais dentro dela. Tinha se assistido morrer, e tinha sobrevivido. Daniel não tinha mais que levar nos ombros essa punição sozinho. Era algo que eles poderiam fazer juntos. - Eu quero dizer algo. – Disse ela dentro da camisa, enxugando os olhos em sua manga. – Eu quero falar antes de você dizer qualquer coisa. Ela podia sentir o queixo dele escovando a parte superior de sua cabeça. Ele estava balançando a cabeça. - Eu sei que você tem que ser cuidadoso sobre o que você me diz. Eu sei que eu morri antes, mas não vou a lugar nenhum mais, Daniel, eu posso sentir isso. Pelo menos, não sem lutar. – Ela tentou sorrir. – Eu acho que isso vai nos ajudar a deixar de me tratar como um pedaço de vidro frágil. Então, eu estou perguntando a você, como sua amiga, como sua namorada, como você já sabe, o amor de sua vida, para me deixar entrar um pouco mais. Caso contrário, me sinto isolada e ansiosa e... Ele pegou em seu queixo com os dedos e inclinou sua cabeça para cima. Ele estava olhando para ela com curiosidade. Ela o esperou interromper, mas ele não o fez. - Eu não deixei Shoreline para te magoar. – Continuou ela. – Eu saí porque eu não entendia porque isso importava. E eu coloquei meus amigos em perigo por causa disso. Daniel segurou seu rosto na frente dele. O violeta de seus olhos praticamente brilhava. - Eu falhei com você também muitas vezes antes. – Ele sussurrou. – E nesta vida talvez eu tenha cometido um erro no lado da cautela. Devia ter sabido que você testaria qualquer limite que lhe fosse imposto. Não seria a garota que eu amo se não fizesse. – Luce esperou que ele sorrisse para ela. Ele não sorriu. – Há tanta coisa em jogo desta vez. Eu estava tão focado nos... - Nos Exilados? - Foram eles que pegaram sua amiga. – Disse Daniel. – Eles mal conseguem identificar a direita da esquerda, nem mesmo de que lado eles trabalham. Luce pensou de volta na menina que Cam atirou com a flecha de prata, no menino bonito de olhos vazios na lanchonete. - Porque eles são cegos. Daniel olhou para suas mãos, esfregando os dedos juntos. Olhou como se pudesse estar doente. - Cegos, mas muito brutais. – Estendeu a mão e delineou um de seus cachos loiros com o dedo. – Você foi inteligente para tingir seu cabelo. Manteve-se protegida quando eu não podia chegar rápido o suficiente. - Inteligente? – Luce ficou horrorizada. – Dawn poderia ter morrido porque eu botei minhas mãos numa garrafa barata de descolorante. Como isso é inteligente? Se... Se eu pontar meu cabelo amanhã de preto, você acha que os Exilados de repente, serão capazes de me encontrar? Daniel balançou a cabeça com força. - Eles não deviam nem ter encontrado o caminho para dentro do campus. Eles nunca deveriam ter sido capazes de pôr as mãos em nenhum de vocês. Estou trabalhando dia e noite para mantê-los longe de você... E desta escola inteira. Alguém está os ajudando, e eu não sei quem... - Cam. O que mais ele estaria fazendo aqui? Daniel, porém, balançou a cabeça. - Seja quem for vai se arrepender. Luce cruzou os braços sobre o peito. Seu rosto ainda estava quente de tanto chorar. - Acho que isso significa que eu não para casa no dia de Ação de Graças? – Ela fechou os olhos, tentando não imaginar os rostos cabisbaixos de seus pais. – Não responda a isso. - Por favor. – A voz de Daniel estava tão série. – É só um pouco mais. Ela assentiu com a cabeça. - O cronograma da trégua. - O quê? – Suas mãos agarraram seus ombros firmemente. – Como você... - Eu sei. – Luce esperava que ele não pudesse sentir que seu corpo começara a tremer. A coisa piorou quando tentou agir com mais certeza do que sentia. – E eu sei que em algum momento em breve, você vai fazer pender a balança entre o Céu e o Inferno. - Quem lhe disse isso? – Daniel estava arqueando os ombros para trás, o que ela sabia que significava que ele estava tentando manter suas asas desabrochadas. - Eu percebi isso. Muita coisa acontece aqui quando você não está por perto. Uma pitada de inveja passou através dos olhos de Daniel. No início, parecia quase bom ser capaz de provocar isso nele, mas Luce não queria lhe fazer ciúmes. Especialmente com tantas coisas maiores para lidar. - Sinto muito. – Disse ela. – A última coisa eu você precisa agora é eu te distrair. O que você está fazendo... Parece como um negócio de muita importância. Ela deixou por isso mesmo, esperando que Daniel fosse se sentir confortável o suficiente para lhe contar mais. Esta foi a mais aberta, honesta e madura conversa que tinham tido, talvez de todas. Mas então, muito rapidamente, a nuvem, ela nem sabia que estava tremendo, passou pelo rosto de Daniel. - Tire tudo isso de sua cabeça. Você não sabe o que você acha que sabe. A decepção inundou o corpo de Luce. Ele ainda estava a tratando como uma criança. Um passo para frente, dez passos para trás. Ela reuniu seus pés sob ela e se levantou da beirada. - Eu de uma coisa, Daniel. – Disse ela, olhando para ele. – Seu fosse eu, não haveria dúvida. Seu fosse eu que o universo inteiro estivesse esperando para pender a balança, eu simplesmente escolheria o lado bom. Os olhos violetas de Daniel olharam para frente, para dentro da floresta sombria. - Você simplesmente escolheria o lado bom. – Repetiu ele. Sua voz soava tão entorpecida e desesperadamente triste. Mais triste do que ela já tinha ouvido antes. Luce teve que resistir á vontade de se abaixar e se desculpar. Ao invés disso, se virou, deixando Daniel para trás. Não era óbvio que ele deveria escolher o bem? Qualquer um não faria isso? Capítulo 14 – Cinco Dias Alguém tinha dedurados eles. Na manhã de domingo, enquanto o resto do campus ainda estava estranhamento calmo, Shelby, Miles e Luce se sentaram em fila em um lado do escritório de Francesca, esperando para serem interrogados. Seu escritório era maior do que o de Steven, mais iluminado também, com um teto alto e inclinado e três grandes janelas de frente para a floresta até o norte, cada uma com cortinas de veludo grossas cor de lavanda, abertas mostrando um chocante céu azul. Uma grande enquadrada fotografia de uma galáxia pairava sobre a alta mesa em mármore, era a única peça de arte na sala. As cadeiras de estilo barroco que estavam sentados eram chiques, mas desconfortáveis. Luce não conseguia conter a inquietação. - Denúncia anônima uma ova. – Murmurou Shelby, citando o e-mail rude que cada um deles recebeu de Francesca esta manhã. – Isso tem algum dedo de Lilith. Luce não achava que era possível que Lilith ou qualquer um dos outros alunos realmente soubesse que eles deixaram o campus. Alguma outra pessoa tinha contado aos seus professores. - O que eles estão fazendo para demorarem tanto tempo? – Miles acenava na direção do escritório de Steven do outro lado da parede, onde se podia ouvir seus professores discutindo em voz baixa. – É como se eles estivessem arrumando uma punição antes mesmo deles ouvirem nosso lado da história! – Ele mordeu o lábio inferior. – Qual é o nosso lado da história mesmo? Mas Luce não estava ouvindo. - Eu realmente não vejo o porquê que é tão difícil. – Disse ela, baixinho, mais para ela do que para os outros. – Você só escolhe um lado e segue em frente. - Hã? – Miles e Shelby disseram em uníssono. - Desculpe. – Disse Luce. – É que... Vocês sabem o que Arriane estava dizendo sobre pender a balança naquela noite? Eu comentei com Daniel e ele ficou todo estranho. Sério, como não é óbvio que há uma resposta certa aqui e uma errada? - É óbvio para mim. – Disse Miles. – Há uma escolha boa e uma escolha má. - Como você pode dizer isso? – Shelby perguntou. – Esse tipo de pensamento é exatamente o que nos meteu nesta confusão em primeiro lugar. A fé cega! A total aceitação de uma dicotomia praticamente obsoleta! – Seu rosto estava ficando vermelho e sua voz tinha ficado tão alta que Francesca e Steven poderiam provavelmente ouvir. – Estou tão cansada de todos esses anjos e demônios escolhendo lados – blah, blah, blah, eles são maus! Não, eles são terríveis! Toda hora ali – como se eles soubessem o que é melhor para todos no universo. - Então você está sugerindo que Daniel está no lado do mal? – Miles zombou. – Que venha o Fim do Mundo? - Eu não dou a mínima para o que Daniel faz. – Disse Shelby. – E, francamente, acho difícil de acreditar que tudo depende dele, de qualquer maneira. Mas tinha que ser. Luce não conseguia pensar em outra explicação. - Olha, talvez as linhas não sejam tão claras como nos ensinam que são. – Continuou Shelby. – Quero dizer, quem disse que Lúcifer é tão ruim... - Hum, todos? – Miles disse, olhando para Luce pedindo apoio. - Errado. – Shelby latiu. – Um grupo de anjos muito persuasivos, tentando preservar o status quo. Apenas porque venceram uma grande batalha há muito tempo atrás, acham que lhes dá o direito. Luce assistiu as sobrancelhas de Shelby se levantarem enquanto ela encostava as costas rígidas na cadeira. Suas palavras fizeram Luce pensar em algo que ouvira em outro lugar... - Os vencedores reescrevem a história. – Ela murmurou. Isso foi o que Cam havia dito a ela naquele dia em Noyo Point. Não era isso que Shelby queria dizer? Que os perdedores acabavam com uma má reputação? Os pontos de vista de ambos eram semelhantes – somente, Cam, é claro, era legitimamente mal. Certo? E Shelby estava apenas conversando. - Exatamente. – Shelby acenou para Luce. – Espera... O quê? Só então Francesca e Steven entraram pela porta. Francesca se abaixou na cadeira giratória preta em sua mesa. Steven estava atrás dela com as mãos apoiados levemente sobre as costas da cadeira. Ele parecia tão alegre em sua calça jeans e a nítida camisa branca quanto Francesca parecia séria em seu vestido preto sob medida com um rígido decote de corte quadrado. Isso trouxe à mente de Luce o que Shelby havia dito sobre linhas manchadas e as conotações das palavras anjo e demônio. Claro que era superficial fazer julgamentos baseados apenas nas roupas de Steven e Francesca, mas, novamente, não era só isso. Em muitas vezes, era fácil esquecer quem deles era o quê. - Quem quer falar primeiro? – Francesca perguntou, descansando suas entrelaçadas mãos cuidadas sobre o mármore da mesa. – Nós sabemos de tudo o que aconteceu, então nem se incomodem em contestar esses detalhes. Esta é a chance de vocês de nos dizer o porquê. Luce inalou profundamente. Embora não tivesse preparada para Francesca jogar o assunto assim tão rapidamente, ela não queria que Miles ou Shelby tentassem a encobrir. - Foi minha culpa. – Disse ela. – Eu queria... – Ela olhou para a expressão desenhada de Steven, então para baixo em seu colo. – Eu vi algo nos Anunciadores, algo do meu passado, e eu queria ver mais. - E então vocês saíram para uma excursãozinha perigosa – um transpassamento não autorizado por meio de um Anunciador, colocando em perigo dois de seus colegas que realmente deviam ter pensado melhor – eu dia depois de outra colega ser sequestrada? – Francesca perguntou. - Isso não é justo. – Disse Luce. – Você uma das pessoas que menosprezou o que aconteceu com Dawn. Pensamos que estávamos indo só para olhar alguma coisa, mas... - Mas... ? – Steven cutucou. – Mas agora percebe quão idiota essa linha de pensamento foi? Luce agarrou os braços da cadeira, tentando conter as lágrimas. Francesca estava chateada com os três deles, mas parecia que toda a fúria de Steven estava indo apenas para Luce. Não era justo. - Sim, ok, nós nos esgueiramos para fora da escola e fomos para Las Vegas. – Disse ela finalmente. – Mas a única razão de estarmos em perigo foi porque você me deixou no escuro. Você sabia que alguém estava atrás de mim e provavelmente sabe até o porquê. Eu não teria deixado o campus se tivesse apenas me contado. Steven olhou para Luce com os olhos como fogo. - Se você está dizendo que honestamente temos que ser tão claros com você, Luce, então estou desapontado. – Ele colocou a mão no ombro de Francesca. – Talvez você estivesse certa sobre ela, querida. - Espere. – Luce disse, mas Frances fez um sinal para parar com a mão. - Precisamos também ser claros sobre o fato de que a oportunidade que lhe foi dada em Shoreline para seu crescimento educacional e pessoal é, para você, uma experiência única em um milhão de vidas? – Um rubor apareceu em suas bochechas. – Você criou uma situação muito embaraçosa para nós. A escola principal – Ela fez um gesto para a parte sul do campus. – tem suas detenções e seus programas de serviços comunitários para os alunos que saem da linha, mas Steven e eu não temos alunos que não ultrapassam nossas fronteiras muito brandas. - Até agora. – Disse Steven, olhando para Luce. – Mas Francesca e eu concordamos que uma rápida e severa sentença deve ser proferida. Luce se inclinou para frente em sua cadeira. - Mas Shelby e Miles não... - Exatamente. – Francesca assentiu. – É por isso que, quando forem dispensados, Shelby e Miles se reportarão ao Sr. Kramer na escola principal para serviços comunitários. A Festa Anual de Colheita de Alimentos começa amanhã, então eu tenho certeza que vocês vão ter seus trabalhos preparados. - Que conversa fiada é essa? – Shelby interrompeu, olhando para Francesca. – Quero dizer, Festa da Colheita parece o meu tipo de diversão. - E Luce? – Miles perguntou. Os braços de Steven estavam cruzados e seus complicados olhos castanhos olhavam para Luce sobre os aros tartaruga de seus óculos. - Efetivamente, Luce, você está de castigo. De castigo? Era isso? - Classe. Refeições. Dormitório. – Francesca recitou. – Até que você ouça outra coisa de nós, e a menos que você esteja sob nossa supervisão rigorosa, estes são os únicos lugares que você vai estar permitida. E nada de mergulhar em Anunciadores. Entendeu? Luce assentiu. Steven acrescentou: - Não nos teste novamente. Até mesmo nossa paciência chega ao fim. Classe – Refeições – Dormitório não deixavam muitas opções a Luce em uma manhã de domingo. O chalé estava escuro e o refeitório não era aberto para um brunch (uma refeição entre o café e o almoço para quem acorda tarde) até as onze. Depois que Miles e Shelby se arrastaram relutantemente para o acampamento do Sr. Kramer para iniciar o serviço comunitário, Luce não tinha escolha senão voltar para seu quarto. Ela fechou a cortina da janela, que Shelby sempre gostava de deixar aberta, em seguida, se afundou em sua cadeira. Podia ter sido pior. Em comparação com as histórias de celas apertadas de blocos de concreto para confinamento solitário em Sword & Cross, isso quase parecia que estava se safando fácil. Ninguém estava jogando um par de pulseiras com dispositivo de rastreamento nelas. Na verdade, Steven e Francesca tinham lhe dado, basicamente, as mesmas restrições que Daniel deu. A diferença era que seus professores poderiam a vigiar noite e dia. Daniel, por outro lado, não era para estar lá mesmo. Irritada, ligou seu computador, meio que esperando que seu acesso à internet fosse estar subitamente restrito, mas se conectou como de costume e encontrou três e-mails de seus pais e um de Callie. Talvez o lado bom de estar de castigo era que seria forçada a finalmente ficar em melhor contato com seus amigos e familiares. Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 08:22 Assunto: O Cachorro-Peru. Confira essa foto! Vestimos Andrew como um peru para a festa de Outono da vizinhança. Como você pode dizer das marcas de mordida nas penas: Ele adorou. O que você acha? Devemos fazê-lo usar de novo quando você vier para o dia de Ação de Graças? Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 09:06 Assunto: PS Seu pai leu meu e-mail e achou que poderia ter feito você se sentir mal. Sem intenção de te fazer se sentir culpada, querida. Se você tiver permissão para voltar para casa no dia de Ação de Graças, nós adoraríamos. Se não for possível, vamos remarcar para outro dia. Nós te amamos. Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Sábado, 21/11 às 00:12 Assunto: Sem assunto Só nos deixe saber qual dos dois? Beijos, mamãe. Luce prendeu a cabeça entre as mãos. Ela tinha estado errada. Todos os castigos do mundo não fariam mais fácil para ela responder a seus pais. Eles tinham vestido seu poodle de peru, pelo amor de Deus! Partiu seu coração de pensar em desapontá-los. Então, sem delongas, abriu o e-mail de Callie. Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 16:14 Assunto: Aqui está! Eu acredito que a reserva de voo abaixo fala por si só. Mande seu endereço e eu vou pegar um táxi quando conseguir a reserva na manhã de quinta-feira. Minha primeira vez na Geórgia! Com a minha melhor amiga há muito tempo perdida! Isso vai ser tão formidável! Nos vemos em seis dias! Em menos de uma semana, a melhor amiga de Luce estaria aparecendo para o dia de Ação de Graças na casa de seus pais. Seus pais a estariam esperando, e Luce estaria aqui mesma, de castigo em seu dormitório. Uma tristeza enorme a inundou. Teria dado qualquer coisa para ir até eles, para passar alguns dias com as pessoas que amava, que lhe daria um descanso das esgotantes e confusas semanas que ela passou algemada dentro destas paredes de madeira. Ela abriu um novo e-mail e compôs uma mensagem apressada: Para: [email protected] De: [email protected] Enviada: Domingo 22/11 às 09:33 Oi Sr. Cole. Não se preocupe, não vou implorar para você, me deixe ir para casa no dia de Ação de Graças. Eu conheço um desesperado desperdício de esforço quando vejo um, mas não tenho coragem de dizer a meus pais. Você vai deixá-los saber? Diga-lhes que eu sinto muito. Aqui as coisas estão bem. Mais ou menos. Estou com saudades. Luce. Uma batida forte na porta fez Luce saltar – e clicar em Enviar no e-mail sem revisar antes para erros de ortografia ou admissões embaraçosas de emoção. - Luce! – A voz de Shelby chamou do outro lado. – Abre aí! Estou tão ocupada com aquela porcaria de Festa da Colheita. Quero dizer, generosa. – As batidas continuaram do outro lado da porta, mais altas, com o ocasional grunhido choramingado se infiltrando para dentro. Abrindo a porta, Luce encontrou uma Shelby ofegante, cedendo sob o peso de uma enorme caixa de papelão. Ela tinha vários sacos esticados de plástico enfiados nos dedos. Seus joelhos tremiam quando ela cambaleou para o quarto. - Posso te ajudar com alguma coisa? – Luce pegou a cornucópia de vima com penas claras que estava descansando na cabeça de Shelby como um chapéu cônico. - Eles me colocaram em Decorações. – Shelby resmungou, jogando a caixa no chão. – Eu daria tudo para estar no Lixo, como Miles. Você ao menos sabe o que aconteceu na última vez que alguém me fez usar uma pistola de cola quente? Luce se sentia responsável pelas punições tanto de Shelby quanto de Miles. Imaginou Miles penteando a praia com um desses paus que cutuca lixo que ela tinha visto presos usando do lado da estrada em Thunderbolt. - Eu nem mesmo sei o que é a Festa da Colheita. - Detestáveis e pretensiosas, é o que é. – Disse Shelby, vasculhando a caixa e jogando para o chão, sacos de plástico de penas, potes de glitter e uma resma de papel de construção na cor do outono. – É basicamente um grande banquete, onde todos os doadores de Shoreline saem para levantar dinheiro para a escola. Todos vão para casa sentindo tão caridosos porque descarregaram algumas latas velhas de feijão verde em um banco de alimentos em Fort Bragg. Você vai ver amanhã à noite. - Eu duvido. – Disse Luce. – Lembra que estou de castigo? - Não se preocupe, você vai ser arrastada para lá. Alguns dos maiores doadores são defensores de anjo, então Frankie e Steven tem que dar um show. O que significa que os Nephilim têm que estar lá, sorrindo muito. Luce franziu a testa, olhando para seu reflexo não-Nephilim no espelho. Mais uma razão, ela devia ficar aqui. Shelby amaldiçoou baixinho. - Deixei a estúpida pintura de peru para a decoração de centro de mesa no escritório do Sr. Kramer. – Disse ela, se levantando e dando na caixa de decorações um pontapé. – Eu tenho que voltar. Quando Shelby passou por ela indo para a porta, Luce perdeu o equilíbrio e começou a cair, tropeçou sobre a caixa e seu pé esbarrou em algo frio e úmido no caminho para o chão. Ela deu de cara no chão de madeira. A única coisa que amorteceu sua queda for o saco de plástico de penas, que estourou, atirando penugens coloridas por debaixo dela. Luce olhou para trás para ver o quando de danos ela tinha causado, esperando que as sobrancelhas de Shelby fossem se unir exasperada. Mas Shelby estava parada com uma mão apontando para o centro da sala. Um Anunciador na cor marrom-névoa estava discretamente flutuando. - Não é um pouco arriscado? – Shelby perguntou. – Evocar um Anunciador uma hora depois de ser pega por convocar um Anunciador? Você realmente não escuta nada, não é? Eu meio que admiro isso. - Eu não o convoquei. – Luce insistiu, se levantando e batendo as penas de sua roupa. – Eu tropecei e ele estava lá, esperando ou algo assim. Ela se aproximou para examinar a folha nebulosa e de cor parda. Estava tão plano como um pedaço de papel e não muito grande para um Anunciador, mas do jeito que pendia no ar na frente de seu rosto, quase a desafiando a rejeitálo, fez Luce ficar nervosa. Nem parecia precisar que ela o guiasse na forma. Pairou, mal se movendo, parecendo que poderia ter flutuado lá o dia todo. - Espere um minuto. – Luce murmurou. – Esse veio com o outro naquele dia. Não se lembra? Esta era a estranha sombra marrom que tinha voado atrelada com a sombra mais escura que os levou para Las Vegas. Tinham ambas vindas pela janela ontem à tarde, então esse tinha desaparecido. Luce tinha esquecido o assunto até agora. - Bem. – Disse Shelby, encostada na beirada do beliche. – Você vai vislumbrálo ou o quê? O Anunciador estava na cor de uma sala enfumaçada, marrom insalubre e enevoado ao toque. Luce o atingiu, correndo os dedos ao longo de seus limites úmidos. Sentia sua respiração nublada escovar seus cabelos para trás. O ar em torno deste Anunciador estava úmido, até mesmo salgado. À distância, o murmúrio de gaivotas ecoou de dentro dele. Ela não devia vislumbrá-lo. Não vislumbraria. Mas lá estava o Anunciador, passando de uma malha de fumaça marrom para algo claro e perceptível, independentemente de Luce. Ali estava a mensagem projetada por esta sombra tomando vida. Era uma vista aérea de uma ilha. No início, eles estavam lá no alto, então tudo que Luce podia ver era uma pequena protuberância de rocha negra íngreme com uma borda de pinheiros cônicos tocando na base. Então, lentamente, o Anunciador ampliou, como um pássaro descendo para se alojar na copa das árvores, focou uma pequena e deserta praia. A água estava escura por causa da argilosa areia prateada. A dispersão de rochas ajustadas com as intenções suaves da maré. E de pé discretamente entre duas das mais altas rochas, Daniel estava olhando para o mar. O galho de árvore em sua mão estava coberto de sangue. Luce ofegou quando ela se inclinou e viu o que Daniel estava olhando. Não o mar, mas uma sangrenta carcaça de um homem. Um homem morto, deitado na areia dura. Cada vez que as ondas atingiam o corpo, elas recuavam manchadas de um vermelho profundo, escuro. Mas Luce não podia ver a ferida que tinha matado o homem. Outra pessoa, em um longo casaco preto estava agachada sobre o corpo, o amarrando com uma espessa corda trançada. O coração dela batia forte, Luce olhou novamente para Daniel. Sua expressão era igual, mas seus ombros estavam contraídos. - Depressa. Você está perdendo tempo. A maré está subindo agora, de qualquer forma. Sua voz era tão fria que fez Luce tremer. Um segundo depois, a cena do Anunciador desapareceu. Luce prendeu a respiração até que caiu no chão. Em seguida, do outro lado da sala, a persiana da janela que Luce tinha puxado para baixo antes, se abriu com força. Luce e Shelby atiraram olhares de ansiedade entre si, em seguida, viram quando uma rajada de vento levou o Anunciador, o puxando para cima e para fora da janela. Luce agarrou o pulso de Shelby. - Você observou tudo. Quem estava lá com Daniel? Quem estava agachado sobre – Ela tremeu novamente. – aquele cara? - Pô, eu não sei, Luce. Eu estava meio distraída com o corpo morto. Sem falar da árvore sangrenta que seu namorado estava segurando. – A tentativa de Shelby ser sarcástica foi diminuída pela forma aterrorizada que ela pareceu. – Então, ele o matou? – Ela perguntou a Luce. – Daniel matou quem quer que fosse aquela pessoa? - Eu não sei. – Luce estremeceu. – Não diga isso assim. Talvez haja uma explicação lógica. - O que você acha que ele estava dizendo no final? – Shelby perguntou. – Eu vi seus lábios se moveram mas eu não pude distinguir. Eu odeio isso nos Anunciadores. Apresse-se. Você está perdendo tempo. A maré está subindo agora, de qualquer forma. Shelby não ouviu isso? Quão insensível e sem remorso que Daniel soara? Então Luce lembrou: Não foi há muito tempo que ela não conseguia ouvir os Anunciadores também. Antes, seus ruídos costumavam ser apenas isso: Ruídos: Sussurros e grossos assobios molhados através de árvores. Foi Steven que dissera a ela como sintonizar as vozes lá dentro. De certo modo, Luce quase desejava que ele não tivesse dito. Tinha que haver mais sobre esta mensagem. - Eu tenho que vislumbrar novamente. – Disse Luce, caminhando em direção à janela aberta. Shelby a puxou de volta. - Ah não, você não vai. Aquele Anunciador pode estar em qualquer lugar agora e você está presa no dormitório, lembra? – Shelby empurrou Luce para sua cadeira. – Você vai ficar aqui enquanto eu vou para o escritório de Kramer recuperar o meu peru. Nós duas vamos esquecer que isso aconteceu. Ok? - Ok. - Ótimo. Estarei de volta em cinco minutos, por isso não desapareça. Mas logo que a porta fechou, Luce foi para fora da janela, subindo para a parte plana da borda onde ela e Daniel se sentaram na noite anterior. Colocar o que ela tinha acabado de ver para fora de sua mente era impossível. Ela tinha que convocar novamente aquela sombra. Mesmo que trouxesse mais problemas para ela. Mesmo que ela visse algo que ela não goste. O final da manhã estava ficando tempestuoso e Luce teve que se abaixar e segurar nas telhas inclinadas de madeira para manter seu equilíbrio. Suas mãos estavam frias. Seu coração estava dormente. Fechou os olhos. Toda vez que tentava convocar um Anunciador, lembrava o quão pouco treinada ela era. Sempre tinha tido apenas sorte – se assistir ao seu namorado olhar para alguém que tinha acabado de assassinar pudesse ser considerado sorte. O toque úmido se arrastou ao longo de seus braços. Era a sombra marrom, a coisa que feia que mostrara a ela uma coisa ainda pior? Seus olhos bem abertos. Ela estava. Rastejando até o ombro, como uma cobra. Ela o puxou e o segurou à sua frente, tentando girá-lo como uma bola com as mãos. O Anunciador rejeitou seu toque, flutuando para trás, fora de seu alcance, para bem depois da beirada. Ela olhou para baixo, dois andares até o chão. Uma fileira de alunos estava saindo do dormitório em direção ao refeitório para almoçar, um fluxo de cores de deslocando ao longo de uma camada de grama verde brilhante. Luce vacilou. A vertigem a atingiu e ela se sentiu caindo para frente. mas, então, a sombra correu como um jogador de futebol, batendo as costas dela contra a inclinação do telhado. Lá ela ficou, presa contra as telhas, ofegante quando o Anunciador preguiçosamente se abriu novamente. O véu de fumaça se difundiu em luz e Luce estava de volta com Daniel e seu galho de sangue. De volta com o crocitar das gaivotas circulando lá em cima e o fedor da espuma podre ao longo da costa, a visão de ondas congeladas quebrando na praia. E de volta para as duas figuras amontoadas no chão. O morto estava todo amarrado. O outro vivo ficou de pé para encarar Daniel. Cam. Não. Tinha que ser um erro. Eles se odiavam. Tinham acabado de travar uma enorme batalha um contra o outro. Ela podia aceitar que Daniel fizesse coisas obscuras para protegê-la das pessoas que estavam atrás dela. Mas que coisa horrível o faria procurar por Cam? Trabalhar ao lado de Cam – que tinha prazer em matar? Eles estavam em uma acalorada discussão sobre algum tipo de, mas Luce não conseguia distinguir as palavras. Ela não conseguia ouvir nada sobre o relógio no meio do terraço, que tinha acabado de atingir onze horas. Ela se esforçou para ouvir, esperando o cessar dos gongos. - Deixe-me levá-la à Shoreline. – Ela finalmente ouviu Daniel suplicar. Isto deve ter sido um pouco antes dela chegar à Califórnia. Mas por que Daniel tinha que pedir permissão a Cam? A menos que... - Tudo bem. – Disse Cam calmamente. – Leve-a até a escola e depois me encontre. Não estrague, eu estarei assistindo. - E depois? – Daniel parecia nervoso. Cam correu os olhos sobre o rosto de Daniel. - Você e eu temos trabalho a fazer. - Não! – Luce gritou, pondo fim a sombra com os dedos em raiva. Mas logo que sentiu as mãos romperem a superfície fria e escorregadia, se arrependeu. Ele se quebrou em fragmentos cansados, se acomodando em uma pilha de cinzas ao seu lado. Agora ela não podia ver mais. Tentou reunir os fragmentos do jeito que tinha visto Miles fazer, mas estavam tremendo e se resposta. Ela pegou um punhado de fragmentos inúteis, chorando sobre eles. Steven disse que às vezes os Anunciadores distorciam o que era real. Como as sombras da parede da caverna, mas que sempre havia alguma verdade para eles também. Luce podia sentir a verdade nos frios pedaços encharcados mesmo quando ela os apertou forte, tentando espremer toda sua agonia. Daniel e Cam não eram inimigos. Eles eram parceiros. Capítulo 15 – Quatro Dias - Mais peru com tofu? – Connor Madson, um garoto cabeludo da classe de biologia de Luce e um dos alunos-garçons de Shoreline, parou perto dela com uma bandeja de prata na Festa da Colheita ne segunda-feira à noite. - Não, obrigada. – Luce apontou para a espessa pilha de fatias de carne mornas ainda em seu prato. – Talvez mais tarde. Connor e o restante do pessoal bolsista em Shoreline estavam vestidos adequadamente para a Festa da Colheita com smokings e chapéus ridículos de viajantes. Deslizavam passando entre eles no terraço, que estava quase irreconhecível como um lugar sofisticado e casual para comer algumas panquecas antes da aula, havia sido transformado em um salão de banquetes em pleno ar livre. Shelby ainda estava resmungando enquanto se movia de mesa em mesa, ajustando os cartões do lugar e reacendendo as velas. Ela e o resto do Comitê de Decorações tinham feito um belo trabalho: Folhas de seda em vermelho e laranja tinham sido espalhadas pelas longas toalhas de mesa brancas, um jantar recém-cozinhado estava arranjado dentro de cornucópias pintadas a ouro, lâmpadas de calor ficavam na borda para tirar o efeito da brisa fresca do oceano. Até mesmo as pinturas de peru que decoravam o centro das mesas pareciam elegantes. Todos os estudantes, o corpo docente e cerca de cinquenta dos maiores doadores da escola tinham aparecido bem vestidos para o jantar. Dawn e seus pais tinham vindo para a noite. Embora Luce não tivesse conseguido uma oportunidade para conversar com Dawn ainda, ela parecia recuperada, até mesmo feliz, e tinha acenado para Luce alegremente de seu assento ao lado de Jasmine. No máximo uns vinte e tantos Nephilim estavam sentados juntos em duas mesas circulares adjacentes, com exceção de Roland, que estava sentado em um canto distante, com uma pessoa misteriosa. Em seguida, a pessoa misteriosa se levantou, ergueu o chapéu largo em forma de botão de rosa e deu a Luce um aceno um pouco sorrateiro. Arriane. Sem ela mesma querer, Luce sorriu, mas um segundo depois, se sentiu a beira das lágrimas. Observando os dois dando risadinhas juntos lembrou a Luce da sinistra cena repugnante que tinha vislumbrado no Anunciador no dia anterior. Como Cam e Daniel, Arriane e Roland deveriam estar em lados opostos, mas todos sabiam que eles eram um time. Ainda assim, parecia de algum modo diferente. A Festa da Colheita era para ser a última festa pré Ação de Graças antes das aulas acabarem. Então, todo mundo teria outra Ação de Graças. Uma Ação de Graças de verdade, com suas famílias. Para Luce, esta era a única Ação de Graças que ia conseguir. Sr. Cole não tinha escrito para ela de volta. Depois do castigo de ontem e, em seguida, a revelação em cima do telhado, ela estava tento um dia difícil para se sentir grata por muita coisa. - Você mal está comendo. – Disse Francesca, colocando um bocado grande e brilhante de purê de batatas no prato de Luce. Luce estava cada vez mais sintonizada com o brilho emocionante que caía sobre tudo quando Francesca falava com ela. Francesca possuía um carisma de outro mundo, simplesmente uma virtude de ser um anjo. Ela sorriu para Luce como se não tivesse havido nenhuma reunião em seu gabinete ontem, como se Luce não estivesse trancafiada. Luce tinha ganhado o lugar de honra na expansiva mesa principal do corpo docente, ao lado de Francesca. Todos os doadores vieram juntos apertas as mãos do corpo docente. Os três outros alunos na mesa principal era Lilith, Beaker Brady e uma menina coreana de cabelos curtos e escuros que Luce não conhecia – tinham conseguido seus lugares em um concurso de redação. Tudo que Luce teve que fazer era irritar seus professores o suficiente para que ficassem com medo de a deixarem fora de suas vistas. A refeição estava finalmente acabando quando Steven se inclinou para frente em sua cadeira. Assim como Francesca, ele não exibia nenhum veneno de ontem. - Certifique-se de Luce se apresentar ao Dr. Buchanan. Francesca deu a última mordida em um bolinho de broa de milho com manteiga. - Buchanan é um dos maiores patrocinadores da escola. – Disse para Luce. – Você deve ter ouvido seu programa Demônios no Exterior? – Luce encolheu os ombros quando os garçons reapareceram para limpar os pratos. – Sua exmulher tinha linhagem de anjo, mas após o divórcio ele mudou alguma de suas alianças. Ainda assim... – Francesca olhou para Steven. – É uma pessoa muito boa para se conhecer. Oh, olá Senhorita Fisher! Como é bom você ter vindo. - É, olá. – Uma mulher idosa com um sotaque britânico forte, um casado de vison volumoso e mais diamantes em volta do pescoço do que Luce jamais tinha visto antes, estendeu a mão com luvas brancas para Steven, que se levantou para cumprimentá-la. Francesca se levantou também, se inclinando para cumprimentar a mulher com um beijo em casa bochecha. - Onde está meu Miles? – Perguntou a mulher. Luce pulou. - Oh, você deve ser a avó de Miles... ? - Meu Deus, não. – A mulher recuou. – Não tenho filhos, nunca me casei, boohoo. Sou Senhorita Ginger Fisher., do ramo NorCal na árvore genealógica. Miles é meu sobrinho-neto. E você é? - Lucinda Price. - Lucinda Price, sim. – Senhorita Fisher abaixou o nariz para Luce, apertando os olhos. – Li sobre você em uma ou outra história. Embora eu não lembre o que exatamente você fez. Antes que Luce pudesse responder, as mãos de Steven estavam em seus ombros. - Luce é uma das nossas mais novas alunas. – Ele explodiu. – Você vai ficar feliz em saber que Miles realmente tomou conta de tudo para fazê-la se sentir confortável aqui. Os olhos estrábicos da Senhorita Fisher já estavam procurando além deles, examinando o gramado lotado. Os convidados haviam quase terminado de comer e agora Shelby estava acendendo as tochas tiki espetadas no chão. Quando a tocha mais próxima à mesa principal ficou brilhante, iluminou Miles, inclinado sobre a mesa ao lado para limpar alguns pratos. - Será que é o meu sobrinho-neto... Servindo a mesa? – Senhorita Fisher pressionou uma mão enluvada contra a testa. - Na verdade – Disse Shelby, se intrometendo na conversa, o isqueiro de tocha na mão. – ele é o carregador de... - Shelby. – Francesca cortou. – Eu acho que a tocha tiki perto das mesas dos Nephilim acabou de apagar. Você poderia concertar? Agora? - Quer saber? – Luce disse a Senhorita Fisher. – Eu vou pegar Miles e o trazer até aqui. Você deve estar ansiosa em vê-lo. Miles tinha trocado o boné dos Dodgers e camiseta por uma calça de tweed marrom e uma camisa laranja brilhante de botões. Uma escolha meio ousada, mas parecia boa. - Ei! – Ele acenou com a mão que não estava equilibrando uma pilha de pratos sujos. Miles não parecia se importar em trabalhar nas mesas. Estava sorrindo, se sentindo à vontade, conversando com todos no banquete enquanto limpava os pratos. Quando Luce se aproximou, ele colocou os pratos na mesa e lhe deu um grande abraço a apertando mais perto no final. - Você está bem? – Perguntou ele, inclinando a cabeça para um lado, para que seus cabelos castanhos caíssem sobre os olhos. Não parecia acostumado com a maneira que seu cabelo mudava sem o boné e ele jogou rapidamente para trás. – Você não parece tão bem. Quero dizer... Você está linda, mas não era disse que eu estava falando. De verdade. Eu realmente gostei de seu vestido. E seu cabelo está bonito. Mas você parece que também está meio... – Ele franziu a testa para baixo. - Isso é perturbador. – Luce chutou a grama com a ponta de seu salto alto preto. – Porque isso foi o melhor que me falaram a noite toda. - Sério? – O rosto de Miles se iluminou apenas o suficiente para ele tomar isso como um elogio. Em seguida, seu semblante caiu. – Eu se que deve ser um saco ficar de castigo. Se você me perguntar, Frankie e Steven estão levando isso mais a sério do que deveria. Mantê-la embaixo das asas a noite toda. - Eu sei. - Não olhe agora, tenho certeza que estão nos observando. Ah, ótimo. – Ele gemeu. – Será que aquela é minha tia Ginger? - Eu já tive o prazer de conhecer. – Luce riu. – Ela quer te ver. - Tenho certeza que quer. Por favor, não pense que todos os meus parentes são como ela. Quando você encontrar o resto do clã no dia de Ação de Graças. Ação de Graças com Miles. Luce tinha esquecido completamente disso. - Ah. – Miles estava observando seu rosto. – Você não acha que Frankie e Steven vão te fazer ficar aqui no dia de Ação de Graças? Luce encolheu os ombros. - Achei que era isso que até que diga outra coisa significava. - Então é isso que está te fazendo triste. – Ele colocou uma mão no ombro nu de Luce. Ela tinha lamentado o vestido sem mangas, até agora, até os dedos pousarem em sua pele. Não era nada parecido com o toque de Daniel, que era eletrizante e mágico o tempo todo, mas era reconfortante, no entanto. Miles se aproximou, abaixando o rosto até o dela. - O que é? Ela olhou em seus olhos azuis. Sua mão ainda estava em seu ombro. Ela sentiu os lábios se partindo com a verdade, pronta para sair de dentro dela. Que Daniel não era quem ela pensava que era. Significava que talvez ela não era quem pensava que era. Que tudo que sentia por Daniel em Sword & Cross ainda estava lá, pensar nisso a deixava tonta, mas tudo agora também era tão diferente. E que todo mundo ficava dizendo que esta vida era diferente, que era hora de quebrar o ciclo, mas ninguém podia dizer o que isso significava. Que talvez isso não terminasse com Luce e Daniel juntos. Que talvez fosse para ela se libertar e fazer algo por conta própria. - É difícil colocar tudo isso em palavras. – Disse ela finalmente. - Eu sei. – Disse Miles. – Eu tive dificuldade com isso. Na verdade, tem algo que eu meio que estou querendo te dizer... - Luce. – Francesca estava subitamente parada ali, praticamente no meio deles. – É hora de ir. Eu vou te levar de volta para seu quarto agora. Tanta coisa para fazer por conta própria. - E Miles, sua tia Ginger e Steven gostariam de vê-lo. Miles jogou para Luce um último sorriso simpático, antes de marchar em direção a sua tia. As mesas estavam sendo limpas, mas Luce podia ver Arriane e Roland rindo a toa perto do bar. Um grupo de meninas Nephilim se agrupou em volta de Dawn. Shelby estava de pé ao lado de um rapaz alto, com cabelos descoloridos, loiros e pele pálida, quase branca. O ex-namorado idiota. Tinha que ser. Ele estava se encostando em Shelby, claramente ainda interessado, mas ela ainda estava claramente irritada. Por estar irritada, nem percebeu Luce e Francesca caminhando para perto, mas o ex-namorado dela percebeu. Seu olhar pendurado em Luce. O pálido não muito azul de seus olhos estava assustado. Então, alguém gritou que a festa estava descendo para a praia e Shelby roubou a atenção de SAEB virando as costas pare ele, dizendo que era melhor não a seguir para a festa. - Você desejaria poder se juntar a eles? – Francesca perguntou enquanto elas se moviam mais longe da agitação do terraço. O barulho e o vento acalmaram tanto enquanto caminhavam ao longo do caminho de cascalho na direção do dormitório, passando por filas de buganvílias rosa forte. Luce começou a se perguntar se Francesca era responsável pela tranquilidade que pairava. - Não. – Luce gostava o suficiente deles, mas se fosse para anexar a palavra desejar a alguma coisa agora, não seria ir numa festa na praia. Ela iria desejar... Bem, não tinha certeza o quê. Para algo que tenha a ver com Daniel, isso ela sabia, mas o quê? Que ele contasse o que está acontecendo, talvez. Que, em vez de protegê-la retendo informação, poderia enchê-la com a verdade. Ela ainda amava Daniel. É claro que sim. Ele a conhecia melhor do que ninguém. Seu coração acelerava cada ver o que via. Ansiava por ele. Mas o quão bem ela conhecia ele? Francesca fixou os olhos na grama enfileirada no caminho para o dormitório. Muito sutilmente, seus braços se estenderam para ambos os lados, como uma bailarina na barra. - Não eram lírios e nem rosas. – Ele murmurou sob sua respiração enquanto a ponta dos dedos estreitos começou a tremer. - O que era então? Ouviu-se um som suave de batida, como raízes e uma planta sendo puxadas de um canteiro e, de repente, miraculosamente, uma fileira de flores brancas como um raio de lua surgiu em ambos os lados do caminho. Densas, viçosas e com uns trinta centímetros de altura, estas não eram flores quaisquer. Eram raras e delicadas peônias selvagens, com botões tão grandes quanto bolas de beisebol. As flores que Daniel tinha trago a Luce quando estava no hospital – e talvez outras vezes antes. Beirando o caminho até Shoreline, elas brilhavam na noite como estrelas. - O que foi isso? – Luce perguntou. - Para você. – Disse Francesca. - Para quê? Francesca tocou-lhe brevemente na bochecha. - Às vezes as coisas bonitas entram em nossas vidas do nada. Nem sempre podemos entendê-las, mas temos de confiar nelas. Eu sei que você quer questionar tudo, mas às vezes vale apenas ter um pouco de fé. Ela estava falando de Daniel. - Você olha para mim e Steven – Francesca continuou – e eu sei que podemos confundir. Se eu amor ele? Sim. Mas quando a batalha final vier, vou ter que matá-lo. Isso é apenas nossa realidade. Nós dois sabemos exatamente onde estamos. - Mas você não confia nele? - Acredito que ele seja fiel à sua natureza, que é a do demônio. Você precisa confiar que aqueles em torno de você vão ser fiéis à sua natureza. Mesmo quando possa parecer que eles estão traindo quem eles são. - E se não for assim tão fácil? - Você é forte, Luce, independente de qualquer coisa ou alguém. A maneira como você respondeu ontem, em meu escritório, eu podia ver isso em você. E me fez muito feliz. Luce não se sentia forte. Sentia-se tola. Daniel era um anjo, por isso a sua verdadeira natureza tinha que ser boa. Então ela devia aceitar isso cegamente? E a verdadeira natureza dela? Não incondicionalmente. Será que Luce era a razão para as coisas entre eles estarem tão complicadas? Muito tempo depois que entrou em seu quarto e fechou a porta atrás dela, não podia tirar as palavras de Francesca da cabeça. Cerca de uma hora depois, uma batida na janela fez Luce saltar enquanto estava sentada observando o fogo diminuir na lareira. Antes que pudesse se levantar, houve uma segunda batida na vidraça, mas desta vez parecia mais hesitante. Luce se levantou do chão e foi até a janela. O que Daniel estava fazendo aqui outra vez? Depois de dar tanta importância ao fato de ser inseguro dos dois se verem, por que ele continua aparecendo? Não sabia sequer o que Daniel queria dela, além de atormentá-la do jeito que tinha o visto atormentar as outras versões dela nos Anunciadores. Ou, como ele dizia, amado tantas versões dela. Hoje à noite tudo o que queria dele era ser deixada sozinha. Escancarou as persianas de madeira, em seguida, empurrou a vidraça, derrubando mais uma das mil plantas de Shelby. Apoiava as mãos no parapeito e, em seguida, mergulhou sua cabeça na noite, pronta para atacar Daniel. Mas não era Daniel em pé na beirada à luz do luar. Era Miles. Ele tinha trocado suas roupas extravagantes, mas não trouxera o boné dos Dodgers. A maior parte de seu corpo estava na sombra, mas o contorno de seus ombros largos ficava claro contra a noite de um azul profundo. Seu sorriso tímido trouxe um sorriso de resposta ao rosto dela. Ele estava segurando uma cornucópia de ouro cheia de lírios laranja arrancados de uma das decorações de mesa da Festa da Colheita. - Miles. – Disse Luce. A palavra estava estranha em sua boca. Estava marcada pela surpresa agradável, quando há pouco tinha estado tão preparada para ser desagradável. Seus batimentos cardíacos voltaram ao normal, mas não conseguia parar de sorrir. - O quão louco é o fato de eu poder andar pela borda da minha janela até a sua? – Luce balançou a cabeça, atordoada demais. Nunca tinha ido ao quarto de Miles do lado dos meninos no dormitório. Ele nem sabia onde era. – Viu? – Seu sorriso se ampliou. – Se você não estivesse de castigo, nunca saberíamos. É muito bonito aqui, Luce, você devia sair. Você não tem medo de altura ou algo assim, né? Luce queria sair para a beirada com Miles. Só não queria ser lembrada dos tempos que estava lá fora com Daniel. Os dois eram muito diferentes. Miles – confiável, doce, preocupado. Daniel – o amor de sua vida. Se fosse assim tão simples. Parecia injusto e impossível de compará-los. - Como é que você não está na praia com todo mundo? – Perguntou ela. - Nem todo mundo está lá embaixo na praia. – Miles sorriu. – Você está aqui. – Acenou a cornucópia de flores no ar. – Eu trouxe isso para você do jantar. Shelby tem todas aquelas plantas no lado dela da sala. Achei que você poderia colocar essas em sua escrivaninha. Miles enfiou o chifre de vime atrás de sua janela. Estava cheio de flores laranja brilhantes. Os estames pretos estremeciam ao vento. Elas não eram perfeitas, algumas estavam mesmo murchas, mas estavam muito mais bonitas do que as peônias maiores-que-a-vida que Francesca fez florescer. Às vezes as coisas bonitas entram em nossas vidas do nada. Esta foi talvez a coisa mais gentil que alguém já tinha feito por ela em Shoreline – até mesmo na vez em que Miles invadiu o escritório de Steven para roubar o livro para que pudesse ajudar Luce a aprender como transpassar uma sombra. Ou na vez em que Miles a convidara para tomar café da manhã, no primeiro dia em que ele a conheceu. Ou quão rápido Miles tinha a incluído em seus planos de Ação de Graças. Ou a ausência total de ressentimento no rosto de Miles quando lhe foi atribuído o serviço de lixo depois que ela o tinha colocado em apuros por fugirem. Ou o jeito como Miles... Ela poderia levar, ela percebeu, a noite toda. Carregou as flores atravessando todo o quarto e as colocou em sua escrivaninha. Quando voltou, Miles estava segurando sua mão para que saísse na janela. Podia inventar uma desculpa, algo estúpido de não quebrar as regras de Francesca. Ou podia simplesmente tomar sua mão quente, forte e segura, e se deixar deslizar pela janela. Podia esquecer Daniel por apenas um momento. Lá fora, o céu era uma explosão de estrelas. Brilhavam na noite negra como os diamantes da Senhorita Fisher – mas mais claras, mais brilhantes, ainda mais bonitas. Daqui, o topo das sequoias ao leste da escola parecia denso, sombrio e sinistro, a oeste estava a incessantemente água agitada e a luz distante da fogueira ardente na praia tumultuada. Luce tinha notado essas coisas antes da beirada. Oceano. Floresta. Céu. Mas todas as outras vezes que esteve aqui, tinha sido com Daniel consumindo seu foco. Quase a cegara, até o ponto onde ela nunca tinha notado a paisagem. Era realmente de tirar o fôlego. - Você provavelmente está se perguntando por que eu vim. – Disse Miles, o que fez Luce perceber que os dois haviam ficado um tanto em silêncio por um tempo. – Comecei a falar isso mais cedo, mas... Eu não... Não tenho certeza. - Estou feliz que tenha vindo. Estava ficando um pouco chato ali, olhando para o fogo. – Ela lhe deu um meio sorrido. Miles enfiou as mãos nos bolsos. - Olha, eu sei que você e o Daniel... – Luce involuntariamente gemeu. – Você está certa, eu nem deveria falar disso. - Não, não foi por isso que eu gemi. - É só que... Você sabe que eu gosto de você, certo? - Hum. É claro que Miles gostava dela. Eles eram amigos. Bons amigos. Luce mordeu o lábio. Agora estava se fazendo de boba, o que nunca era um bom sinal. A verdade: Miles gostava dela. E ela gostava dele também. Olhe para o cara. Com seus olhos azul-oceano e pequenas risadas que dava toda vez que abria um sorriso. Além disso, era de longe a pessoa mais legal que ela já conhecera. Mas havia Daniel, e antes dele tinha havido Daniel também, e Daniel de novo e de novo – isso era infinitamente complicado. - Estou estragando isso. – Miles estremeceu. – Quando tudo que eu mais queria fazer era dizer boa noite. Ela o olhou e descobriu que ele estava a olhando. Suas mãos saíram dos bolsos e se encontraram com as mãos dela, as apertou no espaço entre o peito dele. Ele se inclinou lentamente, deliberadamente, dando a Luce outra chance de sentir a noite espetacular ao redor deles. Sabia que Miles estava indo beijá-la. Sabia que não deveria deixá-lo. Por causa de Daniel, claro – mas também por causa do que tinha acontecido quando tinha beijado Trevor. Seu primeiro beijo. O único beijo que já tinha tido com alguém além de Daniel. Poderia estar vinculado a Daniel o motivo de Trevor ter morrido? E se no segundo em que ela beijasse Miles, ele... Não poderia nem sequer pensar nisso. - Miles. – Ela o pressionou para trás. – Você não deveria fazer isso. Me beijar é... – Ela engoliu. – Perigoso. Ele riu. Claro que iria, porque não sabia nada sobre Trevor. - Acho que vou arriscar. Ela tentou o empurrar para trás, mas Miles tinha um jeito de fazê-la se sentir tão bem com quase tudo. Até mesmo isso. Quando a boca dele desceu sobre a dela, ela prendeu a respiração, esperando o pior. Mas nada aconteceu. Os lábios de Miles eram suaves como penas, a beijando delicadamente o suficiente para que ele ainda sentisse como seu bom amigo, mas com paixão o suficiente para provar que havia mais de onde este veio. Se ela quisesse. Mas mesmo que não houvesse as chamas, nem pele queimada e nenhuma morte ou destruição – e por que não estavam ali? – o beijo ainda fazia mal. Por muito tempo, tudo que seus lábios queriam eram os lábios de Daniel, o tempo todo. Ela costumava sonhar com sue beijo, seu sorriso, seus lindos olhos violetas, seu corpo a segurando. Nunca deveria ter sido qualquer outra pessoa. E se tivesse enganada em relação a Daniel? E se pudesse ser mais feliz – ou feliz, e ponto – com outro cara? Miles se afastou, olhando feliz e triste ao mesmo tempo. - Então, boa noite. – Virou-se, quase como se estivesse voltando para seu quarto. Mas então se virou para trás e pegou a mão dela – Se você sentir que as coisas não estão dando certo, você sabe, com... – Ele olhou para o céu. – Eu estou aqui. Só queria que você soubesse. Luce balançou a cabeça, já lutando contra uma onda de confusão. Miles apertou sua mão e então saiu na outra direção, saltando sobre o teto inclinado de telhas, de volta para seu lado do dormitório. Sozinha, ela tocou nos lábios onde os de Miles tinham acabado de estar. A próxima vez que visse Daniel, seria capaz de contar? Sua cabeça doía de todos os altos e baixos do dia e ela queria ir para a cama. Quando ela deslizou para trás da janela entrando em seu quarto, se virou uma última vez para apreciar a vista, para se lembrar de como tudo estava na noite em que tantas coisas haviam mudado. Mas, ao invés de das estrelas, árvores e ondas quebrando, os olhos de Luce se fixaram em alguma coisa por trás de uma das muitas chaminés do telhado. Alguma coisa branca e esvoaçante. Um par de asas iridescentes. Daniel. Agachado, apenas metade escondida da vista, a poucos metros de onde ela e Miles haviam se beijado. Estava de costas para ela. Sua cabeça estava pendurada. - Daniel. – Ela gritou, sentindo sua voz capturar o nome dele. Quando ele se virou para ela, o olhar desenhado de seu rosto era de absoluta agonia. Como se Luce tivesse acabado de rasgar seu coração. Ele dobrou os joelhos, desfraldou suas asas e decolou na noite. Um minuto depois, parecia apenas mais uma estrela no céu preto brilhante. Capítulo 16 – Três Dias No café da manhã seguinte, Luce mal conseguia comer nada. Era o último dia de aula antes de Shoreline dispensar os estudantes para o feriado de Ação de Graças e Luce já estava se sentindo solitária. Solidão numa multidão de pessoas era o pior tipo de solidão, mas não podia fazer nada. Todos os alunos ao seu redor estavam conversando alegremente sobre ir para casa de suas famílias. Sobre a garota ou rapaz que não tinham visto desde as férias de verão. Sobre as festas que seus melhores amigos estavam fazendo no final de semana. A única festa que Luce estava indo neste fim de semana era a festa de piedade em seu quarto vazio. É claro que alguns outros alunos da escola principal ficaram hospedados durante o feriado: Connor Madson, que tinha vindo para Shoreline de um orfanato em Minnesota. Brenna Lee, cujos pais viviam na China. Francesca e Steven estavam hospedados também – surpresa, surpresa – e estavam fazendo um jantar de Ação de Graças para os desalojados no refeitório na noite de quinta-feira. Luce tinha esperança de uma única coisa: Que a ameaça de Arriane de manter os olhos nela incluísse o feriado de Ação de Graças. Por outro lado, mal a viu desde que Arriane tinha trazido os três de volta para Shoreline. Somente naquele breve momento na Festa da Colheita. Todo mundo estava saindo para os próximos dias. Miles para o evento abastecido de sua família de mais de cem pessoas. Dawn e Jasmine para a reunião de suas famílias na mansão de Jasmine Sausalito. Até mesmo Shelby, embora não tivesse dito uma palavra a Luce sobre voltar para Bakersfield, tinha estado no telefone com sua mãe um dia antes, gemendo “sim, eu estarei lá”. Era o pior momento possível para Luce ser deixada sozinha. A agitação de sua confusão interna se tornava mais densa todos os dias, até que não sabia como se sentir em relação a Daniel ou a qualquer outra pessoa. E não podia parar de ficar se amaldiçoando por quão estúpida tinha sido na noite anterior, deixando Miles ir tão longe. Durante a noite, continuou chegando à mesma conclusão: Mesmo que estivesse chateada com Daniel, o que tinha acontecido com Miles não era culpa de ninguém, apenas dela. Era ela que tinha traído. Isso a fez fisicamente doente por pensar em Daniel sentado lá fora, olhando, sem dizer nada enquanto ela e Miles se beijavam; imaginar como ele devia ter se sentido quando levantou voo no telhado. O jeito que ela se sentira quando ouviu sobre o que tinha acontecido entre Daniel e Shelby – só que pior porque foi uma traição de verdade. Só mais uma coisa a acrescentar à lista de provas de que ela e Daniel não conseguiam se comunicar. Um riso suave a trouxe de volta ao seu café da manhã não comigo. Francesca estava deslizando ao redor das mesas com uma longa capa de bolinhas em preto-e-branco. Toda vez que Luce a olhava, ela tinha aquele sorriso afetuoso preso no rosto e estava absorta na conversa com um aluno ou outro, mas Luce ainda sentia sob forte escrutínio. Como se Francesca pudesse entrar na mente de Luce e saber exatamente o que tinha feito Luce perder seu apetite. Como as selvagens peônias brancas que haviam desaparecido sem deixar vestígios da beirada do caminho durante a noite, assim também a crença de Francesca de que Luce estava saindo da linha pudesse desaparecer. - Por que tão taciturna, companheira? – Shelby engoliu um grande pedaço de bagel. – Acredite, você não perdeu muita coisa na noite passada. Luce não respondeu. A fogueira na praia era a coisa mais distante de sua mente. Acabou de perceber que Miles tinha ido tomar café da manhã muito mais tarde do que costumava. Seu boné dos Dodgers estava baixo cobrindo os olhos e seus ombros pareciam um pouco curvados. Involuntariamente, os dedos de Luce foram para os lábios. Shelby estava acenando extravagantemente com ambos os braços sobre a cabeça. - Ele está cego? Terra para Miles! Quando ela finalmente chamou sua atenção, Miles deu a mesa delas um aceno desajeitado, praticamente tropeçando sobre o buffet. Acenou novamente e depois desapareceu atrás do refeitório. - Sou eu ou Miles tem agido bem desajeitado recentemente? – Shelby revirou os olhos e imitou o tropeço pateta de Miles. Mas Luce estava morrendo de vontade de esbarrar com ele e – E o quê? Dizer a ele para não sentir vergonha? Que o beijo tinha sido culpa dela também? Que ter uma quedinha por um “trem desgovernado” como ela só iria acabar mal? Que ela gostava dele, mas tantas coisas em relação a isso – eles – eram impossíveis? Que mesmo que ela e Daniel estivessem brigando agora, nada poderia realmente ameaçar o amor deles? - Enfim, como eu estava dizendo... – Shelby continuou, enchendo a caneca de café de Luce com a garrafa de bronze na mesa. – Fogueira, hedonismo, blah, blah, blah. Essas coisas conseguem ser tão tediosas. – Um lado da boca de Shelby se encolheu em um meio sorriso. – Principalmente, você sabe, quando você não está por perto. O coração de Luce se abriu um pouco. De vez em quando, Shelby soltava o mais ínfimo raio de luz, mas, em seguida, sua companheira de quarto rapidamente encolhia os ombros como se dissesse: Não deixe que isso suba à sua cabeça. - Ninguém mais aprecia minha representação de Lilith. Isso é tudo. – Shelby endireitou a coluna, botou o peito para frente e fez o lado direito de seu lábio superior tremer em desaprovação. A representação de Lilith que Shelby fazia nunca tinha deixado de fazer Luce cair na gargalhada, mas hoje tudo o que conseguia era um sorriso de boca fechada. - Hmmm. – Shelby disse. – Não que você tenha ligado para o que perdeu da festa. Notei Daniel voando à distância sobre a praia na noite passada. Vocês dois devem ter tido muita coisa para pôr em dia. Shelby viu Daniel? Por que não havia mencionado mais cedo? Outra pessoa poderia tê-lo visto? - Nós nem sequer nos falamos. - É difícil de acreditar. Ele normalmente é tão cheio de ordens para lhe dar. - Shelby, Miles me beijou. – Luce interrompeu. Seus olhos estavam fechados por alguma razão que tornou mais fácil de confessar. – Na noite passada. E Daniel viu tudo. Ele saiu voando antes que eu pudesse... - Sim, isso o faria sair voando. – Shelby soltou um assobio. – Isso é meio que demais. – O rosto de Luce queimou de vergonha. Sua mente não conseguia tirar a imagem de Daniel levantando voo. Parecia tão inalterável. – Então está, você sabe, tudo acabado entre você e Daniel? - Não. Nunca. – Luce não podia nem ouvir essa frase sem tremer. – Eu simplesmente não sei. Ela não tinha dito a Shelby o resto do que tinha visto no Anunciador, que Daniel e Cam estavam trabalhando em conjunto. Eram amigos secretos até onde ela podia dizer. Shelby não saberia quem era Cam, de qualquer maneira, e a história era muito complicada para explicar. Além disso, Luce não seria capaz de suportá-la se Shelby, com seus pontos de vista oh-tão-deliberadamentecontroversos sobre anjos e demônios, começasse a ficar falando que uma parceria entre Daniel e Cam não era lá grande coisa. - Você sabe que Daniel vai ficar completamente arrasado por agora, mas não é a grande parada de Daniel, a devoção eterna que vocês dois dividem? – Luce se endureceu em sua cadeira de ferro branco. – Eu não estava sendo sarcástica, Luce. Então, talvez, eu não sei, Daniel tem se envolvido com outras pessoas. É tudo muito nebuloso. A mensagem para te levar para casa como eu disse antes, é porque nunca havia nenhuma dúvida na mente dele de que você era a única que importava. - Isso é para me fazer sentir melhor? - Não tenho a pretensão de te fazer sentir melhor, estou apenas tentando ilustrar uma ideia. Por toda a indiferença irritante de Daniel, e há muito disso, o cara está claramente dedicado. A real questão aqui é: Você está dedicada? Com relação ao que Daniel sabe, você poderia deixá-lo tão logo alguém aparecesse. Miles apareceu. E ele é obviamente um cara fantástico. Um pouco bobo para meu gosto, mas... - Eu nunca iria deixar Daniel. – Disse Luce em voz alta, querendo desesperadamente acreditar. Pensou sobre o horror em seu rosto na noite em que eles brigaram na praia. Ela ficou chocada quando ele tinha sido tão rápido a perguntar: Nós estamos terminando? Como se suspeitasse que houvesse uma possibilidade. Como se ela não tivesse engolido toda a história louca dele sobre o amor infinitos deles quando ele disse para ela debaixo das árvores de pêssego em Sword & Cross. Ela teve de engoli-la, em um único gole de crença, ingerindo todas suas fendas, as peças demasiadas irregulares que não faziam sentido, mas lhe pediu para crer nelas naquela época. Agora, a cada dia, outras delas a consumiam por dentro. Podia sentir uma enorme subindo pela garganta: - Na maioria das vezes, nem sei por que ele gosta de mim. - Vamos lá. – Shelby gemeu. – Não seja uma dessas meninas. Ele é muito bom para mim, wah, wah, wah. Você tem que chutar para a mesa de Dawn e Jasmine. Elas são peritas nisso, não eu. - Eu não queria dizer desse jeito. – Luce se inclinou e abaixou a voz. – Eu quero dizer, anos atrás, quando Daniel estava, você sabe, lá em cima, ele me escolheu. Eu, entre todas as outras na Terra. - Bem, provavelmente havia muito menos opções naquela época. Ai! – Luce havia a golpeado. – Só estou tentando aliviar o clima! - Ele me escolheu, Shelby, ao invés de escolher alguma função importante no Céu, ao invés de uma posição elevada. Isso é muito importante, você não acha? – Shelby assentiu. – Tinha que ter mais do que só o fato dele pensar que eu era bonita. - Mas... Você não sabe o que era? - Eu perguntei, mas ele nunca me contou o que aconteceu. Quando eu puxei o assunto, era quase como se Daniel não conseguisse se lembrar. E isso é loucura, porque isso significa que nós dois estamos apenas sendo levados pelo impulso. Com base em milhares de anos de um conto de fadas nenhum de nós pode nem mesmo voltar atrás. Shelby esfregou o queixo. - O que mais Daniel anda escondendo de você? - Isso é o que eu pretendo descobrir. No terraço, o tempo tinha passado rapidamente, a maioria dos alunos estava indo para a aula. Os garçons bolsistas estavam se apressando em limpar os pratos. Numa mesa próxima ao oceano, Steven estava bebendo café sozinho. Seus óculos estavam dobrados e descansando sobre a mesa. Seus olhos encontraram com os de Luce e ele segurou o olhar dela por um longo tempo, tanto tempo que, mesmo após ela se levantar para ir para a aula, a expressão intensa e vigilante se prendeu nela. Após o mais longo e entorpecente vídeo sobre a divisão celular que ela já tinha visto, Luce saiu da sala de biologia, descendo as escadas do prédio principal e no lado de fora, se surpreendeu ao ver o estacionamento completamente lotado. Os pais, irmãos mais velho e mais do que uns poucos motoristas formavam uma longa fila de veículos dos tipos que Luce não tinha visto desde a pista expressa no ensino médio dela na Geórgia. Em torno dela, os alunos saíram correndo da aula e foram em ziguezague para os carros, com as malas de rodinhas no encalço. Dawn e Jasmine se abraçaram antes de Jasmine entrar num carro da cidade e os irmãos de Dawn abrirem espaço no banco de trás de um carro esportivo. Ela definitivamente não poderia lidar com despedidas agora. Caminhando sob o céu cinzento, Luce ainda estava super culpada, mas sua conversa com Shelby havia deixado seu sentimento um pouco mais no controle. Tudo estava ferrado, sabia disso, mas ter beijado alguém a fez sentir como se finalmente tivesse uma ocasião para falar em seu relacionamento com Daniel. Talvez recebesse uma ligação dele, para variar. Ela poderia pedir desculpas. Ele poderia pedir desculpas. Eles poderiam fazer limonada ou tanto faz. Passar por essa porcaria e realmente começar a falar. Então, naquele momento, seu telefone tocou. Uma mensagem do Sr. Cole: Tomei conta de tudo. Então o Sr. Cole tinha passado adiante a notícia de que Luce não estava voltando para casa, mas ele convenientemente deixou fora de sua mensagem se seus pais ainda estavam querendo falar com ela ou não. Não tinha ouvido falar deles há dias. Era uma situação sem saída: Se eles escreveram para ela, ela se sentia culpada por não escrever para eles de volta. Se eles não escreverem para ela, se sentia responsável por ser a razão pela qual eles não tentaram se comunicar. Ainda não tinha descoberto o que fazer com Callie. Bateu com os pés nas escadas do dormitório vazio. Cada passo ecoava oco no edifício cavernoso. Ninguém estava por perto. Quando ela chegou ao seu quarto, esperava não encontrar Shelby, ou pelo menos, não vê-la de mala cheia esperando na porta. Shelby não estava lá, mas suas roupas ainda estavam espalhadas por todo o lado do quarto. Seu colete vermelho emplumado ainda estava no prendedor de roupa e seu equipamento de ioga ainda estava empilhado no canto. Talvez ela não fosse embora até amanhã de manhã. Antes que Luce tivesse fechado totalmente a porta atrás dela, alguém bateu no outro lado. Ela enfiou a cabeça para o corredor. Miles. As palmas de suas mãos ficaram úmidas e podia sentir a pulsação se acelerar. Perguntou-se como seu cabelo estava, se lembrava de ter feito sua cama esta manhã e quanto tempo ele tinha andando atrás dela. Se ele a vira se esquivando da caravana de despedidas de Ação de Graças ou se viu o olhar aflito em seu rosto quando ela tinha verificado suas mensagens de texto. - Oi. – Ela disse suavemente. - Oi. Miles estava com um grosso suéter marrom sobre uma camisa de colarinho branco. Estava usando aquelas calças de brim com um buraco no joelho, aquelas que sempre faziam Dawn pular para segui-lo de modo que ela e Jasmine pudessem perder o sentido atrás dele. A boca de Miles se contorceu em um sorriso nervoso. - Quer fazer alguma coisa? Seus polegares estavam colocados sob as alças da mochila azul-marinho e sua voz ecoou pelas paredes de madeira. Passou pela mente de Luce que ela e Miles podiam ser as duas únicas pessoas em todo o edifício. A ideia era ao mesmo tempo emocionante e desgastante. - Estou de castigo por toda a eternidade, lembra? - É por isso que eu trouxe a diversão até você. No começo Luce pensou que Miles estava se referindo a si mesmo, mas depois ele deslizou sua mochila para fora do ombro e abriu o zíper do compartimento principal. Dentro havia uma coleção de jogos de tabuleiro: Boogle (uma espécie de caça-palavras). Connect four. Parcheesi. O jogo do High School Musical. Até mesmo Scrabble para viagem. Era tão gentil e nem um pouco inadequado que Luce pensou que poderia chorar. - Eu pensei que estava indo para casa hoje. – Disse ela. – Todo mundo está indo embora. Miles deu de ombros. - Meus pais disseram que seria legal se eu ficasse. Estarei em casa novamente em umas duas semanas, e, além disso, temos opiniões diferentes sobre as férias perfeitas. A deles é algo digno para um destaque na sessão do New York Times Styles. Luce riu. - E o seu? Miles cavou um pouco mais em sua mochila, retirando dois pacotes de cidra de maçã, uma caixa de pipoca de micro-ondas e um DVD do Woody Allen com o filme Hannah e Suas Irmãs. - Muito modesto, mas você está procurando por isso. – Ele sorriu. – Pedi para você passar o dia de Ação de Graças comigo, Luce. Só porque estamos mudando de local não significa que temos que mudar nossos planos. Ela sentiu um sorriso se abrir em seu rosto e segurou a porta para Miles entrar. Os ombros deles tocaram no dela quando ele passou e se olharam por um momento. Sentiu Miles quase girar, como se estivesse voltando para beijá-la. Ficou tensa, à espera, mas ele apenas sorriu, largou a mochila no meio do chão e começou a descarregar a Ação de Graças. - Está com fome? – Perguntou ele, acenando com um pacote de pipoca. Luce estremeceu. - Eu sou muito ruim em fazer pipoca. Estava pensando no tempo que ela e Callie quase incendiaram o dormitório delas em Dover. Ela não pode fazer nada. Isso a fez sentir saudades de sua melhor amiga mais uma vez. Miles abriu a porta do micro-ondas. Ergue um dedo. - Eu posso apertar qualquer botão com esse dedo e o micro-ondas faz tudo. Você tem sorte e eu ser tão bom nisso. Era estranho que mais cedo ela tinha se sentido tão deprimida por ter o beijado. Agora, percebia que ele era a única coisa a fazendo se sentir melhor. Se ele não tivesse vindo, estaria caindo em outro abismo de culpa. Mesmo que não conseguisse se imaginar o beijando novamente, não porque ela não queria, necessariamente, mas porque ela sabia que não estava certo, que não poderia fazer isso com Daniel... Que ela não queria fazer isso com Daniel, a presença de Miles era extremamente reconfortante. Jogaram Boogle até que Luce finalmente entendera as regras, Scrabble até que perceberam que o conjunto estava faltando metade das letras e Parcheesi até o sol se pôr no lado de fora da janela e estar muito escuro para ver o tabuleiro sem acender uma luz. Então Miles se levantou, acendeu o fogo e deslizou Hannah e Suas Irmãs no leitor de DVD no computador de Luce. O único lugar para sentar e assistir o filme era sobre a cama. De repente, Luce se sentiu nervosa. Antes, apenas eram dois amigos que jogaram jogos de tabuleiro em um dia útil de tarde. Agora, as estrelas estavam lá fora, o dormitório estava vazio, o fogo crepitava, e, o que isso os tornava? Sentaram-se lado a lado na cama de Luce e ela não conseguia parar de pensar onde suas mãos estavam, se elas pareceriam anormais se ficassem presas no colo, se elas tocariam nas pontas dos dedos de Miles se ela as descansasse nos lados dela. No canto dos olhos, podia ver o peito dele se movendo enquanto ele respirava. Podia o ouvir coçar a parte de trás do pescoço. Havia tirado o boné de beisebol e ela podia sentir o cheiro cítrico do xampu em seu cabelo marrom fino. Hannah e Suas Irmãs era um dos poucos filmes de Woody Allen que ela nunca tinha visto, mas não conseguia prestar atenção. Cruzou e descruzou as pernas três vezes antes da abertura dos títulos. A porta se abriu. Shelby entrou no quarto, deu uma olhada no monitor do computador de Luce e desabafou: - Melhor filme de Ação de Graças de todos os tempos! Posso ver com... – Então ela olhou para Luce e Miles sentados no escuro sobre a cama. – Oh. Luce deu um pulo para fora da cama. - Claro que pode! Eu não sabia quando você estava indo embora para casa. - Nunca. – Shelby se lançou no beliche superior, enviando um pequeno terremoto até Luce e Miles na cama de baixo. – Minha mãe e eu brigamos. Não pergunte, foi muito entediante. Além disso, prefiro muito mais sair com vocês, afinal... - Mas Shelby... – Luce não podia imaginar uma briga tão séria que a impedia de ir para casa no dia de Ação de Graças. - Vamos apenas nos divertir com a genialidade de Woody em silêncio. – Shelby ordenou. Miles e Luce atiraram um olhar de conspiração. - É isso aí. – Miles gritou para Shelby, dando a Luce um sorriso. Sinceramente, Luce ficou aliviada. Quando se acomodou na cama, seus dedos roçaram nos de Miles e ele lhes deu um aperto. Foi só por um momento, mas longo o suficiente para que Luce soubesse que, no que dizia a respeito ao fim de semana de Ação de Graças, as coisas iriam ficar bem. Capítulo 17 – Dois Dias Luce acordou com o ruído de um cabide arrastando na beirada de seu armário. Antes que pudesse ver quem era o responsável pelo barulho, um monte de roupas a bombardearam. Sentou-se na cama, abrindo caminho pela pilha de calças, camisas e camisolas. Arrancou um par de meias argyle da testa. - Arriane? - Você gosta do vermelho? Ou do preto? – Arriane estava segurando dois vestidos de Luce contra seu corpo minúsculo, balançando enquanto exibia cada um. Os braços de Arriane estavam despidos da pulseira de monitoramento terrível que tinha que usar em Sword & Cross. Luce não tinha percebido até agora e estremeceu ao se lembrar do choque cruel que era enviado a Arriane quando pisava fora da linha. Todos os dias na Califórnia, as lembranças de Sword & Cross ficavam cada vez mais nebulosas, até que um momento como este a jogava de volta para sua turbulenta estadia lá. - Elizabeth Taylor diz que só algumas mulheres podem vestir vermelho. – Arriane continuou. – É tudo uma questão de caimento e coloração. Felizmente você tem ambas. – Ela tirou o vestido vermelho do cabide e o jogou na pilha. - O que você está fazendo aqui? – Luce perguntou. Arriane colocou suas pequenas mãos nos quadris. - Ajudando você a fazer as malas, sua boba. Você está indo para casa. - O q-quê... Para casa? O que você quer dizer? – Luce gaguejou. Arriane riu, dando um passo à frente para tomar uma das mãos de Luce e a puxar para fora da cama. - Para Geórgia, meu amor. – Ela deu um tapinha na bochecha de Luce. – Com os bons e velhos Harry e Doreen. E, aparentemente, alguma amiga sua está entrando nessa. Callie. Ela realmente iria ver Callie? E seus pais? Luce cambaleou onde estava parada, de repente sem palavras. - Você não quer passar o dia de Ação de Graças com sua família? Luce não estava esperando a cilada. - Mas e... - Não se preocupe. – Arriane torceu o nariz para Luce. – Foi ideia do Sr. Cole. Temos que manter a farsa que você ainda está por perto de seus pais. Estava parecia ser a maneira mais simples e divertida de mantê-la. - Mas quando ele me mandou uma mensagem ontem, tudo o que ele disse foi... - Ele não queria te dar esperanças até que tivesse tomado conta dos pequenos detalhes, incluindo – Arriane fez uma referência. – a escolta perfeita. Uma delas, de qualquer maneira. Roland deve estar aqui a qualquer momento. Uma batida na porta. - Ele é tão bom. – Arriane apontou para o vestido vermelho, ainda nas mãos de Luce. – Vista logo essa gracinha. Luce rapidamente se deslizou para dentro do vestido, então se esgueirou para dentro do banheiro para escovar os dentes e pentear os cabelos. Arriane chegou até ela com uma mudança súbita! Quão grande é a mudança? Não deve se incomodar com perguntas. Você simplesmente as pula. Saiu do banheiro, esperando ver Roland e Arriane fazendo algo no estiloRoland-e-Arriane, como um deles de pé em cima de sua mala enquanto outro tentava fechá-la em cima. Mas não era Roland que tinha batido na porta. Era Steven e Francesca. Merda. Palavras que posso dizer se formaram na ponta da língua de Luce. Ela não tinha ideia de como se safar desta situação. Olhou para Arriane pedindo ajuda. Arriane ainda estava jogando os tênis de Luce dentro da mala. Será que ela não sabia o enorme tipo de problema que estavam prestes a se meter? Quando Francesca se aproximou, Luce se preparou, mas então as mangas largas da blusa carmesim de Francesca envolveram Luce em um abraço inesperado. - Nós viemos para lhe desejar o melhor. - Claro que vamos sentir sua falta amanhã no que brincamos de chamar de Jantar dos Desalojados. – Disse Steven, tomando a mão de Francesca e a afastando de Luce. – Mas é sempre melhor para o aluno estar com a família. - Eu não entendo. – Disse Luce. – Vocês sabiam disso? Pensei que estava de castigo até um segundo aviso. - Nós conversamos com o Sr. Cole esta manhã. – Disse Francesca. - E você não estava de castigo como punição, Luce. – Explicou Steven. – Era a única maneira que podíamos garantir que você estaria a salvo sob nossas ordens, mas você está em boas mãos com Arriane. Nenhum deles querendo se demorar mais, Francesca já estava levando Steven em direção à porta. - Nós ouvimos que seus pais estão ansiosos para te ver. Algo sobre sua mãe encher o freezer com tortas. – Piscou para Luce, e tanto ela quanto Steven acenaram e depois foram embora. O coração de Luce se inchou com a perspectiva de voltar para casa e para sua família. Mas não se antes falar com Miles e Shelby. Ficariam chateados se ela fosse para casa em Thunderbolt e os abandonasse aqui. Ela nem sabia onde estava Shelby. Não podia sair sem... Roland enfiou a cabeça atrás da porta aberta de Luce. Ele parecia um profissional em seu terno risca de giz e sua viçosa camisa com colarinho branco. Seus dreads negros e dourados estavam mais curtos, mais pontudos, fazendo a escuridão de seus olhos fundos ainda mais impressionante. - A costa está limpa? – Perguntou ele atirando a Luce seu sorriso diabólico familiar. – Nós temos um parasita. Acenou com a cabeça para alguém por trás dele que apareceu um momento mais tarde, com uma sacola nas mãos. Miles. Ele jogou para Luce um maravilhoso sorriso despreocupado e se sentou na beira de sua cama. Uma imagem dela o apresentando aos seus pais passou por sua mente. Ele tiraria o boné de beisebol, apertaria as mãos dos dois, elogiaria o bordado semiacabado de sua mãe... - Roland, que parte da missão ultrassecreta você não entendeu? – Arriane perguntou. - É minha culpa. – Admitiu Miles. – Eu vi Roland vindo para cá... E eu arranquei isso dele. É por isso que ele está atrasado. - Assim que esse cara ouviu as palavras Luce e Geórgia, – Roland sacudiu seu polegar na direção de Miles. – levou cerca de um nano-segundo para fazer as malas. - Nós meio que temos um acordo de Ação de Graças. – Disse Miles, olhando apenas para Luce. – Eu não podia deixá-la quebrar isso. - Não. – Luce deu de volta um sorriso. – Ele não podia. - Mmm-hmm. – Arriane levantou uma sobrancelha. – Eu só me pergunto o que Francesca diria sobre isso. Se alguém deve comunicar seus pais primeiro, Miles. - Ah, fala sério, Arriane. – Roland acenou com desdém. – Desde quando você reporta algo para a autoridade? Vou tomar conta do garoto. Ele não vai se meter em problemas. - Se meter em problemas onde? – Shelby invadiu o quarto, seu tapete de ioga balançando de uma corda nas costas. – Onde estamos indo? - Para a casa de Luce na Geórgia para o dia de Ação de Graças. – Disse Miles. No corredor, uma cabeça loira oxigenada pairava atrás de Shelby. Seu exnamorado. Sua pele estava branca-fantasma e Shelby estava certa: Havia algo estranho em seus olhos. Eram muito pálidos. - Pela última vez, eu disse adeus, Phil. – Shelby rapidamente fechou a porta em sua cara. - Quem era? – Roland perguntou. - O idiota do meu ex-namorado. - Parece ser um cara interessante. – Disse Roland, olhando para a porta, distraído. - Interessante? – Shelby bufou. – Um mandado de segurança seria interessante. Ela deu uma olhada para a mala de Luce e, em seguida, para a bolsa de Miles e, em seguida, começou a atirar a esmo seus pertences numa mala preta grossa. Arriane ergueu as mãos. - Você não consegue fazer nada sem seus séquitos? – Perguntou a Luce. Em seguida, se voltou para Roland. – Eu suponho que você queira assumir a responsabilidade por essa também? - Esse é o espírito do feriado! – Roland riu. – Nós estamos indo para a casa dos Price para o dia de Ação de Graças. – Disse ele a Shelby, cujo rosto se iluminou. – Quanto mais, melhor. Luce não podia acreditar como tudo estava funcionando perfeitamente. O dia de Ação de Graças com sua família, Callie, Miles, Arriane, Roland e Shelby. Não podia pedir nada melhor. Só uma coisa a incomodava. E isso incomodava para valer. - E Daniel? Ela queria dizer: Será que ele já sabia dessa viagem? E qual é a verdadeira história entre ele e Cam? Será que ele ainda está zangado comigo por causa do beijo? E será que está errado Miles vir também? E também quais são as chances de Daniel aparecer amanhã na casa de meus pais, embora ele dissesse que não podia me ver? Arriane limpou a garganta. - Sim, o que dizer de Daniel? – Ela repetiu em voz baixa. – O tempo dirá. - Então, nós temos bilhetes de avião ou algo assim? – Shelby perguntou. – Porque se formos voando, preciso colocar na mala meu serenity kit, óleos essenciais e a bolsa térmica. Você não quer me ver a dez quilômetros de altura sem eles. Roland estalou os dedos. Perto dos pés deles, uma sombra vinda da porta aberta se desgarrou das tábuas de madeira, levantando um alçapão com um caminho que podia levar até um porão. Uma rajada de frio se arrastou no chão, seguida por uma explosão gélida de trevas. Cheirava a feno molhado enquanto encolhia em uma esfera pequena e compacta. Mas então, num aceno de Roland, se inchou em um portal negro e alto. Parecia o tipo de porta que conduziria a uma cozinha de restaurante, aquele do tipo vai-e-vem com uma janela de vidro redondo no topo. Só que, esta era feita da névoa de um Anunciador negro e tudo o que era visível através da janela era uma negritude ainda mais escura. - Isso parece exatamente com o que eu li no livro. – Miles disse claramente impressionado. – Tudo com que pude lidar foi uma espécie estranha de janela trapezoidal. – Sorriu para Luce. – Mas nós ainda fizemos funcionar. - Fecha comigo, garoto. – Disse Roland. – E você verá como é viajar em grande estilo. Arriane revirou os olhos. - Ele é tão exibido. Luce ergueu a cabeça para Arriane. - Mas eu pensei que você tinha dito que... - Eu sei. – Arriane levantou a mão. – Eu sei que repeti todo aquele sermão sobre o quão perigoso é viajar em um Anunciador. E não quero ser daqueles terríveis anjos faz-o-que-digo-e-não-o-que-faço. Mas nós todos concordamos, Francesca, Steven, Sr. Cole, todos... Todos? Luce não conseguia agrupá-los juntos sem ver um pedaço gritante faltando. Onde está Daniel nisso tudo? - Além disso, – Arriane sorriu orgulhosamente. – estamos na presença de um mestre. Ro é um dos melhores viajantes de Anunciador. – E então, sussurrou de lado para Roland. – Não deixe que suba à cabeça. Roland abriu a porta do Anunciador. As dobradiças da sombra gemeram, rangeram e se abriram mostrando um úmido poço vazio. - Hum... O que é mesmo, mais uma vez, que torna as viagens pelo Anunciador tão perigosas? – Miles perguntou. Arriane mostrou ao redor do quarto uma sombra sob a lâmpada da mesa, atrás da esteira de ioga de Shelby. Todas as sombras estavam tremendo. - Um leigo pode não saber qual Anunciador transpassar. E acreditem em mim, há sempre espreitadores não convidados à espera que alguém acidentalmente os abra. Luce se lembrou da sombra marrom doentia que tinha tropeçado. O espreitador não convidado tinha dado a ela um vislumbre do pesadelo de Cam e Daniel na praia. - Se você pegar o Anunciador errado, é muito fácil se perder. – Explicou Roland. – Por não ter qualquer ideia de onde ou quando você vai transpassar. Mas enquanto vocês ficarem com a gente, não têm nada com que se preocupar. Nervosa, Luce apontou para a saliência no Anunciador. Ela não se lembrava das outras sombras que tinham transpassado parecerem tão sombrias e escurar. Ou talvez só não soubesse as consequências até agora. - Nós não vamos simplesmente aparecer no meio da cozinha de meus pais, vamos? Porque eu acho que minha mãe poderia desmaiar por causa do choque. - Por favor. – Arriane estalou a língua, guiando Luce, em seguida Miles e, em seguida Shelby a ficarem de frente ao Anunciador. – Tenha um pouco de fé. Era como atravessar uma névoa escura e molhada, úmida e desagradável. Ela escorregava, se enrolava na pele de Luce e prendia em seus pulmões quando respirava. Um eco de um ruído puro e incessante encheu o túnel como uma cachoeira. Nas duas outras vezes que Luce tinha viajado no Anunciador, se sentiu pesada e apressada, se arremessando na escuridão para sair em algum lugar com luz. Desta vez foi diferente. Perdeu a noção de quando e onde ela estava até mesmo de quem ela era e onde estava indo. Em seguida, uma mão forte a puxou para fora. Quando Roland a soltou, uma cachoeira estava gotejando e o cheiro de cloro enchia o nariz. Uma prancha familiar, debaixo de um alto teto curvado revestido com vitrais quebrados. O sol já tinha passado por cima das janelas altas, mas a luz ainda lançada fraca pelos prismas coloridos sobre a superfície de uma piscina olímpica. Ao longo das paredes, velas tremeluziam nas reentrâncias de pedra, lançando uma luz fraca e inútil. Era reconheceria esta igreja-ginásio em qualquer lugar. - Oh, meu Deus. – Sussurrou Luce. – Estamos de volta a Sword & Cross. Arriane esquadrinhou o lugar rapidamente e sem afeto. - No que diz respeito a seus pais quando nos pegar amanhã de manhã, você esteve aqui o tempo todo. Entendeu? Arriane agia como se voltar para Sword & Cross por uma noite não era diferente do que se registrar em um motel sem graça. Voltar a esta parte de sua vida, entretanto, era para Luce como receber um tapa na cara. Ela não tinha gostado daqui. Sword & Cross era um lugar miserável, mas era um lugar onde coisas tinham acontecido com ela. Tinha se apaixonado aqui, tinha visto uma amiga morrer. Mais do que em qualquer outro lugar, este era um lugar onde ela havia mudado. Fechou os olhos e riu amargamente. Ela não sabia de nada naquela época comparado com o que sabia agora. E ainda assim se sentia mais segura de si mesma e de suas emoções do que jamais imaginaria sentir novamente. - Que diabos é esse lugar? – Shelby perguntou. - Minha última escola. – Disse Luce, olhando para Miles. Ele parecia desconfortável, se aconchegando ao lado de Shelby contra a parede. Luce se lembrou: Eram boas pessoas – e mesmo que ela nunca tivesse falado muito sobre seu tempo aqui, a fábrica de boatos dos Nephilim poderia facilmente ter preenchido suas mentes com bastante detalhes vívidos para descrever uma noite assustadora em Sword & Cross. - Aham. – Arriane disse, olhando para Shelby e Miles. – E quando os pais de Luce perguntarem, vocês estudam aqui também. - Explique para mim como isso é uma escola. – Disse Shelby. – Tipo, vocês nadam e rezam ao mesmo tempo? Isso é um nível de eficiência em bizarrice que você nunca vê na Costa Oeste. Acho que eu só estou com saudades de casa. - Você acha que isso é ruim, - Disse Luce. – você deve ver o resto do campus. Shelby apertou deu rosto e Luce não podia culpá-la. Comparado a Shoreline, este lugar era uma espécie de purgatório horrível. Pelo menos, ao contrário do resto das crianças aqui, eles só ficam até esta noite. - Vocês estão exaustos. – Disse Arriane. – O que é bom, porque eu prometi a Cole que vocês dormiriam. Roland tinha se encostado na prancha de saltos, esfregando os têmporas, os cacos do Anunciador tremendo em seus pés. Agora ele se levantou e começou a tomar o controle. - Miles, você vai para a cama no meu antigo quarto comigo. E Luce, seu quarto ainda está vazio. Nós vamos chegar com uma cama para Shelby. Vamos todos deixar nossas malas e se encontrar de volta em meu quarto. Vou usar a velha rede do mercado negro para pedir uma pizza. A menção de pizza era o suficiente para Arrancar Miles e Shelby do coma, mas Luce estava levando mais tempo para se adaptar. Não era tão estranho para ela que se quarto ainda estivesse vazio. Contando nos dedos, percebeu que tinha saído deste lugar a menos de três semanas atrás. Parecia muito mais tempo, como se todos os dias tivessem sido um mês e era impossível Luce imaginar Sword & Cross sem qualquer daquelas pessoas – ou anjos, ou demônios – que tinham construído sua vida aqui. - Não se preocupe. – Arriane estava ao lado de Luce. – Este lugar é como uma porta giratória marginalizada. As pessoas vêm e vão o tempo todo por causa de algum problema com liberdade condicional, pais loucos, sei lá. Randy saiu hoje à noite. Ninguém mais dá a mínima. Se alguém lhe der um olhar estranho, mande o olhar de volta também. Ou os mande para mim. – Ela fez um punho com a mão. – Vocês estão prontos para sair daqui? – Apontou para os outros já seguindo Roland para fora da porta. - Eu acompanho vocês. – Disse Luce. – Há algo que preciso fazer primeiro. No extremo leste do cemitério, próximo ao canteiro do pai, o túmulo de Penn era modesto, mas limpo. A última vez que Luce tinha visto este cemitério, ele tinha sido revestido de um espesso feltro de poeira. O resultado de casa batalha de anjo, Daniel a havia dito. Luce não sabia se o vento tinha levado a poeira para longe por agora ou se a poeira de anjo desaparecera ao longo do tempo, mas o cemitério parecia estar de volta a sua natureza antiga e negligenciada. Ainda cercado por uma floresta de carvalhos, sempre em avanço. Ainda sem graça e escasso, sob o céu sem cor. Só que estava faltando alguma coisa, algo vital que Luce não conseguia colocar o dedo, mas que a ainda a fazia se sentir solitária. Uma camada esparsa de grama verde maçante havia crescido ao redor do túmulo de Penn, por isso não perecia tão novo assim em comparação aos túmulos centenários que o rodeiam. Um buquê de lírios frescos estava em frente da lápide simples e cinza que Luce abaixara para ler: Pennyweather Van Syckle-Lockwood Uma querida amiga 1991 – 2009 Luce inalou uma respiração irregular e as lágrimas saltaram aos olhos. Deixou Sword & Cross antes que tivesse tempo para enterrar Penn, mas Daniel tinha tomado conta de tudo. Foi a primeira vez em vários dias que seu coração doeu por causa dele. Porque ele conhecia, melhor do que ela teria se conhecido, exatamente o que deveria escrever na lápide de Penn. Luce se ajoelhou sobre a grama, as lágrimas fluíam livremente agora, com as mãos penteando a grama inutilmente. - Estou aqui, Penn. – Ela sussurrou. – Me desculpe por ter de deixado. Lamento que você tenha se misturado comigo para começar. Você merecia mais do que isso. Uma amiga melhor do que eu. Desejou que sua amiga ainda estivesse aqui. Desejava que pudesse falar com ela. Sabia que a morte de Penn tinha sido sua culpa o que quase partiu seu coração - Eu não sei mais o que estou fazendo, e estou com medo. Queria dizer que sentia falta de Penn o tempo todo, mas o que ela realmente sentia falta era da ideia de uma amiga que poderia ter conhecido melhor se a morte não a tivesse levado cedo demais. Nada disso estava certo. - Olá, Luce. Ela teve que enxugar as lágrimas antes que pudesse ver o Sr. Cole de pé do outro lado do túmulo de Penn. Ela estava tão acostumada à seus professores ríspidos e elegantes em Shoreline que o Sr. Cole quase parecia antiquado em seu terno vinho remendado, com seu bigode e seu cabelo castanho partido reto com uma régua vem acima da orelha esquerda. Luce mexeu seus pés, fungando contra o punho. - Olá, Sr. Cole. Ele sorriu gentilmente. - Você está indo bem lá, eu ouço falar. Todo mundo diz que você está indo muito bem. - Ah... N-não. – Balbuciou. – Eu não sei disso não. - Bem, eu sei. Sei também que seus pais estão muito felizes por te ver. É bom quando essas coisas podem acontecer. - Obrigada. – Disse ela, esperando que ele entendesse o quando estava grata. - Eu só vou detê-la apenas para uma pergunta. Luce esperou ele perguntar sobre algo profundo e escuro e por cima da cabeça dela sobre Daniel e Cam, o bem e o mal, o certo e o errado, a confiança e a fraude. Mas tudo o que ele disse foi: - O que você fez com seu cabelo? A cabeça de Luce estava de cabeça para baixo na pia do banheiro das meninas no corredor da cafeteria da Sword & Cross. Shelby trouxe as últimas duas fatias de pizza de queijo empilhadas em um prato de papel para Luce. Arriane estendeu um fraco barato de tintura de cabelo preto – o melhor que Roland podia fazer em tão pouco tempo, mas quase correspondia com a cor natural de Luce. Nem Arriane nem Shelby haviam questionado Luce sobre sua súbita necessidade de mudança. Ela tinha ficado grata por isso. Agora, viu que elas só tinham a esperado ficar em uma posição vulnerável com o cabelo meiotingido para começar a inquisição delas. - Acho que Daniel ficará satisfeito. – Arriane disse em seu tom mais modesto de voz. – Não que você esteja fazendo isso por Daniel. Está? - Arriane. – Luce a advertiu. Ela não ia começar aquilo. Hoje não. Mas Shelby parecia querer. - Você sabe que sempre gostei de Miles? Que ele gosta de você pelo o que você é e não pelo o que você faz com seu cabelo. - Se vocês duas vão ser óbvias em relação a isso, por que vocês não começam a preparar uma camisa Team Daniel e Team Miles? - Devemos fazer a encomenda delas. – Disse Shelby. - A minha está na lavanderia. – Disse Arriane. Luce parou de ouvi-las, se concentrando na água quente e na confluência de coisas estranhas que fluíam sobre sua cabeça, em seu couro cabeludo e pelo ralo: Os dedos grossos de Shelby a ajudaram na primeira lavagem de tinta, bem quando Luce pensava que era a única maneira de começar novamente. O primeiro ato de amizade de Arriane em relação a Luce foi a de exigir cortar seu cabelo preto para se tornar parecida com Luce. Agora suas mãos trabalhavam no couro cabeludo de Luce no mesmo banheiro onde Penn tinha a limpado do naco de carne que Molly tinha despejado em sua cabeça em seu primeiro dia em Sword & Cross. Foi amargo e bonito, e Luce não conseguia descobrir o que aquilo significava. Só que ela não queria mais se esconder, não de si mesma, nem de seus pais, nem de Daniel ou nem mesmo daqueles que a tentavam prejudicar. Buscava uma transformação pequena quando saiu para Califórnia. Agora, percebeu que a única maneira de fazer uma mudança que valesse a pena era ganhando uma verdade. Tingir seu cabelo de preto também não era a resposta, sabia que não havia chegado lá ainda, mas pelo menos era um passo na direção certa. Arriane e Shelby pararam de discutir sobre qual cara era a alma-gêmea de Luce. Olharam para ela em silêncio e balançaram a cabeça. Ela sentiu antes mesmo de ver seu reflexo no espelho: O grande peso de melancolia, que nem sabia que estava carregando, tinha saído de seu corpo. Estava de volta às suas raízes. Estava pronta para ir para casa. Capítulo 18 – Dia de Ação de Graças Quando Luce entrou pela porta da frente da casa de seus pais em Thunderbolt, tudo estava exatamente o mesmo: O cabide no saguão ainda parecia estar prestes a cair sob o peso dos muitos casacos. O cheiro de amaciante de roupa e de desodorizador ainda faziam a casa parecer mais limpa do que era. O sofá floral na sala estava desbotado pelo sol da manhã que entrava pelas persianas. Várias revistas de decoração sulista manchadas de chá cobriam a mesa de centro, as páginas favoritas marcadas com recibos de compras, para o tempo distante quando o sonho de seus pais de liquidar a hipoteca se tornou realidade e eles finalmente terem um pouco de dinheiro extra para a reforma. Andrew o poodle histérico de brinquedo da mamãe, trotou até cheirar os convidados e dar na parte de trás do tornozelo de Luce uma familiar mordida. O pai de Luce largou a mochila no saguão, colocando um braço em torno do ombro dela. Luce viu o reflexo deles no espelho na porta de entrada estreita: Pai e filha. Seus óculos sem aro escorregaram no nariz enquanto beijava o topo de sua cabeça com o cabelo recém-tingido de preto. - Bem vinda, Luce. – Disse ele. – Nós sentimos sua falta por aqui. Luce fechou os olhos. - Eu senti a de vocês também. – Foi a primeira vez em semanas que não tinha mentido para os pais. A casa estava quente e cheia de aromas inebriantes de Ação de Graças. Ela inalou e pôde instantaneamente imaginar casa prato embrulhado em papel laminado aquecendo no forno. Peru bem assado com recheio de cogumelos – especialidade de seu pai. Molho de maçã com amora, levemente enchia o ar, e tantas tortas de abóbora com noz pecã que sua mãe fizera para alimentar todo o estado. Devia ter sido cozinhado durante toda a semana. A mãe de Luce tomou seus pulsos. Seus olhos cor de avelã estavam um pouco úmidos em torno das bordas. - Como você está, Luce? – Perguntou ela. – Você está bem? Era um alívio estar em casa. Luce podia sentir seus olhos lacrimejarem também. Assentiu com a cabeça, se inclinando na mãe para um abraço. Os cabelos escuros da mãe na altura do queixo estavam esculpidos com laquê, como se tivesse acabado de sair do salão de beleza no dia anterior. O que, conhecendo ela, provavelmente tinha. Parecia mais jovem e mais bonita do que Luce se lembrava. Comparado com os pais idosos que tinha tentado visitar em Monte Shasta, mesmo em comparação com Vera – a mãe de Luce parecia feliz e viva, não contaminada pela tristeza. Talvez fosse porque ela nunca tinha sentido o que os outros sentiram, perder uma filha. Perder Luce. Seus pais tinham feito toda a vida deles ao redor dela. Ficariam destruídos se ela morresse. Não podia morrer do jeito que morria no passado. Não poderia destruir a vida de seus pais neste momento, agora que sabia mais sobre seu passado. Faria qualquer coisa para mantê-los felizes. Sua mãe reuniu os casacos e chapéus dos outros quatro adolescentes que estavam no saguão. - Espero que seus amigos tenham trago o apetite junto. Shelby sacudiu o polegar na direção de Miles. - Cuidado com o que você deseja. Era exatamente como os pais de Luce para não se importarem com um carro cheio de convidados de última hora na mesa de Ação de Graças. Quando o Chrysler New Yorker de seu pai tinha entrado pelos altos portões forjados de ferro de Sword & Cross pouco antes do meio-dia, Luce o estava esperando. Não tinha conseguido dormir a noite toda. Entre a estranheza de estar de volta em Sword & Cross e seus nervos em se misturar nesse grupo estranho para a Ação de Graças no dia seguinte – sua mente não se acalmaria. Felizmente, a manhã passou sem incidentes, depois de dar em seu pai o mais longo abraço apertado que já tinha dado em alguém, mencionou que tinha poucos amigos sem lugares para ir para o feriado. Cinco minutos depois, estavam todos dentro do carro. Agora, andavam em volta da casa da infância de Luce, pegando fotos emolduradas dela em diferentes idades embaraçosas, olhando as mesmas janelas francesas que ela ficava olhando para fora sobre as tigelas de cereal por mais de uma década. Era meio surreal. Enquanto Arriane tinha ido para a cozinha para ajudar sua mãe no creme, Miles apimentava seu pai com perguntas sobre o enorme telescópio “pedaço de lixo” no escritório dele. Luce sentiu uma onda de orgulho de seus pais por fazerem todos se sentirem bem vindos. O som de uma buzina lá fora a fez saltar. Pousou-se no sofá flácido e ergueu uma das ripas da veneziana na janela. Lá fora, um táxi vermelho e branco estava parado na frente da casa, jogando fumaça no ar frio. As janelas estavam com filme, mas o passageiro poderia ser apenas uma pessoa. Callie. Uma das botas de couro vermelho na altura do joelho de Callie se estendeu para fora da porta de trás, se plantando no concreto da calçada. Um segundo depois, o rosto em forma de coração da melhor amiga de Luce entrou em vista. A pele porcelana de Callie foi ruborizada, os cabelos ruivos curtos, cortados em um ângulo elegante próximo ao queixo. Seus olhos azul-pálido brilhavam. Por alguma razão, olhava para trás, para dentro do táxi. - O que você está olhando? – Shelby perguntou, puxando para cima outra tira para que pudesse ver. Roland desabou no outro lado de Luce e olhou para fora também. Apenas a tempo de ver Daniel deslizar para fora do táxi. Seguido por Cam, no assento da frente. Luce prendeu a respiração ao vê-los. Ambos os rapazes usavam longos casacos escuros, iguais aos casacos que tinham usado na praia na cena que tinha vislumbrado. Seus cabelos brilhavam ao sol. E por um momento, apenas um momento, Luce se lembrou do porquê tinha estado, no começo, intrigada com os dois em Sword & Cross. Eles estavam lindos. Não havia nada parecido com aquilo. Surrealista e extraordinariamente maravilhosos. Mas o que diabos estavam fazendo aqui? - Bem na hora. – Disse Roland murmurando. Em seu outro lado, Shelby perguntou: - Quem os convidou. - Eu digo o mesmo. – Disse Luce, mas não conseguia evitar se extasiar um pouco com a visão de Daniel. Mesmo que as coisas entre eles estivessem uma bagunça. - Luce, – Roland estava rindo de sua expressão enquanto olhava Daniel. – você não acha que devia atender a porta? A campainha tocou. - Será que é Callie? – A mãe de Luce chamou da cozinha sobre o zumbido da batedeira. - Eu atendo! – Luce gritou de volta, sentindo uma dor fria se espalhando em seu peito. É claro que ela queria ver Callie. Mas o mais impressionante do que a alegria de ver sua melhor amiga, percebeu, era sua fome para ver Daniel. Para tocá-lo, abraçá-lo e cheirá-lo. Para apresentá-lo aos seus pais. Eles seriam capazes de perceber, não seriam? Seriam capazes de dizer que Luce tinha encontrado a pessoa que tinha mudado sua vida para sempre. Abriu a porta. - Feliz dia de Ação de Graças! – Uma voz alta sulista se arrastou ao falar. Luce teve que piscar algumas vezes antes que seu cérebro pudesse manter contato com a visão diante de seus olhos. Gabbe, a mais bela e o anjo mais perfeitamente educado em Sword & Cross, estava de pé na varanda de Luce em um vestido-suéter de pelo de cabra rosa. Seu cabelo loiro estada num lindo frenesi de tranças, fixado em redemoinhos em cima de sua cabeça. A pele tinha uma luz clara linda não muito diferente da de Francesca. Segurava um buquê de gladíolos brancos em uma mão e um pote gelado de plástico branco com sorvete em outra. Ao seu lado, de cabelos descoloridos com um tom marrom nas raízes, estava o demônio da Molly Zane. Seu jeans preto rasgado combinava com seu casaco preto desgastado, como se ainda estivesse seguindo as regras de vestimenta da Sword & Cross. Seus piercings no rosto se multiplicaram desde a última vez que Luce a tinha visto. Tinha uma chaleira de ferro fundido preta equilibrada na dobra do braço. Estava olhando para Luce. Luce podia ver os outros subindo pela longa calçada em curvas. Daniel estava com a mala de Callie içada por cima do ombro, mas era Cam que estava encostado, sorrindo, com a mão no antebraço de direito de Callie enquanto conversava com ela. ela não parecia saber bem se ficava nervosa ou absolutamente encantada. - Nós estávamos na vizinhança. – Gabbe sorriu, segurando as flores para Luce. – Eu fiz meu sorvete caseiro de baunilha e Molly trouxe uns aperitivos. - Camarão El Diablo. – Molly levantou a tampa de sua chaleira e Luce respirou um caldo picante de alho. – Receita de família. – Molly fechou a tampe, em seguida, passou empurrando Luce para dentro do saguão de entrada, tropeçando em Shelby no caminho. - Dá licença. – Disseram rispidamente, ao mesmo tempo, olhando uma para a outra, desconfiadas. - Ah, que bom. – Gabbe se inclinou para dar um abraço em Luce. – Molly fez uma amiga. Roland levou Gabbe até a cozinha e Luce teve sua primeira visão clara de Callie. Quando trocaram olhares, não conseguiram se aguentar: Ambas as meninas abriram sorrisos involuntários e correram para se encontrar. O impacto do corpo de Callie tirou o fôlego de Luce, mas isso não importava. Os braços delas se arremessaram em um abraço, o rosto de cada menina estava enterrado no cabelo da outra, pois estavam rindo do jeito que você riria somente depois de uma longa separação de um amigo muito bom. Relutantemente, Luce se afastou e se voltou para os dois rapazes de pé a poucos metros atrás. Cam parecia o mesmo: Controlado e à vontade, pretensioso e bonito. Daniel, porém, parecia desconfortável e tinha um bom motivo para estar. Eles não se falavam desde que ele vira o beijo em Miles e agora estavam de pé com a melhor amiga de Luce e o inimigo de Daniel, ou sei lá o que Cam era para ele. Mas – Daniel estava em sua casa. Com os gritos de seus pais à distância. Será que ficariam atônitos se soubessem quem ele realmente era? Como ela apresentaria o cara que era responsável por milhares de suas mortes, a quem ela era magneticamente atraída por quase todo o tempo, que era impossível, indescritível, secreto e por vezes até egoísta, cujo amor ela não entendia, que estava trabalhando com o diabo, para não falar demais, e que, se ele pensava que aparecendo aqui sem ser convidado, com um demônio era uma boa ideia, talvez não a conhecesse mesmo muito bem. - O que vocês estão fazendo aqui? – Sua voz estava completamente seca, porque não podia falar com Daniel sem falar com Cam também e não conseguia falar com Cam sem querer jogar algo pesado nele. Cam falou primeiro. - Feliz dia de Ação de Graças para você também. Ouvimos que sua casa era o lugar para se estar hoje. - Nós demos de cara com sua amiga aqui no aeroporto. – Acrescentou Daniel, usando o tom baixo que falava quando ele e Luce estavam em público. Era mais formal, a fazendo ansiar ficar a sós com ele para que ele pudesse apenas ser o normal. E para que pudesse agarrá-lo pela lapela do casaco estúpido e sacudi-lo até que ele explicasse tudo. Isso tinha ido longe demais. - Conversamos, dividimos um táxi. – Cam acrescentou, piscando para Callie. Callie sorriu para Luce. - Eu estava imaginando algum encontro íntimo com a família Price, mas isso é muito melhor. Agora eu consigo me dar bem. Luce podia sentir sua amiga buscando pistas em seu rosto sobre que negócio ela tinha com esses dois caras. A Ação de Graças estava prestes a ficar muito embaraçosa rapidamente. Este não era o jeito que as coisas deviam estar. - Hora do peru! – Sua mãe chamou da porta. O sorriso dela se transformou em uma careta confusa quando viu a multidão do lado de fora. – Luce? O que está acontecendo? – Seu velho avental verde e branco listrado estava amarrado na cintura. - Mãe, - Luce disse, gesticulando com a mão. – está é Callie, Cam e... – Ela queria colocar a mão em Daniel, algo do tipo, qualquer coisa para deixar sua mãe saber que ele era especial, que ele era seu escolhido. Para deixá-lo saber, também, que ela ainda o amava e que tudo entre eles iria ficar bem. Mas não podia. Ela só ficou lá. – Daniel. - Tudo bem. – Sua mãe olhou de soslaio para cada um dos recém-chegados. – Bem, hum, bem vindos. Luce, querida, posso ter uma palavrinha? Luce foi até sua mãe na porta da frente, levantando um dedo para deixar que Callie soubesse que voltaria logo. Seguiu sua mãe através do saguão de entrada, através do corredor escuro com fotos emolduradas penduradas desde a infância de Luce para dentro do quarto acolhedor e iluminado de seus pais. Sua mãe se sentiu na colcha branca e cruzou os braços. - Gostaria de me contar alguma coisa? - Eu sinto muito, mamãe. – Disse Luce, se afundando na cama. - Eu não quero deixar ninguém de fora de uma refeição de Ação de Graças, mas você não acha que é preciso impor limites por aqui? Um carro inesperado cheio de pessoas já não foi o suficiente? - Sim, claro que você está certa. – Disse Luce. – Eu não convidei todas essas pessoas. Estou tão surpresa quanto você que todos eles apareceram. - É que nós temos tão pouco tempo com você. Nós gostamos de conhecer seus amigos, - A mãe de Luce disse, acariciando seus cabelos. – mas nós apreciamos o tempo que temos com você. - Eu sei que está é uma imposição enorme, mas mãe... – Luce virou o rosto para sua mãe, abrindo as palmas das mãos. – Ele é especial. Daniel. Eu não sabia que ele viria, mas agora que ele está aqui, eu preciso desse tempo com ele, tanto quanto eu preciso com você e papai. Isso faz algum sentido? - Daniel? – Sua mãe repetiu. – Esse rapaz lindo e loiro? Vocês dois estão... - Nós estamos apaixonados. Por alguma razão, Luce estava tremendo. Mesmo que ela tivesse dúvidas quanto a seu relacionamento, dizendo em voz alta para sua mãe, que amava Daniel, fazia parecer verdade – a fez lembrar que ela, apesar de tudo, o ama de verdade. - Eu vejo. – Quando sua mãe concordou, os cachos castanhos permaneceram no lugar. Ela sorriu. – Bem, nós não podemos expulsar todos os outros exceto ele, podemos? - Obrigada, mãe. - Agradeça ao seu pai também. E querida? Da próxima vez, avise com mais antecedência, por favor. Se eu soubesse que você estava trazendo o escolhido, teria pegado seu álbum de bebê do sótão. – Ela piscou, plantando um beijo na bochecha de Luce. De volta à sala, Luce correu para Daniel primeiro. - Estou feliz que você possa estar com sua família depois de tudo. – Disse ele. - Espero que você não esteja brava com Daniel por me trazer. – Cam acrescentou e Luce procurou por altivez em sua voz, mas não encontrou nenhuma. – Tenho certeza que vocês preferiam que eu não estivesse aqui, mas... – Olhou para Daniel. – Negócio é negócio. - Tenho certeza. – Disse Luce friamente. O rosto de Daniel não demonstrava nada. Até que escureceu. Miles tinha saído da sala de jantar. - Hum, ei, seu pai está prestes a propor um brinde. – Os olhos de Miles estavam fixos em Luce de uma forma que a fez achar que ele estava se esforçando para não olhar para Daniel. – Sua mãe me pediu para perguntar onde você quer se sentar. - Ah, tanto faz. Talvez ao lado de Callie? – Um leve pânico golpeou Luce quando pensou em todos os outros convidados e a necessidade de mantê-los o mais longe possível um do outro. E Molly longe de quase todo mundo. – Eu deveria ter feito um mapa dos lugares. Roland e Arriane tinham feito um trabalho rápido colocando um jogo de mesa no fim da mesa da sala de jantar, então o banquete agora esticava até a sala. Alguém tinha colocado uma toalha de mesa branca e dourada e seus pais ainda tinham botado para fora a louça de casamento. Velas foram acesas e taças foram cheias. E prontamente Shelby e Miles estavam transportando recipientes quentes com vagem e purê de batatas enquanto Luce tomava seu lugar entre Callie e Arriane. O íntimo jantar de Ação de Graças agora estava sendo servido para doze: Quatro pessoas, dois Nephilim, seis anjos caídos (três no lado do bem e três no do mal) e um cão vestido de peru, com sua tigela de migalhas debaixo da mesa. Miles foi para a cadeira em frente de Luce, até que Daniel lhe lançou um olhar ameaçador. Miles recuou e Daniel estava prestes a se sentar quando Shelby deslizou para a direita se sentando na cadeira. Sorrindo um pouco com olhar de vitória, Miles se sentou na esquerda de Shelby, em frente à Callie, enquanto Daniel, olhando vagamente irritado, se sentou a direita, em frente à Arriane. Alguém estava chutando Luce debaixo da mesa, tentando conseguir sua atenção, mas ele manteve os olhos no prato. Uma vez que todos estavam sentados, o pai de Luce se levantou na cabeceira da mesa, de frente para a mãe no outro lado. Bateu o garfo contra o copo de vinho tinto. - Eu sou conhecido por fazer um discurso cansativo ou dois nesta época do ano. – Ele riu. – Mas nós nunca servimos tantas crianças com aparência de famintos antes, por isso vou direto ao ponto. Eu sou grato a minha querida esposa Doreen, a minha melhor filha, Luce, e a todos vocês por se juntarem a nós. – Fixou-se em Luce, fazendo um rosto que fazia quando estava especialmente orgulhoso. – É maravilhoso te ver prosperando, crescendo em uma bela jovem com tantos amigos maravilhosos. Esperamos que eles retornem novamente. Saúde, pessoal. Aos amigos. Luce forçou um sorriso, evitando os olhares esquivos que todos os seus “amigos” estavam compartilhando. - Ouçam, ouçam! – Daniel quebrou o silêncio estranhamente desajeitado, levantando a taça. – Quão boa é a vida sem confiança, amigos fiéis? Miles mal olhou para ele, mergulhando uma colher de servir profundamente no purê de batatas. - Vindo dele mesmo, o Sr. Fidelidade. Os Prices estavam muito ocupados passando travessas de uma extremidade a outra da mesa para perceber o olhar desprezível que Daniel dirigiu a Miles. Molly estava pegando o aperitivo Camarão El Diablo que ninguém ainda havia tocado, pondo um montão no prato de Miles. - Basta dizer, tio, quando for suficiente. - Whoa, Mo. Guarde um pouco do aperitivo para mim. – Cam se esticou para pegar o recipiente com o camarão. – Me diga, Miles. Roland me disse que você mostrou algumas habilidades loucas em esgrima um dia desses. Aposto que as meninas enlouqueceram. – Ele se inclinou para frente. – Você estava lá, né, Luce? Miles estava com o garfo suspenso no ar. Seus grandes olhos azuis pareciam confusos em relação as intenções de Cam e como se estivesse esperando ouvir Luce dizer que sim, as meninas, inclusive ele, tinham realmente enlouquecido. - Roland também disse que Miles perdeu. – Disse Daniel tranquilamente e espetou um pedaço de recheio. Na outra ponta da mesa, Gabbe cortou a tensão com um ronronar alto e satisfeito. - Oh, meu Deus, Senhora Price. Estas coisas de Bruxelas estão com um gostinho do céu. Não estão, Roland? - Mmm. – Roland acordou. – Elas realmente me trazem de volta a um tempo mais puro. A mãe de Luce começou a recitar a receita, enquanto o pai de Luce passou a falar da produção local. Luce estava tentando aproveitar esse tempo raro com sua família e Callie, se inclinando para sussurrar que todos pareciam muito legais, especialmente Arriane e Miles, mas havia muitas outras situações para ficar de olho. Luce se sentiu como se pudesse ter que neutralizar uma bomba a qualquer momento. Poucos minutos depois, passado o recheio por toda a mesa pela segunda vez, a mãe de Luce disse: - Bem, seu pai e eu nos conhecemos quando estávamos bem na idade de vocês. – Luce já tinha ouvido a história umas três mil e quinhentas vezes. – Ele era o quarterback em Athens High. – Sua mãe piscou para Miles. – Os atletas levavam as meninas à loucura naquela época também. - Sim, os Trojans eram muito loucos na época de colégio. – O pai de Luce riu e ela esperou pela fala memorável. – Eu só tinha que mostrar à Doreen que eu não era um cara tão valentão assim fora do campo. - Eu acho ótimo esse casamento forte que vocês dois têm. – Disse Miles, agarrando outro dos famosos pãezinhos de levedura que a mãe de Luce fizera. – Luce tem sorte de ter pais que são tão honestos e abertos com ela e entre si. A mãe de Luce riu, mas antes que pudesse responder, Daniel fez uma objeção: - Há muito mais para se amar do que isso, Miles. Você não acha, Sr. Price, que um relacionamento de verdade é muito mais do que apenas diversão e jogos? Que é preciso um esforço? - Claro, claro. – O pai de Luce limpou a boca com o guardanapo. – Por que mais chamariam casamento de compromisso? Claro, o amor tem seus altos e baixos. Assim é a vida. - Bem falado, Sr. P. – Disse Roland, com uma emoção além da aparência de seus bons dezessete anos de idade. – Deus sabe, eu já vi tantos altos e baixos. - Ah, fala sério. – Opinou Callie, para a surpresa de Luce. Pobre Callie, aceitando todos sem ao menos conhecê-los. – Vocês fazem parecer tão sério. - Callie está certa. – Disse a mãe de Luce. – Vocês são jovens e esperançosos e vocês realmente deveriam só se divertir. Diversão. Então esse era o assunto agora? A diversão era mesmo possível para Luce? Ela olhou para Miles. Ele estava sorrindo. - Estou me divertindo. – Ele murmurou. Isso fez toda a diferença para Luce, que olhou em volta da mesa de novo e percebeu que, apesar de tudo, ela estava se divertindo muito. Roland estava fazendo um show abrindo a boca com camarão para Molly, que ria, por quiçá, pela primeira vez na história. Cam tentou flertar com Callie, até mesmo oferecendo passar manteiga nos pãezinhos dela, o que ela recusou com as sobrancelhas levantadas e com uma tímida sacudida de cabeça. Shelby comia como se fosse treinar para uma competição. E alguém ainda estava cutucando Luce com o pé debaixo da mesa. Ela encontrou os olhos violetas de Daniel. Ele piscou, tirando seu fôlego. Havia algo de notável sobre esta reunião. Era o jantar de Ação de Graças mais animado que tinha tido desde que sua avó morreu e os Prices pararam de ir à baía de Louisiana para o feriado. Então esta era sua família agora: Todas essas pessoas, anjos, demônios e tudo aquilo que eles fossem. Bem ou mal, complicada, traiçoeira, cheia de altos e baixos e até mesmo divertida. Assim como o pai dela tinha dito: Aquilo era a vida. E para uma menina que teve alguma experiência com a morte, a vida – ponto – era a coisa pela qual Luce era, de repente, esmagadoramente agradecida. - Bem, eu já tive quase o suficiente. – Shelby anunciou após mais alguns minutos. – Você sabe. Comida. Alguém mais acabou? Vamos terminar com isto. – Ela assobiou e fez um gesto de laço com o dedo. – Estou ansiosa para voltar para aquela escola de reformatório que todos nós vamos para – hum. - Eu vou ajudar a limpar a mesa. – Gabbe saltou e começou a empilhar os pratos, arrastando uma Molly relutante para a cozinha com ela. A mãe de Luce ainda estava atirando seus olhares furtivos, tentando ver o recolhimento através dos olhos da filha. O que era impossível. Era se agarrou à ideia de Daniel muito rapidamente e ficava olhando para frente e para trás entre os dois. Luce queria uma chance para mostrar para sua mãe que o que ela e Daniel tinham era sólido e era maravilhoso e diferente do que qualquer outra coisa no mundo, mas havia também muitas outras pessoas ao redor. Tudo o que devia ter sido fácil parecia difícil. Então Andrew parou de mastigar as penas de feltro no pescoço e começou a latir na porta. O pai de Luce se levantou e pegou a coleira. Que alívio. - Alguém quer uma caminhada pós-jantar? – Anunciou ele. Sua mãe se levantou também, Luce a seguiu até a porta e a ajudou com seu sobretudo. Luce entregou a seu pai o cachecol. - Obrigada pessoal por ser tão legal esta noite. Vamos lavar a louça quando se forem. Sua mãe sorriu. - Você nos deixa orgulhosos, Luce. Não importa com o quê. Lembre-se disso. - Eu gostei daquele Miles. – Disse o pai de Luce, prendendo a corrente na coleira de Andrew. - E Daniel é... Simplesmente extraordinário. – Sua mãe disse ao pai em um tom de voz de liderança. As bochechas de Luce coraram e ela olhou para trás na mesa. Deu a seus pais um olhar de por-favor-não-me-envergonhem. - Ok! Tenham uma caminhada longa e agradável! Luce abriu a porta e os assistiu sair na noite com o cão ansioso praticamente se asfixiando na coleira. O ar frio entrando pela porta aberta era refrescante. A casa estava quente com tantas pessoas dentro dela. Pouco antes de seus pais desaparecerem no fim da rua, Luce pensou ter visto um clarão de algo no lado de fora. Algo que parecia uma asa. - Você viu isso? – Disse ela, não sabendo com quem estava falando. - O quê? – Seu pai gritou de volta. Ele parecia tão satisfeito e feliz que quase partiu o coração de Luce. - Nada. – Luce forçou um sorriso quando fechou a porta. Podia sentir alguém atrás dela. Daniel. O calor que afez balançar onde estava. - O que você viu? Sua voz estava gelada, não com raiva, mas com medo. Ela olhou para ele, pegando suas mãos, mas ele se virou para o outro lado. - Cam. – Ele chamou. – Pegue seu arco. Do outro lado da sala, a cabeça de Cam disparou. - Já? Um som zunindo fora da casa o silenciou. Ele se afastou da janela e entrou em seu blazer. Luce viu o brilho prata e se lembrou: As flechas que havia coletado com a menina Exilada. - Conte aos outros. – Disse Daniel antes de se virar para encarar Luce. Seus lábios se separaram e o olhar desesperado em seu rosto a fez pensar que ele poderia a beijar, mas tudo o que ele fez foi dizer: - Você tem um porão para furacões? - Diga-me o que está acontecendo. – Disse Luce. Podia ouvir a água correndo na cozinha, e Arriane e Gabbe harmoniosamente cantando Heart and Soul com Callie enquanto lavavam a louça. Podia ver as expressões nervosas de Molly e Roland enquanto limpavam a mesa. E de repente, Luce percebeu que este jantar de Ação de Graças tinha sido uma simulação. Um disfarce. Só que ela não sabia o porquê. Miles apareceu ao lado de Luce. - O que está acontecendo? - Nada do que você precise se preocupar. – Cam disse. Não foi rude, apenas disso os fatos. – Molly. Roland. – Molly largou sua pilha de pratos. - O que vocês precisam que nós façamos? Foi Daniel quem respondeu, falando com Molly como se fossem, de repente, do mesmo lado. - Conte aos outros. E encontre escudos. Eles estarão armados. - Quem? – Luce perguntou. – Os Exilados? Daniel pousou os olhos sobre ela e seu rosto desmoronou. - Eles não deviam ter nos encontrado hoje à noite. Sabíamos que havia uma chance, mas eu realmente não queria trazer isso aqui. Sinto muito. - Daniel, – Cam interrompeu. – tudo o que importa agora é lutar contra eles. Um barulho forte golpeou a casa. Cam e Daniel se moveram instintivamente para frente da porta, mas Luce sacudiu a cabeça. - A porta de trás. – Ela sussurrou. – Pela cozinha. Todos eles pararam por um momento e ouviram o rangido da porta de trás se abrindo. Depois veio um longo e perfurante grito. - Callie! – Luce saiu correndo pela sala, estremecendo ao imaginar que cena sua amiga estaria enfrentando. Se Luce soubesse que os Exilados iriam aparecer, ela não teria deixado Callie vir. Nunca teria vindo para casa. Se algo ruim acontecesse, Luce jamais se perdoaria. Entrando pela porta da cozinha de seus pais, Luce viu Callie, protegida pelo corpo esguio de Gabbe. Ela estava segura, pelo menos por agora. Luce exalou, quase desmaiando para trás na parede de músculos que Daniel, Cam, Miles e Roland formaram atrás dela. Arriane estava na porta caiada, com uma mesinha de madeira erguida em suas mãos. Parecia pronta para golpear alguém que Luce quase não conseguir ver ainda. - Boa noite. – A voz de um homem, firme com formalidade. Quando Arriane abaixou a mesinha de madeira, lá na porta estava um rapaz alto e magro em um sobretudo marrom. Ele estava muito pálido, com um rosto estreito e um nariz forte. Ele parecia familiar. Cabelos loiros cortados. Olhos brancos. Um Exilado. Mas Luce o tinha visto em outro lugar antes. - Phil? – Shelby chorou. – Que diabos você está fazendo aqui? E o que aconteceu com seus olhos? Eles estão muito... Daniel se virou para Shelby: - Você conhece este Exilado? - Exilado? – A voz de Shelby tremeu. – Ele não é um – ele é o idiota do meu ex-namorado – ele é... - Ele tem usado você. – Disse Roland como se soubesse de algo que o resto deles não sabia. – Eu deveria ter percebido. Deveria tê-lo reconhecido pelo o que ele era. - Mas você não o fez. – Disse o Exilado, sua voz estava estranhamente calma. Colocou as mãos no casaco, no bolso interno, e puxou um arco de prata. Do outro bolso veio uma flecha de prata, que ele encaixou no arco rapidamente. Apontou para Roland, em seguida, se moveu contra a multidão, mirando em cada um deles por vez. – Por favor, me desculpem por entrar sem pedir licença. Vim para buscar Lucinda. Daniel avançou na direção do Exilado. - Você não vai buscar ninguém e nada. – Disse ele. – Exceto uma morte rápida a menos que você saia agora. - Desculpe, não, não posso fazer isso. – Respondeu o menino, seus braços musculosos, ainda segurando a flecha de prata, tensos. – Nós tivemos tempo para se preparar para esta noite de restituição abençoada. Não vamos sair de mãos vazias. - Como você pôde, Phil? – Shelby gemeu, se virando para Luce. – Eu não sabia... Sinceramente, Luce, não sabia. Eu só pensava que ele era um canalha. Os lábios do menino formaram um sorriso. Os olhos brancos horríveis e sem profundidade pareciam saídos de um pesadelo. - Me deem ela sem uma luta, ou nenhum de vocês será poupado. Então Cam explodiu uma gargalhada longa e profunda. Isso balançou a cozinha e fez o garoto na porta se contorcer desconfortavelmente. - Você e que exército? – Cam disse. – Sabe, acho que você é o primeiro Exilado que eu já encontrei com um senso de humor. – Olhou em torno da cozinha apertada. – Por que você e eu não resolvemos isso lá fora? Acabamos com isso, vamos? - Com prazer. – Respondeu o menino com um sorriso simplório em seus lábios pálidos. Cam revirou os ombros para trás como se estivesse trabalhando num nó, e lá, exatamente onde os ombros ficavam, um enorme par de asas douradas se abriu atrás de seu suéter de cashmere cinza. Elas se desfraldaram por trás dele, tomando quase toda a cozinha. As asas de Cam eram tão brilhantes que quase cegavam enquanto vibravam. - Meu Deus do Céu. – Callie sussurrou, piscando. - Quase isso. – Disse Arriane quando Cam arqueou as asas para trás e varou o menino Exilado pela porta em direção ao quintal. – Luce vai explicar, eu tenho certeza. As asas de Roland se desfraldaram com um som de um grande bando de pássaros voando. A luz da lâmpada na cozinha iluminou as marmóreas asas douradas e pretas quando ele se espremeu para fora da porta, atrás de Cam. Molly e Arriane foram logo atrás dele, se estranhando, Arriane pressionando suas brilhantes asas iridescentes na frente da nebulosa e bronzeada de Molly, saindo o que parecia pequenas faíscas elétricas quando elas se arrastaram para fora da porta. Em seguida foi Gabbe, cujas asas brancas e macias se abriram com uma normalidade de uma borboleta, mas com uma velocidade que jogaram uma rajada de vento com um aroma floral na cozinha. Daniel pegou as mãos de Luce na dele. Ele fechou os olhos, inalou e deixou suas enormes asas brancas desfraldarem. Totalmente estendida, teria preenchido a cozinha inteira, mas Daniel as freou perto do corpo. Elas brilhavam e irradiavam, pareciam no todo muito bonitas. Luce estendeu as mãos e as tocou. Quentes e lisas como cetim por fora, mas por dentro, cheias de energia. Podia senti-la percorrendo Daniel, dentro dela. Sentia-se tão perto dele, o compreendendo completamente. Como se eles se tornassem um. Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. Eu sempre vou cuidar de você. Mas o que ele disse em voz alta foi: - Fique segura. Fique aqui. - Não. – Ela implorou. – Daniel. - Eu já volto. – Então ele arqueou as asas para trás e voou para fora da porta. Deixados sozinhos lá dentro, os não-angelicais se reuniram. Miles se pressionou contra a porta de trás, pasmado com a janela. Shelby tinha a cabeça nas mãos. O rosto de Callie parecia tão branco quanto a geladeira. Luce escorregou uma mão para dentro da de Callie. - Eu acho que tenho algumas coisas a explicar. - Quem é esse menino com o arco e flecha? – Callie sussurrou, recuando, mas ainda segurando firme na mão de Luce. – Quem é você? - Eu? Eu sou apenas... Eu. – Luce encolheu os ombros, sentindo um frio se espalhar sobre ela. – Eu não sei. - Luce, – Disse Shelby, claramente tentando não chorar. – eu me sinto como uma idiota. Eu juro que não tinha ideia. As coisas que eu disse a ele, eu estava apenas desabafando. Ele estava sempre perguntando sobre você e ele era um bom ouvinte, então eu... Eu... Quer dizer que eu não tinha ideia do que ele realmente era... Eu nunca, nunca... - Eu acredito em você. – Disse Luce. Moveu-se até a janela, ao lado de Miles, com vista para uma pequena varanda de madeira que seu pai tinha construído há alguns anos atrás. – O que você acha que ele quer? No quintal, folhas de carvalho caídas foram juntadas em pilhas. O ar cheirava a fogueira. Em algum lugar ao longe, uma sirene começou a soar. Ao pé dos três degraus da varanda, Daniel, Cam, Arriane, Roland e Gabbe ficaram lado a lado, de frente para o muro. Não era o muro, Luce percebeu. Eles enfrentavam uma multidão de Exilados em posição de sentido com flechas de prata apontadas para alinha de anjos. O menino Exilado não estava sozinho. Ele formou um exército. Luce teve que se equilibrar sobre o balcão. Além de Cam, os anjos estavam desarmados. E ela já tinha visto o que as fechas podiam fazer. - Luce, para! – Miles chamou por ela, mas ela já estava correndo para fora da porta. Mesmo na escuridão, Luce podia ver que todos os Exilados tinham semelhantes aparências sem expressões. Havia tanto meninas quanto meninos, todos eles pálidos e vestidos com o mesmo sobretudo marrom, com cabelos curto loiro-descoloridos para os meninos e rabos de cavalo apertados, quase brancos, para as meninas. As asas dos Exilados desfraldadas em suas costas. Elas estavam em péssima, péssima forma – esfarrapadas, desgastadas e revoltantemente imundas, praticamente cobertas de sujeira. Nada parecido mesmo com as asas gloriosas de Daniel ou Cam, ou de qualquer um dos anjos e demônios que Luce conhecia. Permanecendo em unidade, com seus estranhos olhos vazios encarando, suas cabeças inclinavam em direções diferentes. Os Exilados faziam um pesadelo horrível de exército. Só que Luce não podia acordar. Quando Daniel a notou parada com os outros na varanda, ele dobrou para trás e agarrou suas mãos. Seu rosto perfeito parecia selvagem e com medo. - Eu disse para você ficar lá dentro. - Não. – Ela sussurrou. – Eu não vou ficar presa enquanto o resto de vocês luta. Eu não posso simplesmente continuar assistindo pessoas que me rodeiam morrendo sem nenhum motivo. - Nenhum motivo? Íamos ter essa briga outra hora, Luce. – Seus olhos continuavam lançados na direção da linha escura de Exilados, perto do muro. Ela colocou os punhos na cintura. - Daniel... - Sua vida é preciosa demais para desperdiçar em um acesso de raiva. Fique lá dentro. Agora. Um grito forte ecoou no meio do quintal. A linha de frente com dez Exilados levantou suas armas para os anjos e soltaram suas flechas. A cabeça de Luce levantou apenas a tempo de pegar a visão de algo ou alguém se arremessando do telhado. Molly. Ela voou para baixo, uma massa negra manejando dois ancinhos de jardim, os girando como bastões em casa uma de suas mãos. Os Exilados ouviram, mas não conseguiram vê-la chegando. Mas os ancinhos de Molly giraram, pegando as flechas no ar como se fosse uma colheita no campo. Ela aterrissou com suas botas de combate pretas, as flechas prata com a ponta cega bateram e rolaram no chão, parecendo tão inofensivas quanto galhos, mas Luce esperou o melhor. - Não haverá misericórdia agora! – Um exilado – Phil – gritou do outro lado do quintal. - Bote-a para dentro e pegue as starshots! – Cam gritou para Daniel, subindo na balaustrada da varanda e colocando para fora seu próprio arco de prata. Repetidamente ele encaixou as flechas e soltou três raios de luz. Os Exilados se contorceram quando três de sua fileira desapareceram numa lufada de poeira. Com velocidade de um relâmpago, Arriane e Roland dispararam pelo quintal, varrendo as flechas com as asas. Uma segunda linha de Exilados estava avançando, preparando uma nova saraivada de flechas. Quando eles estavam na beira de um tiroteio, Gabbe saltou sobre a balaustrada da varanda. - Hmmm, vamos ver. – Com um olhar feroz nos olhos, ela apontou a ponta de sua asa direita para a terra abaixo dos Exilados. O gramado estremeceu e, em seguida, uma fenda regular na terra – do comprimento do quintal e alguns metros de largura – se abriu. Jogando pelo menos vinte Exilados no profundo abismo negro. Eles gritaram no vazio, choros solitários no caminho para baixo. Para Deus sabe onde. Os Exilados atrás deles derraparam, parando em frente do desfiladeiro terrível que Gabbe tinha aberto do nada. Suas cabeças moviam da esquerda para a direita, como se para ajudar seus olhos cegos ver sentido no que aconteceu. Uns poucos Exilados oscilaram na beira e caíram. Seus gemidos enfraqueciam, até que nenhum som podia ser ouvido. Um instante depois, a terra estalou como uma dobradiça enferrujada e fechou de volta. Gabbe puxou sua asa felpuda de volta para seu lado com a maior elegância. Limpou a testa. - Bem, isso deve ajudar. Mas, em seguida, outra chuva brilhante de fragmentos pratas correu pelo céu. Um deles se enfincou no degrau mais alto da varanda aos pés de Luce. Daniel puxou a flecha do degrau de madeira, tencionou os braços e a arremessou bruscamente, como um dardo letal, em linha reta na testa de um Exilado que avançava. Houve um flash de luz, como um flash de câmera e, em seguida: O menino de olhos brancos nem sequer teve tempo de gritar com o impacto, ele simplesmente desapareceu no ar. Daniel correu os olhos sobre o corpo de Luce e ele a acariciou, como na descrença de que ela ainda estivesse vida. Ao seu lado, Callie engoliu em seco. - Ele acabou... Será que aquele garoto realmente... - Sim. – Disse Luce. - Não faça isso, Luce. – Disse Daniel. – Não me faça te arrastar para dentro. Eu tenho que lutar. Você tem que ficar o mais longe daqui. Agora. Luce tinha visto o suficiente para concordar. Virou-se de volta para casa, pegando Callie, mas então, na porta aberta da cozinha, ela teve um vislumbre brutal dos Exilados. Três deles. de pé dentro de sua casa. Com arcos de prata prontos para atirar. - Não! – Daniel gritou, correndo para blindar Luce. Shelby cambaleou para fora da cozinha, indo para a varanda, batendo a porta atrás dela. Três golpes diferentes de flechas atingiram o outro lado da porta. - Ei, ela se livrou! – Cam chamou do gramado, balançando a cabeça para Shelby rapidamente antes de atirar uma flecha no crânio de uma menina Exilada. - Ok, novo plano. – Murmurou Daniel. – Encontre um lugar para se esconder em algum lugar próximo. Todos vocês. Ele se dirigiu a Callie e Shelby e, pela primeira vez em toda a noite, a Miles. ele agarrou Luce pelos braços. - Fique longe das starshots. – Suplicou. – Prometa-me. – Beijou-a rapidamente e, em seguida, os enxotou contra a parede de trás da varanda. O brilho das asas de tantos anjos era brilhante o suficiente para que Luce, Callie, Shelby e Miles tivessem que fazer sombra nos olhos. Eles se agacharam e se arrastaram ao longo da varanda, a sombra da balaustrada dançava diante deles, enquanto Luce dirigia todos para o lado do quintal. Procurando abrigo. Tinha que haver algum, em algum lugar. Mais Exilados saíram das sombras. Apareceram nos ramos altos das árvores distantes, vindo a passos lentos dos canteiros levantados e do antigo balanço comido de cupins que Luce utilizava quando criança. Seus aros de prata brilhavam ao luar. Cam era o único do outro lado com um arco. Ele nunca parara para contar quantos Exilados ele já tinha apanhado. Apenas soltava flecha após flecha com precisão mortal nos corações deles. Mas para cada um que desaparecia, parecia que outro aparecia. Quando ele ficou sem flechas, arrancou a mesa de piquenique de madeira do chão e a segurou em sua frente com um braço como um escudo. Saraivadas após saraivadas de flechas saltavam no topo da mesa e caíam no chão a seus pés. Ele só se abaixava, pegava uma e disparava; se abaixava, pegava uma e disparava. Os outros tinham que ser mais criativos. Roland batia suas asas de ouro com tanta força que o ar ao redor delas enviava as flechas de volta na direção em que tinham vindo, pegando em vários Exilados cegos de uma vez. Molly recarregava as flechas repetidamente com seu ancinho girando como uma espada de samurai. Arriane arrancou o balanço de pneu velho de Luce da árvore e girou como um laço, desviando as flechas para o muro, enquanto Gabbe corria para pegá-las. Ela girava e golpeava como um dervixe, atacando qualquer Exilado que chegasse muito perto, sorrindo docemente enquanto as flechas pegavam na pele deles. Daniel tinha confiscado as ferraduras enferrujadas dos Prices debaixo do alpendre. Lançava-as nos Exilados, às vezes deixando três deles sem sentido com uma ferradura, uma vez que ricocheteou em seus crânios. Então ele se lançava sobre eles, pegava as starshots dos arcos e as enfiava nos corações deles com as mãos nuas. Na beirada da varanda, Luce avistou o galpão de armazenamento de seu pai e fez sinal para os outros três a seguirem. Rolaram sobre a balaustrada, indo para a grama abaixo e, abaixados, correram para o galpão. Estavam quase na entrada quando Luce ouviu um zumbido rápido no ar. Callie gritou de dor. - Callie! – Luce rodopiou. Mas sua amiga ainda estava lá. Ela estava esfregando seu ombro onde a flecha tinha passado, mas por outro lado, saiu ilesa. - Isso dói demais! Luce estendeu a mão para tocá-la. - Como você... ? Callie abanou a cabeça. - Abaixem-se. – Shelby gritou. Luce caiu de joelhos, puxando os outros para baixo com ela e os puxando para dentro do galpão. Entre as sombras das ferramentas sujas, do cortador de grama e dos equipamentos esportivos antigos do pai de Luce, Shelby se arrastou até ela. Seus olhos brilhavam e seus lábios estavam tremendo. - Eu não posso acreditar que isso está acontecendo. – Murmurou, agarrando o braço de Luce. – Você não sabe como estou arrependida. É tudo culpa minha. - Não é culpa sua. – Disse Luce rapidamente. Claro que Shelby não sabia quem realmente era Phil. O que ele realmente queria com ela. O que esta noite poderia trazer. Luce sabia o que era carregar culpa por fazer algo que você não entendia. Ela não desejaria a ninguém. Muito menos a Shelby. - Onde ele está? – Shelby perguntou. – Eu poderia matar aquele doido idiota. - Não. – Luce segurou Shelby. – Você não vai lá fora. Você poderia ser morta. - Eu não entendo. – Disse Callie. – Por que alguém iria querer machucá-la? Foi quando Miles avançou para a entrada do galpão, como um relâmpago. Estava carregando um dos caiaques do pai de Luce sobre a cabeça. - Ninguém vai machucar Luce. – Disse enquanto saía. Direto para a batalha. - Miles! – Luce gritou. – Volte. Então ela se levantou para correr atrás dele, então congelou, atordoada com a visão dele arremessando o caiaque bem em cima de um dos Exilados. Era Phil. Seus olhos brancos se abriram e ele gritou, caindo na grama quando o caiaque o feriu. Imobilizado e desamparado, suas asas sujas se contorciam no chão. Por um instante, Miles parecia orgulhoso de si mesmo e Luce sentiu um pouco de orgulho também. Mas, então, uma pequena menina Exilada se adiantou, inclinou a cabeça como um cão ouvindo um assobio no silêncio, levantou o arco de prata e apontou à queima-roupa no peito de Miles. - Sem misericórdia. – Ela disse sem emoção. Miles estava indefeso contra essa menina estranha que parecia que não tinha conhecimento da misericórdia, nem mesmo pela criança mais bonita e mais inocente do mundo. - Pare! – Luce gritou, o coração batendo forte em seus ouvidos enquanto corria para fora do galpão. Podia sentir a batalha acontecer ao seu redor, mas tudo que podia ver era aquela flecha, prestes a entrar no peito de Miles. Preparada para matar mais um de seus amigos. A cabeça da menina Exilada virou-se no pescoço. Seus olhos vagos ligados em Luce, em seguida, abriram-se ligeiramente, assim como Arriane havia dito, ela realmente podia ver a queima da alma de Luce. - Não atire nele. – Luce estendeu as mãos em sinal de rendição. – Eu sou o que você quer. Capítulo 19 – A Trégua se Quebrou A menina Exilada abaixou o arco. Quando a seta relaxou ao longo da corda, esta rangeu, como se abrindo uma porta de sótão. Seu rosto estava calmo como um lago tranquilo, num dia sem vento. Ela era da altura de Luce, com pele clara e úmida, lábios pálidos e covinhas mesmo na ausência de um sorriso. - Se você quer o menino vivo. – Ela disse, com uma voz monótona. – Eu entregarei a você. Ao redor deles, os outros tinham parado de lutar. O balanço de pneu rolou até parar, batendo contra o canto da cerca. As asas de Roland desaceleraram até uma batida suave e que o levou para a terra. Todos estavam parados, mas o ar estava carregado com um silêncio elétrico. Luce podia sentir o peso de tantos olhares caírem sobre ela: Callie, Miles e Shelby. Daniel, Arriane e Gabbe. Cam, Roland e Molly. Os olhares cegos dos Exilados. Mas ela não podia se deslocar para longe da garota de olhos brancos. - Você não vai matá-lo... Se eu não mandar? – Luce estava tão confusa, ela riu. – Eu pensei que você queria me matar. - Matá-la? – A voz mecânica da menina se agitou, registrando surpresa. – De jeito nenhum. Nós morreríamos por você. Nós queremos que você venha conosco. Você é a última esperança. Nossa entrada. - Entrada? – Miles falou o que Luce estava surpresa demais para dizer. – Para o quê? - Para o Céu, é claro. – A menina olhou para Luce com seus olhos mortos. – Você é o preço. - Não. – Luce sacudiu a cabeça, mas as palavras da menina bateram na porta de sua mente, ecoando de um modo que a fez se sentir tão vazia que mal podia suportar. Entrada no Céu. O preço. Luce não entendeu. Os Exilados iriam levá-la e fazer o quê? Usá-la como uma espécie de barganha? Esta menina nem sequer podia ver Luce para saber quem ela era. Se Luce havia aprendido uma coisa em Shoreline, era que ninguém podia manter os mitos no lugar. Estavam muito velhos, muito envolvidos. Todo mundo sabia que havia uma história, uma que Luce tinha sido envolvida há um longo tempo, mas ninguém parecia saber o porquê. - Não dê ouvidos a ela, Luce. Ela é um monstro. – As asas de Daniel estavam tremendo. Como se ele achasse que ela fosse sentir vontade de cair na história. Os ombros de Luce começaram a coçar, um formigamento quente, que deixou o resto de seu corpo frio. - Lucinda? – A menina Exilada chamou. - Ok, espere um minuto. – Luce disse para a garota. Ela se virou para Daniel. – Eu quero saber: O que é essa trégua? E não me diga que não é nada e não me diga que você não pode explicar. Diga-me a verdade. Você deve isso a mim. - Você está certa. – Disse Daniel, surpreendendo Luce. Ele continuava olhando furtivamente para a Exilada, como se ela pudesse desaparecer com Luce a qualquer momento. – Cam e eu que o estabelecemos. Nós concordamos em deixar de lado nossas diferenças por dezoito dias. Todos os anjos e demônios. Nós nos unimos para caçar os outros inimigos. Como eles – Apontou para a Exilada. - Mas por quê? - Por causa de você. Porque você precisava de tempo. Nossos objetivos finais podem ser diferentes, mas agora, Cam e eu – e todos de nossa espécie – trabalhamos como aliados. Nós temos uma prioridade em comum. O vislumbre que Luce tinha visto no Anunciador, aquela cena repugnante com Daniel e Cam trabalhando juntos... Era para aceitar na boa porque tinham concordado por uma trégua? Para dar tempo a ela? - Não se você nem mesmo se mantém na trégua. – Cam cuspiu na direção de Daniel. – Quão boa é uma trégua se você não a honra? - Você também não se manteve nela. – Disse Luce a Cam. – Você estava na floresta no lado de fora de Shoreline. - Protegendo você! – Disse Cam. – Não a levando para sair para uma passeata ao luar! Luce se virou para Arriane. - O que quer que seja essa trégua ou que não seja, uma vez que esteja acabada, significa que... Cam de repente é o inimigo novamente? E Roland também? Isso não faz nenhum sentido. - Diga a palavra, Lucinda. – Disse a Exilada. – Vou te levar pra longe de tudo isso. - Para o quê? Para onde? – Luce perguntou. Havia algo de atraente em apenas fugir. De toda a mágoa, da luta e da confusão. - Não faça algo que você vai se arrepender, Luce. – Cam advertiu. Era estranho o jeito como ele soava como a voz da razão, em relação a Daniel, que parecia praticamente paralisado. Luce olhou à sua volta, pela primeira vez desde que saiu do galpão. Os combates cessaram. O mesmo feltro de poeira que havia revestido o cemitério de Sword & Cross agora endurecia a grama do quintal. Enquanto o grupo de anjos parecia totalmente intacto e contabilizado, os Exilados haviam perdido a maioria de seu exército. Cerca de dez estavam à distância, observando. Seus arcos de prata estavam abaixados. A menina Exilada ainda estava esperando pela resposta de Luce. Seus olhos brilhavam no meio da noite e os pés avançavam para trás quando os anjos se pressionavam mais perto dela. Quando se aproximou de Cam, a menina levantou o arco de prata de novo, lentamente, e o apontou no coração dele. Luce o assistiu endurecer. - Você não quer ir com os Exilados. – Ele disse à Luce. – Ainda mais nesta noite. - Não diga a ela o que querer ou não querer. – Shelby se intrometeu. – Eu não estou dizendo que ela deveria ir com os retardados albinos ou qualquer coisa assim. Apenas parem de tratá-la como bebê e a deixe fazer as coisas sozinhas por uma vez. Já chega disso. A voz dela explodiu em todo o quintal, fazendo a menina Exilada saltar. Ela virou-se para apontar sua flecha para Shelby. Luce prendeu a respiração. A seta de prata tremia nas mãos da Exilada. Ela puxou a corda. Luce prendeu a respiração, mas antes que a menina pudesse disparar, os olhos brilhantes se abriram. O arco caiu de suas mãos e seu corpo desapareceu em um clarão ofuscante de luz cinzenta. Dois pés atrás de onde a menina Exilada tinha estado, Molly abaixou o arco de prata. Ela atirou habilmente na menina pelas costas. - O quê? – Molly latiu quando todo o grupo se voltou para se embasbacar com ela. – Eu gosto da Nephilim. Ela me lembra de alguém que conheço. Ela puxou o braço para dar um aceno a Shelby, que disse: - Obrigada. Sério mesmo. Isso foi legal. Molly deu de ombros, ignorando a gigantesca presença negra subindo por trás dela. O menino Exilado que Miles tinha jogado no chão com o caiaque. Phil. Ele lançou o caiaque para trás do corpo, como se fosse um bastão de beisebol e golpeou Molly, a jogando no gramado. Ela caiu com um grunhido na grama. Jogando o caiaque de lado, o Exilado enfiou a mão no bolso do sobretudo para pegar uma última flecha que brilhava. Seus olhos mortos eram a única parte sem expressão de seu rosto. O resto dele, o seu rugido, sua testa, até as maçãs do rosto, pareciam totalmente ferozes. Sua pele branca parecia esticada no crânio. Suas mãos se pareciam mais com garras. A raiva e o desespero tinham mudado de um cara pálido e estranho para o que mais parecia com um monstro de verdade. Ele ergueu seu arco de prata e mirou em Luce. - Estive esperando pacientemente a minha chance com você por semanas. Agora eu não me importo de ser um pouco mais forte do que minha irmã. – Ele rosnou. – Você irá conosco. Em ambos os lados de Luce, arcos de prata estavam levantados. Cam pegou a dele de volta de dentro do casaco outra vez e Daniel mexeu no chão para pegar o arco que a menina Exilada tinha acabado de deixar cair. Phil parecia esperar por isso. Seu rosto em um sorriso torcido e escuro. - Eu preciso matar seu amado para fazê-la vir comigo? – Perguntou ele, apontando sua flecha, agora para Daniel. – Ou eu preciso matar todos eles? Luce olhou para a ponta estranha e plana da flecha de prata, menos de dez metros do peito de Daniel. Sem chance de Phil errar a essa distância. Viu as flechas extinguirem uma dúzia de anjos esta noite com aquele flash insignificante de luz, mas também tinha visto a flecha se desviar da pele de Callie, como se não fosse nada mais do que um graveto cego. De repente percebeu que as flechas de prata matavam anjos, não humanos. Ela pulou na frente de Daniel. - Eu não vou te deixar machucá-lo. E as suas flechas não podem me machucar. Um som escapou de Daniel, um som estranho, meio riso, meio soluço. Ela se virou para ele, de olhos arregalados. Ele olhou com medo, mas mais do que isso, olhou culpado. Ela pensou na conversa que tiveram debaixo do pessegueiro retorcido em Sword & Cross na primeira vez que ele tinha contado a ela sobre suas reencarnações. Lembrou-se de estar com ele na praia em Mendocino quando ele falou do seu lugar no Céu antes dela. Que luta que foi fazer com que ele se abrisse sobre aqueles dias antigos. Ainda sentia como se houvesse mais. Tinha que haver mais. O ranger da corda trouxe sua atenção de volta para o Exilado, que estava puxando para trás a flecha de prata. Agora se destinando a Miles. - Chega de conversa. – Disse ele. – Eu vou matar seus amigos um a um até que você se entregue a mim. Em sua mente, Luce viu uma luz brilhante piscar, um redemoinho de cores e um rodopio de imagens de suas vidas passando como flash diante de seus olhos, sua mãe, seu pai e Andrew. Os pais que tinha visto em Monte Shasta. Vera esquiando sobre o lago congelado. A menina que tinha sido, nadando na cachoeira em um maiô amarelo de alças. Outras cidades, casas, e os tempos que ela ainda não conseguia reconhecer. O rosto de Daniel em milhares de ângulos diferentes, sob mil luzes diferentes. E incêndio após incêndio. Então piscou os olhos e estava de volta ao quintal. Os Exilados estavam se aproximando, se juntando e sussurrando para Phil. Ele estava os mandando se afastarem com as mãos, agitado, tentando se concentrar em Luce. Todo mundo esta tenso. Viu Miles a olhando. Ele deve ter ficado apavorado. Mas não, não apavorado. Ele se fixava nela com tanta intensidade que seu olhar parecia vibrar em seu interior. Luce ficou tonta e sua visão ficou turva. O que se seguiu foi uma sensação estranha de algo sendo tirado dela. Como um revestimento a ser removido de sua pele. E ela ouviu sua voz dizer. - Não disparem. Eu me rendo. Só que estava ecoando e desencarnando, e Luce não tinha realmente dito essas palavras. Ela o seguiu com os olhos e seu corpo ficou rígido com o que viu. Outra Luce de pé atrás do Exilado, batendo-lhe no ombro. Mas esta não era nenhum vislumbre de uma vida anterior. Esta era ela, em sua calça jeans skinny preta e camisa xadrez com um botão faltando. Com seu cabelo preto cortado e recém-tingido. Com os olhos cor de avelã provocando o Exilado. Com a queima da mesma alma claramente visível para ele. Claramente visível para todos os outros anjos também. Isto era uma imagem de espelho dela. Isto era – Miles está fazendo isso. O dom dele. Ele tinha fragmentado Luce numa outra ela, assim como ele disse a ela que podia fazer em seu primeiro dia em Shoreline. Dizem que é fácil de fazer com as pessoas que meio que ama, ele disse. Ele a amava. Ela não podia pensar nisso agora. Enquanto todos os olhos estavam atraídos para a reflexão, a Luce de verdade recuou dois passos e se escondeu dentro do galpão. - O que está acontecendo? – Cam gritou para Daniel. - Eu não sei! – Daniel sussurrou com a voz rouca. Só Shelby parecia entender. - Ele fez isso. – Disse ela baixinho. O Exilado girou seu arco para mirar esta nova Luce. Como se ele não confiasse muito na vitória. - Vamos fazer assim. – Luce ouviu sua própria voz dizendo no meio do quintal. – Eu não posso ficar aqui com eles. Muitos segredos. Muitas mentiras. Uma parte dela se sentia dessa forma. Que ela não podia continuar assim. Que algo tinha que mudar. - Você vai vir comigo e se juntar aos meus irmãos e minhas irmãs? – O Exilado disse, soando esperançoso. Seus olhos lhe causaram náuseas. Ele estendeu a mão fantasmagoricamente branca. - Luce, não. – Daniel prendeu a respiração. – Você não pode. Agora, os Exilados restantes levantaram seus arcos contra Daniel, Cam e o resto deles para que não interferissem. O espelho de Luce avançou. Enfiou a mão dentro das de Phil. - Sim, eu posso. O monstro Exilado a embalou em seus rígidos braços brancos. Houve um grande retalho de asas sujas. Uma nuvem de poeira saiu do solo. Dentro do galpão, Luce prendeu a respiração. Ouviu o suspiro de Daniel quando o espelho de Luce e os Exilados dispararam para fora do quintal. O resto deles olhou incrédulo. Exceto Shelby e Miles. - O que diabos aconteceu? – Arriane disse. – Será que ela realmente. - Não! – Daniel chorou. – Não, não, não! O coração de Luce doeu quando ele puxou o cabelo, girou em um círculo e deixou suas asas floresceram para fora, para seu real tamanho. Imediatamente, a frota dos Exilados restantes abriram suas próprias asas marrons sujas e levantaram voo. Suas asas eram tão finas que eles tinham que bater freneticamente só para ficarem no ar. Eles estavam se aproximando de Phil. Tentando formar um escudo em torno dele para que ele pudesse levar Luce para onde quer que ele pense que a estava levando. Mas Cam foi mais rápido. Os Exilados estavam, provavelmente, a vinte metros no ar quando Luce ouviu uma última flecha solta de seu arco. A flecha de Cam não era para Phil. Era para Luce. E sua mira perfeita. Luce congelou quando sua imagem de espelho desapareceu em um grande brilho de luz branca. No céu, as asas esfarrapadas de Phil estremeceram abertas. Vazias. Um rugido horrível escapou de sua boca. Ele começou a girar de volta na direção de Cam, seguido por seu exército de Exilados, mas então parou no meio do caminho. Como se ele tivesse percebido que não havia mais motivo para voltar. - Então começa de novo. – Ele falou para Cam. Para todos eles. – Poderia ter terminado de forma pacífica, mas esta noite você fez uma nova seita de inimigos mortais. Da próxima vez não vamos negociar. Em seguida, os Exilados desapareceram na noite. De volta ao quintal, Daniel se lançou em Cam, o jogando ao chão. - O que há de errado com você? – Ele gritou, seus punhos chorosos se debatendo no rosto de Cam. – Como você pôde? Cam se esticou para detê-lo. Eles rolaram um sobre o outro na grama. - Foi um fim melhor para ela, Daniel. Daniel estava perturbado, atacando Cam, batendo a cabeça dele no chão. Os olhos de Daniel brilhavam. - Eu vou te matar! - Você sabe que eu tenho razão! – Cam gritou, sem nem lutar de volta. Daniel congelou. Fechou os olhos. - Eu não sei de nada agora. – Sua voz era áspera. Tinha agarrado Cam pela lapela, mas agora ele apenas se deixou cair no chão, enterrando seu rosto na grama. Luce queria ir até ele. Para cair em cima dele e lhe dizer que tudo ia ficar bem. Só que não ia. O que tinha visto esta noite foi demais. Sentiu-se mal ao ver – sua imagem de espelho de Miles – morrer por uma starshot. Miles tinha salvado sua vida. Não conseguia se recuperar disso. E o resto deles pensou que Cam tinha terminado com isso. Sua cabeça estava tonta quando avançou das sombras do galpão, planejando contar aos outros para não se preocupar, que ela ainda estava viva, mas então percebeu a presença de outra coisa. Um Anunciador estava tremendo na porta. Luce saiu do galpão e se aproximou dele. Lentamente, se libertou de uma sombra projetada pela lua. Ele deslizou ao longo da relva em direção a ela por uns metros, pegando uma camada suja de poeira deixada pela guerra. Quando chegou em Luce, estremeceu e subiu ao longo de seu corpo, até que pairou sombriamente sobre sua cabeça. Ela fechou os olhos e se sentiu levantar a mão para encontrá-lo. A escuridão caiu descansando na palma de sua mão. Ele fez um som frio escaldante. - O que é isso? – A cabeça de Daniel girou rapidamente por causa do barulho. Ele se levantou do chão. – Luce! Ela ficou parada enquanto os outros engasgavam ao vê-la de pé em frente ao galpão. Ela não queria vislumbrar o Anunciador. Tinha visto o suficiente por uma noite. Nem sabia por que estava fazendo isso. Até que ela vislumbrou. Não estava procurando por uma visão, estava procurando por uma saída. Algo distante o suficiente para se transpassar. Tinha passado muito tempo desde que ela tinha tido um momento para pensar por conta própria. O que ela precisava era de um tempo. De tudo. - Hora de ir. – Disse ela para si mesma. A porta-sombra que se apresentava à sua frente não era perfeita, estava recortada em torno das bordas e fedia a esgoto, mas Luce rompeu a superfície dele mesmo assim. - Você não sabe o que está fazendo, Luce! – A voz de Roland chegou a ela na beira da porta. – Isso pode a levar para qualquer lugar! Daniel estava em pé, correndo em sua direção. - O que você está fazendo? Podia ouvir o profundo alívio em sua voz porque ela ainda estava viva e o puro cântico por ela poder manipular o Anunciador. A ansiedade dele só a impulsionou para dentro. Queria olhar para trás para se desculpar com Callie, para agradecer Miles pelo o que tinha feito, parar dizer a Arriane e Gabbe para não se preocuparem da maneira que sabia que elas iriam de qualquer maneira, para deixar uma palavra para os pais. Para dizer a Daniel que não a seguisse, que precisava fazer isso por si própria, mas sua chance de se libertar estava se fechando. Então deu um passo à frente e chamou por cima do ombro por Roland. - Acho que vou ter que descobrir. Com o canto do olho, viu Daniel correndo em sua direção. Como se não tivesse acreditado até agora que ela faria isso. Ela sentiu as palavras subindo na garganta. Eu te amo. Ela amava. Ela amava para sempre. Mas se ela e Daniel sofreram desde sempre, o amor deles podia esperar até que ela descobrisse algumas coisas importantes sobre si mesma. Sobre suas vidas e a vida que tinha à sua frente. Esta noite só tinha tempo de dar adeus, dar uma respiração profunda e saltar para a sombra triste. Para dentro da escuridão. Para dentro de seu passado. Epílogo – Pandemônio - O que aconteceu? - Para onde ela foi? - Quem lhe ensinou como fazer isso? As vozes frenéticas no quintal pareciam vacilantes e distantes para Daniel. Ele sabia que os outros anjos caídos estavam discutindo, procurando por Anunciadores nas sombras do pátio. Daniel era uma ilha, fechado para tudo, exceto para sua própria agonia. Ele havia fracassado com ela. Ele havia fracassado. Como pode ser? Durante semanas, ele tinha se esforçado tanto, seu único objetivo de mantê-la segura até o momento quando ele já não pudesse mais lhe oferecer proteção. Agora aquele momento tinha chegado e acabado – o mesmo aconteceu com Luce. Qualquer coisa podia acontecer com ela. E ela poderia estar em qualquer lugar. Ele nunca se sentira tão vazio e com vergonha. - Por que não podemos achar o Anunciador que ela transpassou, recompor os pedaços e ir atrás dela? – O menino Nephilim. Miles. Estava de joelhos, penteando a grama com os dedos. Como um idiota. - Eles não trabalham dessa forma. – Daniel rosnou para ele. – Quando você pisa no tempo, você leva o Anunciador com você. É por isso que nunca dá para fazer, a menos que... Cam olhou para Miles, quase com pena. - Por favor, diz para mim que Luce sabe mais sobre viagens no Anunciador do que você. - Cale a boca. – Disse Shelby, que repousava sobre Miles de forma protetora. – Se ele não tivesse criado a reflexão de Luce, Phil a teria levado. Shelby parecia guardada e com medo, se sentindo deslocada entre os anjos caídos. Anos atrás ela tinha tido uma paixão por Daniel, que nunca retribuiu, é claro. Mas até hoje, ele sempre tinha gostado da menina. Agora ela estava apenas no caminho. - Você mesmo disse que Luce estaria melhor morta do que com os Exilados. – Disse ela, ainda defendendo Miles. - Os Exilados que todos vocês convidaram até aqui. – Arriane entrou na conversa, se virando para Shelby, cujo rosto ficou vermelho. - Por que você assumiria que alguma criança Nephilim consegue detectar os Exilados? – Molly desafiou Arriane. - Você estava naquela escola. Você deve ter notado alguma coisa. - Todos vocês: Quietos. – Daniel não conseguia pensar direito. O quintal estava cheio de anjos, mas a ausência de Luce o fez parecer totalmente vazio. Ele mal conseguia ficar ali olhando para os outros. Shelby, por andar bem na direção da fácil dos Exilados. Miles, por pensar que ele tinha algum interesse no futuro de Luce. Cam, pelo o tentara fazer... Ah, aquele momento em que Daniel pensou que ele a tinha perdido para a starshot de Cam! Suas asas pareciam muito pesadas para se levantar. Mais frias que a morte. Nesse instante, havia perdido toda a esperança. Mas era apenas uma ilusão. Uma reflexão criada, nada de especial em circunstâncias normais, mas esta noite era a última coisa que Daniel tinha esperado. Tinha lhe dado um choque horrível. Um que tinha quase o matado. Até a alegria da ressurreição dela. Ainda havia esperança. Contanto que ele pudesse a encontrar. Ele havia ficado atordoado vendo Luce abrir a sombra. Aterrorizado, impressionado e dolorosamente atraído por ela, mas mais do que tudo isso, chocado. Quantas vezes ela tinha feito isso antes, sem mesmo ele saber? - O que você acha? – Cam perguntou, chegando ao seu lado. Suas asas se fecharam uma em direção a outra, aquela antiga força magnética, e Daniel estava muito esgotado para se afastar. - Estou indo atrás dela. – Disse ele. - Bom plano. – Cam zombou. – Apenas vá atrás dela. Qualquer lugar no tempo e no espaço através dos muitos milhares de anos. Por que você precisaria de uma estratégia, hein? Seu sarcasmo fez com que Daniel quisesse o atacar pela segunda vez. - Eu não estou pedindo sua ajuda e seus conselhos, Cam. Apenas duas starshots permaneceram no quintal: A que ele pegara da Exilada que Molly matara e a que Cam tinha encontrado na praia no começo da trégua. Teria havido uma boa simetria se Cam e Daniel viessem trabalhando como inimigos até agora, dois arcos, duas starshots, dois inimigos imortais. Mas não. Ainda não. Eles tinham que eliminar tantos outros antes que pudessem se voltar um contra o outro mais uma vez. - O que Cam quer dizer é... – Roland ficou entre eles, falando com Daniel em voz baixa. – É que isto pode precisar algum esforço de equipe. Eu já vi a forma como estas crianças atravessam os Anunciadores. Ela não sabe o que está fazendo, Daniel. Ela vai se meter em problemas muito rapidamente. - Eu sei. - Não é um sinal de fraqueza nos deixar ajudar. – Disse Roland. - Eu posso ajudar. – Shelby falou. Estava sussurrando com Miles. – Eu acho que sei onde ela está. - Você? – Daniel perguntou. – Você já ajudou bastante. Vocês dois. - Daniel... - Eu conheço Luce melhor do que ninguém no mundo. – Daniel se afastou de todos eles, em direção ao espaço escuro e vazio no quintal onde ela tinha transpassado. – Muito melhor que qualquer um de vocês jamais conheceria. Eu não preciso da ajuda de vocês. - Você conhece o passado dela. – Disse Shelby, entrando na frente dele para que ele tivesse que olhar para ela. – Você não sabe o que ela passou nas últimas semanas. Eu sou aquela que tem estado por perto enquanto ela vislumbrava suas vidas passadas. Eu sou a única que viu seu rosto quando ela encontrou a irmã que perdeu quando você a beijou e ela... – A voz de Shelby morreu. – Eu sei que vocês todos me odeiam agora, mas eu juro por – Ah, o que quer que seja que vocês acreditam. Vocês podem confiar em mim daqui para frente. Em Miles também. Nós queremos ajudar. Nós vamos ajudar. Por favor. – Ela estendeu as mãos até Daniel. – Confiem em nós. Daniel se livrou dela. Confiança como uma atividade sempre o incomodava. O que ele tinha com Luce era inabalável. Nunca houve nenhuma necessidade ainda de trabalhar por confiança. O amor deles apenas era a confiança. Mas por toda a eternidade, Daniel nunca tinha sido capaz de encontrar fé em ninguém ou nada. E ele não queria começar a encontrar agora. Descendo a rua, um cão latiu. Então, novamente, mais alto. Mais perto. Os pais de Luce, voltando do passeio. No quintal escuro, os olhos de Daniel se encontraram com os de Gabbe. Ela estava em pé perto de Callie, provavelmente a consolando. Ela já tinha recolhido as asas. - Apenas vá. – Gabbe falou afetadamente com ele no quintal desolado e poeirento. O que ela quis dizer era vão buscá-la. Ela iria lidar com os pais de Luce. Iria cuidar para que Callie chegasse em casa. Cobririam todas as bases a fim de que Daniel pudesse ir atrás do que importava. Nós vamos encontrá-lo e ajudálo o mais rapidamente possível. A lua se escondeu por trás de uma névoa de nuvem. A sombra de Daniel se alongou na relva em seus pés. Ele a observou inchar um pouco, depois começou a formar o Anunciador dentro dela. Quando a fria e úmida escuridão se encostou nele, Daniel percebeu que não tinha atravessado no tempo em anos. Olhar para trás não era normalmente seu estilo. Mas os gestos ainda estavam nele, enterrados em suas asas, em sua alma ou em seu coração. Moveu-se rapidamente, desgarrando o Anunciador para fora de sua própria sombra, dando-lhe um rápido beliscão para soltá-lo no chão. Então ele a lançou, como um pedaço de barro, no ar diretamente na sua frente. Ela formou um portal limpo e finito. Tinha feito parte de cada uma das vidas passadas de Luce. Não havia razão para ele não ser capaz de encontrá-la. Abriu a porta. Não há tempo a perder. Seu coração ia o levar até ela. tinha um senso natural de que algo ruim estava para acontecer, mas uma esperança de que algo incrível estava esperando à distância. Tinha que estar. Seu amor ardente por ela percorria por ele até que sentiu tão cheio que não sabia se iria caber através do portal. Colocou suas asas perto, contra seu corpo e saltou para o Anunciador. Atrás dele, no quintal, uma comoção distante. Sussurros, cochichos e gritos. Ele não se importava. Ele não se importava com nenhum deles, de verdade. Somente ela. Então gritou quando rompeu. - Daniel. Vozes. Atrás dele, seguindo, ficando mais perto. Chamando seu nome enquanto entrava num túnel profundo e mais profundo para o passado. Será que a encontraria? Sem sombra de dúvida. Será que ele a salvaria? Sempre. Fim.