TORMENT
Sumário
Prólogo - Águas Neutras
Capítulo 01 - Dezoito Dias
Capítulo 02 - Dezessete Dias
Capítulo 03 - Dezesseis Dias
Capítulo 04 - Quinze Dias
Capítulo 05 - Catorze Dias
Capítulo 06 - Treze Dias
Capítulo 07 - Doze Dias
Capítulo 08 - Onze Dias
Capítulo 09 - Dez Dias
Capítulo 10 - Nove Dias
Capítulo 11 - Oito Dias
Capítulo 12 - Sete Dias
Capítulo 13 - Seis Dias
Capítulo 14 - Cinco Dias
Capítulo 15 - Quatro Dias
Capítulo 16 - Três Dias
Capítulo 17 - Dois Dias
Capítulo 18 - Dia de Ação de Graças
Capítulo 19 - A Trégua foi Quebrada
Epílogo – Pandemônio
Prólogo - Águas Neutras
Daniel olhava para a baía. Seus olhos eram tão cinzas quanto a pesada névoa
envolvendo o litoral de Sausalito, com a água agitada lambendo a praia de
cristais embaixo de seus pés. Não havia nenhuma violeta em seus olhos, ele
podia sentir. Ela estava tão longe.
Ele se preparou para o toque da tempestade fora da água. Puxou o grosso
casaco preto mais perto, porém soube que seria inútil. Caçar sempre o deixava
com frio.
Apenas uma coisa poderia aquecê-lo hoje e ela estava inalcançável. Sentia
falta de como o alto de sua cabeça era o lugar perfeito para descansar seus
lábios. Imaginou seus braços preenchidos pelo corpo dela, se inclinando para
beijar seu pescoço. Mas era bom que Luce não pudesse estar aqui agora. O
que ela veria a deixaria aterrorizada.
Atrás dele, a lamúria dos leões-marinhos caindo pesadamente ao longo da
costa de Angel Island soava o modo como ele se sentia: Solitariamente
abalado, sem ninguém perto para ouvir.
Ninguém exceto Cam.
Ele estava agachado na frente de Daniel, amarrando uma âncora enferrujada
ao redor de uma notável figura molhada aos seus pés. Mesmo envolvido em
algo tão sinistro, Cam parecia bem. Seus olhos verdes brilhavam e seu cabelo
preto estaca cortado curto. Era a trégua; sempre trazia um rubor mais intenso
nas bochechas dos anjos, um brilho aos seus cabelos e, até mesmo, uma
definição mais acentuada nos músculos impecáveis de seus corpos. Dias de
trégua são para os anjos o que as férias na praia são para os humanos.
Mesmo que doesse em Daniel cada vez que era forçado a interromper uma
vida humana, para qualquer outra pessoa ele parecia como um cara voltando
de uma semana no Havaí: Relaxado, descansado e bronzeado.
Apertando um de seus complicados nós, Cam disse:
- Típico Daniel. Sempre se afastando e me deixando com o trabalho sujo.
- Do que você está falando? Eu que acabei com ele. – Daniel olhou para o
homem morto, para seu firme cabelo cinza emaranhado na testa pálida, para
suas mãos nodosas e suas baratas galochas de borracha, para o rasgo
vermelho escuro em seu peito. Isso fez com que Daniel se sentisse frio de
novo. Se matar não fosse necessário para garantir a segurança de Luce, para
salvá-la, Daniel nunca levantaria outra arma. Nunca lutaria em outra briga.
E alguma coisa no que se diz respeito à morte desse homem não parece estar
certa. Na verdade, Daniel tinha uma vaga e preocupante sensação de que algo
estava profundamente errado.
- Acabar com eles é a parte divertida. – Cam enrolou a corda ao redor do peito
do homem e apertou em baixo dos braços dele. – O trabalho sujo é jogá-los no
mar.
Daniel ainda segurava o galho de árvore com sangue em suas mãos. Cam riu
da escolha, mas não importava para Daniel o que tinha usado. Ele podia matar
com qualquer coisa.
- Depressa! – Rosnou, enojado pelo evidente prazer que Cam teve no
derramamento de sangue humano. – Você está desperdiçando tempo. A maré
está descendo.
- Se não fizermos desse modo, a maré alta amanhã trará Slayer de volta à
costa. Você é muito impulsivo, Daniel, sempre foi. Você sempre pensa mais
que um passo à frente?
Daniel cruzou os braços e olhou para as cristas brancas das ondas. Um
catamarã turístico vindo do píer de São Francisco estava deslizando em
direção a eles. Outrora, a visão daquele barco poderia ter trago de volta uma
enchente de memórias. Milhares de viagens felizes que ele havia feito com
Luce através de milhares mares de vidas passadas. Mas agora – agora que ela
pode morrer e nunca mais voltar, nessa vida onde tudo era diferente e não
haveria mais nenhuma reencarnação – Daniel sempre esteve ciente o quanto a
memória dela era vazia. Essa era a última tentativa para os dois. Para todos,
na verdade. Então eram as memórias de Luce, e não a de Daniel, que
importavam, e tantas verdades chocantes teriam que ser cuidadosamente
trazidas à superfície se ela sobrevivesse. O pensamento do que ela tinha que
aprender fez com que todo o seu corpo ficasse tenso.
Se Cam pensava que Daniel não estava pensando no próximo passo, estava
errado.
- Você sabe que só há um único motivo de ainda estar aqui. – Daniel disse. –
Nós precisamos conversar sobre ela. Cam riu.
- Eu ia. – Com um gemido, ele ergueu o corpo encharcado por cima do ombro.
O terno azul-marinho do homem morto amontoado em torno das linhas da
corda que Cam havia amarrado. A pesada âncora repousava em seu peito
ensanguentado.
– Este era valentão, não era? – Cam perguntou. – Estou quase insultado que
os Anciãos não mandaram um pistoleiro mais desafiador.
Então - como se fosse um lançador de peso olímpico - Cam dobrou os joelhos,
rodou três vezes no vento e lançou o homem morto para a água, a claros cem
mil metros no ar.
Por alguns longos segundos, o corpo boiou na baía. Então o peso da âncora o
arrastou para baixo... Para baixo... Para baixo. Esguichou para dentro da água.
E, instantaneamente afundou até se perder de vista. Cam limpou as mãos.
- Acho que eu acabo de bater um recorde.
Eles eram parecidos em tantas formas, mas Cam era algo pior: Um demônio
que era capaz de atos desprezíveis sem nenhum remorso. Daniel estava
devastado pelo remorso. E agora, estava devastado pelo amor.
- Você lida com a morte humana muito superficialmente. – Disse Daniel.
- Esse cara merecia. – Respondeu Cam. – Você realmente não leva tudo isso
na esportiva?
Daniel foi a sua cara e cuspiu:
- Ela não é um jogo para mim.
- E é exatamente por isso que você vai perder.
Daniel agarrou Cam pela gola de seu casaco cinza-chumbo. Ele considerou
arremessá-lo na água da mesma forma que ele arremessou o predador. Uma
nuvem acumulou-se além do sol, sua sombra escureceu o rosto dos dois.
- Calma. – Disse Cam, erguendo as mãos. – Você tem vários inimigos, Daniel,
mas agora eu não sou um deles. – Lembre-se da trégua.
- Trégua para alguns. – Disse Daniel – Dezoito dias de outros tentando matá-la.
- Dezoito dias de nós os pegando. – Cam corrigiu.
Era uma tradição angelical que uma trégua dure dezoito dias. No céu, dezoito
era o mais divino e sortudo número: Um registro de afirmação da vida de dois
setes (as virtudes dos arcanjos e cardeais), equilibrados com a advertência dos
quatro cavaleiros do Apocalipse. Em algumas linguagens mortais, dezoito tinha
vindo a significar a própria vida, embora, nesse caso, para Luce, poderia
facilmente significar morte.
Cam estava certo. Como as notícias da sua imortalidade escorreram as
camadas celestiais, as fileiras de inimigos dobrariam de redobrariam cada dia.
Senhoria Sophia e seus companheiros, os Vinte-Quatro Anciãos de Zhsmaelin,
ainda estavam atrás de Luce. Daniel havia os vislumbrado nas sombras
mandadas pelos Anunciadores bem nessa manhã. Havia percebido algo a
mais, uma intensa e obscura astúcia, uma que ele não havia reconhecido no
começo.
Um raio de sol furou as nuvens e algo brilhou no canto da visão de Daniel.
Virou-se e ajoelhou-se para encontrar uma única flecha plantada na areia
molhada. Era mais fina do que uma normal, de cor prata fosca e com desenhos
gravados ao seu redor. Estava quente ao toque.
A respiração de Daniel ficou presa na garganta. Havia eras desde que ele tinha
visto um Starshot (tiro de estrela). Seus dedos tremeram quando ele
gentilmente tirou-a da areia, tomando cuidado para evitar sua ponta mortal.
Agora ele soube de onde aquela outra escuridão tinha vindo nesta manhã dos
Anunciadores. A notícia foi ainda pior do que ele temia. Virou-se para Cam, a
flecha com plumas luminosas equilibrada em suas mãos:
- Ele não estava agindo sozinho.
Cam enrijeceu ao ver a flecha. Moveu-se até ela com reverência, chegando a
tocar da mesma forma que Daniel.
- Uma arma muito valiosa para ser deixada para trás. Os Exilados devem ter
tido muita pressa para fugir.
Os Exilados: Uma seita de anjos errantes e covardes evitados tanto pelo Céu
quando pelo Inferno. Sua única grande força era o recluso anjo Azazel, o único
Starsmith remanescente, que ainda sabia a arte de produzir Starshots. Quando
solto do seu arco de prata, uma Starshot poderia causar menos do que uma
ferida num humano, mas para os anjos e demônios, era a arma mais mortal de
todas.
Todos queriam ter uma, mas ninguém estava disposto a se associar aos
Exilados. O comércio de troca das Starshots sempre foi feito clandestinamente,
via mensageiro. O que significava que o cara que Daniel matara não era
nenhum pistoleiro enviado pelos Anciãos. Era apenas um negociante de
mercadorias. Os Exilados, os verdadeiros inimigos, haviam desaparecido à
primeira vista de Daniel e Cam. Daniel estremeceu. Esta não era uma boa
notícia.
- Nós matamos o cara errado.
- Como errado? – Cam o ignorou. – O mundo não está melhor com menos um
predador? A Luce não está melhor? – Ele olhou para Daniel e depois para o
mar.
– O único problema é...
- Os Exilados. – Cam assentiu. – Então agora eles a querem também.
Daniel podia sentir as pontas de suas asas eriçadas sob seu suéter de
cashmere e seu casaco pesado, uma coceira ardente o fez recuar. Ficou
paralisado, com os olhos fechados e seus braços juntos ao corpo, se
esforçando para dominar a si mesmo antes que suas asas possam romper
violentamente como as velas desfraldadas de um navio que o levaria para fora
a ilha, sobre a baía, para longe. Imediatamente na direção dela.
Ele fechou os olhos e tentou imaginar Luce. Teve que se afastar daquela
cabana, do sono tranquilo dela na pequena ilha a leste de Tybee. Estaria à
noite lá. Será que ela estaria acordada? Será que ela estaria com fome?
A batalha na Sword & Cross, as revelações e a morte de sua amiga causaram
muitos danos à Luce. Os anjos esperavam que ela dormisse o dia todo e
durante a noite. Mas, amanhã de manhã, teriam que pôr um plano em prática.
Essa foi a primeira vez que Daniel tinha proposto uma trégua. Para definir os
limites, fazer as regra e elaborar um plano com consequências caso ambos os
lados a violem. Era uma grande responsabilidade para arcar junto ao Cam. É
claro que ele faria qualquer coisa por ela. Só queria ter certeza que fez o certo.
- Nós teremos que escondê-la em algum lugar seguro. – Disse. – Tem uma
escola perto do norte, perto de Fort Bragg...
- A Escola Shoreline. – Cam assentiu. – Estive pensando nela também. Luce
ficaria feliz lá. E educada de uma maneira que não a colocaria em perigo. E,
mais importante, ela estaria protegida.
Gabbe já havia explicado ao Daniel o tipo de camuflagem que a Shoreline
podia proporcionar. Logo, a informação que Luce estava escondida lá se
espalharia, mas por um tempo, pelo menos, dentro do perímetro da escola, ela
estaria quase invisível. Lá dentro, Francesca, um anjo conhecido de Gabbe, iria
tomar conta de Luce. Lá fora, Daniel e Cam iriam caçar e matar qualquer um
que ousasse chegar perto dos limites da escola.
Quem teria contado a Cam sobre Shoreline? Daniel não gostou da ideia de que
o lado dele sabia mais do que o seu. Já estava amaldiçoando a si mesmo por
não visitar o lugar antes deles fazerem a escolha, mas já tinha sido duro
demais deixar Luce quando ele o fez.
- Ela pode começar o mais rápido o possível amanhã. Supondo... – os olhos de
Cam atravessaram o rosto de Daniel – Supondo que você diga sim.
Daniel apertou a mão no bolso da calça, onde guardava uma fotografia recente
de Luce no lago da Sword & Cross com o cabelo molhado brilhando, com um
raro sorriso no rosto. Normalmente, no momento que ele tinha uma chance de
conseguir uma foto dela em uma só vida, ele a perdia novamente. Desta vez,
ela ainda estava aqui.
- Qual é, Daniel... – Cam estava dizendo. – Nós dois sabemos do que ela
precisa. Nós a matriculamos e a deixamos por si só. Não podemos fazer nada
para apressar essa parte além de deixá-la sozinha.
- Eu não posso deixá-la sozinha esse tempo todo. – Daniel jogou as palavras
fora rapidamente. Olhou para a flecha em suas mãos, se sentindo doente. Ele
queria arremessá-la no mar, mas não podia.
- Então... – Cam o pressionou – Você não contou a ela.
Daniel congelou.
- Eu não posso contar nada a ela. Podemos perdê-la.
- Você pode perdê-la. – Cam zombou.
- Você sabe o que eu quis dizer. – Daniel enrijeceu. – É muito arriscado supor
que ela absorva tudo sem...
Ele fechou os olhos para banir a imagem da agonizante chama da brasa. Mas
estava sempre queimando o fundo de sua mente, ameaçando se espalhar
rapidamente. Se contasse a verdade e a matasse, dessa vez ela nunca
voltaria. E seria sua culpa. Não podia fazer nada, pois não conseguiria existir
sem ela. Suas asas queimaram por causa do pensamento. O melhor era
mantê-la abrigada por mais tempo.
- Que conveniente para você. – Cam murmurou. – Eu só espero que ela não
esteja decepcionada.
Daniel o ignorou.
- Você realmente acredita que ela será capaz de aprender nessa escola?
- Acredito. – Cam respondeu devagar. – Supondo que concordamos que ela
não terá nenhuma distração externa. Isso significa sem Daniel e sem Cam.
Essa tem que ser a regra principal.
Não vê-la por dezoito dias? Daniel não conseguir entender. Mais do que isso,
não conseguia ver Luce concordando com isso. Eles acabaram de descobrir
um ao outro nessa vida e finalmente têm a chance de estarem juntos. Mas,
como sempre, explicar os detalhes podia matá-la. Ela não podia ouvir sobre as
vidas passadas dela pela boca dos anjos. Luce não sabia disso ainda, mas
muito em breve, ela estaria sozinha para descobrir... Tudo.
A verdade enterrada – espacialmente o que Luce pensaria dela – horrorizava
Daniel. Mas Luce descobrindo sozinha era a única maneira de romper com
esse terrível círculo. Por causa disso, sua experiência em Shoreline seria
crucial. Por dezoito dias Daniel podia matar muitos Exilados que surgissem em
seu caminho. Mas quando a trégua terminasse tudo estaria nas mãos de Luce
novamente. Somente em suas mãos.
O sol estava se pondo sobre o Monte Tamalpais e a névoa da noite se
enrolava adentro.
- Deixe que eu a levo à Shoreline. – Daniel disse. Esta seria sua última chance
de vê-la.
Cam o olhou curiosamente, se perguntando se cederia. Pela segunda vez,
Daniel teve que forçar fisicamente suas asas doloridas para dentro da pele.
- Certo. – Cam disse no fim. – Em troca da Starshot.
Daniel entregou a arma e Cam a escorregou para dentro de seu casaco.
- Leve-a até a escola e depois me encontre. Não estrague o plano. Eu estarei
observando.
- E depois?
- Você e eu temos uma caçada para fazer.
Daniel assentiu e desfraldou suas asas, sentindo o intenso prazer de soltá-las
por todo o corpo. Parou por um instante, reunindo energia, sentindo a
resistência do vento áspero. Hora de fugir dessa maldita e feia cena, para
deixar suas asas o levarem para um lugar onde ele poderia ser seu verdadeiro
eu.
De volta para Luce.
E de volta à mentira que teria que conviver por mais um tempo.
- A trégua começa amanhã à meia noite. – Daniel gritou, chutando para trás um
borrifo de areia na praia. Decolou e voou através do céu.
Capítulo 1 – Dezoito Dias
Luce planejou manter os olhos fechados por todas as seis horas de voo de
Geórgia até a Califórnia, até o momento em que as rodas do avião tocassem
na pista de São Francisco. Meio acordada, ela achou muito mais fácil fingir que
já estava junto a Daniel de novo.
Parecia uma vida inteira desde que ela tinha o visto, mesmo tendo sido há
poucos dias.
Desde que se despediram na Sword & Cross na sexta-feira de manhã, todo o
corpo de Luce parecia grogue. A ausência de sua voz, de seu calor, o toque de
suas asas: Tinha penetrado em seus ossos, como uma doença estranha.
Um braço tocou nela e ela abriu os olhos. Ela ficou cara a cara com os olhos
arregalados de um rapaz de cabelos castanhos que era alguns anos mais
velho que ela.
- Desculpa. – Ambos disseram ao mesmo tempo, os dois recuando alguns
centímetros para cada lado da poltrona do avião.
Lá fora a visão era espantosa. O avião estava fazendo sua descida em São
Francisco e Luce nunca tinha visto algo parecido com isso antes. À medida que
olhou o lado sul da baía. Um sinuoso afluente azul parecia atravessar a Terra
em seu caminho para o mar. O fluxo dividido por um campo de verde vibrante
num lado e de um redemoinho de algo vermelho e branco do outro. Ela apertou
a testa no painel duplo de plástico e tentou obter uma visão melhor.
- O que é isso? – Perguntou em voz alta.
- Sal. – Respondeu o rapaz, apontando. Ele se inclinou mais perto. – Eles
retiram do Pacífico.
A resposta foi tão simples, tão... Humana. Quase uma surpresa após o tempo
que ela passou com Daniel e os outros. Ela era ainda inexperiente no uso dos
termos literalmente, anjos e demônios.
Ela olhou através da água azul da meia-noite que parecia se esticar
eternamente. Sol sobre a água havia sempre significado manhã na costa
Atlântica, Luce levantou. Mas aqui era quase noite.
- Você não é daqui, é? – Seu colega de assento perguntou.
Luce balançou a cabeça, mas segurou a língua. Seguiu olhando pela janela.
Antes de deixar a Geórgia nesta manhã, o Sr. Cole tinha ensinado a ela sobre
mantes um perfil discreto. Os outros professores haviam sido avisados que os
pais de Luce haviam solicitado uma transferência. Era uma mentira. Até onde
os pais de Luce e qualquer outra pessoa sabiam era que ela ainda estava
matriculada na Sword & Cross. Poucas semanas antes, isso a teria enfurecido
mas as coisas que tinham acontecido nos último dias na escola haviam
transformado Luce em uma pessoa que passou a levar o mundo mais a sério.
Havia deslumbrado um retrato de outra vida, uma das tantas que ela
compartilhou com Daniel antes. Descobriu um amor mais importante para ela
do que qualquer outra coisa que ela imaginou ser possível. E então ela já tinha
visto tudo isso ameaçado por uma velha louca, com um punhal, a quem ela
pensava que podia confiar. Havia mais lá fora como Miss Sophia, isso Luce
sabia, mas ninguém lhe disse como reconhecê-los. Miss Sophia parecia
normal, até o final. Poderiam os outros parecer tão inocentes quanto... Tão
inocentes como esse cara de cabelos castanhos sentado ao seu lado?
Luce engoliu em seco, cruzou as mãos no colo e tentou pensar em Daniel. Ele
estava a levando para algum lugar seguro.
Luce o imaginou a esperando em uma dessas cadeiras de plástico cinza do
aeroporto, com os cotovelos sobre os joelhos, sua cabeça loira enfiada entre os
ombros. Balançando para frente e para trás o seu tênis preto Converse.
Levantando-se a cada poucos minutos para andar ao redor da esteira de
bagagem.
Houve um choque quando o avião tocou o solo. De repente, ela estava
nervosa. Ficaria ele tão feliz em vê-la como ela ficaria em vê-lo? Focou no
padrão bege e marrom sobre o assento de pano em sua frente. Seu pescoço
estava duro por causa do longo voo e suas roupas tinham um velho cheiro de
avião entupido.
A equipe de terra da Marinha, fora da janela parecia estar levando um tempo
anormalmente longo para dirigir o avião ao Jetway. Seus joelhos chacoalhavam
de impaciência.
- Acho que você vai ficar na Califórnia por um tempo. – O cara ao lado dela deu
um sorriso preguiçoso que só fez Luce ficar mais ansiosa para sair.
- Por que você diz isso? – Perguntou rapidamente. – O que faria você pensar
isso? – Ele piscou.
- Com essa enorme sacola vermelha e tudo. – Luce se afastou dele. Ela não o
tinha notado até dois minutos atrás, quando ele tinha abalado o seu despertar.
Como ele sabia de sua bagagem?
- Ei, não se assuste. – Ele atirou-lhe um olhar estranho. – Eu estava de em pé
atrás de você do check-in. – Luce sorriu sem jeito.
- Eu tenho namorado. – Fluiu de sua boca. Instantaneamente suas bochechas
ficaram avermelhadas. O cara tossiu.
- Entendi.
Luce fez uma careta. Ela não sabia o porquê dela dizer isso. Não queria ser
rude, mas a luz do cinto de segurança foi desligada e tudo o que ela queria
fazer era passar por esse cara e sair direto do avião. Ele deve ter tido a mesma
ideia, porque ele se enfiou para trás no corredor e passou a mão em frente.
Tão educadamente quanto pôde, Luce empurrou-se para a saída limitada. Só
para ficarem presos em um gargalo de lentidão agonizante sobre a Jetway.
Silenciosamente xingando todos os californianos casuais que se amontoavam
em sua frente, Luce ficava na ponta dos pés e passou de pé para pé. No
momento em que ela entrou no terminal, ela própria se impulsionava, meio
louca com impaciência.
Finalmente ela conseguia se mover. Movimentou-se habilmente no meio da
multidão e esqueceu tudo sobre o cara que ela acabara de conhecer no avião.
Esqueceu-se de se sentir nervosa pelo fato de nunca ter ido para a Califórnia.
Nunca em sua vida fora para mais do que o oeste de Branson, Missouri,
naquela época, quando seus pais arrastaram-na para ver de perto Yakov
Smirnoff. E, pela primeira vez em dias, até esqueceu momentaneamente as
coisas horríveis que havia visto em Sword & Cross.
Estava indo em direção à única coisa no mundo que tinha o poder para fazê-la
se sentir melhor. A única coisa que poderia fazê-la sentir que toda a angústia
que tinha tido através de todas as sombras, que a batalha irreal no cemitério, e
o pior de tudo, o desgosto da morte de Penn, talvez valesse a pena sobreviver.
Lá estava ele...
Sentado exatamente como ela imaginara que estaria no passado, em um bloco
triste de cadeiras cinzas, ao lado de uma porta automática deslizante que abria
e fechava por trás dele. Por um segundo, Luce parou e só apreciou vê-lo.
Daniel estava de chinelos e jeans escuro. Ela nunca o tinha visto assim antes,
e uma camiseta vermelha que foi rasgada perto do bolso da frente. Ele parecia
o mesmo, mas de alguma forma diferente. Parecia mais descansado do que
estava quando se despediram no outro dia. E parecia que ela tinha perdido
tanto dele, ou sua pele estava ainda mais radiante do que ela se lembrava?
Ele olhou para cima e finalmente a viu. Seu sorriso praticamente brilhava. Ela
saiu correndo em sua direção. Dentro de um segundo, seus braços estavam ao
seu redor, com o rosto enterrado em seu peito, e Luce soltou uma respiração
mais longa, mais profunda.
Sua boca encontrou a dele e se afundaram em um beijo. Ela relaxou feliz em
seus braços. Luce não tinha percebido até agora, mas uma parte sua
perguntava se ela jamais iria vê-lo novamente, que tudo poderia ter sido um
sonho. O amor que sentia, o amor que Daniel correspondia, tudo ainda parecia
tão surreal.
Ainda presa em seu beijo, Luce ligeiramente beliscou seu bíceps. Não era um
sonho. Pela primeira, no qual era nem sabia a quanto tempo, ela sentiu como
se estivesse em casa.
- Você está aqui. – Ele sussurrou em seu ouvido. – Você está aqui!
- Nós dois estamos aqui.
Eles riram, ainda se beijando, se alimentando de casa pedaço da doce
estranheza de se verem outra vez. Mas quando Luce menos esperava, seu riso
se transformou em uma fungada. Ela estava procurando uma maneira de dizer
o quão duro os últimos dias tinham sido para ela sem ele, sem ninguém, meio
dormindo, meio grogue ciente de que tudo havia mudado, mas, nos brações de
Daniel, agora, ela não conseguiu encontrar as palavras.
- Eu sei. – Disse ele. – Vamos pegar sua mala e sair daqui.
Luce virou-se para o carrossel de bagagens e encontrou o seu companheiro de
avião parado em sua frente, segurando nas mãos as alças de sua mochila
enorme.
- Eu vi isso passar. – Disse ele com um sorriso forçado no rosto, como se
estivesse teimando em provar suas boas intenções. – É seu, não é?
Antes de Luce ter tempo para responder, Daniel aliviou o cara da bolsa pesada,
usando apenas uma mão.
- Obrigada, cara. Vou levá-la daqui. – Disse ele, de forma decisiva o suficiente
para terminar a conversa. O outro viu como Daniel deslizou a outra mão na
cintura de Luce e a conduziu.
Esta foi a primeira vez desde Sword & Cross que Luce tinha sido capaz de ver
o mundo como Daniel o fazia, a sua primeira oportunidade de saber se outras
pessoas podiam perceber, só de olha, de que havia algo de extraordinário nele.
Em seguida, andaram através das portas de vidro deslizantes e ela teve a
primeira respiração real da Costa Oeste. O ar de início de novembro estava
fresco e vivo de alguma forma e saudável, não encharcado e resfriado como o
ar de Savanna esta tarde quando seu avião havia decolado. O céu estava azul
brilhante, sem nuvens no horizonte. Tudo parecia cuidado, limpeza até o
estacionamento realizada fila após fila de carros recém-lavados. Uma linha de
montanhas emolduravam tudo, trigueiros marrons com pontos irregulares e
verdes de árvores. Uma colina seguida de outra.
Ela não estava mais na Geórgia.
- Eu não posso decidir se é uma surpresa. – Brincou Daniel. – Eu deixo você
sair de baixo da minha asa por dois dias e outro rapaz ataca. – Luce revirou os
olhos.
- Vamos lá. Nós quase não nos falamos. Eu dormi durante o voo todo. – Ela
cutucou-o. – Sonhando com você.
Os lábios franzidos de Daniel se transformaram em um sorriso e ele deu um
beijo no alto de sua cabeça. Ela parou, querendo mais, nem sequer
percebendo que Daniel havia parado na frente de um carro. E não apenas um
carro qualquer...
Um Alfa Romeo preto.
A mandíbula de Luce caiu quando Daniel abriu a porta do passageiro.
- Is-isso... – Balbuciou. – Isso é... Você sabe que este é o meu carro dos
sonhos?
- Mais do que isso. – Daniel riu. – Este costumava ser o seu carro.
Ele riu quando ela praticamente pulou com suas palavras. Ela ainda estava se
acostumando com a parte da reencarnação de sua história. Era tão injusto.
Todo um carro que ela não tinha na memória. Uma vida inteira que ela não
conseguir lembrar.
Luce estava desesperada para saber sobre eles, quase como se seus “eus”
anteriores fossem irmãos que tinham sido separados ao nascer. Descansou a
mão sobre o para-brisa, em busca de um punhado de algo, um déjà vu por
exemplo. Nada.
- Foi um presente de dezesseis anos de seus pais, um casal há vidas atrás. –
Daniel olhou para os lados, como se estivesse tentando decidir o quanto podia
dizer. Ele sabia que ela estava com faminta por detalhes, mas pode não ser
capaz de engolir muitos de uma só vez.
- Eu só comprei desse cara no Reno. Ele o comprou depois, uh... Bem, depois
de você...
Entrar em combustão espontânea, pensou Luce, preenchendo a verdade
amarga de que Daniel não iria falar. Essa foi a única coisa certa sobre suas
vidas passadas: O final raramente alterado. Exceto, ao que parece desta vez.
Desta vez eles podiam dar as mãos, se beijarem, e ela... Não sabia o que mais
eles podiam fazer. Mas ela estava morrendo de vontade de descobrir. Apertouse.
Eles tinham que ter cuidado. Dezessete anos não foi suficiente, e nesta vida,
Luce era inflexível quanto a furar ao redor para ver como era realmente ficar
com Daniel. Ele limpou a garganta e deu um tapinha no capô preto brilhante.
- Ainda dirige como um campeão. O único problema é... – Ele olhou para o
pequeno porta-malas do conversível, então para a sacola de Luce, em seguida,
de volta ao porta-malas.
Sim, Luce tinha um péssimo hábito de excesso de bagagem. Ela era a primeira
a admitir. Dessa vez ela não tinha culpa. Arriane e Gabbe tinham embalado
suas coisas de deu dormitório na Sword & Cross. Todas as peças de roupa
pretas que ela nunca tinha tido a chance de vestir. Tinha estado muito ocupada
dizendo adeus a Daniel e Penn para fazer as malas. Estremeceu se sentindo
culpada por estar aqui na Califórnia, com Daniel, tão longe de onde tinha
deixado uma amiga enterrada. Não parecia justo.
Mr. Cole assegurou-lhe que a Srta. Sophia seria punida pelo o que ela fez à
Penn, mas quando Luce havia pressionado ele sobre o que exatamente isso
significava, ele puxou o bigode e o torceu para cima.
Daniel olhou desconfiado ao redor do estacionamento. Ele abriu o porta-malas
com a enorme mochila de Luce na mão. Foi um ajuste impossível, mas, em
seguida, um som de sucção suave veio de trás do carro e a bolsa de Luce
começou a encolher. Um minuto depois, Daniel pressionou o porta-malas
fechado. Luce piscou.
- Faz isso de novo! – Daniel não riu. Parecia nervoso.
Ele deslizou no assento do motorista e ligou o carro sem dizer uma palavra.
Era uma coisa estranha e nova para Luce: Ver que seu rosto parece tão sereno
na superfície, mas conhecê-lo tão bem para sentir algo a mais por baixo.
- O que há de errado?
- Sr. Cole te disse sobre manter uma postura discreta, não é?
Luce assentiu com a cabeça.
Daniel se afastou do local, em seguida, virou-se para sair do estacionamento,
tirando um cartão de crédito na máquina em seu caminho para fora.
- Isso foi estúpido. Eu deveria ter pensado.
- O que é o grande negócio? – Luce colocou seus cabelos negros para trás das
orelhas quando o carro começou a pegar velocidade. – Você pensa que está
atraindo a atenção de Cam enfiando uma mala em um porta-malas?
Daniel tinha um olhar distante e balançou a cabeça.
- O Cam não. – Um momento depois apertou o joelho. – Esqueça o que eu
disse. Eu... Nós apenas temos que ser cautelosos. – Luce o ouviu, mas estava
muito sobrecarregada para ouvir com muita atenção. Estava adorando assistir
Daniel habilmente mexendo a alavanca do câmbio quando eles subiram a
rampa de acesso para a rodovia e se compactando no tráfego. Amando sentir o
vendo chicoteando o carro, que acelerou em direção ao imponente Skyline de
São Francisco. Amando, acima de tudo, estar com Daniel.
Em São Francisco propriamente, a estrada se tornou muito montanhosa. Cada
vez que uma crista de pico começava a ir para baixo, Luce tinha um vislumbre
diferente da cidade. Parecia mais velha e nova ao mesmo tempo: Arranha-céus
com janelas espelhadas formando um contraste com restaurantes e bares que
pareciam ter um século. Carros enchiam as ruas, estacionados em ângulos que
desafiavam a gravidade. Cães e carrinhos por toda a parte. O brilho da água
azul em torno da borda da cidade e o primeiro vislumbre da doce maçã
vermelha Ponte Golden Gate à distância. Seus olhos dispararam acerca de
acompanhar todos os locais. E mesmo que tivesse passado a maior parte dos
últimos dias dormindo, de repente ela sentiu uma onda de cansaço. Daniel
esticou o braço em volta dela e guiou a cabeça na direção de seu ombro.
- Fatos não conhecido sobre os anjos: Somos excelentes travesseiros. – Luce
riu, levantando a cabeça para beijar sua bochecha.
- Eu não poderia dormir. – Disse, se enroscando no pescoço do maior.
Sobre a Ponte Golden Gate, multidões de pedestres, ciclistas e corredores
ladeando os carros. Lá embaixo estava a baía brilhante, pontilhada de barcos
com suas velas brancas e as notas do início de um pôr-do-sol violeta.
- Se passaram dias desde que nós vimos. Eu quero aproveitar. – Disse ela. –
Diga-me o que você está fazendo. Conte-me tudo.
Por um instante, ela pensou que viu as mãos de Daniel se apertarem em torno
do volante.
-- Se o seu objetivo não é ir dormir, - Disse ele, abrindo um sorriso. – então eu
realmente não deveria aprofundar as minúcias do Conselho. Oito horas de
duração da reunião dos Anjos, eu estive preso todos os dias até ontem. Veja, a
diretoria se reuniu para discutir uma emenda à proposição 363B, que detalha o
formato sancionado a participação angelical no circuito terceiro.
- Ok, eu entendo. – Ela o cutucou. Daniel estava brincando, mas era um tipo
novo e estranho de piada. Ele estava sendo aberto sobre ser um anjo, que ela
amava, ou pelo menos iria amá-lo, uma vez que ela tinha tido um pouco mais
de tempo para processá-lo. Luce ainda sentia seu coração e cérebro lutando
para alcançar as mudanças de sua vida, mas eles voltaram juntos a estar bem
agora, então tudo era infinitamente mais fácil. Não havia nada para os
separarem mais. Ela puxou seu braço. – Pelo menos pode me dizer para onde
estamos indo.
Daniel recuou e Luce sentiu um nó de frio se desdobrar dentro do peito.
Moveu-se para colocar a mão sobre a dele mas o mesmo se afastou para
reduzir a marcha.
- Uma escola de Fort Bragg chamada Shoreline. As aulas começam amanhã.
- Estamos nos matriculando em outra escola? Perguntou. – Por quê?
Parecia tão permanente. Isto era supostamente para ser uma viagem
provisória. Seus pais nem sequer sabiam que ela tinha deixado o estado da
Geórgia.
- Você vai gostar de Shoreline. É muito progressivo e muito melhor do que a
Sword & Cross. Eu acho que você vai ser capaz de se desenvolver... Lá. E
nenhum mal acontecerá a você. A escola tem uma qualidade especial de
proteção. Um escudo de camuflagem semelhante...
- Eu não entendo. Por que eu preciso de um escudo protetor? Eu pensei que
vir para cá, longe de Miss Sophia, era o suficiente.
- Não é apenas a Miss Sophia. – Disse Daniel em voz baixa. – Há outros.
- Quem? Você pode me proteger de Cam, ou Molly, ou quem for. – Luce riu,
mas a sensação de frio no peito foi se espalhando para o seu intestino.
- Não é Cam ou Molly, tampouco. Luce, eu não posso falar sobre isso.
- Saberemos que não há mais ninguém lá? Quaisquer outros anjos?
Existem alguns anjos lá. Ninguém sabe, mas eu tenho certeza que você vai se
dar bem. Há mais uma coisa. – Sua voz era plana, enquanto olhava para
frente. – Eu não vou me matricular. – Seus olhos não se desviaram nenhuma
vez fora da estrada. – Apenas você. É por pouco tempo.
- Pouco quanto?
- Algumas... Semanas.
Luce puxou o volante enquanto tentava pisar nos freios.
- Algumas semanas?
- Se eu pudesse ficar com você, eu ficaria. – A voz de Daniel era tão plana, tão
firme, que fez Luce ficar ainda mais chateada. – Você viu o que aconteceu com
a sua mochila no porta-malas. Isso foi como se eu atirasse um clarão no céu
para que todos soubessem onde estamos. Para alertar quem está procurando
para mim, e por mim, quero dizer, você. Eu sou muito fácil de encontrar, muito
fácil para os outros rastrearem. E aquilo com a sua bolsa? Isso não é nada
comparado com as coisas que faço todos os dias que poderia chamar a
atenção de... – Ele balançou a cabeça bruscamente. – Não vou colocá-la em
perigo, Luce, eu não vou. Então, não. – O rosto de Daniel parecia triste. – É
complicado.
- E deixe-me adivinhar: Você não pode explicar.
- Eu gostaria de poder.
Luce puxou os joelhos para o peito, inclinou-se para longe dele e contra a porta
do passageiro, se sentindo claustrofóbica de alguma forma sob o grande céu
azul da Califórnia.
Durante meia hora, os dois permaneceram em silêncio. Dentro e fora das
nuvens do nevoeiro, subindo e descendo o terreno rochoso e árido. Passaram
por sinais de Sonoma e quando o carro cruzou através do exuberante verde
das vinhas, Daniel falou:
- São mais três horas de Fort Bragg. Você vai ficar com raiva de mim o tempo
todo?
Luce o ignorou. Pensou e se recusou a dar voz às centenas de perguntas, as
frustações, as acusações e finalmente desculpas por agir como uma pirralha
mimada. No desvio para o Vale do Anderson, numa bifurcação ao oeste, Daniel
tentou novamente segurar sua mão.
- Talvez você me perdoa a tempo de desfrutar dos nossos últimos minutos
juntos?
Ela queria. Ela realmente não queria estar lutando com Daniel no momento.
Mas a recente menção do tipo “passar poucos minutos juntos”, dele deixá-la
sozinha por razões que ela não conseguia entender e que ele sempre se
recusou a explicar a deixava nervosa e com medo, toda aquela frustração
novamente. Num mar turvo, novo estado, nova escola, novos perigos em toda
parte, Daniel era seu único porto-seguro. E ele estava prestes a deixa-la? Ela
já não tinha o suficiente? Ambos não tinham tido o suficiente?
Foi só depois de eles passarem pelas sequoias, que saiu uma noite azul royal
estrelada, que Daniel disse algo que rompeu sua atenção. Eles tinham
acabado de passar por um cartaz que dizia “Bem vindo ao Mendocino” e Luce
foi olhando para o oeste. A lua cheia brilhava sobre um conjunto de edifícios:
Um farol, várias torres de água, cobre e linhas das bem preservadas velhas
casas de madeira. Em algum lugar além de tudo isso tinha um mar que ela
podia ouvir, mas não podia ver.
Daniel apontou para o leste, em uma floresta escura e densa de árvores paubrasil e de bordo.
- Vê aquele parque de trailers à frente? – Ela nunca teria visto se ele não
tivesse apontado para fora, mas agora Luce piscou para ver um caminho
estreito, num calcário endurecido uma placa de madeira com letras brancas,
escrito “Mendocino Casas Móveis”. – Você morava ali.
- O quê? – Luce prendeu a respiração tão rapidamente, que ela começou a
tossir. O parque parecia triste e solitário. Uma linha de maçantes tetos baixos
com caixas de cortador de cookies junto a uma estrada de cascalhos baratos. –
Isso é terrível.
- Você viveu ali antes, quando era um parque para trailers. – Disse Daniel
calmamente ao parar o carro ao lado da estrada. – Antes havia casas móveis.
Seu pai, numa outra vida, levou sua família para fora de Illinois durante a
corrida do ouro. – Ele parecia olhar para dentro em algum lugar, e, tristemente,
balançou a cabeça. – Costumava ser um lugar muito agradável.
Luce avistou um homem calvo, com uma barriga igual a de um cão sarnento
laranja em uma trela. O homem estava vestindo uma camiseta branca e cueca
de flanela. Luce não se via ali.
No entanto, foi tão claro para Daniel.
- Você tinha uma cabana de dois cômodos e sua mãe era uma cozinheira
terrível, por isso todo o lugar sempre cheirava a repolho. Você tinha umas
cortinas de risca azul que eu usava uma parta para que eu pudesse escalar
através de sua janela à noite, após seus pais dormirem.
O carro estava parado. Luce fechou os olhos e tentou lutar contra as lágrimas
estúpidas. Ouvindo sua história pela boca de Daniel a fez sentir o possível e o
impossível. Ouvi-lo também a fez se sentir extremamente culpada. Ele preso a
ela por muito tempo. Sobre tantas outras vidas. Ela havia esquecido o quão
bem ele a conhecia. Melhor ainda, do que ela conhecia a si mesma. Será que
Daniel sabe o que ela estava pensando agora? Luce sabia que, de certa forma,
era mais fácil para ela nunca ter que se lembrar do como é para Daniel, que
passava por isso de novo e de novo.
Se ele disse que teria que sair algumas semanas e não podia explicar o
porquê, ela teria que confiar nele.
- Como foi quando você me conheceu? – Perguntou. Daniel sorriu.
- Eu cortava a madeira em troca de refeições na época. Certa noite, na hora do
jantar, eu estava andando por sua casa. Sua mãe tinha um repolho em
andamento, e cheirava tão mal que eu quase pulei de sua casa. Mas então eu
te vi pela janela. Você estava costurando. Eu não conseguia tirar os olhos de
suas mãos. – Luce olhou para as mãos, pálidas, com os dedos afinados e
pequenos, palmas quadradas. Ela se perguntava se elas pareciam sempre as
mesmas. Daniel as alcançou. – Elas são tão suaves quanto eram antigamente.
Luce abanou a cabeça. Adorava a história, queria ouvir mais mil como essas,
mas não era isso que quis dizer.
- Eu quero saber sobre a primeira vez que me encontrou. – Disse. – A
verdadeira primeira vez. Como foi isso?
Após uma longa pausa, ele finalmente disse:
- Está ficando tarde. Eles estão esperando por você na Shoreline antes da
meia-noite.
Ele pisou no acelerador, virando rapidamente à esquerda em Mendocino, no
centro da cidade. No espelho lateral, Luce assistiu ao estacionamento de
caravanas tornarem-se menores, mais escuras, até que desaparecerem
completamente. Mas então, poucos segundos depois, Daniel estacionou o
carro na frente de uma lanchonete 24 horas, toda em branco com paredes
amarelas e janelas da frente do chão ao teto. O quarteirão estava cheio de
estranhos edifícios peculiares que lembraram Luce de uma versão menos
abafada do litoral de Nova Inglaterra, perto de sua antiga escola preparatória
de Nova Hampshire, Dover. A rua foi pavimentada com paralelepípedos
irregulares que brilhavam à luz amarela do alto dos postes.
Ao seu final, a estrada parecia cair diretamente no oceano. A frieza
esgueirando-se sobre ela. Ela tinha que ignorar seu medo reflexivo do escuro.
Daniel tinha explicado sobre as sombras, que eles não tinham nada a temer,
eram apenas mensageiros. O que deveria ter sido reconfortante, exceto que
era difícil ignorar que isso significava que haviam coisas importantes a ter
medo.
- Por que você não vai me dizer? – Ela não se conteve. Não sabia por que
sentia que era tão importante perguntar. Se ela estava tendo que confiar em
Daniel quando ele disse que teve que abandoná-la depois de desejá-la por
toda a sua vida por esta reunião, bem, talvez ela só quisesse entender as
origens dessa confiança. Para saber quando e como tudo tinha começado.
- Você sabe o que o meu sobrenome significa? – Disse ele, surpreendendo-a.
Luce mordeu o lábio, tentando pensar de volta na pesquisa que ela e Penn
tinham feito.
- Eu me lembro da Miss Sophia dizendo algo sobre Vigilantes, mas eu não sei
o que isso significa, ou se eu devia mesmo acreditar nela. – Seus dedos foram
para o seu pescoço, para o lugar onde a faca de Miss Sophia tinha deitado.
- Ela estava certa. Os Grigoris são um clã. Eles são um clã nomeado depois de
mim, na verdade. Porque assistir e aprender com o que acontece quando...
Quando eu ainda era bem vindo ao céu. E antes, quando você era... Bem, tudo
isso aconteceu muito tempo atrás, Luce. É difícil para mim me lembrar mais
disso.
- Onde? Onde eu estava. – Ela pressionou. – Lembro-me de Miss Sophia
dizendo algo sobre os Grigoris consorciarem-se com mulheres mortais. É isso
o que aconteceu? Será que você...?
Ele a olhou. Algo mudou no seu rosto, e na luz ofuscante, Luce não poderia
dizer o que significava. Era quase como se ele estivesse aliviado que ela
tivesse adivinhado, então não teria que soletrar.
- A primeira vez que eu te vi, - continuou Daniel – não foi diferente de qualquer
outro momento que te vi desde então. O mundo era mais novo, mas você
estava do mesmo jeito. Foi... Amor à primeira vista. – Dessa parte ela entendia.
Ele balançou a cabeça. – Assim como sempre, a única diferença era que, no
começo, você estava fora dos limites para mim. Eu estava sendo punido e eu
tinha caído para você no pior momento possível. As coisas eram muito
violentas no céu. Por causa de quem... Eu sou... Deveria ficar longe de você.
Você era uma distração. O foco deveria ser vencer a guerra. É a mesma guerra
que ainda está acontecendo. – Ele suspirou. – E caso você não tenha notado,
eu ainda estou muito distraído.
- Então você era um anjo de nível muito alto. – Luce murmurou.
- Claro. – Daniel parecia infeliz, parando em seguida, parecendo, quando falou
de novo, as palavras dilaceradas. – Foi uma queda de um dos postos mais
elevados.
Claro que sim. Daniel deveria ter sido importante no céu, a fim de ter causado
um dilema tão grande. Para que seu amor por uma garota mortal fosse tão fora
dos limites.
- Você desistiu de tudo? Por mim? – Ele tocou sua testa com dela.
- Eu não mudaria nada.
- Mas eu não era nada. – Disse Luce. Sentia-se pesada, como se ela se
arrastasse. Arrastando-o para baixo. – Você teve que renunciar tanto. – Ela
sentiu seu estômago doer. – E agora você está condenado para sempre.
Desligando o carro, Daniel deu um sorriso triste.
- Pode não ser para sempre.
- O que você quer dizer?
- Venha. – Disse o anjo, pulando para fora do carro e voltando para abrir a
porta. – Vamos dar um passeio.
Andaram lentamente ao fim da rua, que não era um beco sem saída depois de
tudo, mas levou a uma escada íngreme, rochosa que descia para a água. O ar
estava úmido com a água do mar. Logo à esquerda da escada, uma trilha
levava embora. Daniel pegou a mão dela e se moveu para a borda do
penhasco.
- Onde estamos? – Luce perguntou. Daniel sorriu para ela, endireitando seus
ombros e desdobrando suas asas. Lentamente, elas se estenderam para cima
e para fora de seus ombros, desdobrando-se com uma série, quase inaudível,
de pressões suaves e rangidos.
Totalmente flexionadas, elas fizeram um tipo de som, suave como o de um
edredom de penas sendo atirado sobre uma cama. Pela primeira vez, Luce
notou as costas da camisa de Daniel. Havia duas pequenas fendas, quase
invisíveis, que se separaram agora e deixavam suas asas passarem. Será que
todas as roupas de Daniel tinham essas alterações angelicais? Ou ele tem
certas coisas especiais que ele usava quando sabia que ele planejava voar?
De qualquer maneira, suas asas nunca deixaram de fazer com que Luce
ficasse sem palavras. Elas eram enormes, subindo três vezes mais alto do que
Daniel e se curvaram para o céu e para os lados como grandes velas brancas.
Sua vasta extensão refletia a luz das estrelas e eram refletidas mais
intensamente, que brilhavam iridescentes. Perto de seu corpo que escureceu
sombreado com uma cor creme rico de terra onde se desvendaram os
músculos de seu ombro. Mas ao longo de suas bordas afiadas, elas cresciam
finas e brilhavam, tornando-se quase transparente nas pontas. Luce as olhou,
extasiada, tentando lembrar-se da linha de cada pena gloriosa, para manter
tudo dentro dela para quando ele fosse embora. Ele brilhou tão resplandecente
que o sol poderia pegar sua luz emprestada. O sorriso em seus olhos violetas
dizia-lhe como é bom sentir quando ele deixava suas asas para fora. Tão bom
quanto Luce sentia quando ela estava enrolada a elas.
- Voe comigo. – Ele sussurrou.
- O quê?
- Eu não vê-la por algum tempo. Tenho que lhe dar algo para se recordar de
mim.
Luce beijou-o antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, pondo os dedos em
seu pescoço, segurando-o firmemente como pôde, esperando dar-lhe algo para
lembrar-se dela também. Com as costas pressionadas contra o peito dele, e a
cabeça dele sobre seu ombro, Daniel traçou uma linha de beijos por seu
pescoço. Ela prendeu a respiração, esperando. Então ele inclinou as pernas e
graciosamente se empurrou para fora da borda do precipício.
Estavam voando.
Longe da borda rochosa da costa, sobre as ondas de prata abaixo, arqueando
o céu como se fossem subindo para a lua. Daniel lhe dava um abraço apertado
a cada rajada de vento áspero, a cada varrer frio do oceano. A noite foi
absolutamente tranquila. Como se fossem as únicas duas pessoas que ficaram
no mundo inteiro.
- Este é o Céu, não é? – Perguntou ela. Daniel riu.
- Eu gostaria que fosse. Talvez um dia, mais cedo ou mais tarde.
Quando tinham voado tão alto, suficiente para que eles não pudessem ver a
terra de casa lado deles, Daniel se inclinou delicadamente ao norte e
mergulhou em um arco largo que passava pela cidade de Mendocino, que
brilhava vivamente no horizonte. Eles estavam muito acima do maior edifício da
cidade e moviam-se incrivelmente rápido. Mas Luce nunca se sentiu mais
segura ou melhor com o amor da sua vida. E então, muito brevemente, eles
foram descendo gradualmente e se aproximando da borda de um penhasco
diferente.
Os sons do oceano ficaram mais altos novamente. Uma estrada escura de
pista simples fora da estrada principal. Quando seus pés tocaram levemente
para baixo em um remendo de grama fresca e expressa, Luce suspirou.
- Onde estamos? – Perguntou, embora, naturalmente, já soubesse. Na Escola
Shoreline. Podia ver um grande edifício a distância, mas a partir daqui, parecia
totalmente escuro, apenas uma forma no horizonte. Daniel segurou-a,
pressionada contra ele, como se ainda estivessem no ar. Ela virou a cabeça
para olhar sua expressão. Seus olhos estavam úmidos.
- Os que me condenaram ainda estão me vigiando, Luce. Eles o têm feito há
milênios. E não querem que fiquemos juntos. Farão qualquer coisa que podem
para nos separar. É por isso que não é seguro para eu ficar aqui. – Ela
assentiu com a cabeça, os olhos ardendo.
- Mas porque eu estou aqui?
- Porque eu farei tudo ao meu alcance para mantê-la segura e este é o melhor
lugar para você agora. Eu te amo, Luce. Mais do que tudo. Estarei de volta
para você assim que eu puder.
Ela queria protestar, mas se conteve. Ele havia desistido de tudo por ela.
Quando ele a deixou para fora de seu abraço, ele abriu a palma da mão e uma
pequena forma vermelha dentro dela começou a crescer. Sua mochila. Ele
tinha a levado na parte de trás do carro e, sem ela saber, levou-a até aqui
dentro de sua mão. Em apenas alguns segundos ela havia preenchido
totalmente, de volta ao seu tamanho real. Se ela não tivesse tão desolada com
o que significava ele entregá-la, Luce teria adorado o truque.
Uma única luz passou dentro do prédio. Uma silhueta apareceu na porta.
- Não por muito tempo. Assim que as coisas estiverem mais seguras eu voltarei
para você. – Sua mão agarrou seu pulso quente e antes que ela percebesse,
foi pega em seus braços e puxada para seus lábios. Ela deixou tudo cair,
deixando encher seu coração até a borda. Talvez não conseguisse se lembrar
de suas vidas anteriores, mas, quando Daniel a beijos, se sentiu perto do
passado. E do futuro.
A figura na porta estava caminhando em sua direção, uma mulher em um
vestido curto de branco. O beijo que Luce havia compartilhado com Daniel,
doce demais para ser tão breve, a deixou tão fora do ar como os seus beijos
sempre fizeram.
- Não vá. – Sussurrou com os olhos fechados.
Foi tudo acontecendo muito rápido. Ela não podia desistir de Daniel. Ainda não.
Achava que jamais poderia.
Sentiu a corrente de ar, o que significava que ele já havia decolado. Seu
coração foi atrás dele. Quando abriu os olhos, viu o último vestígio de suas
asas desaparecerem dentro de uma nuvem, dentro da noite escura.
Capítulo 2 – Dezessete Dias
Thwap.
Luce estremeceu e esfregou o rosto. Seu nariz picado.
Thwap. Thwap.
Agora eram as maçãs do rosto. Suas pálpebras se abriram e, quase
imediatamente, ela ficou surpresa. Uma menina loira aguada com a boca e as
sobrancelhas sombriamente juntas estava inclinada sobre ela. Seus cabelos
estavam amontoados em cima de sua cabeça.
Ela usava calças de yoga e uma regata canelada de camuflagem que
combinava com seus olhos castanhos salpicados de verde. Segurava uma bola
de pingue-pongue entre os dedos, prontos para arremessá-la.
Luce se mexeu para trás em seus lençóis e encarou o rosto da menina. Seu
coração já estava ferido pela falta de Daniel. Ela não precisava de mais
nenhuma dor. Olhou para baixo, ainda tentando se orientar, e lembrou-se da
cama. Tinha indiscriminadamente desabado na noite anterior.
A mulher de brando que apareceu na sequência de Daniel se apresentou como
Francesca, uma das professoras de Shoreline. Mesmo em seu estupor
atordoado, Luce poderia dizer que a mulher era bonita. Estava na casa dos
trinta anos, com cabelos loiros escovados em seus ombros, bochechas
redondas e grandes, feições suaves.
Anjo, Luce decidiu quase que imediatamente.
Francesca não fez perguntas a caminho do quarto de Luce. Deve ter ficado
esperando a noite a fora e deve ter percebido o esgotamento total de Luce.
Agora, essa estranha que tinha tirado de volta à consciência de Luce parecia
pronta para lançar uma outra bola.
- Bom. – Disse ela numa voz rouca. – Você está acordada.
- Quem é você? – Luce perguntou sonolenta. – Quem é você, mais do que
isso. Além de ser estranho eu acordar e percebê-la de cócoras no meu quarto.
Ou uma criança interrompendo meu mantra matinal com um balbuciar num
sono estranhamente pessoal.
- Eu sou Shelby. Enchantée.
Não é um anjo, supôs. Apenas uma menina californiana com um forte sentido
de direito. Luce sentou na cama e olhou ao redor.
O quarto estava um pouco apertado, mas foi muito bem decorado, com piso de
madeira de cor clara, uma lareira, um micro-ondas, duas mesas de largura
extensa; e construíram-na estantes que dobram como uma escada para o que
Luce percebeu agora ser a beliche superior. Pôde ver um banheiro privado
através de uma porta de correr de madeira. E teve de piscar algumas vezes
para ter certeza... Era uma janela com vista para o mar. Nada mal para uma
menina que passou o mês passado olhando para um cemitério antigo e posta
em um quarto mais apropriado para um hospital do que para uma escola. Mas
então, pelo menos nesse caso do cemitério e do quarto significavam que ela
estava com Daniel. Ela mal tinha começado a ficar confortável em Sword &
Cross. E agora ela estava de volta à estaca zero.
- Francesca não mencionou nada sobre eu ter uma companheira de quarto. –
Luce soube imediatamente a partir da expressão no rosto de Shelby que esta
era a coisa errada a dizer. Então, ela deu uma olhada rápida na decoração que
Shelby fez. Luce nunca tinha confiado em seus próprios instintos de design de
interiores, ou talvez ela nunca tinha tido a oportunidade de desfrutar deles. Não
tinha ficado na Sword & Cross tempo o suficiente para fazer muita decoração,
mas mesmo antes disso, seu quarto em Dover era de paredes brancas e nuas.
Estéril e chique, como Callie tinha dito uma vez.
Este quarto, por outro lado, havia algo sobre ele que estava estranhamente...
Moderno.
Variedades de plantas em vasos, ela nunca tinha visto antes alinhados no
peitoril da janela, bandeiras de oração foram amarradas no teto. Uma colcha de
retalhos em cores suaves estava deslizando para fora do beliche superior, meio
sem atrapalhar a vista de Luce de um calendário de astrologia gravado sobre o
espelho.
- O que você achou? Que eles estavam indo limpar o alojamento do reitor só
porque você é Lucinda Price?
- Hum, não? – Luce abanou a cabeça. – Não é isso o que eu quis dizer. Espere
aí, como você sabe meu nome?
- Então você é Lucinda Price? – A menina dos olhos verdes salpicados pareceu
reparar no pijama cinza da Ratty de Luce. – Sorte a minha. – Luce emudeceu.
– Desculpe. – Shelby soltou o ar e ajustou seu tom, se encostando à beira da
cama de Luce. – Eu sou apenas uma criança. Leon, que é o meu terapeuta,
está tentando me fazer ser menos severa quando eu conheço pessoas.
- Está funcionando? – Luce era apenas uma criança também, mas ela não fora
desagradável com todos os estranhos que entraram em contato com ela.
- O que eu quero dizer é... – Shelby se moveu, desconfortável. – Eu não estou
acostumada a compartilhar. Podemos... – Ela sacudiu a cabeça – Começar de
novo?
- Isso seria bom.
- Ok. – Shelby respirou fundo. – Frankie não mencionou na noite passada
sobre uma companheira de quarto porque, em seguida, ela teria notado ou, ela
já tinha percebido, que revelaria que eu não estava na cama quando você
chegou. Eu vim através daquela janela. – Ela apontou. – Por volta das três.
Para fora da janela, Luce podia ver uma borda larga conectando-se a uma
parte angular do telhado. Imaginou Shelby atravessando toda uma rede de
saliências no telhado para voltar aqui no meio da noite.
Shelby teve uma sequência de bocejos.
- Veja, quando se trata de crianças Nephilim’s na Shoreline, a única coisa que
os professores são rigorosos é quando a pretensão das disciplinas.
Disciplina em si não se cobra muito. Embora, é claro, Frankie não vai anunciar
isso para uma garota nova. Especialmente para Lucinda Price.
Lá estava ela novamente. Essa vantagem na voz de Shelby, quando ela disse
o nome de Luce. Luce queria saber o que significava. E onde Shelby tinha
estado até as três. E como ela passou através da janela no escuro, sem
derrubar nenhuma dessas plantas. E quem eram as crianças Nephilim?
Luce teve súbitos flashbacks vividos na sua bagunça mental, de quando Ariane
a levou ao ginásio quando elas se conheceram. Sua companheira de quarto da
Shoreline era muito parecida com Ariane, e Luce lembrou da semelhança do
tipo como-eu-poderia-ser-sua-amiga, e estava se sentindo em seu primeiro dia
na Sword & Cross.
Mas, embora Ariane parecesse intimidadora e até mesmo um pouco perigosa,
tinha sido algo encantadoramente fajuta, sua ideia sobre ela, desde o início.
A nova companheira de quarto de Luce, por outro lado, parecia chata.
Shelby saltou para fora da cama e se moveu devagar para o banheiro para
escovar os dentes. Depois de procurar através de sua mochila para encontrar
sua escova de dente, Luce a seguiu e apontou timidamente para a pasta de
dentes.
- Esqueci de trazer a minha.
- Sem dúvida, o deslumbramento de sua celebridade te cegou para as
pequenas necessidades da vida. – Respondeu Shelby, mas pegou o tubo e o
estendeu para Luce.
Escovaram seus dentes em silêncio por cerca de dez segundos até que Luce
não pôde aguentar mais. Cuspiu a boca cheia de espuma.
- Shelby?
Com a cabeça na cavidade da pia de porcelana, Shelby cuspiu e disse:
- O quê?
Em vez de perguntar qualquer uma das questões que tinham sido formuladas
pela sua cabeça um minuto antes, Luce se surpreendeu e perguntou:
- O que eu estava dizendo no meu sonho?
Esta manhã foi a primeira, em pelo menos um mês complicado, cheio de
sonhos com Daniel em que Luce tinha acordado incapaz de se lembrar de uma
única coisa de seu sono. Nada. Nem um roçar da asa do anjo. Nem um beijo
de seus lábios.
Ela olhou para o rosto áspero de Shelby no espelho. Luce precisava da menina
para ajudá-la a exercitar sua memória. Ela deve ter sonhado com Daniel. Se
não tivesse... O que poderia significar?
- Sei lá. – Shelby disse finalmente. – Você estava toda coberta e incoerente. Da
próxima vez, tente enunciar. – Ela saiu do banheiro e colocou um par de
chinelos laranja. – É hora do café. Você vem ou não?
Luce correu para fora do banheiro.
- O que posso usar?
Ela ainda estava de pijama. Francesca não tinha dito nada ontem à noite sobre
um código de vestimenta. Até então, ela também deixou de mencionar a parte
do companheiro de quarto. Shelby balançou os ombros.
- O que eu sou, polícia da moda? O que levar menos tempo. Estou com fome.
Luce se empurrou para dentro de um par de jeans e um suéter preto
envolvente. Ela teria gostado de passar mais alguns minutos olhando seu
“look” de primeiro-dia-de-escola, mas ela só pegou sua mochila e seguiu
Shelby para fora da porta.
O corredor do dormitório era diferente durante o dia. Para todo lado que olhava
era iluminado, janelas amplas com vista para o mar, ou estantes rebaixadas
abarrotadas de livros espessos de capa dura colorida. O chão, as paredes, o
teto rebaixado e íngremes escadas, eram todos feitos da mesma madeira
maple utilizada para construir os móveis dentro do quarto de Luce. Ela deveria
ter dado para todo o lugar uma sensação de cabana aconchegante, exceto que
o layout da escola era tão intrigante e bizarro como os dormitórios da Sword &
Cross, eram chatos e simples. Em alguns passos, o corredor parecia se
separar em pequenos corredores afluentes, com escadas em espiral num
labirinto mal iluminado. Dois lances de escadas depois, no que parecia ser uma
porta secreta, Luce e Shelby entraram através de um conjunto de janelas de
vidro duplos em uma sacada à luz do dia. O sol estava incrivelmente brilhante,
mas o ar estava bastante fresco, o que deixou Luce feliz por ter vestido um
suéter. Cheirava como o oceano, mas não realmente como em casa. Menos
salgado, mais pálido do que o litoral da costa leste.
- Café da manhã é servido no terraço. – Shelby apontou para uma grande
extensão de terra verde.
Este gramado foi delimitado em três lados por espessas matas de hortênsias
azuis, e na quarta pelo precipício, caindo direto no mar. Foi difícil para Luce
acreditar no quão bonito era o cenário da escola. Não poderia imaginar ser
capaz de ficar dentro tempo suficiente para aguentar a aula.
Enquanto se aproximavam do terraço, Luce viu outro edifício, uma estrutura
retangular de madeira com telhas e alegres vidraças amarelas. Um grande
quadro de uma mão esculpida pendurada sobre a entrada: “Salão da
Bagunça”, lia-se em citações, como se estivesse tentando ser irônico. Foi
certamente a mais agradável bagunça que Luce já tinha visto.
O terraço estava cheio de móveis de ferro brancos e cerca de uma centena dos
mais descontraídos estudantes que Luce vira em sua vida. A maioria deles
estava sem sapatos, os seus pés apoiados sobre as mesas enquanto comiam
em pratos elaborados de café da manhã. Eggs Benedict, panquecas belgas
cobertas de fruta, quiche de espinafre salpicado de flocos. As crianças estavam
lendo o jornal, tagarelando no celular, jogando críquete no gramado. Luce
conhecia garotos ricos em Dover, mas as crianças ricas da Costa Leste eram
atormentadas e esnobes, não sendo despreocupados. A cena toda parecia
mais como no primeiro dia do verão de uma terça-feira no início de novembro.
Foi tudo muito agradável, quase foi difícil de invejar os olhares de
autossatisfação nos rostos destas crianças. Quase.
Luce tentou imaginar Arriane aqui, o que ela pensaria de Shelby ou do jantar
ladeado pelo mar, como ela provavelmente não saberia do que fazer piada
primeiro. Luce desejava que ela pudesse voltar para Arriane agora. Seria bom
para ser capaz de rir.
Olhando ao redor, ela acidentalmente chamou a atenção de um casal de
alunos. Uma menina bonita com pele cor de azeitona e um rapaz ruivo com
ombros largos enfrentando uma enorme pilha de panquecas.
Seu instinto foi virar o rosto assim que fez contato visual, sempre a aposta mais
segura na Sword & Cross. Mas... Nenhuma dessas crianças a olhou. A maior
surpresa sobre Shoreline não era o sol de cristal ou o confortável terraço de
café da manhã ou os baldes de dinheiro pairando sobre todos. Foi aqui que os
alunos estavam sorrindo. Bem, a maioria deles estava sorrindo.
Quando Shelby e Luce atingiram uma mesa desocupada, Shelby pegou um
pequeno cartaz e o arremessou no chão. Luce se inclinou para o lado para ver
a palavra “reservado” escrito nele no momento em que um garoto de sua idade
em um terno de garçom com gravata preta se aproximou com uma bandeja de
prata.
- Hum, essa mesa é re... – Ele começou a dizer, a voz embargada
intempestivamente.
- O café, preto. – Shelby disse. Abruptamente perguntou a Luce:
- O que você quer?
- Uh, mesmo. – Disse Luce, desconfortável por ser aguardada. – Talvez um
pouco de leite.
- Bolsistas. Viram escravos para sobreviver. – Shelby revirou os olhos para
Luce enquanto o garçom se afastou para pegar seus cafés.
Ela pegou o San Francisco Chronicle no meio da mesa e desdobrou a primeira
página com um bocejo. Foi então que Luce tinha o suficiente ao seu redor.
- Ei! – Empurrou o braço de Shelby para baixo para que ela pudesse ver seu
rosto por trás do jornal. As pesadas sobrancelhas de Shelby se levantaram em
surpresa. – Eu costumava ser uma bolsista. – Contou Luce. – Não da minha
última escola, mas a escola anterior. – Shelby impeliu sua mão.
- Devo estar impressionada com essa parte de seu currículo também?
Luce estava prestes a perguntar o que Shelby tinha ouvido falar dela quando
sentiu uma mão quente em seu ombro. Francesca, a professora conheceu na
porta noite passada, estava sorrindo para ela. Era alta, com postura imperiosa
e tinha um estilo que era compreendido sem esforço. Os cabelos macios e
loiros de Francesca estavam limpos e virados para o lado. Seus lábios estavam
rosa brilhantes. Usava um vestido justo preto equipado com um cinto azul. Era
o tipo de roupa que faria qualquer um se sentir deselegante, por comparação.
Luce desejava que ela tivesse, pelo menos, colocado rímel. E talvez não
estivesse usando seu Converse cheio de lama.
- Ah, que bom! Vocês duas interagindo. – Francesca sorriu. – Eu sabia que
vocês iam se tornar grandes amigas! – Shelby estava silenciosa, mas balançou
seu jornal. Luce apenas limpou a garganta. – Eu acho que você vai achar
Shoreline um ajuste muito simples, Luce. Foi concebido dessa maneira. A
maioria dos nossos superdotados se sentem à vontade.
- Dotados?
- Claro, você pode vir a mim com todas as perguntas. Ou apenas confiar em
Shelby.
Pela primeira vez durante toda a manhã, Shelby riu. Seu riso era uma coisa
áspera e empedrada, o tipo de gargalhada de Luce esperaria de um homem
velho, um fumante pela vida inteira e não uma adolescente apaixonada por
ioga. Luce podia sentir o rosto se comprimindo em uma carranca. A última
coisa que queria era “ficar à vontade” em Shoreline. Ela não pertencia a esse
monte de crianças mimadas e dotadas em um precipício sobre o oceano.
Deveria estar com pessoas reais, pessoas com alma ao invés de raquetes de
squash, que sabiam como era a vida. Pertencia a Daniel. Ainda não tinha ideia
do que estava fazendo aqui, além de se esconder muito temporariamente,
enquanto Daniel tomava conta de sua guerra. Depois disso, ele ia levá-la de
volta para casa. Ou algo assim.
- Bem, eu vou te ver tanto na classe. Desfrute do café da manhã! – Francesca
falou por cima do ombro enquanto deslizava para longe. – Experimente a
quiche! – Acenou com a mão, sinalizando para o garçom para trazer um prato
para cada menina.
Quando ela se foi, Shelby tomou um grande gole de seu café e limpou a boca
com as costas da mão.
- Hum, Shelby.
- Já ouviu em comer em paz?
Luce bateu seu copo de café de volta em seu descanso de copo e esperou
impacientemente para o garçom colocar nervoso as suas quiches e
desaparecer novamente. Parte dela queria encontrar outra mesa. Havia
zumbido de conversas felizes ao seu redor. E se não poderia entrar em uma
delas, mesmo sentando sozinha seria melhor do que isso. Mas ficou confusa
com o que Francesca tinha dito. Por que relatar que Shelby era uma ótima
companheira de quarto quando ficou claro que a menina era um inimigo total?
Luce esfarelou o pedaço de quiche em torno de sua boca, sabendo que ela não
seria capaz de comer até que ela falou.
- Ok, eu sei que sou nova aqui e por alguma razão isso te incomoda. Acho que
você tinha um quarto só para você, eu não sei. – Shelby abaixou o jornal, logo
abaixo de seus olhos. Ela levantou uma sobrancelha gigante. – Mas eu não
sou tão ruim assim. Então e se eu tiver algumas perguntas? Perdoe-me por
não ter vindo para a escola sabendo que diabos são os Nephermans.
- Nephilim.
- Tanto faz. Eu não me importo. Não tenho interesse em fazê-la inimiga, o que
significa que alguns, - Disse, gesticulando para o espaço entre as duas. – vem
de você. Então, qual é o seu problema, afinal?
O lado da boca de Shelby se contraiu. Ela dobrou, abaixou o jornal e se
recostou na cadeira.
- Você deveria se preocupar com o Nephilim. Nós vamos ser os seus colegas.
– Levantou a mão agitando-a no terraço. – Vejam só o bonito e privilegiado
corpo de alunos da Escola Shoreline. Metade desses narcóticos você nunca
verá novamente, exceto como objeto de nossas piadas.
- Nossas?
- Sim, você está no “programa de honras” com o Nephilim. Mas não se
preocupe, caso você não estiver muito animada. – Luce bufou. – A grande
charada aqui é um disfarce, um lugar para esconder os Nephs sem ninguém
suspeitar muito. Na verdade, a única pessoa que já tenha sido suspeito é
Beaker Brady.
- Quem é Beaker Brady? – Luce perguntou, se inclinando para que não
precisasse gritar sobre a estática aproximada das ondas quebrando praia
abaixo.
- Esse nerd classe A duas mesas atrás. – Shelby acenou para um garoto
gordinho vestido de xadrez, que tinha acabado de derramar iogurte todo num
livro enorme. – Seus pais abominam o fato dele nunca ter sido aceito nas
classes de honra. A cada semestre, eles empreendem uma campanha. Ele
entra na pontuação Mensa, nos resultados de feiras de ciências, ele
impressionou Nobelistas famosos, a coisa toda. E a cada semestre, Francesca
tem que fazer algum teste de beliche instransponível para mantê-lo fora. – Ela
bufou. – Tipo: Ei, Beaker, resolva esse cubo Rubik em menos de trinta
segundos. – Shelby estalou a língua contra os dentes. – Só o Ninrode que
passou neste.
- Mas se é um disfarce, - Luce perguntou, se sentindo mal por Beaker. – um
disfarce para o quê?
- Para pessoas como eu. Eu sou uma Nephilim. N-E-P-H-I-L-I-M. O que
significa qualquer coisa com o anjo em seu DNA. Os mortais, imortais,
transeternais. Tentamos não discriminar.
- Não deveria ser no singular, você sabe, Nephil, como querubim de querubins
e serafim de serafins?
Shelby fez uma careta.
- Sério? Você gostaria de ser chamada de Nephil? Parece um saco que você
carrega sua vergonha dentro. Não, obrigada. É Nephilim, não importa quantos
de nós você esteja falando.
Então Shelby era uma espécie de anjo. Estranho. Ela não parece e nem age
como um. Ela não era linda como Daniel, Cam ou Francesca. Não possui o
magnetismo de alguém como Roland ou Arriane. Ela só parecia grosseira e
mal-humorada.
- Então é como uma escola de preparação de anjos. – Disse Luce. – Mas para
o quê? Você vai para a faculdade de anjos depois disso?
- Depende do que o mundo precisa. Um monte de garotos tiram um ano de
folga e fazem a Nephilim Corps. Você começa a viajar, ter um caso com um
estrangeiro. Mas isso é em tempos, você sabe, de relativa paz. Agora, bem...
- Agora o quê?
- Tanto faz. – Shelby parecia que estava mordendo a palavra. – Depende
apenas de quem você é. Todos aqui têm, você sabe, diferentes graus de
poder. – Continuou ela, parecendo ler a mente de Luce. – Uma grande parte
dependendo de sua árvore genealógica. Mas no seu caso... – Este Luce
conhecia.
- Eu só estou aqui por causa do Daniel.
Shelby atirou o guardanapo sobre o prato vazio e se levantou.
- Essa é uma maneira impressionante de subir na vida, Luce. A menina cujo
namorado influente mexeu os pauzinhos. – Era o que todos pensavam sobre
ela aqui? Era isso... A verdade? Shelby se aproximou e roubou o último pedaço
da quiche fora do prato de Luce. – Se você quer um fã clube da Lucinda Price,
tenho certeza que você pode encontrar isso aqui. Apenas me deixe fora disso,
ok?
- O que você está falando? – Luce se levantou. Talvez ela e Shelby precisavam
rebobinar novamente. – Eu não quero um fã clube.
- Veja, eu te disse. – Ela ouviu uma voz alta e bonita dizer.
De repente, a garota com o lenço verde estava de pé diante dela, rindo e
cutucando outra menina para frente. Luce olhou para eles, mas Shelby já
estava longe que não valia a pena ir atrás. De perto, a moça do lenço verde
parecia uma Salma Hayek jovem, com lábios cheios e um peito ainda mais
completo. A outra menina, com sua coloração clara, olhos castanhos e cabelo
preto curto, parecia com Luce.
- Espere, então você é mesmo Lucinda Price? – A menina pálida perguntou.
Tinha dentes brancos muito pequenos e estava os usando para prender um par
de paetês com ponta de de alfinetes enquanto ela trançava pequenos cachos
de cabelo em nós. – Como em Luce e Daniel? Como aquela garota que acabou
de vir daquela escola horrível no Alabama?
- Geórgia. – Luce meio que assentiu.
- É a mesma coisa. Gente do céu, como era o Cam? Eu o vi uma vez num
converto do Death Metal. Claro que eu estava muito nervosa para me
apresentar. Não que você estaria interessada em Cam, porque, obviamente,
Daniel! – Ela vibrou com uma risada. – Sou Dawn, b-t-dubs. Está é Jasmine.
- Oi. – Luce disse lentamente. Isso era novo. – Hum...
- Não se preocupe, ela só bebeu, como, onze cafés. – Jasmine falou cerca de
três vezes mais lento do que Dawn. – O que ela quer dizer é que estamos
muito animadas para conhecê-lo. Nós sempre dizemos como você e Daniel
são, assim, a maior história de amor que existe.
- Sério? – Luce estalou os nós dos dedos.
- Você está brincando? – Dawn perguntou, embora Luce ainda esperasse que
elas estivessem trabalhando em algum tipo de piada. – Todo aquele morrer de
novo e de novo? Ok, isso não te faz desejá-lo ainda mais? Eu aposto que sim!
E oh... Quando esse fogo que te queima, - Ela fechou os olhos, pôs a mão
sobre seu estômago e, em seguida, ajeitou seu corpo, apertando o punho
sobre o coração. – Minha mãe costumava a me contar a história quando eu era
uma garotinha.
Luce ficou chocada. Olhou ao redor do terraço ocupado, se perguntando se
alguém pudesse ouvi-las. Falando em queimar, suas bochechas devem estar
bem vermelhas agora.
Um sino de ferro tocou além do telhado do refeitório para sinalizar o fim do café
da manhã, e Luce estava contente de ver que os outros tinham coisas para se
concentrar. Como chegar à classe.
- Sua mãe costumava contar qual história? – Perguntou lentamente. – Sobre
mim e Daniel?
- Apenas alguns dos destaques. – Disse Dawn, abrindo os olhos. – Parece
como um flash quente? Como uma menopausa e tal, não que você soubesse.
Jasmine bateu no braço de Dawn.
- Você acabou de comparar a paixão desenfreada de Luce com um flash
quente?
- Desculpe. – Dawn deu uma risadinha. – Estou fascinada. Parece tão
romântico e maravilhoso. Eu estou com inveja, no bom sentido!
- Com inveja do fato que eu morro toda vez que tento ficar com o cara dos
meus sonhos? – Luce encolheu os ombros. – É realmente de matar.
- Diga isso para a garota, cujo único beijo foi com Ira Frank da Síndrome do
Intestino Irritável. – Jasmine gesticulou provocantemente para Dawn.
Quando Luce não riu, Dawn e Jasmine se encheram com uma risadinha
apaziguadora, como se elas pensassem que elas estavam sendo modestas.
Luce nunca tinha recebido esses risos antes.
- O que exatamente a sua mãe disse? – Luce perguntou.
- Oh, apenas o normal: A guerra eclodiu, merda atingiu o ventilador e, quando
estabeleceram um limite nas nuvens, Daniel era “Nada pode nos separar”, e
aquilo chateou todo mundo. É claro que é minha parte favorita da história.
Então agora o seu amor tem que sofrer essa punição eterna onde ainda
desesperadamente você quer o outro, mas você não pode, tipo, você sabe.
- Mas em algumas vidas eles podem. – Jasmine corrigiu Dawn, então piscou
maliciosamente para Luce, que quase não podia se mover do choque de ouvir
tudo isso.
- De jeito nenhum! – Dawn levantou uma mão com desdém. – A questão toda é
que ela explode em chamas quando ela... – Ao ver a expressão horrorizada de
Luce, Dawn estremeceu. – Desculpe. Não é o que você quer ouvir.
Jasmine limpou a garganta e se inclinou.
- Minha irmã mais velha me contou essa história de um de seus passados que
eu juro que seria...
- Oh! – Dawn juntou seu braço com o de Luce, como se esse conhecimento,
conhecimento que Luce não tinha acesso, a fazia uma amiga mais desejável.
Isso estava enlouquecedor. Luce foi profundamente envergonhada. E, bem, um
pouco animada. E completamente incerta se algo disso era verdade. Uma
coisa era certa: Luce era, de repente... Famosa. Mas parecia estranho. Como
se ela fosse uma daquelas peruas sem nome ao lado do menino, estrela do
filme, em uma foto de paparazzi.
- Vocês! – Jasmine estava apontando exageradamente para o relógio em seu
telefone. – Estamos tão super atrasadas! Temos que nos registrar na aula...
Luce fez uma careta, rapidamente pegando sua mochila. Não tinha ideia de
que classe tinha primeiro, ou onde encontrá-la, ou como tirar o entusiasmo de
Jasmine e Dawn. Ela não tinha visto sorrisos tão estendidos e ansiosos desde,
bem, talvez nunca.
-Alguma de vocês sabe como descobrir onde é a minha primeira aula? Eu não
acho que tenho uma agenda.
- Duh. – Disse Dawn. – Siga-nos. Estamos todas juntas. Todo o tempo! É tão
divertido.
As duas meninas andavam com Luce, uma de cada lado, e a levaram em um
tour entre as mesas de outras crianças terminando seus cafés da manhã.
Apesar de ser tão “super tarde”. Jasmine e Dawn passeavam pela grama
recém-cortada. Luce pensou em perguntar para as meninas o que tinha de
errado com Shelby, mas não queria começar parecendo como uma fofoca.
Além disso, as meninas pareciam legais, mas não era como Luce precisasse
fazer novas amizades. Tinha como objetivo de lembrar a si mesma: Isso era
apenas temporário.
Temporário, mas ainda belíssimo.
As três caminharam ao longo do caminho de hortênsia, que curvava em torno
do refeitório. Dawn estava conversando sobre alguma coisa, mas Luce não
conseguia tirar os olhos da beira ameaçadora e dramática, como o terreno caía
abruptamente em centenas de metros para o brilhante oceano. As ondas
rolavam para o pequeno trecho de praia ao pé do precipício tão
despreocupadamente quanto o corpo discente de Shoreline rolava em direção
a sala de aula.
- Aqui estamos nós. – Disse Jasmine.
Uma impressionante cabana de dois andares de estrutura ficava sozinha no
final do caminho. Havia sido construída no meio de sombreadas sequoias,
portanto, seu telhado, íngreme, triangular, amplo e aberto gramado na frente
estava coberto com uma manta de agulhas caídas. Havia um pequeno pedaço
de terra e gramado com algumas mesas de piquenique, mas a atração principal
era a cabana em si: Mais da metade parecia que era feita de vidro. Todas as
janelas eram largas, coloridas e abriam com portar de correr. Como algo que
Frank Lloyd Wright poderia ter concebido. Vários alunos descansavam em uma
grande plataforma que dava para o oceano, e várias mais miúdas estavam em
cima das escadas gêmeas que acabavam no caminho.
- Bem vinda ao Chalé Néfi. – Disse Jasmine.
- Este é o lugar onde vocês têm aula? – Luce ficou boquiaberta. Parecia mais
uma casa de férias do que um prédio escolar.
Ao seu lado, Dawn gritou e apertou o pulso de Luce.
- Bom dia, Steven! – Dawn chamou pelo gramado, acenando para um homem
mais velho que estava parado ao pé da escada. Ele tinha um rosto fino,
elegante óculos retangular e uma cabeça grossa de ondulado cabelo sal e
pimenta. – Eu simplesmente adoro quando ele veste o terno de três peças. –
Sussurrou.
- Bom dia, meninas. – O homem sorriu e acenou para elas. Olhou para Luce
tempo o suficiente para fazê-la curvar de nervosismo, mas o sorriso
permaneceu no rosto. – Vejo vocês daqui a pouco. – Gritou e começou a subir
as escadas.
- Steven Filmore. – Jasmine murmurou, informando Luce na medida em que
seguia atrás dele até a escada. – Também conhecido por S.F. ou Silver Fox.
Ele é um dos nossos professores, e sim, Dawn é verdadeiramente,
loucamente, profundamente apaixonada por ele. Mesmo que ele a tenha
advertido. Ela é sem-vergonha.
- Mas eu amo Francesca também. – Dawn deu um tapa em Jasmine e em
seguida virou-se para Luce, os olhos escuros, sorrindo. – Eu te desafio a não
desenvolver um pouco de paixão por eles.
- Espere. – Luce pausa. – O Silver Fox e Francesca são nossos professores? E
você os chama pelos seus primeiros nomes? E eles estão juntos? Quem
ensina o quê?
- Chamamos o bloco inteiro da manhã de humanidades. – Disse Jasmine. –
Embora angélicos seria mais adequado. Frankie e Steven ensinam
conjuntamente. Parte do acordo aqui, uma espécie de Yin e Yang. Você sabe,
de modo que nenhum dos alunos seja... Seduzido.
Luce mordeu o lábio. Chegaram ao topo das escadas e estavam em uma
multidão de estudantes no deck. Todo mundo estava começando a andar
devagar através das portas de vidro deslizantes.
- O que quer dizer com “seduzido”?
- Eles são ambos caídos, é claro, mas escolheram lados diferentes. Ela é um
anjo e ele é mais um demônio. – Dawn falou despreocupadamente, como se
estivesse falando a diferença entre os sabores de iogurte congelado. Vendo os
olhos de Luce incharem, acrescentou. – Não é como se eles pudessem casar
ou qualquer coisa, no entanto, seria o casamento mais quente do mundo. Eles
só... Vivem em pecado.
- Um demônio está ensinando as nossas aulas de humanidades? – Luce
perguntou. – E isso é certo?
Dawn e Jasmine se entreolharam e riram.
- Muito bem. – Disse Dawn. – Você vai mudar de ideia em relação a Steven.
Vamos lá, temos que ir.
Seguindo o fluxo das outras crianças, Luce entrou na sala de aula. Era ampla
e tinha três rasos degraus de escada, com mesa em cima delas, que levava a
longas mesas mais abaixo. A maior parte da luz vinha através de claraboias. A
iluminação natural e tetos altos fizeram a sala parecer ainda maior do que era.
Uma brisa soprava pelas portas abertas, mantendo o ar confortável e fresco.
Não poderia ser mais diferente do que a Sword & Cross. Pensou que ela quase
poderia ter gostado de Shoreline se não fosse pelo fato de que – sua
verdadeira razão de estar aqui – a mais importante pessoa em sua vida estava
faltando. Questionou se Daniel estava pensando nela. Será que ele sentia sua
falta do jeito que ela sentia falta dele?
Luce escolheu uma mesa perto das janelas, entre Jasmine e um bonito rapaz
perto da porta. Estava de shorts, um boné dos Dodgers e uma blusa de
moletom da Marinha. Algumas garotas estavam agrupadas perto da porta do
banheiro. Uma delas tinha cabelos crespos e quadrados óculos roxos.
Quando Luce viu o perfil da menina, quase caiu de seu assento.
Penn.
Mas quando a menina se virou para Luce, seu rosto era um pouco mais
quadrado e suas roupas estavam um pouco apertadas. Sua risada era um
pouco mais alta e Luce quase sentiu como se seu coração estivesse
murchando. É claro que não era Penn. Não seria nunca mais.
Luce podia sentir os outros alunos a olhando, algumas encaravam totalmente.
A única que não fez foi Shelby, que deu um aceno reconhecendo Luce.
Não era uma enorme sala de aula, apenas vinte mesas dispostas sobre os
degraus da escada, de frente para as duas longas mesas de mogno na frente.
Havia duas hidrocores para quadro branco atrás das mesas. Duas prateleiras
em casa lado. Duas latas de lixo. Duas lâmpadas de mesa. Dois laptops, um
em casa mesa. E os dois professores – Steven e Francesca – amontoados
perto da frente da sala, sussurrando.
Em um movimento que Luce não esperava, viraram e olharam para ela
também, então deslizaram sobre o piso de madeira. Francesca se sentou em
cima de uma, com uma perna dobrada debaixo dela e um de seus saltos altos
deslizando sobre o piso de madeira. Steven se encostou à outra mesa, abriu
uma pesada pasta de couro marrom e descansou a caneta entre os lábios.
Para um homem mais velho, ele era bonito com certeza, mas Luce quase
desejava que ele não fosse. Ele lembrava Cam, e quão enganoso o charme de
um demônio poderia ser.
Esperou o resto da turma tirarem os livros que ela não tinha, para mergulhar na
leitura de alguns exercícios que ela correria atrás depois, então poderia se
render ao sentimento de estar oprimida e apenas sonhar acordada com Daniel.
Mas nada disso aconteceu. E a maioria das crianças ainda estava olhando
para ela sorrateiramente.
- Até agora vocês todos devem ter notado que estamos acolhendo uma nova
aluna. – A voz de Francesca foi baixa e de uma grossura de mel, como uma
cantora de Jazz. Steven sorriu, mostrando um flash brilhante de dentes
brancos. – Diga-nos Luce, do que você está gostando em Shoreline até agora?
A cor se esvaiu do rosto de Luce da mesma forma que as mesas dos outros
alunos fizeram sons raspando no chão. Eles realmente estavam se virando em
seus lugares para se concentrarem nela. Podia sentir seu coração disparar e
as palmas das mãos ficarem úmidas. Ela se encolheu em seu assento,
desejando que fosse apenas uma menina normal em uma casa normal da
escola de Thunderbolt, em Geórgia.
Ás vezes, ao longo dos dias passados, desejou que nunca tivesse visto uma
sombra, nunca tivesse entrado em um tipo de problema que tinha deixando sua
querida amiga morrer ou tivesse envolvida com Cam, ou tivesse tornado
impossível para Daniel estar perto dela. Mas havia um lugar onde sua mente
ansiosa e confusa sempre chegava a um ponto final: Como ser normal e ainda
ter o Daniel? A qual estava muito longe de ser normal. Era impossível.
Então lá estava ela, aguentando firme.
- Eu acho que eu ainda estou me acostumando a Shoreline. – Sua voz tremeu,
a traindo, ecoando no teto inclinado. – Mas parece tudo bem até agora.
Steven riu.
- Bem, Francesca e eu pensamos que para te ajudar a se acostumar com isso,
teríamos que mudar a marcha nas nossas apresentações habituais de alunos
na terça-feira de manhã.
Do outro lado da sala, Shelby piou.
- Sim!
Luce notou que tinha uma pilha de blocos em sua mesa e um grande cartaz em
seus pés que dizia “Aparências não tão ruins”. Então Luce acabara de
conseguir ficar fora da apresentação. Isso tinha que valer algo para os pontos
de companheira de quarto.
- O que Steven quer dizer... – Francesca opinou. – É que vamos participar de
um jogo para quebrar o gelo. – Ela deslizou para baixo de sua mesa e
caminhou ao redor da sala, os saltos estalando enquanto ela distribuía uma
folha de papel para casa aluno.
Luce esperava o coro de gemidos que as palavras geralmente evocavam numa
sala de aula de adolescentes. Mas essas crianças pareciam tão agradáveis e
bem-ajustadas. Na verdade, eles estavam apenas seguindo o fluxo.
Quando Francesca colocou a folha na mesa de Luce, disse:
- Isso deve dar uma ideia do que alguns de seus colegas são, e quais objetivos
nós trabalhamos nessa classe.
Luce olhou para o papel. As linhas foram desenhadas na página, a dividindo
em vinte cubículos. Cada cubículo continha uma frase. Era um jogo que já tinha
jogado uma vez no acampamento de verão, no oeste da Geórgia, quando
criança e outras vezes em suas aulas em Dover. O objetivo era ir ao redor da
sala e combinar um aluno diferente com cada frase. A princípio ela ficou
aliviada, há definitivamente mais quebra-gelos embaraçosos lá fora. Porém
quando olhou mais de perto as frases esperando coisas normais como “Tem
uma tartaruga de estimação” ou “Quer fazer paraquedismo um dia”, ela se
assustou ao ver coisas como “Fala mais de dezoito línguas” e “Visitou o mundo
exterior”.
Estava prestes a ser dolorosamente óbvio que Luce era a única que não era
Nephilim na classe. Pensou de volta no garçom nervoso que tinha trazido seu
café da manhã e o da Shelby. Talvez Luce estivesse mais confortável entre as
crianças bolsistas. Beaker Brady nem sabia que ele tinha evitado um grande
problema.
- Caso ninguém tenha dúvidas, – Disse Steven na frente da sala. – estão livres
para começarem.
- Vão para fora e divirtam-se. – Francesca acrescentou. – Leve o tempo que
vocês precisarem.
Luce seguiu o resto dos alunos para o convés. Enquanto eles caminhavam em
direção ao parapeito, Jasmine se inclinou sobre o ombro de Luce, apontando
uma unha esmaltada de verde em um dos cubículos.
- Eu tenho um parente que é um querubim puro-sangue. – Disse. – O louco
velho tio Carlos.
Luce abanou a cabeça, como se soubesse o que aquilo significava e anotou o
nome de Jasmine.
- Oh, e eu posso levitar. – Dawn gorjeou, apontando para o canto superior
esquerdo da página de Luce. – Não é cem por cento do tempo, mas
geralmente depois que eu tomar o meu café.
- Uau. – Luce tentou não olhar, não parecia que Dawn estava fazendo uma
piada. Ela era capaz de levitar?
Tentando não mostrar que estava se sentindo casa vez mais inadequada,
procurou a página para alguma coisa, qualquer coisa que ela sabia fazer.
Tinha experiência em convocar os Anunciadores. As sombras.
Daniel tinha dito o nome apropriado deles na última noite em Sword & Cross.
Apesar dela nunca ter realmente os “convocado”, eles sempre apareciam. Luce
tinha alguma experiência.
- Você pode me escrever lá. – Apontou para o canto inferior esquerdo do papel
de Jasmine e Dawn a olhou, um pouco espantada, mas não descrente, antes
de passar para preencher o resto de suas folhas.
O coração de Luce abrandou um pouco. Talvez isso não fosse ser tão ruim.
Nos próximos minutos, ela se encontrou com Lilith, uma ruiva afetada que era
de um dos três trios Nephilim:
- Você pode nos diferenciar pelas nossas caudas vestiginais. – Explicou.
O meu é encaracolado. – Oliver, de voz profunda, um menino agachado que
tinha visitado o mundo exterior nas férias de verão do ano passado:
- Foi tão censurado que nem sequer posso contar.
Jack, que sentiu como se estivesse na iminência de ser capaz de ler mentes e
achei que seria certo se Luce escrevê-lo por isso:
- Eu sinto que você está ok com isso, estou certo? – Ele fez uma arma com
seus dedos e estalou a língua.
Ela ainda tinha três cubículos na esquerda quando Shelby puxou o papel de
suas mãos.
- Eu posso fazer esses dois. – Disse, apontando para dois dos cubículos. –
Qual deles você quer? Fala mais de dezoito línguas ou pode vislumbrar vidas
passadas?
- Espere um minuto. – Sussurrou Luce. – Você... Você pode vislumbrar vidas
passadas?
Shelby balançou as sobrancelhas para Luce e riscou a sua assinatura no
cubículo, acrescentando seu nome no de “dezoito línguas” para uma boa
medida. Luce olhou para o papel, pensando em todas suas próprias vidas
passadas e no quão frustrante elas eram fora dos limites para ela.
Havia subestimado Shelby. Mas sua companheira de quarto já tinha ido.
Parado no lugar de Shelby estava o menino que ela se sentou ao lado dentro
da sala de aula. Era meio metro maior do que Luce, com um sorriso brilhante,
simpático, um pouco de sardas no nariz e olhos azuis. Alguma coisa sobre ele,
até a maneira como estava mastigando a caneta, olhou... Resistente.
Luce percebeu que esta era uma palavra estranha para descrever alguém com
quem nunca tinha falado, mas não podia fazer nada.
- Oh, graças a Deus! - Ele riu, batendo na testa. – A única coisa que eu posso
fazer é uma coisa que você deixou...
- Pode refletir uma imagem de espelho de si ou dos outros? – Luce leu
devagar. Ele jogou a cabeça de um lado para outro e escreveu seu nome na
caixa. Miles Fisher.
– Realmente impressionante para alguém como você, tenho certeza.
- Hum, sim. – Luce virou. Alguém como ela, que nem sabia o que aquilo
significava.
- Espere. Hey, onde você está indo? – Ele puxou sua manga. – Você não
sacou a piada auto modesta? – Quando ela balançou a cabeça, o rosto de
Miles caiu. –Eu só quis dizer, em comparação com todo o resto da classe, eu
mal estou aguentando. A única pessoa que eu já fui capaz de refletir além de
mim foi minha mãe. Assustou meu pai por cerca de dez segundos, mas depois
desapareceu.
- Espere. – Luce piscou para Miles. – Você fez uma imagem de espelho da sua
mãe?
- Por acaso. Dizem que é mais fácil de fazer com as pessoas que, bem, eu
amo. – Ele ficou vermelho, um pouco rosa em suas bochechas. – Agora você
vai pensar que eu sou algum tipo de filhinho da mamãe. Eu só quis dizer “fácil”
é sobre onde os meus poderes acabam. Considerando que você... Você é a
famosa Lucinda Price. – Acenou suas mãos.
- Eu gostaria que todos parassem de dizer isso. – Disparou. Então, se sentindo
rude, suspirou e se inclinou contra o deck de grade para olhar a água. Foi tão
difícil para processar todas estas sugestões de que as outras pessoas aqui
sabiam mais sobre ela do que ela sabia sobre si mesma. Não queria descontar
nesse cara. – Eu sinto muito, é que eu pensei que era a única que estava
quase aguentando. Qual é a sua história?
- Ah, eu sou o que eles chamam de fraco. – Disse, fazendo citações de ar
exagerado. – Mamãe tem anjo em seu sangue de algumas gerações atrás,
mas todos os meus parentes são mortais. Meus poderes são vergonhosamente
de baixo grau, mas estou aqui porque os meus pais dotaram a escola com,
hum, esta plataforma que você está parada em cima.
- Wow.
- Não é realmente impressionante. Minha família é obcecada por eu estar na
Shoreline. Você deve ouvir a pressão que eu recebo em casa para marcar um
encontro com uma garota Nephilim agradável de vez em quando. – Luce riu.
Em um dos primeiros risos verdadeiros que ela tinha em dias. Miles revirou os
olhos, bem-humorado.
- Então... Eu te vi tomando café com a Shelby esta manhã. Ela é sua
companheira de quarto? – Luce assentiu.
- Falando em garotas Nephilim... – Brincou.
- Bem, eu sei que ela é meio, hum... – Miles vaiou e fez um movimento de
agarras com uma mão, fazendo Luce elogiar de novo. – De qualquer forma, eu
não sou o estudante prodígio aqui, mas eu tenho estado por aqui há algum
tempo, e, na metade do tempo, acho que este lugar é muito louco. Então, se
você quiser ter um café da manhã bem normal ou algo assim...
Luce se encontrou balançando a cabeça. Normal. Música para os ouvidos
mortais.
- Como amanhã...? – Miles perguntou.
- Isso soa muito vem. – Miles sorriu e acenou, foi então que Luce percebeu que
todos os outros alunos já tinham voltado para dentro.
Sozinha pela primeira vez durante toda a manhã olhou para a folha de papel
em sua mão. Dúvidas sobre como se sente sobre as outras crianças de
Shoreline. Sentia falta de Daniel, que poderia ter decifrado um monte disso
para ela se não tivesse ido, onde ele estava, afinal? Ela nem sabia. Muito
longe. Pressionou um dedo nos lábios, lembrando seu último beijo. O incrível
abraço de suas asas. Sentiu tanto frio sem ele, mesmo sob o sol da Califórnia,
mas estava aqui por causa dele, aceita nessa classe de anjos ou o que quer
eles eram, completa com sua nova reputação bizarra, tudo graças a ele. De
uma forma estranha, se sentiu bem de estar ligada a Daniel tão
inextricavelmente.
Até que ele volte para ela, isso era tudo que ela tinha que se agarrar.
Capítulo 3 – Dezesseis Dias
- Ok, me bata, o que é a coisa mais estranha sobre Shoreline até agora?
Era quarta-feira de manhã antes da aula e Luce estava sentada em uma mesa
de café da manhã ensolarada no terraço dividindo um bule de chá com Miles.
Ele estava vestindo uma camiseta vintage amarela com o logotipo do Sunkist
sobre ele, um boné de beisebol puxado para baixo, um pouco acima de seus
olhos azuis, sandálias e jeans desgastados. Sentindo-se motivada pelo código
de vestimenta muito relaxado de Shoreline, Luce havia trocado seu traje preto
padrão.
Estava usando um vestido vermelho com um casaquinho branco curto. Sentiase como se fosse o primeiro dia de sol depois de um longo período de chuva.
Deixou cair uma colher de açúcar em sua xícara e riu.
- Eu nem sei por onde começar. Talvez a minha companheira de quarto, acho
que entrou escondida pouco antes do nascer do sol desta manhã e foi embora
de novo antes de eu acordar. Não, espere, está na aula dada por um casal de
demônio e anjo. Ou... – Ela engoliu. – O modo como as crianças daqui me
olham como se eu fosse uma aberração lendária. Uma aberração anônima eu
já estou acostumada, mas uma aberração de má fama...
- Você não tem má fama. – Miles deu uma mordida em seu gigante croissant. –
Eu vou lidar com eles um de cada vez. – Disse, mastigando.
Ele limpou o canto da boca com um guardanapo e Luce, meio maravilhada, riu
de seus modos ocasionalmente impecáveis à mesa. Não podia deixar de
imaginá-lo tomando algumas aulas de etiqueta no clube de golfe como um
menino.
- Shelby é meio rude. – Disse Miles. – Mas ela pode ser legal também. Quando
tem vontade. Não que eu tenha visto esse seu lado. – Riu. – Mas esse é o
boato. E eu também estranhei o caso Frankie/Steven no começo, mas de
alguma forma eles fazem funcionar. É como um ato de equilíbrio celestial. Por
alguma razão, tendo ambos os lados, dá aos estudantes uma maior liberdade
para se desenvolver.
Aqui essa palavra de novo: Desenvolver. Lembrou que Daniel tinha a usado
quando lhe disse que não iria se juntar a ela em Shoreline. Mas se desenvolver
em quê? Só podia ser relacionado às crianças que eram Nephilim. Não Luce,
que era totalmente humana e solitária em sua classe cheia de quase anjos,
esperando até seu anjo tivesse vontade ir lá salvá-la.
- Luce. – Disse Miles, interrompendo seus pensamentos. – A razão pela qual
as pessoas te olham é porque todos ouviram falar de você e Daniel, mas
ninguém sabe a verdadeira história.
- Então, ao invés de apenas me perguntarem...
-O quê? Se vocês dois transam mesmo nas nuvens? Ou se a sua glória, você
sabe, sempre galopante oprime o seu mortal. – Ele parou, capturando o olhar
horrorizado no rosto de Luce e em seguida engoliu em seco. – Desculpe.
Quero dizer, você está certa. Eles deixaram explodir em um grande mito. Todo
mundo, é isso. Eu tento não, hum, especular. – Miles colocou seu chá na mesa
e olhou para o guardanapo. – Talvez seja muito pessoal perguntar. – Miles
desviou o olhar e agora estava a olhando, mas não fez Luce se sentir nervosa.
Ao invés disso, seus olhos azuis e o sorriso torto pareciam um pouco como
uma porta aberta, um convite para falar sobre algumas coisas que ela não tinha
sido capaz de dizer a ninguém. Por mais que fosse um saco, Luce entendeu o
porquê de Daniel e Sr. Cole a haviam proibido de chegar a Callie ou seus pais,
mas os dois que a inscreveram na Shoreline. Foram os únicos que tinham dito
que ela estaria bem aqui. Então, não conseguia ver nenhuma razão para
manter sua história em segredo para alguém como Miles. Especialmente uma
vez que ele já sabia alguma versão da verdade.
- É uma longa história. – Disse. – Literalmente. E eu ainda não sei tudo, mas,
basicamente, Daniel é um anjo importante. Acho que ele era grande coisa
antes da queda. – Engoliu, sem querer encontrar os olhos de Miles. Sentia-se
nervosa. – Pelo menos foi até se apaixonar por mim.
Ela começou a desabafar tudo. Desde seu primeiro dia na Sword & Cross, e
como Arriane e Gabbe cuidaram dela, a forma como Molly e Cam zombavam
dela, a sensação angustiante de ver uma foto sua numa vida anterior. A morte
de Penn e como isso a devastou. A batalha surreal no cemitério. Luce deixou
de fora alguns detalhes de Daniel, momentos privados que eles
compartilhavam, mas, no momento que ela terminou, achou que tinha dado a
Miles uma bonita imagem completa do que tinha acontecido e esperou dissipar
o mito de sua intriga pelo menos para uma pessoa. No final, se sentia mais
leve.
- Uau. Eu nunca tinha dito essas coisas para ninguém. Parece muito bom dizer
em voz alta. Como ele é mais real agora que eu admiti para outra pessoa...
- Você pode continuar se quiser. – Disse ele.
- Eu sei que só estou aqui por um tempo curto. – Disse ela. – E de certa forma,
eu acho que Shoreline vai me ajudar a me acostumar com as pessoas, quero
dizer, anjos como Daniel, Nephilim e como você, mas eu ainda não posso
deixar de me sentir deslocada. Como se eu estivesse posando algo que eu não
sou.
Miles estava concordando com Luce o tempo todo e ela contou sua história,
agora ele sacudiu a cabeça.
- De jeito nenhum, o fato de que você é mortal, a coisa toda é ainda mais
impressionante.
Luce olhou em volta do terraço. Pela primeira vez, notou uma linha divisória
clara entre os quadros das crianças Nephilim do resto do corpo discente. Os
Nephilim reivindicaram todas as mesas no lado oeste, mais próximos da água.
Havia poucos deles, não mais de vinte, mas pegavam um monte de mesas a
mais, às vezes com apenas um garoto em uma mesa que poderia ter sentado
seis, enquanto o resto das crianças tiveram que enfiar as mesas restantes do
lado leste.
Shelby, por exemplo, que se sentou sozinha, lutando contra o vento forte sobre
o papel que ela tentava ler. Havia um monte de cadeiras, mas não nenhum dos
não-Nephilim parecia querer atravessas para se sentar com as crianças
“talentosas”. Luce reconheceu algumas das outras crianças não dotadas
ontem. Após o almoço, as aulas foram realizadas no edifício principal, uma
estrutura com uma arquitetura muito menos impressionante onde as disciplinas
mais tradicionais foram ensinadas. Biologia, geometria, história da Europa.
Alguns desses estudantes pareciam bons, mas Luce sentiu uma distância não
dita, tudo porque estava na faixa talentosa, que frustrou a possibilidade de uma
conversa.
- Não me interpretem mal, eu comecei a amizade com alguns desses caras. –
Miles apontou para uma mesa cheia. – Eu ia escolher Connor ou Eddie G. para
um jogo de rugby qualquer dia desses contra qualquer um dos Nephilim. Mas,
falando sério, você acha que alguém ali poderia ter lidado com o que você fez e
viveu para contar?
Luce esfregou o pescoço e sentiu lágrimas nos cantos dos olhos. O punhal de
Miss Sophia ainda estava fresco em sua mente e ela jamais poderia pensar
naquela noite sem o seu coração doer por Penn. Sua morte tinha sido tão sem
sentido. Nada disso era justo.
- Eu sobrevivi. – Disse ela, baixinho.
- Sim. – Disse Miles, estremecendo. – Essa parte eu ouvi falar. É estranho:
Francesca e Steven são ótimos nos ensinando sobre o presente e o futuro,
mas não muito do passado. Algo a ver com nos capacitar.
- O que você quer dizer?
- Pergunte-me qualquer coisa sobre a grande batalha que está por vir e do
papel que um jovem Nephilim sadio como eu poderia desempenhar, mas as
primeiras coisas que você estava falando? Nenhuma das lições aqui realmente
vão entrar nesse assunto. Falando nisso... – Miles apontou para o terraço que
estava esvaziando. – Nós devemos ir. Você quer fazer isso de novo algum dia?
- Com certeza. – E Luce falava sério. Gostava de Miles. Ele era muito mais fácil
de conversar do que qualquer um que ela conhecera até agora. Era simpático e
tinha o tipo de senso de humor que colocam Luce instantaneamente à vontade.
Porém estava distraída por algo que ele tinha dito. A batalha que estava por vir.
A batalha de Daniel e Cam ou uma batalha com o grupo de Anciãos da Miss
Sophia? Se até mesmo os Nephilim estavam se preparando para isso, onde
aquilo deixava Luce?
Steven e Francesca tinham um jeito de se vestir com as cores complementares
que os faziam parecer melhor vestidos para uma foto do que para uma aula.
No segundo dia de Luce em Shoreline, Francesca estava usando três
polegadas de salto de ouro estilo gladiador e com um moderno vestido cor de
abóbora da linha A. Tinha um laço solto em volta do pescoço que combinava,
quase exatamente, com a gravata laranja que Steven usava com sua camisa
marfim de Oxford e blazer azul-marinho. Estavam impressionantes de se olhar
e Luce foi desenhada para eles, mas não exatamente na paixão de casal que
Dawn havia previsto no dia anterior.
Observando seus professores de sua mesa entre Miles e Jasmine, Luce se
sentiu atraída por Francesca e Steven por razões mais perto de seu coração.
Eles a lembravam de seu relacionamento com Daniel. Apesar de nunca ter os
visto realmente se tocarem quando estavam juntos, que era quase sempre, o
magnetismo entre os dois deformava as paredes. É claro que tinha algo a ver
com os seus poderes como anjos caídos, mas também deve ter a ver com a
maneira única em que eram conectados. Luce não podia deixar de ressenti-los.
Eram lembranças constantes do que ela não podia ter agora.
A maioria dos alunos tinham tomado seus lugares. Dawn e Jasmine estavam
indo em direção de Luce para que ela se juntasse ao comitê de direção para
que pudesse ajudá-los a planejar todos esses surpreendentes eventos sociais.
Luce nunca tinha sido uma menina boa em atividades extracurriculares, mas
essas meninas tinham sido tão boas com ela e a cara de Jasmine parecia tão
brilhante quando falou sobre uma viagem de barco que estavam planejando
para mais tarde nessa semana que Luce decidiu dar à comissão uma chance.
Estava adicionando seu nome à lista quando Steven se adiantou, sacudiu a
blazer sobre a mesa atrás dele e, sem palavras, abriu bem os braços ao seu
redor como se convocasse. Um fragmento de sombra preta profunda parecia
partir das sombras de uma das sequoias fora da janela, descascou para fora da
erva, então, tomou solidez e chicoteou para dentro da sala pela janela aberta.
Foi rápido e onde ela tinha ido, enegreceu o dia e a sala entrou na escuridão.
Luce engasgou por força de hábito, mas não foi a única. Na verdade, a maioria
dos estudantes recuaram nervosamente em suas mesas enquanto Steven
começou a rondar a sombra. Ele apenas colocou suas mãos e começou a
torcer cada vez mais rápido, parecendo lutar com alguma coisa. Logo, a
sombra estava girando em sua frente tão rapidamente que ficou borrada como
os raios de uma roda. Uma rajada de espesso vento com fungos foi emitida a
partir de seu núcleo, soprando o cabelo de Luce em volta do rosto.
Steven manipulou a sombra, esticando os braços a partir de uma desarrumada
forma amorfa em uma apertada e preta esfera do tamanho de uma toranja.
- Classe. – Disse ele, friamente levitando a bola de escuridão poucos
centímetros acima dos dedos. – Conheçam o assunto da lição de hoje.
Francesca se adiantou e transferiu a sombra para suas mãos. Em seus saltos
altos ela era quase tão alta quando Steven. E, Luce imaginou, era tão hábil em
lidar com as sombras.
- Vocês todos tem visto os Anunciadores em algum momento. – Disse ela,
caminhando lentamente até as carteiras de estudante em formato de meia-lua
para que cada um pudesse dar uma olhada melhor. – E alguns de vocês –
Continuou, olhando para Luce. – tem até mesmo alguma experiência em
trabalhar com eles. Mas você sabe realmente o que eles são? Sabe o que eles
podem fazer?
Fofocas, Luce pensou, lembrando o que Daniel tinha te dito na noite da
batalha. Ela ainda estava muito nova em Shoreline para se sentir confortável
em dizer a resposta, mas nenhum dos outros alunos parecia saber.
Lentamente levantou a mão. Francesca levantou a cabeça.
- Luce.
- Elas carregas as mensagens. – Disse, ficando mais segura enquanto falava,
pensando com a garantia de Daniel. – Mas eles são inofensivos.
- Mensageiros, sim. Mas inofensivos? – Francesca olhou para Steven. Seu tom
não traía o fato de Luce estar certa ou errada, o que fez Luce se sentir
envergonhada.
A classe inteira ficou surpresa quando Francesca voltou para o lado de Steven,
segurou um dos lados da borda da sombra enquanto ele segurava o outro e
deu um puxão firme.
- Chamamos isso de vislumbrar. – Disse ela.
A sombra estava inchada e esticada como um balão a explodir. Ela fez um som
mais encorpado como a sua negritude distorcida, com cores mais vivas do que
qualquer coisa que Luce tinha visto antes. Verde e amarelo fortes, ouro
brilhantes, trechos de rosa e roxo marmorizados. Um grande turbilhão de cores
brilhando mais forte e mais distinta por trás de uma rede de sombras.
Steven e Francesca ainda estavam puxando, pisando para trás lentamente até
que a sombra tinha o tamanho e a forma de uma tela de projeção de grandes
dimensões. Então eles pararam. Não deram nenhum aviso, nenhum “O que
você está prestes a ver”, e depois de uma momento horrível, Luce sabia o
porquê. Não poderia haver uma preparação para isso.
O emaranhado de cores separadas se instalaram finalmente em uma lona de
formas distintas. Estavam olhando uma cidade. Uma cidade antiga com
paredes de pedra... Pegando fogo. Superlotada e poluída, consumida por raiva
e chamas. As pessoas encurraladas pelas chamas, suas bocas num vazio
escuro, levantando os braços para os céus. E em toda parte uma chuva de
faíscas brilhantes e pedaços pegando fogo, uma chuva de luzes aterrissando
em toda parte e inflamando tudo o que tocava.
Luce praticamente podia sentir o cheiro da podridão e desgraça que vinham
através da tela de sombra. Foi horrível para olhar, mas, o mais estranho, de
longe, era que não havia nenhum som. Outros estudantes em torno dela
estavam esquivando suas cabeças como se estivessem tentando bloquear
alguns lamentos, alguns gritos que para Luce era indistinguível. Não havia
nada além de um puro silêncio enquanto eles observavam cada vez mais
pessoas morrerem.
Quando ela não tinha mais certeza se seu estômago podia aguentar mais, o
foco da imagem mudou como se a tela tirasse o zoom e Luce podia ver à
distância. Não uma, mas duas cidades estavam em chamas. Uma estranha
ideia lhe atingiu, suavemente, como uma memória que ela sempre teve, mas
não tinha pensado por enquanto. Ela sabia o que estavam vendo: Sodoma e
Gomorra. Duas cidades na Bíblia, duas cidades destruídas por Deus.
Então, como desligar um interruptor de luz, Steven e Francesca estalarem seus
dedos e a imagem desapareceu. Os restos da sombra se despedaçaram em
uma pequena nuvem negra de cinzas que se instalaram eventualmente no
chão da sala de aula. Perto de Luce, os outros alunos pareciam estar
recuperando o fôlego.
Luce não podia tirar os olhos do local onde a sombra tinha estado. Como foi
feito isso? Estava começando a congelar de novo, os pedações de escuridão
se juntando, voltando lentamente para uma forma mais familiar de sombra.
Com seus serviços completos, o Anunciador avançou lentamente ao longo do
piso, então deslizou para fora da sala de aula, como uma sombra projetada por
uma porta fechada.
- Você pode estar se perguntando por que fizemos vocês passarem por isso. –
Disse Steven, se dirigindo a classe. Ele e Francesca trocaram um olhar
preocupado quando olharam ao redor da sala.
Dawn estava choramingando em sua mesa.
- Como você sabe, - Disse Francesca. – a maior parte do tempo nesta classe,
nós gostamos de nos concentrar no que você, como Nephilim, tem o poder de
fazer. Como você pode mudar as coisas para melhor, no entanto, cada um de
vocês decidem definir isso. Nós gostamos de olhar para frente ao invés de para
trás.
- Mas o que viram hoje, – Disse Steven. – foi mais do que apenas uma de
história com efeitos especiais incríveis. E não foram só imagens que
evocávamos. Não, o que você estava vendo eram as reais Sodoma e Gomorra,
quando elas foram destruídas pelo grande Tirano, quando ele...
- Unh-unh-unh! – Disse Francesca, sacudindo um dedo. – Nós não vamos dar
nome a ninguém aqui.
- Claro que sim. Ela está certa, como de costume. Mesmo que eu às vezes caia
a fazer propaganda. – Steven sorriu para a classe. – Mas como eu ia dizendo,
os Anunciadores são mais do que meras sombras. Eles podem guardar muitas
informações valiosas. De certa forma, são sombras, mas sombras do passado,
de eventos de muito tempo atrás e também recentes.
- O que vocês viram hoje, - Francesca concluiu. – foi apenas uma
demonstração de uma habilidade de valor inestimável que alguns de vocês
podem ser capazes de aproveitar. Algum dia.
- Você não vai querer tentar isso agora. – Steven limpou as mãos com um
lenço que tinha puxado do bolso. – Na verdade, vamos proibir que vocês
tentem fazer isso, sob pena de perder o controle e se perderem nas sombras.
Mas um dia, talvez, seja uma possibilidade.
Luce compartilhou um olhar com Miles. Ele deu um sorriso com os olhos
arregalados como se estivesse aliviado ao ouvir isso. Ele não parecia se sentir
em um todo excluído, não como Luce se sentia.
- Além disso, - Disse Francesca. – a maioria de vocês provavelmente vão achar
que se sentem cansados.
Luce olhou no rosto dos alunos ao redor da sala quando Francesca falou. Sua
voz teve o efeito de babosa em queimaduras solares. Metade das crianças
tinha os olhos fechados como se tivessem sido amenizadas.
- Isso é muito normal. O vislumbre das sombras não é feito sem grandes
custos. É preciso energia para olhar para trás até mesmo alguns dias, mas
olhar para trás milênios? Bem, vocês mesmos podem sentir os efeitos. Tendo
em vista isso – Ela olhou para Steven. – vamos deixar vocês saírem hoje cedo
para descansar.
- Vamos recapitular amanhã, para nos certificar que vocês tenham feito sua
leitura de desaparição. – Steven disse. – A classe está liberada.
Ao redor de Luce, os estudantes se levantaram lentamente de suas mesas.
Pareciam confusos e exaustos. Quando ela se levantou, seus joelhos estavam
vacilantes, mas de alguma forma se sentia menos agitada do que os outros
pareciam estar. Apertou seu casaco sobre os ombros e seguiu Miles para fora
da sala de aula.
- Muita coisa intensa. – Disse ele, descendo as escadas dois degraus de cada
vez. Você está bem?
- Estou bem. – Disse Luce. Ela estava. – E você?
Miles esfregou a testa.
- Só era como se realmente estivesse lá. Estou feliz que eles nos deixaram sair
cedo. Sinto que preciso de uma soneca.
- Sério! – Dawn acrescentou se aproximando atrás deles no caminho sinuoso
de volta para o dormitório. – Isso foi a última coisa que eu estava esperando na
minha manhã. Estou sentindo tanto sono agora.
Era verdade: A destruição de Sodoma e Gomorra foi horrível. Tão real. A pele
de Luce ainda estava quente por causa do incêndio.
Pegaram o atalho de volta para o dormitório, ao redor do lado norte do
refeitório e pelas sombras das sequoias. Era estranho ver o campus vazio, com
todas as outras crianças de Shoreline ainda na classe no edifício principal. Um
por um, os Nephilim agitaram os passos e foram direto para a cama. Exceto
Luce. Não estava nem um pouco cansada. Ao invés disso, se sentia
estranhamente ansiosa. Desejou novamente que Daniel estivesse lá. Queria
muito falar com ele sobre a demonstração de Francesca e Steven e saber por
que ele não tinha dito mais cedo que havia mais sobre sombras do que ela
podia ver.
Na frente de Luce estavam as escadas que conduziam ao seu dormitório. Atrás
dela, a floresta de sequoias. Começou a andar pela entrada do dormitório sem
vontade de entrar, sem vontade de dormir e fingir que ela não tinha visto.
Francesca e Steven não tinha tentando assustar a classe, pois eles devem ter
a intenção de ensinar-lhes algo. Algo que não poderia vir a público e ser dito.
Mas se os Anunciadores carregavam mensagens e ecos do passado, então
qual foi o motivo daquela que eles tinham acabado de mostrar?
Entrou na floresta. Seu relógio marcava onze horas da manhã, mas poderia ter
sido meia-noite sob a copa escura das árvores. A expectativa a tomava pelas
pernas nuas quando ela se aprofundava no bosque sombrio. Não queria
pensar nisso demais. O pensamento só iria aumentar as chances de ela se
acovardar. Estava prestes a entrar num território inexplorado. Território
proibido.
Estava indo convocar um Anunciador.
Tinha feito coisas com eles antes. A primeira vez foi quando ela beliscou um
durante a aula para mantê-lo escondido em seu bolso. Teve uma vez na
biblioteca quando ela golpeou um longe de Penn. Pobre Penn.
Luce não poderia deixar de se perguntar qual era a mensagem que aquele
Anunciador estava carregando. Então se ela soubesse como manipulá-lo do
mesmo modo que Francesca e Steven tinham manipulado um hoje, será que
ela podia ter impedido o que aconteceu?
Fechou os olhos. Viu Penn caída contra a parede, o peito envolto de sangue.
Sua amiga estava morta. Não. Olhando retrospectivamente para aquela noite
era muito doloroso e nunca levou Luce a lugar nenhum. Tudo o que ela podia
fazer era olhar para frente. Teve que lugar contra o medo frio arranhando seu
interior. Uma forma furtiva, preta e familiar estava à espreita ao lado da
verdadeira sombra de um ramo baixo de sequoia a meros dez metros à sua
frente. Ela eu um passo em direção a ele, e o Anunciador se encolheu.
Tentando não fazer movimentos bruscos, Luce continuou cada vez mais perto,
desejando que a sombra não se fosse.
Ali. A sombra contorceu sob o ramo da árvore, mas ficou onde estava.
Com o coração acelerado, Luce tentou se acalmar. Sim, estava escuro na
floresta e sim, nenhuma alma viva sabia onde estava e bem, com certeza,
havia uma chance de ninguém sentir sua falta por um bom tempo se algo
acontecesse, mas não havia motivo para pânico. Certo? Então, por que se
sentia tomada por um medo inquietante? Por que ela estava tendo o mesmo
tremor nas mãos que ela costumava ter quando via as sombras quando era
uma menina, bem antes dela saber que eram basicamente inofensivas?
Era hora de fazer uma jogada. Ela podia tanto ficar aqui congelada para
sempre ou podia se acovardar e voltar de mau-humor para o dormitório, ou...
Seu braço disparou, não tremendo mais, e pegou a coisa. Ela a arrastou e a
agarrou firmemente até o peito, surpreendida pelo seu peso, pela forma fria e
úmida que era. Como uma toalha molhada. Seus braços tremiam. O que ela
fazia com isso agora?
A imagem dessas cidades queimando brilhou em sua mente. Luce perguntou
se ela poderia ver esta mensagem sozinha. Se ela pudesse descobrir como
desvendar seus segredos. Como é que essas coisas funcionam?
Tudo o que Francesca e Steven fizeram foi puxar.
Segurando o fôlego, Luce manejou os dedos ao longo das plumosas bordas da
sombra, a agarrou e deu um leve puxão. Para sua surpresa, o Anunciador foi
flexível, quase como massa de vidraceiro, e tomou qualquer forma que as
mãos dela sugeriam. Fazendo careta, ela tentou manipulá-la em um quadrado.
Em algo como a tela que ela viu seus professores formarem. No começo era
fácil, mas a sombra parecia ficar mais dura quanto mais ela esticava. E cada
vez que ela reposicionava as mãos para puxar a outra parte, o resto se recolhia
em uma fria massa negra irregular. Logo ela estava sem ar e utilizando o braço
para limpar o suar da testa.
Ela não queria desistir, mas quando a sombra começou a vibras, Luce gritou e
a deixou cair no chão. Instantaneamente ela disparou para dentro da árvore.
Só depois que ela foi embora que fez Luce perceber: Não tinha sido a sombra
que estava vibrando. Era o telefone celular em sua mochila.
Ela se acostumou a não ter um. Até aquele momento, tinha até esquecido que
o Sr. Cole havia fado seu telefone velho para ela antes que a colocou no avião
para a Califórnia. Era quase completamente inútil, para que ele tenha uma
maneira de chegar até ela, para mantê-la atualizada em relação as histórias
que ele estava inventando para seus pais, que ainda acreditavam que ela
estava em Sword & Cross. De modo que quando Luce conversasse com eles,
ela podia mentir de forma consistente.
Ninguém além de Sr. Cole tinha esse número. E por razões de segurança
realmente irritantes, Daniel não tinha dado a ela uma maneira de alcançá-lo.
E agora, o telefone tinha custado a Luce seu primeiro progresso real com uma
sombra. Puxou o telefone e abriu a mensagem que Sr. Cole tinha acabado de
enviar:
Ligue para seus pais. Eles acham que você tirou um A em uma prova de
história que eu apliquei e que você está fazendo teste para a equipe de
natação na próxima semana. Não se esqueça de agir como se tudo tivesse
bem.
E um minuto depois:
Você está bem?
Resmungando, Luce enfiou o telefone em sua mochila e começou a vagar
através da espessa cobertura morta de agulhas de sequoias em direção à
borda da floresta, em direção a seu dormitório. A mensagem a fez pensar no
resto das crianças em Sword & Cross. Será que Arriane ainda estava lá, e se
sim, em quem ela estava jogando aviõezinhos de papel durante as aulas?
Será que Molly tinha encontrado alguém para fazer de seu inimigo agora que
Luce se foi? Ou será que as duas teriam se mudado desde quando Luce e
Daniel tinham ido embora? Será que Randy caiu na história de que os pais de
Luce tinham feito sua transferência?
Luce suspirou. Ela não odiava os pais para falar a verdade. Odiava não ser
capaz de lhes dizer o quão longe se sentia e quão sozinha. Mas um
telefonema? Cada palavra falsa, ela diria que tirou A em uma prova de história
inventada, faria alguns testes falsos para a equipe de natação, só iria fazê-la se
sentir muito mais nostálgica.
Sr. Cole deve ter enlouquecido dizendo a ela para ligar para eles e mentir. Mas
se ela contasse aos pais a verdade, eles iriam pensar que ela estava
enlouquecendo. E se ela não entrasse em contato com eles, saberiam que algo
estava acontecendo. Iram a Sword & Cross descobrir que estava desaparecida,
e depois? Ela poderia mandar um e-mail para eles. Mentir não seria tão difícil
por e-mail.
Isso. Iria comprar alguns dias antes que ela tenha que ligar. Iria mandar um email para eles à noite.
Saiu da floresta, no caminho, e engasgou. Era noite. Olhou para o magnífico
bosque sombreado. Há quanto tempo ela esteve lá com a sombra? Olhou para
o relógio. Eram oito e meia da noite. Tinha perdido o almoço. E suas aulas à
tarde. E o jantar. Tinha estado tão escuro na floresta que não tinha percebido o
tempo passar, mas agora tudo se chocou nela. Estava cansada, com frio e com
fome.
Depois de três voltas erradas no dormitório, Luce finalmente encontrou sua
porta. Silenciosamente esperando que Shelby estivesse onde quer que ela ia
para desaparecer à noite. Enfiou a enorme e antiga chave na fechadura e girou
a maçaneta. As luzes estavam apagadas, mas o fogo estava queimando na
lareira. Shelby estava sentada de pernas cruzadas sobre o chão, de olhos
fechados, meditando. Quando Luce entrou, abriu um olho, olhando muito
irritada.
- Desculpe. – Sussurrou Luce, afundando na cadeira mais próxima da porta. –
Não se preocupe comigo. Finja que não estou aqui.
Por algum tempo, Shelby fez exatamente isso. Ela mal fechou os olhos e voltou
a meditar e a sala estava tranquila. Luce ligou o computador que veio com sua
mesa e olhou para a tela, tentando compor em sua cabeça a mensagem mais
inócua possível para seus pais e, enquanto ela estava nele, uma para Callie,
que estava enviando uma enxurrada constante de e-mails não lidos na caixa de
entrada de Luce na semana passada.
Digitando tão lentamente como ela podia para que o barulho de seu teclado
não dessa a Shelby outra razão para odiá-la, Luce escreveu:
Queridos pai e mãe,
Sinto muito a falta de vocês. Só queria lhes comunicar que a vida na Sword &
Cross está boa.
O peito apertou quando ela se esforçou para manter os dedos digitando:
Tanto quando eu sei ninguém mais morreu esta semana.
Mas ao invés disso ela escreveu:
Ainda indo muito bem em todas as minhas aulas. Posso até tentar fazer um
teste para a equipe de mergulho!
Luce olhou pela janela para o céu claro e estrelado. Ela teve que sair rápido.
Caso contrário ela podia o perder.
Estou pensando em quando esta chuva vai dar trégua... Acho que em
novembro na Geórgia.
Com amor, Luce.
Ela copiou a mensagem em um novo e-mail para Callie, mudou algumas
palavras escolhidas, moveu seu mouse sobre o botão Enviar, fechou os olhos,
clicou duas vezes e abaixou a cabeça.
Ela era uma farsa horrível de uma filha e amiga mentirosa. E o que ela estava
pensando? Estes foram os e-mails mais insípidos que ela já escreveu. Estavam
indo só para assustar as pessoas. Seu estômago roncou. Na segunda vez,
mais alto. Shelby limpou a garganta.
Luce girou em sua cadeira e encarou a menina, só para a encontrar na posição
Downward Dog de ioga. Luce podia sentir as lágrimas brotando nos cantos dos
olhos.
- Estou com fome, ok? Por que você não vai registrar uma reclamação me
transferindo para outro quarto?
Shelby calmamente pulou à frente em seu tapete de ioga, mergulhou os braços
em posição de oração e disse:
- Eu ia lhe dizer sobre a caixa de macarrão orgânico com queijo na minha
gaveta de meias. Não há necessidade de ficar choramingando. Eita.
Onze minutos depois, Luce estava sentada debaixo de um cobertor em sua
cama com uma tigela fumegante de macarrão com queijo, com olhos secos e
uma companheira de quarto que de repente parou de odiá-la.
- Eu não estava chorando porque estava com fome. – Luce queria esclarecer,
que o macarrão com queijo estava tão bom, o presente generoso e inesperado
de Shelby, que quase trouxe lágrimas aos olhos frescos.
Luce queria se abrir para alguém e Shelby estava bem ali. Ela ainda não
estava à vontade, mas compartilhar seu estoque de alimentos foi um grande
passo para alguém que mal havia falado com Luce até agora.
- Eu, hum, estou tendo alguns problemas familiares. É muito difícil estar longe.
- Boo-hoo. – Shelby disse, mastigando sua própria tigela de macarrão. – Deixeme adivinhar: Seus pais continuam felizes e casados.
- Isso não é justo. – Disse Luce, se sentando. – Você não tem ideia do que eu
passei.
- E você tem alguma ideia do que eu passei? – Shelby desviou o olhar. – Não
penso assim. Olha, aqui estou eu: Filha única criada por uma mãe solteira.
Problema com o papai? Talvez. Ser um saco ter que viver com isso porque eu
odeio compartilhar? Certamente. Mas o que eu não suporto é algumas
queridinhas com rosto bonitinho com uma vida familiar feliz e um namorado
caprichoso aparecendo na minha área para murmurar sobre seu pobre caso de
amor à distância. – Luce prendeu a respiração.
- Não é nada disso.
- Ah, não? Esclareça-me.
- Eu sou uma farsa. – Disse Luce. – Eu estou... Mentindo para as pessoas que
eu amo.
- Mentindo para o seu namorado caprichoso? – Os olhos de Shelby se
estreitaram de uma maneira que fez Luce pensar que sua companheira de
quarto podia estar realmente interessada.
- Não. – Murmurou Luce. – Eu não estou nem falando com ele.
Shelby se recostou na cama de Luce e apoiou seus pés para que eles
descansassem na parte de baixo do beliche.
- Por que não?
- É muito longo, estúpido e complicado.
- Bem, toda garota com metade do cérebro sabe que há apenas uma coisa a
fazer quando você rompe com o seu homem.
- Não, nós não rompemos. – Disse Luce, no tempo exato quando Shelby disse:
- Mude o seu cabelo.
- Mudar o meu cabelo?
- Novo começo. – Disse Shelby. – Eu já tingi o meu de laranja. – Contou. – Um
inferno, uma vez que eu mesma raspei depois que esse imbecil partiu o meu
coração.
Havia um espelho oval pequeno com uma moldura de madeira ornado, ligado à
cômoda na sala.
De sua posição na cama, Luce podia ver seu reflexo. Colocou a tigela com
macarrão na cama e se levantou para se aproximar. Havia cortado seu cabelo
depois de Trevor, mas isso era diferente. A maior parte tinha sido chamuscada,
de qualquer maneira. E quando chegou a Sword & Cross, tinha sido o cabelo
de Arriane que ela cortou. No entanto, Luce achou que entendeu o que Shelby
quis dizer quando disse começar de novo.
Você poderia se transformar em outra pessoa, fingir que não era a pessoa que
tinha acabado de passar por tanta dor. Mesmo que, graças a Deus, Luce não
estivesse lamentando a perda permanente de seu relacionamento com Daniel,
mas estava lamentando todos os outros tipos de perdas. Penn, sua família, a
vida que ela costumava a ter antes que as coisas ficassem tão complicadas.
- Você realmente está pensando sobre isso, não é? Não me faça botar para
fora peróxido debaixo da pia.
Luce correu os dedos pelo cabelo curto e preto. O que Daniel acharia? Mas se
ele queria que ela fosse feliz aqui até que pudessem estar juntos novamente,
ela teria que deixar quem ela tinha sido na Sword & Cross. Virou-se para
encarar Shelby.
- Pegue a garrafa.
Capítulo 4 – Quinze Dias
Ela não estava assim tão loira.
Luce molhou as mãos na pia e puxou suas curtas ondas clareadas.
Fez isso em uma completa carga de aulas na quinta-feira, que incluiu uma
palestra de segurança de forma inesperada que durou duas horas de
Francesca reiterando o porquê dos Anunciadores não poderem ser mexidos
acidentalmente (quase parecia como se ela tivesse se dirigindo diretamente a
Luce).
E então retornou as suas perguntas de sua biologia “regular” e as aulas de
matemática no edifício principal da escola, que pareciam oito horas seguidas
de olhares espantados de seus colegas – Nephilim e crianças não-Neph
igualmente – mesmo que Shelby tivesse agindo bem com a nova aparência de
Luce, na privacidade de seu dormitório na noite anterior, ela não estava cheia
de elogios do mesmo jeito que Arriane era ou o confiável apoio que a Penn
sempre tinha para dar.
Saindo para o mundo de manhã, Luce tinha dominado seus nervos. Miles foi o
primeiro a vê-la ele havia lhe dado um sinal positivo, mas ele era tão bom,
nunca teria fingido se realmente achasse que ela parecia terrível.
Claro, Dawn e Jasmine tinham se reunido ao seu lado logo depois de
Humanidades, ansiosas para tocar em seus cabelos, perguntando a Luce
quem tinha sido a sua inspiração.
- Muito Gwen Stefani. – Jasmine disse, balançando a cabeça.
- Não, é Madge, certo? – Dawn disse. – Como, Era “Vogue”. – Antes que Luce
pudesse responder, Dawn gesticulou de Luce para ela mesma. – Mas eu acho
que nós não somos mais Twinkies.
- Twinkies? – Luce abanou a cabeça. Jasmine olhou de soslaio para Luce.
- Vamos, não diga que você nunca percebeu? Vocês duas pareciam... Bem,
pareciam tão iguais. Poderiam ter sido praticamente irmãs.
Agora, sozinha diante do espelho do banheiro no prédio principal, Luce olhou
para seu reflexo e pensou nos olhos arregalados de Dawn. Elas tinham
coloração semelhante: Pele pálida, lábios vermelhos, cabelo escuro. Mas Dawn
era menor do que ela. Usava cores vivas, seis dias por semana. E era muito
mais tagarela que Luce nunca poderia ser. Alguns aspectos superficiais de
lado, Luce e Dawn não poderiam ser mais diferentes.
A porta do banheiro se abriu e uma morena de aparência saudável, de jeans e
uma camisola amarela entrou. Luce a reconheceu da sua classe de história
europeia. Algo como Amy. Ela encostou-se à pia ao lado de Luce e começou a
brincar com as sobrancelhas.
- Por que você fez isso com seu cabelo? – Perguntou, olhando para Luce, que
piscou. Era uma coisa para se falar com seus tipo-amigos na Shoreline, mas
ela nunca havia falado com essa garota antes.
A resposta de Shelby, fresquinha, surgiu em sua mente, mas será que ela
estava brincando? Tudo que aquelas garrafas de água oxigenada tinham feito
na noite passada com Luce era ter dado um olhar tão falso no exterior quando
ela já se sentia por dentro.
Callie e seus pais dificilmente a reconheceriam agora, o que não era a ideia.
E Daniel? O que Daniel acharia? Luce de repente se sentia tão
transparentemente falsa, mesmo um desconhecido podia ver através dela.
- Eu não sei. – Empurrou a menina e foi para fora da porta do banheiro. – Eu
não sei por que fiz isso.
Clareando o cabelo não lavaria as memórias obscuras do passado de poucas
semanas. Se ela realmente queria um novo começo, teria que fazer um. Mas
como? Havia tão pouca coisa que ela tinha sobre controle no momento. Seu
mundo inteiro estava nas mãos do Sr. Cole e Daniel. E ambos estavam muito
longe. Foi muito assustador e rápido o modo como ela passou a depender de
Daniel, mais assustador ainda era não saber quando o veria novamente. Em
comparação com o dia cheio de felicidade com ele, ela estava esperando na
Califórnia, estava mais solitária do que nunca.
Arrastava-se por todo o campus, lentamente percebendo que a única vez que
sentiu qualquer independência desde que chegou a Shoreline tinha sido...
Sozinha na mata com a sombra.
Após a demonstração ontem na sala de aula, Luce estava esperando mais do
mesmo de Francesca e Steven. Tinha esperança de que talvez os alunos
tivessem a chance de experimentarem as sombras sozinhos hoje. Ainda teve
uma breve fantasia de ser capaz de fazer aquilo que tinha feito na floresta na
frente de todos os Nephilim.
Nada disso tinha acontecido. Na verdade, a classe hoje parecia como um
grande passo para trás. Uma palestra sobre a chata etiqueta de segurança dos
Anunciadores e porque os alunos não deviam, em circunstância alguma,
tentarem sozinhos o que tinham visto no dia anterior.
Foi frustrante e regressivo. Então, agora, ao invés de voltar para o dormitório,
Luce se encontrou correndo atrás do refeitório, até a trilha na borda do
penhasco e subindo as escadas de madeira do chalé Nephilim. O escritório de
Francesca era anexado ao segundo andar e ela disse para a classe se sentir
livre para dar uma passadinha por ali qualquer momento.
O edifício estava muito diferente sem os outros estudantes para aquecê-lo.
Escuro, ventoso e praticamente sem sentimento. Cada barulho era feito por
Luce, ecoando nas vigas inclinadas de madeira. Podia ver uma luz no primeiro
lance da escada e sentir o rico aroma de café. Ainda não sabia se ia contar
para Francesca o que ela tinha sido capaz de fazer na floresta. Pode parecer
insignificante para alguém tão hábil como Francesca. Ou pode parecer uma
violação das suas instruções da aula de hoje.
Parte de Luce só queria sondar a professora para ver se ela poderia ser
alguém que Luce podia recorrer quando, em dias como hoje, ela começasse a
sentir como se pudesse desmoronar.
Alcançou o topo das escadas e se encontrou no começo de um corredor longo
e aberto. Em sua esquerda, além do corrimão de madeira, olhou para a sala de
aula, escura e vazia, no segundo andar. Em sua direita havia uma fileira de
pesadas portas de madeira com vidro colorido nelas. Andando tranquilamente
pelo assoalho, Luce percebeu que não sabia qual escritório era o de
Francesca. Apenas uma das portas estava entreaberta, a terceira da direita,
com luz proveniente da parte de vidro. Ela pensou que ouviu uma voz interna
masculina. Estava prestes a bater quando um som agudo de uma mulher a fez
congelar.
- Foi um erro tentar mesmo. – Francesca praticamente assobiou.
- Nós demos uma chance. Não tivemos sorte.
Steven.
- Não tivemos sorte? – Francesca zombou. – Você quer dizer
irresponsabilidade. Do ponto de vista meramente estatístico, as chances do
Anunciador trazer más notícias eram muito grandes. Você viu o que aconteceu
a essas crianças. Eles não estavam prontos. – Uma pausa. Luce avançou um
pouco mais ao longo do tapete persa na sala. – Mas ela estava.
- Não vou sacrificar todo o progresso que uma classe inteira fez só porque
alguns...
- Alguma.
- Não seja míope, Francesca. Nós viemos com um ótimo currículo. Eu sei tanto
quanto você. Nossos alunos superam qualquer outro programa Nephilim no
mundo. Você fez tudo isso. Você tem direito de ter uma sensação de orgulho.
Mas as coisas são diferentes agora.
- Steven está certo, Francesca. – A terceira voz. Masculina. Luce achou que
soava familiar. Mas quem era?
– Poderia muito bem jogar o seu calendário acadêmico para fora da janela. A
trégua entre os nossos lados é o único cronograma que mais importa. –
Francesca suspirou.
– Você realmente acha que...
A voz desconhecida disse:
- Se eu conheço bem Daniel, ele vai estar na hora certa. Ele provavelmente
está em contagem regressiva agora.
- Há algo mais. – Disse Steven.
Uma pausa, então o que pareceu como uma gaveta sendo aberta, em seguida,
um suspiro. Luce teria matado para estar do outro lado da parede para ver o
que eles podiam ver.
- Onde você conseguiu isso? – A outra voz masculina perguntou. – Você está
negociando?
- É claro que ele não está! – Francesca parecia com remorso- Steven
encontrou na floresta durante uma de duas rondas na outra noite.
- Isso é autêntico, não é? – Steven perguntou. Um suspiro.
- Houve muito tempo para eu dizer. – O desconhecido se resguardou. – Eu não
tenho visto uma Starshot há anos. Daniel vai saber. Vou levar para ele.
- Isso é tudo? O que você sugere que façamos nesse meio tempo? –
Francesca perguntou.
- Olha, isso não é coisa minha. – A familiaridade com a voz masculina era
como uma coceira na parte de trás do cérebro de Luce. – E isso realmente não
é meu estilo.
- Por favor. – Suplicou Francesca.
O escritório estava em silêncio. O coração de Luce estava batendo.
- Tudo bem. Se eu fosse você? Aprofundaria as coisas por aqui. Aumentaria
sua supervisão e faria tudo o que pudesse preparar todos eles. O Fim dos
Tempos não é para ser muito bonito.
Fim dos Tempos.
Isso foi o que Arriane tinha dito que aconteceria se Cam e seu exército
tivessem vencido naquela noite em Sword & Cross. Mas não tinha vencido. A
menos que já tenha acontecido outra batalha. Mas então para que os Nephilim
precisavam se preparar?
O som das pernas de uma cadeira pesada raspando no chão fez Luce voltar.
Ela sabia que não deveria ser apanhada bisbilhotando a conversa. Seja lá o
que fosse.
Pela primeira vez, estava contente com a fonte infinita de recantos misteriosos
na arquitetura de Shoreline. Abaixou-se sob uma moldura decorada com telhas
de madeira entre duas estantes e se apertou na reentrância da parede.
Um único conjunto de passos saiu do escritório e a porta se fechou com
firmeza. Luce prendeu a respiração e esperou até a figura descer as escadas.
Na primeira, podia ver apenas seus pés. Botas europeias de couro marrom. Em
seguida, um par de jeans de lavagem escura entrou na linha de visão quando
ele deu a volta no corrimão para o segundo andar do chalé. Uma camisa
listrada de abotoar na cor branca e azul. E, finalmente, a juba claramente
reconhecível de dreadlocks preto e dourado.
Roland Sparks tinha aparecido em Shoreline.
Luce saltou de seu poleiro escondido. Ainda podia estar num melhor
comportamento nervoso na frente de Francesca e Steven, que eram
assustadoramente lindos, poderosos, maduros e seus professores.
Roland não a intimidava, não muito, afinal, não mais. Além disso, ele era o
mais próximo de Daniel que ela tinha estado em dias.
Desceu escondida as escadas interiores tão silenciosamente quanto pôde,
então, irrompeu pela porta do chalé para a escada. Roland estava caminhando
em direção ao oceano, como se ele não tivesse um cuidado no mundo.
- Roland. – Gritou, descendo até o último lance de escadas para o chão e
começando a correr. Ele ficou onde o caminho acabou e a ameaça caiu até as
rochas escarpadas e íngremes. Estava tão quieto, olhando para a água. Luce
ficou surpresa ao sentir borboletas no estômago quando, muito lentamente,
começou a virar.
- Bem, bem. – Ele sorriu. – Lucinda Price descobriu a água oxigenada.
- Ah. – Ela agarrou seu cabelo. Que estúpido que tem de olhar para ele.
- Não, não. – Disse ele, caminhando em sua direção, afofando seu cabelo com
os dedos. – Combina com você. Pontas duras para tempos difíceis.
- O que você está fazendo aqui?
- Me matriculando. – Deu de ombros. – Eu acabei de pegar meu horário de
aula, conheci os professores. Parece ser um lugar bonito e doce.
Uma mochila de tecido estava atirada sobre um de seus ombros com algo
longo, estreito e prata saindo dela. Seguindo com os olhos, Roland passou a
bolsa para o outro ombro e apertou a parte de cima com um nó.
- Roland. – Sua voz tremeu. – Você saiu da Sword & Cross? Por quê? O que
você está fazendo aqui?
- Só precisava de uma mudança de ritmo. – Ele tentou misteriosamente. Luce
ia perguntar sobre os outros, Arriane e Gabbe. Mesmo Molly. Se alguém tinha
notado ou se importado com o fato dela ter ido embora. Mas quando ela abriu a
boca, o que saiu foi muito diferente do que ela esperava:
- O que você estava falando lá com Francesca e Steven?
O rosto de Roland mudou de repente, se cristalizou em algo mais antigo,
menos despreocupado.
- Isso depende. O quanto você ouviu?
- Daniel. Eu ouvi você dizer que ele... Você não precisa mentir para mim,
Roland. Quanto tempo até que ele volte? Porque eu acho que não consigo...
- Vamos dar uma volta, Luce.
Tão estranho Roland Sparks colocar seu braço sobre os ombros dela em
Sword & Cross, quanto confortante o que ele fez naquele dia em Shoreline.
Eles nunca foram amigos de verdade, ele era uma lembrança de seu
passado... Um vínculo que não poderia ajudar a transformar o momento.
Caminharam ao longo da borda do penhasco, por volta do terraço do café da
manhã e para o lado oeste dos dormitórios, além de um jardim de rosas que
Luce nunca tinha visto antes. Era crepúsculo e a água em sua direita estava
com cores vivas, refletindo as nuvens rosas, laranjas e violetas deslizando na
frente do sol.
Roland a levou para um bando que dava de frente para a água, longe de todos
os prédios do campus. Olhando para baixo, ela podia ver um conjunto robusto
de escadas esculpidas na rocha, começando logo abaixo de onde estavam
sentados e levando todo o caminho até a praia.
- O que você sabe que não está me dizendo? – Luce perguntou quando o
silêncio começou a ficar com ela.
- Que a água está dez graus. – Disse Roland.
- Não é o que eu quis dizer. – Disse ela, o olhando bem nos olhos. – Ele te
enviou aqui para me vigiar?
Roland coçou a cabeça.
- Olhe, Daniel está fora fazendo suas coisas. – Ele fez um movimento
esvoaçando no céu. – Enquanto isso. – E ela achou que ele inclinou a cabeça
em direção à floresta atrás do dormitório.
- Você tem o seu próprio negócio para cuidar.
- O quê? Não, eu não tenho nada. Eu só estou aqui porque...
- Mentira. – Ele riu.
- Nós todos temos nossos segredos, Luce. O meu me trouxe a Shoreline. O
seu a tem para os bosques.
Ela começou a protestar, mas Roland acenou para ela com aquele ar
enigmático em seus olhos.
- Eu não vou te colocar em problemas. Na verdade, estou torcendo por você. –
Seus olhos se moveram por ela, mar afora. – Agora, de volta à água. Ela é
frígida. Você já esteve nela? Eu sei que você gosta de nadar.
Golpeando Luce que tinha estado em Shoreline por três dias, com o mar
sempre visível, as ondas sempre audíveis, o ar salgado sempre revestindo
tudo, mas ela ainda não tinha posto os pés na praia. E não era como a Sword
& Cross, onde um rol de coisas que estavam fora dos limites. Ela não sabia o
porquê isto ainda não tinha ocorrido a ela. Balançou a cabeça.
- Tudo o que você pode fazer em uma praia que é fria é construir uma fogueira.
– Roland a olhou. – Você já fez amigos por aqui? – Luce encolheu os ombros.
- Poucos.
- Traga os esta noite, depois do anoitecer. – Apontou para uma estreita
península de areia no sopé das escadas de pedra. – Logo ali. – Luce olhou
para Roland lateralmente.
- O que exatamente você tem em mente? – Roland sorriu diabolicamente.
- Não se preocupe, nós vamos mantê-los inocentes. Mas você sabe como é.
Sou novo na área, gostaria de fazer minha presença ser notada.
- Cara, pise no meu calcanhar mais uma vez e eu realmente vou ter que
quebrar seu tornozelo.
- Talvez se você não estivesse monopolizando todo o feixe da lanterna lá em
cima, Shel, o resto de nós poderia ver para onde estamos indo.
Luce tentou sufocar seu riso enquanto seguiu uma briga entre Miles e Shelby
no campus escuro. Era quase onze e Shoreline já estava escura e silenciosa,
exceto para um pio de uma coruja. Uma lua minguante laranja estava baixa no
céu, envolta por um véu de neblina. Dentre os três, eles só foram capazes de
encontrar uma lanterna (a de Shelby), portanto, apenas um deles (Shelby) tinha
uma visão clara do caminho para a água. Para os outros dois, a terra que
parecia tão exuberante e bem cuidada durante o dia, estava cheia de
armadilhas como pinhos de bristlecones caídas, espessas raízes de
samambaias e as coisas dos pés de Shelby.
Quando Roland tinha pedido para ela trazer alguns amigos hoje, Luce tinha
sentindo um afundamento em seu estômago. Não havia nenhum monitor no
saguão de Shoreline, nenhuma aterrorizante câmera de segurança que
gravava casa movimento dos alunos, por isso não tinha a ameaça de ser pega,
o que a deixava nervosa. Na verdade, se esgueirar para fora do dormitório
tinha sido relativamente fácil. Era atrair uma multidão o grande desafio.
Dawn e Jasmine pareciam as candidatas mais prováveis para uma festa na
praia, mas quando Luce passou no quarto delas no quinto andar, o corredor
estava escuro e ninguém respondeu a batida. De volta ao seu próprio quarto,
Shelby estava enroscada em algum tipo de pose de ioga tântrico que doía em
Luce só de olhar. Luce não queria quebrar a concentração feroz de sua
companheira de quarto a convidando para uma festa desconhecida, mas, em
seguida, uma batida forte na porta fez Shelby cair irritada de sua pose de
qualquer maneira.
Miles tinha ido perguntar a Luce se ela queria tomar um sorvete. Luce olhou
para trás e para frente, entre Miles e Shelby, e sorriu.
- Eu tenho uma ideia melhor.
Dez minutos depois, enrolada em camisolas com capuz, um boné para trás dos
Dodgers (Miles), meias de lã com biqueira de formas individuais costuradas de
uma maneira em que ela ainda podia usar sandálias (Shelby) e sentindo um
nervoso na barriga por Roland se misturar com a galera de Shoreline (Luce), os
três andaram em direção a borda do penhasco.
- Então, quem é esse cara novo? – Miles perguntou, apontando para uma
depressão no caminho pedregoso, pouco antes de Luce ir voando para lá.
- Ele é apenas... Um cara da minha última escola. – Luce procurou uma melhor
descrição quando os três começaram a descer as escadas de pedra.
Roland não era exatamente seu amigo. E embora as crianças de Shoreline
parecessem muito mente aberta, ela não tinha certeza se deveria lhes dizer de
que lado da divisão de anjo caído Roland pertencia.
- Ele era amigo de Daniel. – Disse finalmente. – Ele provavelmente vai fazer
uma festa muito pequena. Eu não acho que ele conheça alguém aqui além de
mim.
Podiam sentir o cheiro antes que pudessem vê-lo: Um sinal de fumaça de uma
fogueira de bom tamanho.
Então, quando eles estavam quase no pé da escada íngreme, se inclinaram
para uma curva nas rochas e congelaram quando faíscas de uma fogueira
laranja e selvagem finalmente apareceu.
O vento estava selvagem, como um animal indomado, mas não foi páreo para
a violência dos foliões.
No final do grupo, mais próximo ao local onde estava Luce, uma multidão de
caras hippies com longas barbas espessas e camisas feias de tecido formavam
um improvisado círculo de baterias. Sua batida constante provinha de um
grupo próximo em um ritmo constante para dançar. Na outra extremidade da
festa estava a fogueira, e quando Luce ficou na ponta dos pés, reconheceu um
monte de garotos da Shoreline aglomerados ao redor do fogo, na esperança de
vencer o frio.
Todo mundo estava segurando um pedaço de pau em chamas, disputando o
melhor lugar para assarem seus cachorros-quentes e marshmallows. Suas
panelas de ferro fundido cheias de feijão. Era impossível adivinhar como eles
todos descobriram sobre ele, mas estava claro que todos estavam se
divertindo.
No meio disso tudo estava Roland. Tinha trocado sua camisa de botão e botas
cara de couro, e vestia, como todo mundo ali, um moletom com capuz e jeans
desfiado. Estava de pé sobre um rochedo, fazendo gestos exagerados e
turbulentos, contando uma história que Luce não podia ouvir bem.
Dawn e Jasmine estavam entre os ouvintes cativados. Seus rostos iluminados
pelo fogo pareciam bem vivos.
- Esta é sua ideia de uma festa de pequeno porte? – Miles perguntou.
Luce estava olhando Roland, imaginando que história ele estava contando.
Algo sobre a forma como estava tomando conta da situação fazia Luce se
sentir de volta no quarto de Cam. A primeira e única festa de verdade que ela
já tinha estado na Sword & Cross, e isso a fez sentir falta de Arriane. E claro,
Penn, que estava se sentindo nervosa quando chegou à festa, mas acabou se
divertindo como ninguém. E Daniel que mal falava com Luce naquela época, as
coisas eram tão diferentes agora.
- Bem, eu não sei quanto a vocês, – Disse Shelby, largando as sandálias e se
acolchoando na areia com suas meias. – mas eu vou pegar uma bebida para
mim e depois um cachorro-quente, então talvez uma aula com um dos caras da
bateria.
- Eu também. – Disse Miles. – Exceto pela parte da bateria, caso não seja
óbvio.
- Luce. – Rolando acenou de sua posição sobre a rocha. – Você fez isso.
Miles e Shelby já estavam muito à sua frente, indo em direção à estação de
cachorro-quente, por isso Luce caminhou sobre uma duna de areia fria e úmida
até Roland e os outros.
- Você não estava brincando quando disse que queria fazer sua presença
conhecida. Isto é realmente alguma coisa, Roland.
Roland acenou graciosamente.
- Alguma coisa, hein? Algo bom ou algo ruim? – Parecia mais uma pergunta
capciosa, o que Luce queria dizer ela já não podia mais.
Pensou na conversa acalorada que ouvira no gabinete do professor. Quanto
acentuada a voz de Francesca tinha soado. A linha entre o que foi bom e o que
era ruim ficou incrivelmente embaçada. Roland e Steven eram anjos caídos
que tinham mudado de partido. Demônios, certo? Será que ela sabe mesmo o
que isso significava? Mas então, havia Cam e... O que Roland quer dizer com
essa pergunta? Piscou para ele. Talvez ele estivesse apenas perguntando se
Luce estava se divertindo?
Uma grande quantidade de festeiros coloridos giravam em torno dela, mas
Luce podia sentir as pretas ondas intermináveis nas proximidades. O ar frio
perto da água estava chicoteando, mas a fogueira estava quente em sua pele.
Tantas coisas pareciam estar em contradição agora, todas se chocando contra
ela de uma vez só.
- Quem são todas essas pessoas, Roland?
- Vamos ver. – Roland apontou para as crianças hippies no círculo dos
tambores. – Da cidade. – À sua direita ele fez um gesto para um grupo de
grandes rapazes tentando impressionar um grupo muito menor de meninas
com uns péssimos fingidos movimentos de dança. – Aqueles caras são
fuzileiros navais estacionados em Fort Bragg. Do jeito que estão festejando
espero que estejam de licença no fim de semana. – Quando Jasmine e Dawn
se juntaram a ele, Roland colocou um braço em volta de casa um de seus
ombros. – Essas duas eu acredito que você conheça.
- Você não nos disse que era grande amiga do diretor celeste e social, Luce. –
Disse Jasmine.
- Sério. – Dawn se inclinou para sussurrar em voz alta para Luce. – Só o meu
diário sabe quantas vezes eu queria ir a uma festa de Roland Sparks. E meu
diário nunca dirá.
- Ah, mas eu posso. – Brincou Roland.
- Não tem nenhum petisco nesta festa? – Shelby apareceu por trás de Luce
com Miles ao seu lado. Ela foi segurando dois cachorros-quentes em uma mão
e estendendo a outra livre para Roland. – Shelby Sterris. Quem é você?
- Shelby Sterris. – Roland repetiu. – Sou Roland Sparks. Você já morou no
Leste de L.A.? Já nos conhecemos antes?
- Não.
- Ela tem uma memória fotográfica. – Miles completou, escorregando a Luce
um cachorro-quente vegetariano, que não era seu favorito, mas era um gesto
bonito apesar de tudo. – Sou Miles. Festa legal, à propósito.
- Muito legal. – Dawn concordou, balançando com a batida junto a Roland.
- E quando Steven e Francesca? – Luce teve que praticamente gritar para
Shelby. – Será que eles não nos ouvem aqui embaixo?
Uma coisa era fugir do radar. Outra era plantar um estrondo sônico diretamente
no radar. Jasmine olhou para trás em direção ao campus.
- Eles vão nos ouvir, com certeza, mas a nossa correia é bem longa em
Shoreline. Pelo menos para os Nephilim. Enquanto ficarmos no campus, sob
sua vigilância, podemos muito bem fazer o que quisermos.
- Isso inclui um concurso de passar embaixo da corda? – Roland sorriu
ironicamente exibindo um ramo muito espesso atrás dele. – Miles você vai
segurar a outra extremidade para mim?
Segundos depois, o ramo cresceu, mudou a batida da música e parecia que
todo o pessoal da festa parou o que estava fazendo para formar uma fila longa
e animada para o passa-passa.
- Luce. – Miles a chamou. – Você não vai simplesmente ficar parada, vai?
Ela estudou a multidão, se sentindo fortemente plantada em seu lugar na areia.
Porém Dawn e Jasmine já estavam fazendo uma abertura para que ela se
espremesse na fila entre as duas. Já em posição para a competição,
provavelmente nascida em posição de competição, estava Shelby esticando as
costas. Mesmo os conceituados fuzileiros iam brincar.
- Ótimo. – Luce riu e entrou na fila.
Quando o jogo começou, a fila avançou rapidamente, por três rodadas Luce
deslizou facilmente sob o ramo. Na quarta vez, ela passou por baixo com um
pouco de dificuldade, ter que inclinar o queixo para trás distante o suficiente
para ver as estrelas e ter uma rodada de aplausos por fazer isso. Logo ela
estava torcendo pelas outras crianças também, apenas um pouco surpresa ao
se encontrar pulando para cima e para baixo quando Shelby conseguiu passar.
Havia algo surpreendente sobre arquear na posição do passa-passa depois de
uma virada do jogo bem-sucedida... O pessoal da festa parecia começar a se
animar. Cada rodada dava uma carga surpreendente de adrenalina. Divertir-se
não era normalmente uma coisa tão simples. Por muito tempo, o riso era
geralmente seguido de perto pela culpa, um sentimento persistente de que ela
não deveria estar se divertindo por um motivo ou outro. Mas de alguma forma
esta noite ela se sentia mais leve. Sem perceber, ela tinha sido capaz de ficar
indiferente à escuridão.
No momento, Luce estava se arqueando para a quinta rodada, a linha estava
significativamente menor. Metade das crianças na festa já tinham sido
eliminadas e todos estavam se aglomerando ao redor de Miles ou Roland,
assistindo a última criança passar. Na parte de trás da fila, Luce estava tonta,
frívola, de modo que o forte aperto que ela sentiu em seu braço quase a fez
perder o equilíbrio. Ela começou a gritar, em seguida, sentiu dedos tampando a
sua boca.
- Shhh.
Daniel foi a puxando para fora da fila e fora da festa. Sua mão forte e quente
deslizando em seu pescoço, os lábios roçando o lado de seu rosto. Por apenas
um momento, o toque de sua pele na dela juntamente com o brilho violeta
brilhante de seus olhos e a crescente necessidade de agarrá-lo e nunca mais
deixá-lo ir, tudo fez Luce divinamente tonta.
- O que você está fazendo aqui? – Ela sussurrou. Quis dizer graças a Deus
você está aqui ou tem sido tão difícil ficar separada de você ou o que ela
realmente quis dizer: Eu te amo. Mas havia também você me abandonou e eu
pensei que não era seguro e que história é essa de trégua? Todas batendo em
seu cérebro.
- Eu tinha que te ver. – Disse ele. Levou-a para trás de uma grande rocha
vulcânica na praia, havia um sorriso cúmplice no rosto. O tipo de sorriso que
era contagiante, encontrando o seu caminho para os lábios de Luce. O tipo de
sorriso que não apenas reconhecia que eles estavam quebrando a regra de
Daniel, mas que eles estavam curtindo fazer isso.
- Quando cheguei perto o suficiente para ver essa festa, eu observei todos
dançando. – Disse ele. – E fiquei um pouco com ciúmes.
- Ciúmes? – Luce perguntou. Eles estavam sozinhos agora. Ela jogos os
braços ao redor de seus ombros largos e olhou profundamente em seus olhos
violetas. – Por que você iria ficar com ciúmes?
- Porque – Disse ele, esfregando as mãos nas costas dela. – Encontre tempo
para passar comigo por toda a eternidade.
Daniel segurou a mão direita dela na dele, envolveu a esquerda em torno de
seu ombro e iniciou uma lenta dança na areia, dois passou para lá e para cá.
Eles ainda podiam ouvir a música da festa, mas deste lado da pedra parecia
como um concerto privado. Luce fechou os olhos e se derreteu em seu peito,
encontrou o lugar onde sua cabeça coube em seu ombro, como uma peça de
quebra-cabeça.
- Não, isso não está certo. – Disse Daniel após um momento. Apontou para
seus pés. Ela notou que estava descalço. – Tire os sapatos. – Disse. – E eu
vou lhe mostrar como os anjos dançam.
Luce retirou seu sapato preto e jogou de lado na praia. A areia entre os dedos
dos pés era suave e fresca. Quando Daniel a puxou para perto, os dedos dela
entrelaçados com o dele e ela quase perdeu seu equilíbrio, mas seus braços a
seguraram com firmeza. Quando ela olhou para baixo, seus pés estavam em
cima dos dele. E quando olhou para cima: A visão que ela ansiava dia e noite.
Daniel desfraldando suas asas branco-prateadas.
Elas encheram a superfície de sua visão, estendendo seis metros para o céu.
Amplo e bonito, brilhante na noite, elas deveriam ter sido as asas mais
gloriosas de todo o céu. Debaixo de seus próprios pés, Luce sentiu Daniel se
elevar um pouco do chão. Suas asas batendo de leve, quase como um
batimento cardíaco, os segurando centímetros acima da praia.
Agora eles estavam se movendo para trás no ar, tão bem quanto patinadores
movendo-se no gelo. Daniel deslizava sobre a água, a segurando nos braços.
Luce ofegou quando a primeira onda espumosa deslizou sobre seus dedos.
Daniel riu e levantou-lhes um pouco mais alto no céu. Ele a mergulhou para
trás. Ele os girou em círculos. Estavam dançando. Sobre o oceano. A lua era
como um holofote brilhando somente neles. Luce estava rindo de pura alegria,
rindo tanto que Daniel começou a rir também. Ela nunca se sentiu mais leve.
- Obrigada. – Sussurrou. Sua resposta foi um beijo.
Ela a beijou suavemente no início. Em sua testa, depois no nariz e, finalmente,
encontrou seu caminho para os lábios. Ela o beijou de volta profundamente,
com fome e um pouco desesperada, jogando seu corpo inteiro para ele.
Foi assim que ela voltou para casa, para Daniel, como ela tocou o amor fácil
que tinham partilhado por tanto tempo.
Por um momento, o mundo inteiro se calou e, depois, Luce perdeu o ar. Ela
ainda não tinha percebido mas eles estavam de volta na praia. Sua mão em
concha no fundo de sua cabeça, o gorro de esqui que ela tinha puxado para
baixo sobre seus ouvidos. O gorro escondendo seus cabelos loiros
descoloridos. Ele o arrancou e uma rajada de brisa do oceano bateu na cabeça
dela.
- O que você fez com seu cabelo?
Sua voz era suave, mas de alguma forma, soava como uma acusação. Talvez
porque a música tinha acabado e a dança e o beijo também, e agora estavam
apenas duas pessoas em pé em uma praia. As asas de Daniel estavam
arqueando de volta para os ombros, ainda visível, mas fora de alcança.
- Quem se preocupa com o meu cabelo? – Tudo o que importava era segurá-lo.
Não era isso o que ele deveria estar se preocupando também?
Luce chegou perto para pegar de volta o gorro de esqui. Sua cabeça loura nua
parecia muito exposta, como um sinalizador vermelho brilhante avisando a
Daniel que ela poderia estar caindo aos pedaços. Assim que ela começou a se
virar, Daniel colocou os braços ao seu redor.
- Hey. – Disse ele, a puxando para perto novamente. – Sinto muito.
Ela exalou, se aproximou e deixou que seu toque corresse sobre ela. Inclinou a
cabeça para encontrar seus olhos.
- É seguro agora? – Perguntou ela, querendo que Daniel começasse a falar da
trégua.
Será que eles poderiam, finalmente, ficar juntos? Mas o olhar desgastado em
seus olhos lhe deu a resposta antes que ele abrisse a boca.
- Eu não deveria estar aqui, mas eu me preocupo com você. – Ele a segurou
com o braço esticado. – E pelo que parece, estou certo em me preocupar. –
Apontou para uma mecha em seu cabelo. – Eu não entendo porque você fez
isso, Luce. Não é você.
Ela o empurrou. Sempre a incomodava quando as pessoas diziam isso.
- Bem, fui eu quem o tingiu, Daniel. Então tecnicamente, sou eu. Talvez não o
“eu” que você quer que eu seja.
- Isso não é justo. Eu não quero que você seja alguém além de você mesma.
- Que é quem, Daniel? Porque se você souber a resposta a isso, não hesite em
me dar uma pista. – A voz dela ficou mais alta quando a frustração superava a
paixão que escorregava entre os dedos. – Estou sozinha aqui, tentando
descobrir o porquê. Tentando entender o que estou fazendo aqui com todos
esses... Quando eu nem sou mesmo um...
- Quando você não é o quê?
Como eles tinham ido tão rapidamente da dança no ar para isso?
- Eu não sei. Eu estou tentando levar no dia após dia. Fazer amigos, você
sabe? Ontem entrei para um clube e estamos planejando uma viagem de iate
em algum lugar. Coisas assim.
O que ela realmente queria dizer a ele era sobre as sombras. E principalmente
o que ela tinha feito na floresta, mas Daniel tinha estreitado seus olhos cmo se
ela já tivesse feito algo errado.
- Você não vai a uma viagem de barco em lugar nenhum.
- O quê?
- Você vai ficar aqui neste campus até eu dizer o contrário. – Ele exaltou,
sentindo sua raiva crescente. – Eu odeio ficar te dando regras, Luce, mas... Eu
estou fazendo tanta coisa para mantê-la segura. Eu não vou deixar nada
acontecer contigo.
- Literalmente. – Luce cerrou os dentes. – Ruim ou não. Parece que quando
você não está por perto, você não quer que eu faça nada.
- Isso não é verdade. – Ele acenou o dedo para ela. Ela nunca tinha o visto
perder a paciência com tanta rapidez. Em seguida, ele olhou para o céu e Luce
seguiu seu olhar. Uma sombra sibilava sobre suas cabeças como um fogo de
artifício todo preto, deixando um rastro mortal e cheio de fumaça. Daniel
parecia ser capaz de lê-lo imediatamente.
- Eu tenho que ir. – Disse.
- Que impressionante. – Ela se virou. – Aparece do nada, arruma uma briga e
depois mete o pé. Isto tem que ser amor real e verdadeiro.
Ele agarrou os ombros dela e a sacudiu até que ela encontrou seus olhos.
- É amor verdadeiro. – Disse ele, com tal desespero que Luce não poderia
dizer se obteve progresso ou se adicionou uma dor em seu coração. – Você
sabe que é. – Seus olhos ardiam violeta não com raiva, mas com um desejo
intenso. O tipo de olhar que faz você amar uma pessoa muito mais.
Ela sentia saudades dele mesmo quando ele estava parado em sua frente.
Daniel abaixou a cabeça para beijar sua bochecha, mas elas estava muito
perto de chorar. Constrangida, ela se virou. Ouviu seu suspiro e depois o bater
de asas.
Não.
Quando ela virou para o lado, Daniel estava voando no céu, a meio caminho
entre o oceano e a lua. Suas asas estavam acesas num branco brilhante sobre
um raio de luar. Um momento depois, era difícil separá-lo dos outros astros no
céu.
Capítulo 5 – Catorze Dias
Durante a noite, sem vento, uma camada de névoa se aproximou como um
exército, se estabelecendo sobre a cidade de Fort Bragg. Não surgiu com o
nascer do sol e sua tristeza se infiltrou em tudo e em todos. Então durante a
sexta-feira inteira, Luce sentia que estava sendo arrastada por uma onda em
movimento lento. Os professores estavam fora de foco, sem compromisso e
lentos com suas palestras. Os alunos estavam sentados numa grande inércia,
lutando para ficarem acordados durante um lento e longo dia monótono.
No momento que as aulas acabaram, o tédio penetrou profundamente em
Luce. Não sabia o que estava fazendo na escola que não era realmente a sua,
nesta vida temporária que apenas destacava a falta de uma vida real e
permanente. Tudo o que ela queria fazer era rastejar até seu beliche e dormir o
tempo todo, não apenas o clima e a primeira longa semana em Shoreline, mas
também a discussão com Daniel e o emaranhado de dúvidas e ansiedades que
se viam soltos em sua mente.
Dormir na noite anterior tinha sido impossível. Nas horas mais escuras da
manhã que ela voltou tropeçando ao seu dormitório. Ela virava na cama, sem
nunca realmente cochilar. Daniel a excluindo já não a surpreendia, mas isso
não significava que ela tinha ficado mais fácil. E aquela ordem insultante e
chauvinista que lhe dera para ficar no terreno da escola? O que foi aquilo, o
século XIX?
Passou por sua cabeça que talvez Daniel falasse com ela assim há séculos,
mas... Como Jane Eyre ou Elizabeth Bennett. Luce estava certa de que
nenhuma forma dela mesma jamais teria gostado daquilo. E ela certamente
não gostava agora.
Ainda estava com raiva e irritada após a aula, se movendo através da neblina
em direção ao dormitório. Seus olhos estavam turvos e ela estava praticamente
sonâmbula quando a mão dela apertou a maçaneta. Tombando para dentro do
quarto escuro e vazio, ela quase não viu o envelope que alguém tinha
escorregado sob a porta. Era cor creme, frágil e quadrado e quando ela virou
de ponta cabeça, viu seu nome digitado na frente com letras pequenas e
maciças. Ela o rasgou, querendo um pedido de desculpas dele. Sabendo que
ela lhe devia um também. A carta dentro estava datilografada num papel cor
creme e dobrada em três partes.
Querida Luce,
Há algo que eu estive esperando há muito tempo para te dizer. Encontre-me na
cidade, perto de Noyo Point, por volta das seis horas da noite? O ônibus nº5 na
Rodovia 1 para a meio quilômetro de Shoreline. Utilize essa passagem de
ônibus. Estarei esperando perto de North Cliff. Estou louco para te ver.
Com amor, Daniel.
Agitando o envelope, Luce sentiu uma pequena tira de papel dentro. Ela puxou
uma passagem de ônibus azul e branca com o número cinco impressa na
frente e um mapinha tosco de Fort Bragg desenhado em sua volta. Era isso.
Não havia mais nada.
Luce não conseguia entender. Não há menção da discussão na praia. Não
havia indicação de que Daniel tenha mesmo entendido quanto errado foi
quando ele praticamente desapareceu no ar naquela noite, então ele espera
que ela viaje a seu capricho em seguida. Nenhum pedido de desculpas.
Estranho. Daniel pode aparecer em qualquer lugar, a qualquer momento. Ele
era geralmente indiferente às realidades lógicas que os seres humanos
normais tinham que lidar. A cara era fria e dura em suas mãos. O lado mais
precipitado dela estava tentando fingir que ela nunca havia recebido. Estava
cansada de discutir, cansada de Daniel não confiar nela com mais detalhes.
Mas esse desagradável e apaixonado lado de Luce perguntava se ela estava
sendo muito dura com ele. Porque a relação deles valia a pena o esforço.
Tentou se lembrar da maneira que seus olhos tinham olhado e sua voz soava
quando ele lhe contou a história sobre a vida que ela passou na corrida do ouro
na Califórnia. O jeito como ele a viu através da janela e se apaixonou, algo
como na milésima vez.
Essa foi a imagem que levou com ela quando deixou o dormitório minutos mais
tarde para se arrastar pela Shoreline até os portões da frente, em direção à
parada de ônibus onde Daniel a havia instruído a esperar. Uma imagem de
seus olhos violetas articulados apertou se coração, enquanto estava sob um
céu cinzento e úmido. Assistia aos carros incolores se materializarem na
névoa. Quando olho de volta para Shoreline, para o formidável campus á
distância, se lembrou de Jasmine, de suas palavras na festa.
Enquanto permanecer sob a vigilância, podemos muito bem fazer o que
quisermos.
Luce estava deixando a proteção, mas onde estava o mal? Ela nem era uma
estudante de verdade lá, e mesmo assim, ver Daniel novamente valia a pena o
risco de ser pega.
Poucos minutos depois de meia hora, o ônibus número cinco parou no ponto
de ônibus. O ônibus era velho, cinza e frágil igual ao motorista que abriu a
porta para deixar Luce entrar. Pegou uma cadeira vazia perto da frente. O
ônibus tinha cheiro de teias de aranha, ou de um sótão pouco usado. Teve que
agarrar o barato assento de couro enquanto o ônibus embarricava nas curvas à
oitenta quilômetros por hora, como se a apenas centímetros além da estrada, o
precipício caísse um quilômetro em linha reta para o oceano cinza e irregular lá
embaixo. Chovia no momento em que chegaram à cidade, uma tímida garoa
constante de uma chuvarada. A maioria das lojas na rua principal já estavam
fechadas e a cidade parecia úmida e um pouco desolada. Não era exatamente
a cena que tinha em mente para uma feliz conversa de reconciliação.
Descendo do ônibus, Luce tirou o gorro de esqui de sua mochila e o colocou
sobre sua cabeça. Podia sentir o frio da chuva sobre o nariz e nas pontas dos
dedos. Viu uma placa de metal verde e torta e seguiu em direção à seta de
Noyo Point.
O local era uma península variada de terrenos, não verde exuberante como o
terreno do campus de Shoreline, mas uma mistura de grama irregular e crostas
de areia cinza molhada. As árvores dizimadas aqui e suas folhas despejadas
pelo vendo no oceano vacilante. Havia um banco solitário em um trecho com
lama por todo o caminho na borda, cerca de cem metros na estrada. Ali onde
deveria ser onde Daniel queria que eles se encontrassem, mas Luce podia ver
de onde ela estava que ele ainda não estava lá. Olhou para o relógio. Estava
cinco minutos atrasada.
Daniel nunca se atrasava.
A chuva parecia se instalar nas pontas de seu cabelo, em vez de mergulhar
nele do jeito que a chuva realmente fazia. Nem mesmo a Mãe Natureza sabia o
que fazer com uma Luce tingida de loiro. Não queria esperar por Daniel em um
campo aberto.
Havia uma fila de lojas na rua principal. Luce hesitou ali, de pé, numa longa
varanda de madeira sob um toldo de metal enferrujado. Fred Fish estava
escrito no acesso a loja fechada em desbotadas letras azuis.
Fort Bragg não era fantástica como Mendocino, a cidade onde ela e Daniel
tinham parado antes dele ter voado com ela para Shoreline. Era mais industrial,
uma verdadeira vila de pescadores à moda antiga, com docas apodrecidas
instaladas em uma enseada curva onde a terra afilava para baixo em direção à
água.
Enquanto Luce esperava, um barco cheio de pescadores estava pisando em
terra firme. Assistiu a fila de homens muito magros e endurecidos em suas
capas encharcadas subindo as escadas rochosas do cais abaixo. Quando
chegaram ao nível da rua, andavam sozinhos ou em grupos em silêncio,
passaram o banco vazio e as árvores tristemente inclinadas, passaram pela
fachada fechada de um estacionamento de cascalho na margem sul de Noyo
Point. Subiram em caminhões velhos e malconservados, ligaram os motores e
foram embora, o mar sombrio se diluindo até que um se destacou e não saindo
de qualquer escuna. Na verdade, parecia ter surgido de repente fora da
neblina. Luce saltou para trás contra as janelas de metal da loja de pescado e
tentou recuperar o fôlego.
Cam.
Ele estava caminhando ao longo da estrada de terra bem em frente a ela,
ladeado por dois pescadores vestidos de negro que não pareciam notar sua
presença. Estava vestido com jeans slim preto e uma jaqueta de couro preta.
Seu cabelo escuro estava menor do que quando ela o tinha visto pela última
vez, brilhando na chuva. Um sinal de uma tattoo bronzeada estava visível no
lado do pescoço. Contra o plano de fundo incolor do céu, seus olhos eram tão
intensamente verdes quanto eles nunca haviam sido antes.
A última vez que tinha o visto, Cam estava parado na frente de um exército
negro de demônios adoecidos. Tão insensível, cruel e simplesmente... Mal. Ele
fez seu sangue gelar. Ela tinha uma série de maldições e acusações prontas
para arremessar em cima dele, mas seria melhor ainda se pudesse o evitar
completamente.
Tarde demais.
O olhar verde de Cam caíra sobre ela, e ela congelou. Não porque ele estava
jogando um daqueles falsos encantos – que ela chegara muito perto de cair em
Sword & Cross – mas porque ele parecia genuinamente alarmado ao vê-la.
Virou-se rapidamente, indo direção aos poucos pescadores desgarrados que
restaram, e estava ao seu lado no instante seguinte.
- O que você está fazendo aqui?
Cam parecia mais que assustado, Luce decidiu que... Parecia quase com
medo. Seus ombros estavam agrupados em seu pescoço e seus olhos não
permaneciam em nada por mais de um segundo. Não tinha dito nada sobre seu
cabelo, quase pareceu como se não tivesse notado. Luce tinha certeza que
Cam não era para saber que ela estava aqui na Califórnia. O objetivo de sua
deslocação era a manter longe de caras como ele. E agora ela tinha estragado
isso.
- Eu só estou... – Olhou para o caminho de cascalho branco cortando a relva
junto à borda do penhasco atrás de Cam. – Estou indo para uma caminhada.
- Não está não.
- Deixe-me sozinha. – Tentou o empurrar. – Não tenho nada para te dizer.
- O que seria ótimo, já que não é para estarmos falando um com o outro. E
você não é para estar fora da escola.
De repente, ela se sentiu nervosa, como se ele soubesse algo que ela não
sabia.
- Como você sabe que eu estou indo mesmo para uma escola aqui?
Cam suspirou.
- Eu sei tudo, ok?
- Então você está aqui para lutar contra Daniel?
Os olhos verdes de Cam se estreitaram.
- Por que eu... Espera ai, você está dizendo que você está aqui para vê-lo?
- Não parece tão chocado. Nós estamos juntos. – Era como se Cam ainda não
tivesse entendido que ela tinha escolhido Daniel.
Cam coçou a testa, preocupado. Quando ele finalmente falou, suas palavras
foram apressadas:
- Ela mandou te buscar, Luce?
Ela estremeceu, desmoronando sob a pressão de seu olhar.
- Eu recebi uma carta.
- Deixe-me vê-la.
Agora Luce enrijeceu, examinando a expressão peculiar de Cam para tentar
entender o que ele sabia. Parecia tão inquieto quando ela. Ela não se moveu.
- Você foi enganada. Grigori não iria mandar te buscar agora.
- Você não sabe o que ele faria por mim. – Luce se virou, desejando que Cam
nunca a tivesse visto, desejando estar longe dali.
Sentiu uma necessidade infantil de se gabar para Cam da última noite em que
Daniel a tinha visitado. Mas se gabaria pouco já que não havia muita glória em
veicular os detalhes de sua discussão.
- Eu sei que ele morreria se você morrer, Luce. Se você quiser viver mais um
dia, é melhor você me mostrar a carta.
- Você me mataria em detrimento de um pedaço de papel?
- Eu não a mataria, mas quem lhe enviou a carta provavelmente pretendia.
- O quê? – Sentindo a carta quase queimando em seu bolso, Luce resistiu ao
impulso de lançar a carta nas mãos dele.
Cam não sabia do que ele estava falando. Não podia saber. Mas quanto mais
ele a olhava, mais ela começava a se perguntar sobre a estranha carta que ela
estava segurando. Essa passagem de ônibus, as instruções. Foi
estranhamente técnica e formulada. Não parecia nem um pouco com Daniel.
Ela a pegou do bolso com os dedos tremendo. Cam a arrancou dela, fazendo
uma careta enquanto lia. Murmurou alguma coisa baixinho enquanto seus
olhos disparavam em torno da floresta do outro lado da estrada. Luce olhou em
volta também, mas não conseguia ver nada de suspeito nos poucos
pescadores remanescentes carregando suas cargas num caminhão
enferrujado.
- Vamos lá. – Disse ele, finalmente, a agarrando pelo cotovelo. – Tá na hora de
você voltar para a escola.
Ela se afastou.
- Eu não vou a lugar nenhum com você. Eu te odeio. O que vocês estão
fazendo aqui?
Cam se posicionou ao seu redor.
- Estou caçando.
Ela o julgou, tentando não deixar transparecer que ainda a deixava nervosa.
Um Cam magro, vestido num estilo punk-rock e desarmado.
- Sério? – Ela inclinou a cabeça. – Caçando o quê?
Cam olhou através dela em direção à ampla floresta escura. Balançou a
cabeça uma vez.
- Ela.
Luce esticou o pescoço para ver de quem ou do quê Cam estava falando, mas
antes que pudesse ver alguma coisa ela a empurrou bruscamente. Houve um
estranho sopro de ar e algo prata silvou próximo ao seu rosto.
- Se abaixe! – Cam gritou, exercendo pressão sobre os ombros de Luce. Ela
caiu no chão da varanda, sentindo o peso dele em cima dela, cheirando a
poeira das tábuas de madeira.
- Me larga! – Ela gritou enquanto se contorcia de nojo, medo e frio
pressionados dentro dela. Quem quer que seja que esteja lá fora devia ser
muito mal. Caso contrário não estaria numa posição em que Cam a estivesse a
protegendo.
Um momento depois, Cam estava correndo pelo estacionamento vazio. Estava
correndo em direção a uma menina. Era uma menina muito bonita da idade de
Luce, vestida com um longo casaco marrom. Tinha as feições delicadas e
cabelos brancos, loiros puxados alto num rabo de cavalo, mas algo estava
estranho com seus olhos. Fizeram uma vaga expressão que, mesmo à
distância, atingiu Luce a deixando rígida de medo.
Havia mais: A menina estava armada. Segurava um arco de preta e foi às
pressas encaixando uma flecha.
Cam se jogou na frente, seus pés esmagando o saibro enquanto se movia em
linha reta na direção da menina cujo bizarro arco de prata brilhava mesmo no
nevoeiro. Como se não fosse deste mundo.
Tirando os olhos da garota lunática com a flecha, Luce caiu de joelhos e
esquadrinhou o estacionamento para ver se ninguém parecia tão em pânico
quanto ela, mas o lugar estava vazio, estranhamente quieto.
Seus pulmões estavam apertados, mal conseguia respirar. A menina se movia
quase como uma máquina, sem hesitação. E Cam estava desarmado.
A menina estava puxando a corda e Cam estava à queima-roupa. Porém ela
levou uma fração de segundo demasiada longa e Cam se chocou contra ela,
batendo nela pelas costas. Ele brutalmente arrancou a arma de suas mãos,
apertando o cotovelo contra o rosto dela até ela soltar. A menina emitiu um
som alto e incoerente e recuou no terreno quando Cam virou a arma contra ela.
Ela levantou a mão aberta em súplica. Então Cam soltou a flecha em linha reta
em seu coração. Do outro lado do estacionamento, Luce gritou e mordeu seu
punho. Apesar de querer estar bem longe, encontrou-se movendo os pés com
dificuldade. Alguma coisa estava errada. Luce esperava encontrar a menina ali
sangrando, mas ela não lutava, não chorava.
Porque ela não estava mais lá.
Ela e a flecha que Cam havia atirado haviam desaparecido.
Cam percorreu o estacionamento, pegando as flechas que a arqueira tinha
derrubado como se fosse a mais urgente tarefa que ela já tinha realizado. Luce
agachou onde a menina havia caído. Observou o áspero cascalho com o dedo,
confusa e com mais medo do que tinha estado um momento antes. Não havia
sinal de que alguém tivesse estado lá.
Cam voltou para o lado de Luce com três flechas em uma mão e o arco de
prata na outra. Institivamente, Luce estendeu a mão para um toque. Nunca
tinha visto nada parecido. Por alguma razão, enviou a ela uma estranha onda
de fascinação. Um pequeno hematoma surgiu em sua pele. Sua cabeça estava
tonta. Cam escondeu as flechas.
- Não. Elas são mortais.
Não pareciam mortais. Na verdade, as flechas não tinham sequer cabeça.
Eram apenas varas de prata que a ponta terminava em uma extremidade
plana. E ainda uma delas tinha feito aquela menina desaparecer. Luce piscou
algumas vezes.
- O que aconteceu, Cam? – A voz dela estava pesada. – Quem era?
- Ela era uma Exilada. – Cam não estava a olhando. Estava aficionado pelo
arco de prata em suas mãos.
- Uma o quê?
- O pior tipo de anjo. Eles ficaram ao lado de Satanás durante a revolta, mas
não colocaram os pés no submundo.
- Por que não?
- Você não conhece o tipo. Como aquelas meninas que querem ser convidadas
para uma festa, mas na verdade, não pretendem aparecer. – Ele fez uma
careta. – Assim que a batalha terminou, tentaram recuar para o Céu bem
rápido, mas já era tarde demais. Você só tem uma chance nas Nuvens. –
Olhou para a Luce. – A maioria de nós, de qualquer maneira.
- Então, se eles não estão com o Céu... – Ela ainda estava se acostumando a
falar concretamente sobre essas coisas. – Eles estão... Com o Inferno?
- Dificilmente. Embora eu me lembre de quando eles vieram rastejando de
volta. – Cam deu uma risada sinistra. – Normalmente subjugamos qualquer um
que pegamos, mas mesmo Satanás tem seus limites. Ele os expulsou
permanentemente, os deixaram cegos para acrescentar danos para insultá-los.
- Mas essa menina não era cega. – Sussurrou Luce, recordando a forma como
seu arco tivesse seguido Cam em todos os movimentos. A única razão dela
não ter batido nele era porque ele havia se movimentado rápido. E ainda tinha
Luce. Ela sabia que havia algo fora sobre essa menina.
- Ela era. Só que usa outros sentidos para sentir seu caminho através do
mundo. Ela pode ver depois de uma moda. Tem suas limitações e seus
benefícios.
Seus olhos não paravam de vasculhar as linhas das árvores. Luce perdeu a
fala ao pensar em mais Exilados aninhados na floresta. Mais daqueles arcos e
flechas de prata.
- Bem, o que aconteceu com ela? Onde ela está agora? – Cam a olhou.
- Ela está morta, Luce. Poof! Se foi.
Morta? Luce olhou para o lugar no chão onde tinha acontecido, agora tão vazio
quando o resto do estacionamento. Abaixou a cabeça, tonta.
- Eu... Eu pensei que você não podia matar anjos.
- Só por falta de uma boa arma. – Acendeu as flechas para Luce uma última
vez antes de guardá-las em um pano que puxou do bolso e as prendeu dentro
de sua jaqueta. – Essas coisas são difíceis de encontrar. Ah, pare de tremer,
eu não vou te matar. – Ele se virou e começou a testas as portas dos carros no
estacionamento, sorriu quando avistou a janela abaixada do motorista de um
caminhão cinza e amarelo. Entrou e apertou a tranca. – Esteja grata que você
não tenha que voltar a pé para a escola. Vamos lá, entre.
Quando Cam abriu a porta do lado do passageiro, a mandíbula de Luce caiu.
Espreitou-se pela janela aberta e o observou fazendo uma ligação direta na
ignição.
- Você acha que eu vou entrar num caminhão ligado assim com você logo
depois que eu te vi matar alguém?
- Se eu não tivesse a matado. – Passou a mão por baixo do volante. – Ela teria
te matado, ok? Quem você acha que lhe enviou essa carta? Você foi atraída
para fora da escola para ser assassinada. Será que isso torna as coisas mais
fáceis?
Luce encostou-se no capô do caminhão, não sabendo o que fazer. Pensou na
conversa que teve com Daniel, Arriane e Gabbe na hora que ela deixava Sword
& Cross. Eles disseram que Miss Sophia e os outros em sua seita podiam vir
atrás dela.
- Mas ela não parecia com... Será que os Exilados fazem parte dos Anciãos?
Naquele momento Cam já tinha o motor ligado. Rapidamente saltou para fora,
deu a volta e empurrou Luce no banco do passageiro.
- Siga em frente, chop-chop. Isto é como pastorear um gato. – Finalmente ele a
tinha sentada e puxou o cinto de segurança em torno dela. – Infelizmente,
Luce, você tem mais de um tipo de inimigo. É por isso que eu vou te levar de
volta à escola, onde é seguro. Agora. Mesmo.
Ela não achava que seria inteligente ficar sozinha em um carro com Cam, mas
não tinha certeza se ficar aqui por conta própria era mais esperto.
- Espere um minuto. – Disse ela quando ele se virou em direção de Shoreline.
– Se esses Exilados não fazem parte do céu ou do inferno, de que lado eles
estão?
- Os Exilados são uma sombra doentia de cinza. Caso você não tenha notado,
há coisas piores por lá do que eu.
Luce cruzou as mãos no colo, ansiosa para voltar para seu dormitório onde ela
podia sentir, ou pelo menos fingir, que se sentia segura. Por que ela deveria
acreditar em Cam? Ela já havia caído em suas mentiras muitas vezes antes.
- não há nada pior do que você. O que você quer... O que tentou fazer na
Sword & Cross foi horrível e errado. – Ela balançou a cabeça. – Você está
apenas tentando me enganar de novo.
- Não estou. – Sua voz tinha menos convencimento do que ela esperava.
Parecia pensativo, até mesmo abatido. Naquele momento, tinha entrado na
longa e arqueada garagem da Shoreline. – Eu nunca quis te magoar, Luce,
nunca.
- É por isso que você chamou todas aquelas sombras para a batalha quando
eu estava no cemitério?
- O bem e o mal não são tão claros como você pensa. – Ele olhou pela janela
em direção aos edifícios de Shoreline, que pareciam escuros e desertos. –
Você é do Sul, certo? Desta vez, de qualquer maneira. Então você deve
compreender a liberdade que os vencedores têm de reescrever a história.
Semântica, Luce. O que você acha do que é mal... Ao meu ver, é um simples
problema de conotação.
- Daniel não pensa assim. – Luce desejava que pudesse ter dito que ela não
pensava assim, mas não sabia o suficiente ainda. Sentia como se estivesse
tendo muito das explicações de Daniel sobre a fé.
Cam estacionou o caminhão em um trecho de grama por trás de seu
dormitório, saiu e deu a volta para abrir a porta do passageiro.
- Daniel e eu somos duas faces da mesma moeda. – Ofereceu sua mão para
ajudá-la a sair, ela o ignorou. – Deve doer em você ouvir isso.
Ela quis dizer que não podia ser verdade, que não havia semelhanças entre
Cam e Daniel, não importa o quanto Cam tentasse encobrir as coisas, mas na
semana que estava em Shoreline, Luce tinha visto e ouvido coisas que
conflitavam com o que pensava. Pensou em Francesca e Steven. Eles
nasceram de um mesmo lugar: Era uma vez, antes da guerra e da queda,
havia apenas um lado. Cam não era o único que afirmava que a divisão entre
os anjos e demônios não era totalmente preto e branco.
A luz estava acesa em sua janela. Luce imaginava Shelby sobre o tapete
laranja, de pernas cruzadas em uma posição de lótus, meditando. Como
poderia Luce entrar e fingir que não tinha visto um anjo morrer? Ou que tudo o
que tinha acontecido esta semana não a tinha deixado cheia de dúvidas?
- Vamos manter os acontecimentos desta noite entre nós, não é?- Cam disse. –
E daqui para frente, faça um favor para todos e permaneça no campus, onde
você não vai entrar em apuros.
Ela passou por ele, fora do feixe dos faróis do caminhão roubado e pelas
sombras que camuflavam as paredes de seu dormitório.
Cam voltou para o caminhão, acelerando o motor ofensivamente, mas antes de
se afastar, abaixou a janela e gritou para Luce:
- De nada!
Ela se virou.
- Pelo quê?
Ele sorriu e pisou fundo.
- Por salvar sua vida.
Capítulo 6 – Treze Dias
- Está aqui. – Uma voz alta cantou do lado de fora da porta de Luce na manhã
seguinte. Alguém estava batendo na porta. – Finalmente está aqui!
A batida ficou mais insistente. Luce não sabia que horas eram, mas estava
muito cedo para todas as risadinhas que ela podia ouvir do outro lado da porta.
- Seus amigos. – Shelby chamou do beliche de cima.
Luce gemeu e deslizou para fora da cama. Olhou para Shelby que estava
apoiada no estômago no beliche de cima, já completamente vestida de jeans e
um pretensioso colete vermelho, fazendo as palavras cruzadas do sábado.
- Você nunca dorme? – Luce murmurou indo ao seu armário para arrancar o
seu roupão de lã púrpura que sua mãe tinha costurado para o seu décimo
terceiro aniversário. Ele ainda cabia nela.
Pressionou o rosto no olho mágico e viu os convexos rostos sorridentes de
Dawn e Jasmine. Estavam usando lenços brilhantes e protetores de ouvido
felpudos. Jasmine levantou um suporte de copos com quatro cafés quando
Dawn, que estava com um grande saco de papel marrom em sua mão, batia
novamente.
- Você vai as calar ou eu devo chamar a segurança do campus? – Shelby
perguntou.
Ignorando-a, Luce abriu a porta e as duas meninas entraram no quarto falando
sem parar.
-Finalmente. – Jasmine riu, entregando a Luce uma xícara de café antes de
estatelar com o beliche de baixo desfeito. – Temos muito a discutir.
Nem Dawn nem Jasmine jamais haviam ido ao quarto dela antes, mas Luce
estava gostando do jeito que agiam como se estivessem em casa. Lembrava
Penn, que havia pegado “emprestado” a chave reserva do quarto de Luce para
que pudesse entrar quando houvesse necessidade. Luce olhou para seu café e
engoliu em seco. De jeito nenhum ela poderia ficar emocionada aqui, agora, na
frente das três.
Dawn estava no banheiro, enraizada além do armário ao lado da pia.
- Como membro integrante do comitê de planejamento, acho que você deveria
estar a parte do discurso de boas vindas hoje. – Disse, olhando uma Luce em
descrença. – Como você ainda não está vestida? O iate sai em... Bem, uma
hora. – Luce coçou a testa.
- O que me faz lembrar...?
- Ugh. – Dawn gemeu drasticamente. – Amy Branshaw? Minha parceira de
laboratório? Aquela cujo pai é dono de um iate monstro? Nada disso te faz
lembrar alguma coisa?
Foi tudo voltando para ela. Sábado. A viagem de barco até a costa. Jasmine e
Dawn tinham armado uma ideia longe de ser educacional para o comitê de
eventos de Shoreline, conhecida como Francesca, e tinha de alguma forma
conseguido autorização. Luce havia concordado em ajudar, mas ela ainda não
tinha feito nada. Tudo que ela podia pensar agora era no rosto de Daniel
quando ela tinha o contado sobre isso e de imediato ele rejeito a ideia de ter
Luce se divertindo sem ele.
Agora Dawn estava vasculhando o armário de Luce. Tirou um vestido de lã de
manga comprida cor de berinjela, o atirou para Luce e a calçou no banheiro.
- Não se esqueça da calça legging por baixo. Está frio lá fora na água.
No caminho, Luce pegou o telefone celular do carregador. Ontem à noite,
depois que Cam a trouxe, se sentiu sozinha e com tanto medo e, havia
quebrado a regra número um do Sr. Cole e mando uma SMS para Callie. Se
Sr. Cole soubesse o quando ela precisava ter notícias da amiga... Ele
provavelmente ainda ficaria furioso com ela. Agora era tarde demais.
Abriu a caixa de mensagens de texto e lembrou-se de quanto seus dedos
estavam tremendo quando escreveu o texto cheio de mentira:
Finalmente ganhei um telefone celular! A recepção é ruim, mas eu vou ligar
quando eu puder. Tudo está bem aqui, mas eu sinto sua falta! Escreva em
breve!
Nenhuma resposta de Callie.
Ela estava doente? Ocupada? Fora da cidade? Ignorando Luce por ignorar?
Luce se olhou no espelho. Olhou e se sentiu um lixo, mas concordou em ajudar
Dawn e Jasmine, então puxou o vestido de lã e enrolou os cabelos loiros para
trás com alguns grampos.
No momento em que Luce saiu do banheiro, Shelby estava se abstendo do
café da manhã que as meninas tinham trazido com elas no saco de papel.
Parecia realmente muito bom. Pães doce de cereja, bolinhos de nesse,
pãezinhos de canela e três tipos diferentes de suco. Jasmine entregou-lhe um
enorme bolinho de neve e uma tina de requeijão.
- Alimento para o cérebro.
- O que é isso tudo? – Miles enfiou a cabeça pela porta entreaberta.
Luce não podia ver seus olhos sob o boné de beisebol puxado para baixo, mas
o seu cabelo castanho estava virando para cima nas laterais e suas gigantes
covinhas apareceram quando ele sorriu. Dawn caiu na gargalhada, por
nenhuma outra razão que Miles ser uma gracinha e Dawn ser Dawn, mas Miles
não pareceu notar. Ele ficava mais relaxado e descontraído em torno de um
grupo de muitas meninas do que Luce. Talvez ele tivesse um monte de irmãs
ou algo assim. Ele não era como algumas das outras crianças de Shoreline,
cuja frieza parecia ser uma fachada. Miles era verdadeiro.
- Não tem nenhum amigo do seu próprio sexo, não? – Shelby perguntou,
fingindo estar mais irritada do que realmente estava.
Agora que ela conhecia sua companheira de quarto um pouco melhor, Luce
estava começando a achar o humor abrasivo de Shelby quase que encantador.
- Claro. – Miles entrou no quarto totalmente inabalável. – É que meus amigos
homens não costumam aparecer com café da manhã. – Tirou um enorme rolo
de canela da mochila e deu uma grande mordida. – Você está bonita, Luce. –
Disse com a boca cheia.
Luce corou, Dawn parou de rir e Shelby tossiu na manga:
- Embaraçoso.
Ao primeiro som do alto-falante no corredor, Luce saltou. as outras crianças a
olhavam como se ela fosse louca, mas Luce ainda estava acostumada com as
punições de Sword & Cross de pronunciar a P.A.
Em vez disso, a voz âmbar de Francesca derramou-se pelo quarto:
- Bom dia, Shoreline. Se você está se juntando a nós na viagem de hoje de
iatismo, o ônibus para a Marina sai em dez minutos. Vamos nos reunir na
entrada sul para uma contagem. E não se esqueçam de se agasalharem!
Miles pegou outro doce para viagem. Shelby colocou um par de galochas de
bolinhas. Jasmine apertou o aro de seus protetores de ouvido rosa e encolheu
os ombros para Luce.
- Tanto para planejar! Nós vamos ter que apressar o discurso de boas vindas.
- Sente-se perto de nós no ônibus. – Dawn instruiu. – Nós vamos mapeá-la
totalmente no caminho para Noyo Point.
Noyo Point.
Luce forçou-se a engolir o bolinho de neve na boca cheia. A expressão morta
da menina Exilada, mesmo quando ela estava viva, a carona terrível com
Cam... A memória trazia arrepios na pele de Luce. Não ajudava nada que Cam
tenha esfregado na cara dela que tinha salvado sua vida. Logo depois lhe disse
para não sair do campus novamente.
Coisa muito estranha de dizer. Quase como se ele e Daniel estivesse em
conluio. Parando, Luce se sentou na beirada da cama.
- Então, nós vamos?
Ela nunca tinha quebrado uma promessa de Daniel antes. Mesmo que nunca
tivesse prometido não ir ao iate. A restrição foi tão dura e inapropriada que seu
instinto era desprezar, mas se ela tivesse concordado em seguir as regras de
Daniel, talvez não teria que ver alguém sendo morto.
Apesar de que provavelmente era apenas sua paranoia surgindo de novo.
Aquele bilhete tinha deliberadamente a atraído para fora do campus. Uma
viagem de barco da escola era algo totalmente diferente. Não era como se Os
Exilados estivessem pilotando o barco.
- É claro que todos nós vamos. – Miles agarrou a mão de Luce, a puxando para
ficar de pé em direção à porta. – Por que nós não?
Este era o momento de escolha: Luce poderia ficar em segurança no campus
do jeito que Daniel (e Cam) a tinham dito para ficar. Como uma prisioneira. Ou
ela poderia sair por aquela porta e provar para si mesma que sua vida era dela.
Meia hora depois, Luce estava olhando, juntamente com metade do corpo
estudantil de Shoreline, para um brilhoso e branco iate de luxo Austal de
quarenta metros.
O ar em Shoreline tinha ficado mais claro, mas lá embaixo na água da Marina
junto ao cais, havia ainda um fino feltro de névoa que sobrou da véspera.
Quando Francesca desceu do ônibus, murmurou “Já basta” e levantou as
palmas das mãos no ar. Muito casualmente, como se estivesse empurrando as
cortinas de uma janela, ela sumiu com o nevoeiro com os dedos. Abrindo um
rico e plano céu claro diretamente sobre o barco reluzente. Foi feito tão
sutilmente que nenhum dos estudantes não Nephilim ou professores poderiam
dizer que qualquer outra coisa, além da natureza, estava trabalhando. Mas
Luce ficou boquiaberta, não tinha certeza do que ela tinha acabado de ver ou o
que ela achava que tinha visto até que Dawn começou a bater palmas
baixinho.
- Impressionante, como de costume.
Francesca sorriu levemente.
- Sim, isso é melhor, não é?
Luce estava começando a perceber todos os pequenos detalhes que poderiam
ter sido obras de um anjo. O passeio no ônibus fretado tinha sido muito mais
suave do que o ônibus público que ela tinha pegado na chuva no dia anterior.
As fachadas pareciam revigoradas, como se toda a cidade houvesse recebido
uma nova camada de tinta. Os alunos faziam fila para embarcar no iate que
estava deslumbrante na maneira muito cara que as coisas estavam. O seu
perfil elegante curvava como uma concha e cada um de seus três níveis tinha
seu próprio deck branco e largo. De onde eles entraram na proa, Luce podia
ver através das janelas enormes três camarotes polidamente mobiliados.
No quente sol na Mariana, as preocupações de Luce com Cam e os Exilados
pareciam ridículas. Ficou surpresa ao senti-las desaparecer.
Acompanhou Miles na cabine no segundo andar do iate. As paredes eram de
um cinza calmo, com longos sofás preto e branco em formas de L abraçados
nas paredes curvas. Uma meia dúzia de alunos já tinham se lançado nos
bancos estofados e foram pegando na enorme variedade de alimentos que
cobriam as mesas de café.
No bar, Miles abriu uma lata de Coca-Cola, a dividiu em dois copos de plástico
e entregou um a Luce.
- Então o demônio disse ao anjo: Me processe? Onde você acha que você vai
ter que ir para encontrar um advogado? – Ele cutucou. – Entendeu? Porque
dos advogados se esperam todas as...
Uma piada. Sua mente estava em outro lugar e ela perdeu o fato de que Miles
estava contando uma piada. Ela se forçou a se exaltar, rindo alto, até mesmo
batendo em cima do balcão do bar. Miles parecia aliviado, se não um pouco
desconfiado de sua reação exagerada.
- Uau. – Disse Luce, sentindo-se suja quando ela reduziu o riso falso. – Essa
foi boa.
À sua esquerda, Lilith, a alta trigêmea ruiva que Luce conheceu no primeiro dia
de aula, parou a mordida de um tartare de atum no caminho de sua boca.
- Que tipo de piada esfarrapada foi essa? – Ela foi carrancuda principalmente
com Luce, os lábios brilhantes fixados em um rosnado. – Você realmente acha
isso engraçado? Alguma vez já esteve no submundo? Não é nenhuma matéria
de riso. Esperamos isso de Miles, mas gostaria de pensar que você tenha um
bom gosto.
Luce foi pega de surpresa.
- Eu não sabia que era uma questão de gosto. – Disse. – Nesse caso, eu
definitivamente apoio Miles.
- Shhh. – As mãos cuidadas de Francesca foram subitamente parar nos
ombros de Luce e Lilith. – Do que quer que isso se trate, lembrem-se: Vocês
estão num navio com setenta e três alunos não-Nephilim. A palavra do dia é
discrição.
Isso ainda era uma das partes mais estranhas sobre Shoreline no que se diz
respeito à Luce. Todo o tempo eles se passavam por crianças normais da
escola, fingindo que não estavam fazendo o que quer que seja que eles
realmente faziam dentro do chalé Nephilim. Luce ainda queria falar com
Francesca sobre os Anunciadores, para falar o que tinha feito no início da
semana na floresta.
Francesca se afastou deslizando e Shelby se apertou entre Luce e Miles.
-Exatamente o quanto discreta vocês acham que preciso ser para tacar a
cabeça de setenta e três não-Nephilim no vaso do banheiro da cabine?
- Você é má. – Luce riu e depois olhou duas vezes quando Shelby estendeu
seu prato de
"Você é má". Luce riu, e depois olhou duas vezes quando Shelby estendeu seu
prato de antepastos.
- Olha quem está repartindo. – Disse Luce. – E você se considera uma filha
única.
Shelby puxou o prato de volta depois que Luce se serviu de uma azeitona.
- Sim, bem, não se acostume ou algo parecido.
Quando o motor reverberou sob seus pés, todos os estudantes aplaudiram.
Luce preferia momentos como este em Shoreline, quando ela realmente não
conseguia diferenciar quem era Nephilim e quem não era. Uma fila de meninas
decidiu enfrentar o frio lá fora, rindo quando seus cabelos esvoaçavam com o
vento. Alguns dos rapazes de sua aula de história estavam começando um
jogo de pôquer em um canto da cabine principal. Nesta mesa Luce esperaria
ter encontrado Roland, mas ele estava ausente.
Perto do bar, Jasmine estava tirando fotos de toda a cena enquanto Dawn
acenava para Luce, gesticulando com uma caneta e papel no ar que ainda
tinha que escrever seu discurso. Luce ia se juntar a eles quando, pelo canto do
olho, avistou Steven atrás das janelas.
Estava sozinho, encostado ao gradeamento com um longo casaco preto, um
chapéu tampando seus cabelos grisalhos. Ainda a deixava nervosa a ideia de
pensar nele como um demônio, especialmente porque realmente gostava dele,
ou pelo menos, daquilo que ela sabia sobre ele. Seu relacionamento com
Francesca a confundia ainda mais. Eles eram tão unidos – o que a lembrou do
que Cam havia dito na noite anterior sobre ele e Daniel não serem tão
diferentes. A comparação ainda a estava importunando enquanto ela abria a
porta de vidro matizado e saiu para o convés.
Tudo o que podia ver no lado oeste do iate foi o azul do escuro oceano e o
claro céu. A água estava calma, mas um vento forte soprou ao redor do barco.
Luce teve que segurar o parapeito, olhando na luz do sol, protegendo os olhos
com a mão enquanto se aproximava de Steven. Não viu Francesca em lugar
algum.
- Olá, Luce. – Ele sorriu e tirou o chapéu quando ela alcançou a grade. Seu
rosto estava bronzeado para um mês de novembro. – Como vão as coisas?
- Boa pergunta. – Disse ela.
- Você já se sentiu sobrecarregada esta semana? Nossa demonstração com os
Anunciadores te incomodou muito? Você sabia – Ele abaixou a voz. – que
nunca tínhamos ensinado isto antes?
- Me incomodou? Que nada! Eu adorei. – Disse Luce rapidamente. – Quero
dizer, foi difícil assistir, mas também foi fascinante. Eu estava com vontade de
falar sobre isso com alguém... – Com os olhos de Steven nela, ela se lembrou
da conversa que ouvira de seus dois professores com Roland. Como tinha sido
Steven, não Francesca, que tinha sido mais aberto à inclusão de Anunciadores
no currículo. – Eu quero aprender tudo sobre eles.
- Tudo sobre eles? – Steven inclinou a cabeça, pegando todo o sol em sua pele
já dourada. – Isso pode demorar um pouco. Existem trilhões de Anunciadores,
um para cada um de quase todos os momentos da história. O campo é
infiltrável. A maioria de nós nem sequer sabe por onde começar.
- É por isso que não lecionou sobre isso antes?
-É polêmico. – Disse Steven. – Existem anjos que não acreditam que os
Anunciadores têm qualquer valor. Ou que eles preferem anunciar as coisas
ruins às coisas boas. Chamam defensores, como eu, de ratos de história,
demasiado obcecados com o passado para prestar atenção aos pecados do
presente.
- Mas isso é como dizer... Que o passado não tem valor.
Se isso fosse verdade, significaria que todas as vidas anteriores de Luce não
eram nada, que sua história com Daniel também tinha sido inútil. Então tudo o
que ela consideraria seria sua atual existência ao lado de Daniel. E isto foi
suficiente?
Não. Não foi.
Ela tinha que acreditar que havia mais no que sentia por Daniel: Uma valiosa
secreta história que possuía mais do que algumas noites de beijos extasiantes
e outras de discussão.
Se o passado não significasse nada, seria apenas isso o que eles tinham
vivido.
- Julgando pelo seu olhar, - Steven disse. – parece que eu recrutei mais uma
para o meu lado.
- Eu espero que você não esteja enchendo a cabeça de Luce com mais uma de
suas porcarias diabólicas. – Francesca apareceu atrás deles. Suas mãos
estavam na cintura e ela estava com uma carranca. Até ela começar a rir, Luce
não sabia que ela estava brincando.
- Estávamos conversando sobre as sombras, quero dizer, os Anunciadores. –
Disse Luce. – Steven me disse que ele acha que existem trilhões deles.
- Steven também acha que não precisa chamar um encanador quando estoura
o cano do banheiro. – Francesca sorriu calorosamente, mas houve uma note
em sua voz que fez Luce se sentir envergonhada, como se ela tivesse falado
demais. – Você quer testemunhas mais cenas horríveis como aquela que
vimos na classe outro dia?
- Não, não é isso que eu quis dizer.
- Há uma razão para que certas coisas sejam deixadas em mãos de
especialistas. – Francesca olhou Steven. – Temo que, como um banheiro
quebrado, usar os Anunciadores como uma janela para o passado seja uma
dessas coisas.
- É claro que entendo porque você, em particular, poderia se interessar por
eles. – Disse Steven, atraindo toda a atenção de Luce. Então, Steven
conseguiu. Suas vidas passadas.
- Mas você tem que entender, - Acrescentou Francesca. – que vislumbrar
sombras é altamente arriscado sem o treinamento adequado. Se você está
interessada, existem universidades, rigorosos programas acadêmicos, ainda,
que eu ficaria feliz em te indicar o caminho. Mas, por agora, Luce, você deve
perdoar o nosso erro por apresentar isto tudo tão prematuramente a uma
classe do ensino médio e deixar por isso mesmo.
Luce se sentiu estranha e exposta. Ambos estavam a olhando. Inclinando-se
um pouco sobre os trilhos, ela pôde ver alguns de seus amigos no convés
principal na parte de baixo da embarcação. Miles tinha um par de binóculos
pressionado contra os olhos e estava tentando apontar algo para Shelby que o
ignorou por trás de seus Ray-Ban gigantes. Na popa, Dawn e Jasmine estavam
sentadas em uma borda com Amy Branshaw. Estavam inclinadas sobre uma
pasta de documentos, fazendo anotações apressadas.
- Devo ir ajudar com o discurso de boas vindas. – Disse Luce, se afastando de
Francesca e Steven. Podia sentir seus olhos sobre ela durante todo o caminho
até a escada em caracol. Luce chegou ao convés principal, se abaixou para
passar sob uma linha de velas arriadas e se espremeu por entre um grupo de
estudantes não-Nephilim em um círculo em torno do entediado Sr. Kramer, o
franzino professor de biologia, que estava lecionando algo sobre o frágil
ecossistema logo abaixo deles.
- Aí está você! – Jasmine a puxou pera a reunião. – Finalmente nosso plano
está ganhando forma!
- Que bom! Como eu posso ajudar você?
- Às doze horas, vamos tocar o sino. – Dawn apontou para um enorme sino de
bronze pendurado por uma roldana branca perto da proa do navio. – Aí eu vou
dar as boas vindas a todos, Amy vai falar de como essa viagem foi possível e a
Jas vai falar dos eventos sociais deste semestre. Tudo o que precisamos é de
alguém para dizer alguma coisa do meio ambiente. – Todas as três garotas
olharam para Luce.
- Isso é um iate híbrido ou algo assim? – Luce perguntou.
Amy deu de ombros e sacudiu a cabeça. O rosto de Dawn se iluminou com
uma ideia.
- Você pode dizer algo sobre como estar aqui faz a gente ser mais consciente
do meio ambiente porque aquele que na natureza convive, age em prol dela.
- Você é boa em escrever poemas? – Jasmine perguntou. – Poderia tentar
fazer um, tipo, divertido?
Culpada por se abster totalmente de quaisquer responsabilidades reais, Luce
sentiu a necessidade de aceitar.
- Poesia do Meio Ambiente. – Disse ela, pensando que a única coisa que ela
era pior do que poesia e biologia marinha era falar em público. – Claro. Eu
posso fazer isso.
- Ok, ufa! – Dawn limpou a testa. – Então, aqui vai a minha visão. – Pulou na
borda de onde estava sentada e começou a fazer uma lista das coisas em seus
dedos.
Luce sabia que ela deveria estar prestando atenção aos pedidos de Dawn
(“Não seria fantástico se nós fizéssemos uma fila crescente de altura?”),
especialmente porque em um curto espaço de tempo ela deveria criar algo
inteligente e que rimasse sobre o meio ambiente para dizer perante uma
centena de colegas de classe, mas sua mente ainda estava obscurecida pela
conversa bizarra que teve com Francesca e Steven. Deixe os Anunciadores
para os especialistas. Se Steven estava certo que realmente havia um
Anunciador para cada momento da história, então foi como dizer a ela para
deixar todo o passado para os especialistas.
Luce não estava tentando reivindicar conhecimentos sobre Sodoma e
Gomorra, era apenas no seu próprio passado, dela e de Daniel, em que ela
estava interessada. E se alguém deveria ser um especialista nisso, Luce
concluiu que ela deveria ser uma.
Mas o próprio Steven tinha dito: Havia um trilhão de sombras lá fora. Seria
quase impossível até mesmo localizar aquelas que tinham alguma coisa a ver
com ela e Daniel, além de que não sabia o que fazer caso as achasse.
Olhou para o convés do segundo andar. Podia ver apenas o topo das cabeças
de Francesca e Steven. Se Luce deixasse sua imaginação correr livremente,
poderia enxergar uma conversa afiada entre eles.
Sobre Luce. E sobre os Anunciadores. Provavelmente o acordo de nunca mais
reviver o assunto com ela.
Tinha certeza que quando se tratasse de seu passado, teria que agir por conta
própria.
Espera aí.
O primeiro dia de aula, durante o quebra-gelo. Shelby disse –
Luce se levantou, esquecendo completamente que estava no meio de uma
reunião e atravessou o convés quando um grito agudo soou atrás dela.
Quando se virou de costas em direção ao som, Luce viu o lampejo do mergulho
de algo negro caindo do barco.
Um segundo depois, ele tinha ido embora.
Em seguida, um esguicho.
- Oh, meu Deus! Dawn! – Jasmine e Amy estavam inclinadas no parapeito ao
longo da proa, olhando para baixo na água. Estavam gritando.
- Vou pegar o barco salva-vidas. – Amy gritou, correndo para dentro da cabine.
Luce pulou na corda ao lado de Jasmine e engoliu em seco. Dawn tinha caído
no mar e estava se debatendo na água. No início, a cabeça escura de cabelos
e os braços se debatendo eram tudo o que era visível, mas então ela olhou
para cima e viu o terror em seu rosto branco.
Um horrível segundo depois uma grande onda ultrapassou o pequeno corpo de
Dawn. O barco ainda estava em movimento, a puxando para mais longe. As
meninas tremeram, esperando que ela ressurgisse.
- O que aconteceu? – Steven exigiu, de repente ao seu lado. Francesca foi
soltando e puxando a corda do salva-vidas em seus laços com o aro.
Os lábios de Jasmine tremeram.
- Ela estava tentando tocar o sino para chamar a atenção de todos para o
discurso. Ela m-m-mal se inclinou para fora, eu não sei como ela perdeu o
equilíbrio.
Luce deu outra dolorosa olhada para a proa do navio. A queda na água gelada
era provavelmente trinta pés. Ainda não havia sinal de Dawn.
- Onde ela está? – Luce chorou. – Ela sabe nadar?
Sem esperar uma resposta, pegou o colete salva-vidas das mãos de
Francesca, enfiou seu braço nele e subiu ao topo do arco.
- Luce - para!
Ouviu o grito atrás dela, mas já era tarde demais. Mergulhou na água,
segurando a respiração em seu caminho para baixo, pensando em Daniel e em
seu último mergulho no lago. Sentiu o frio nas costelas primeiro, um forte
aperto em torno de seus pulmões com o choque de temperatura.
Esperou até que sua descida abrandasse, em seguida, nadou para a
superfície. As ondas derramavam sobre sua cabeça, cuspindo sal em sua boca
e nariz, mas ela segurou o colete apertado.
Estava pesado para nadar com ele, mas se ela encontrar Dawn, quando ela
encontrasse Dawn, ambas iriam precisar dele para se manterem na superfície
enquanto aguardavam o salva-vidas.
Ela poia sentir vagamente o tumulto lá em cima do iate, as pessoas gritando e
correndo ao redor do deck, a chamando. Mas se Luce ia ser de alguma ajuda
para Dawn, teria que ignorá-los.
Luce pensou que tinha visto o ponto preto da cabeça de Dawn na água gelada.
Ela investiu para frente, contra as ondas, em sua direção. Seu pé conectado
com alguma coisa – uma mão? – mas depois foi embora e ela não tinha
certeza se tinha sido mesmo Dawn.
Luce não podia ir para debaixo d’água enquanto tivesse segurando o colete
salva-vidas e ela tinha um mau pressentimento que Dawn estava mais
embaixo. Ela sabia que não devia largar o salva-vidas, mas ela não poderia
salvar Dawn, a menos que ela fizesse isso.
Atirando-o de lado, Luce encheu os pulmões com ar e depois mergulhou fundo,
nadando com força até que o calor da superfície desapareceu e a água se
tornou tão fria que doía.
Não conseguia ver nada, apenas se agarrava em todos os lugares que podia,
esperando chegar a Dawn antes que fosse tarde demais. Foi o cabelo de Dawn
que Luce sentiu primeiro. O choque fine de curtas ondas escuras.
Sondando um pouco abaixo, sentiu o rosto da amiga, depois seu pescoço e
então seu ombro. Dawn tinha afundado muito rápido em um tempo muito curto.
Luce deslizou seus braços sob as axilas de Dawn e depois usou toda a sua
força para puxá-la para cima, chutando poderosamente até a superfície.
Elas estavam muito debaixo d’água, a luz do dia era um brilho distante e Dawn
parecia mais pesada do que ela poderia ser, como se um grande peso
estivesse ligado a ela, arrastando ambas para baixo.
Enfim, Luce rompeu a superfície. Dawn tossiu, cuspindo água para fora da
boca. Seus olhos estavam vermelhos e seu cabelo estava emaranhado na
testa.
Com um braço enrolado no peito de Dawn, Luce delicadamente remou para o
salva-vidas.
- Luce, - Sussurrou Dawn nas ondas agitadas, Luce não podia ouvi-la, mas
podia ler seus lábios. – o que está acontecendo?
- Eu não sei. – Luce sacudiu a cabeça, se esforçando para mantê-las boiando.
- Nadem para o barco salva-vidas! – O convite veio de trás. Mas nadar em
qualquer lugar era impossível. Elas mal conseguiam manter a cabeça em cima
da água.
A tripulação estava abaixando um bote salva-vidas inflável. Steven estava
dentro dele. Assim que o barco encontrou o oceano, ele começou a remar
rapidamente na direção delas. Luce fechou os olhos e deixou um alívio
palpável inundá-la com a próxima onda. Se ela pudesse apenas segurar um
pouco mais, iam ficar bem.
- Peguem a minha mão. – Steven gritou para as meninas, as pernas de Luce
pareciam que estavam nadando por uma hora.
Empurrou Dawn na direção dele de modo que Dawn podia ser a primeira a sair.
Steven tinha tirado as calças e a camisa Oxford branca que estava molhada
agora e grudando no peito. Seus braços musculosos eram enormes quando ele
alcançou Dawn. O rosto vermelho com o esforço, ele resmungou e a puxou.
Quando Dawn foi estendida sobre a amurada, longe o suficiente para que não
caísse na água novamente, Steven voltou e rapidamente tomou conta dos
braços de Luce.
Sentia-se leve, praticamente se elevando para fora da água com sua ajuda. Foi
só quando sentiu seu corpo deslizando o resto do caminho para dentro do
barco que ela percebeu o quanto estava encharcada e congelando. Exceto
onde os dedos de Steven tinham estado. Ali as gotas de água sobre a pele
dela estavam evaporando.
Ela se sentou, movendo-se para ajudar Steven a puxar Dawn tremendo o resto
do caminho até o bote. Exausta, Dawn mal podia se manter ereta.
Luce e Steven tiveram que pegá-la por cada braço e erguê-la. Estava quase
toda dentro do barco, quando sentiu um forte solavanco puxando Dawn de
volta para a água.
Os olhos escuros de Dawn se arregalaram e ela gritou quando escorregou para
trás. Luce não estava preparada: Dawn escorregou do aperto molhado dela e
Luce caiu contra a lateral da balsa.
- Aguenta firme! – Steven pegou em sua cintura bem na hora. Levantou-se,
quase virando o bote.
Quando ele se esforçou para levantar Dawn para fora da água, Luce viu o mais
breve flash de ouro se estendendo desde as costas dele. Suas asas.
A maneira como elas se projetavam instantaneamente, no momento em que
Steven necessitava de mais força, parecia acontecer quase que contra sua
vontade. Elas estavam brilhando, a cor do tipo de joias caras que Luce só tinha
visto por trás de caixas de vidro em lojas de departamento. Elas não eram
como as asas de Daniel. As de Daniel eram quentes e acolhedoras,
maravilhosas e sexys. As de Steven eram frias e intimidantes, irregulares e
aterrorizantes.
Steven grunhiu, os músculos de seus braços esticados, suas asas bateram
apenas uma vez, dando-lhe o impulso suficiente para trazer Dawn para fora da
água. As asas agitavam vento o suficiente para achatar Luce contra o outro
lado da balsa. Assim que Dawn estava segura, os pés de Steven tocaram
novamente o chão do barco. Suas asas deslizaram imediatamente de volta
para sua pele. Elas saíram de dois pequenos rasgos na parte traseira de sua
camisa, a única prova que Luce tinha de que o que ela tinha visto era real. Seu
rosto estava lavado e suas mãos tremendo.
Os três, então, colidiram no interior da balsa. Dawn não tinha percebido nada, e
Luce queria saber se alguém que estava assistindo do barco tinha percebido
também. Steven olhou para Luce como se ela tivesse acabado de vê-lo nu.
Ela queria lhe dizer que tinha sido impressionante ver as suas asas, ela não
tinha conhecido, até então, que mesmo o lado escuro dos anjos caídos poderia
ser tão deslumbrante.
Ela estendeu a mão para Dawn, em parte com a expectativa de ver sangue em
algum lugar em sua pele. Realmente pareceu como se algo a tivesse pegado
pela mandíbula, mas não havia nenhum sinal de ferimento.
- Você está bem? – Luce finalmente sussurrou.
Dawn sacudiu a cabeça, jogando gotículas de água para fora de seu cabelo.
- Eu posso nadar, Luce. Eu sou uma boa nadadora. Alguma coisa tinha me..
Alguma coisa.
- Ainda está lá embaixo. – Steven terminou, pegando o remo e nos levando de
volta para o iate.
- Como parecia? – Luce perguntou. – Um tubarão ou...
Dawn estremeceu.
- Mãos.
- Mãos?
- Luce! – Steven vociferou.
Ela se virou para ele: Ele parecia um ser diferente daquele que ela tinha falado
uns minutos mais cedo no convés. Houve uma dureza em seus olhos que ela
nunca tinha visto antes.
- O que você fez hoje foi – Ele rompeu. Seu rosto molhado parecia selvagem.
Luce prendeu a respiração, esperando por isso. Imprudente. Estúpido.
Perigoso. – muito corajoso. – Ele finalmente disse, as bochechas e a testa
repousavam em sua expressão habitual.
Luce expirou, tendo dificuldade até para encontrar a voz para agradecer. Ela
não podia tirar os olhos das pernas tremendo de Dawn. E as finas marcas
vermelhas que surgiam em torno de seus tornozelos. Marcas que pareciam ter
sido deixadas por dedos.
- Tenho certeza de que as meninas estão com medo. – Disse Steven
calmamente. – Mas não há razão para levantar uma histeria geral em toda a
escola. Deixe-me ter uma conversa com Francesca. Até vocês ouvirem falar de
mim: Nenhuma palavra sobre isso com ninguém. Dawn?
A menina acenou com a cabeça, olhando aterrorizada.
- Luce?
O rosto dela se contorceu. Não tinha certeza sobre como manter este segredo.
Dawn tinha quase morrido.
- Luce. – Steven segurou seu ombro, tirou os óculos quadrados emoldurados e
olhou para os olhos castanhos escuros de Luce com os seus próprios olhos
marrons. À medida que o bote salva-vidas era içado até o deck principal, onde
o resto da escola esperava, sua respiração estava quente em sua orelha. –
Nenhuma palavra. Para ninguém. É para a sua própria proteção.
Capítulo 7 – Doze Dias
- Eu não entendo o porquê de você estar tão estranha. – Shelby disse a Luce
na manhã seguinte. – Você já está aqui, o que, por seis dias? E você é a maior
heroína de Shoreline. Talvez você vá querer viver à altura de sua reputação
depois de tudo.
O céu de domingo de manhã estava salpicado de nuvens Cumulus. Luce e
Shelby estavam caminhando na prainha de Shoreline, compartilhando uma
laranja e uma garrafa térmica de chai. Um vento forte levou o cheiro das velhas
sequoias caídas no chão do bosque. A maré estava alta e áspera, levantando
longas carreiras de algas pretas aglomeradas com águas-vivas e troncos
podres no caminho das meninas.
- Não foi nada. – Resmungou Luce, o que não era exatamente verdade.
Pulando naquela água gelada atrás de Dawn foi certamente alguma coisa, mas
Steven – a gravidade de seu tom de voz e a força de seu aperto no braço dela
– colocou um medo em Luce para que ela nunca falasse do resgate de Dawn.
Olhou para a espuma salgada à esquerda na esteira de uma onda recuando.
Estava tentando não olhar para as águas profundas e escuras – para que ela
não pensasse nas mãos naquelas profundezas geladas.
Para sua própria proteção. Steven devia ter dito no plural. Como que para a
proteção de todos os alunos. Caso contrário, se ele só quisesse dizer à Luce...
- Dawn está bem. – Disse ela. – Isso é tudo que importa.
- Hum, sim, por causa de você, Baywatch. (Seriado americano de salva-vidas)
- Não comece a me chamar de Baywatch.
- Você prefere pensar em si mesma como uma salvadora do tipo pau-pra-todaobra? – Shelby tinha a mais inexpressiva forma de provocação. – Frankie disse
que algum cara misterioso estava espreitando o terreno das últimas duas
noites. Você deve dar a ele...
- O quê? – Luce quase cuspiu seu chai. – Quem é?
- Repito: Um cara misterioso. Eles não o conhecem. – Shelby se sentou em
uma molhada pedra achatada, ignorando sabiamente algumas pedras dentro
do oceano. – Apenas um cara. Ouvi Frankie falando com Kramer sobre isso
ontem no barco, após toda a comoção.
Luce se sentou ao lado de Shelby e começou a cavar a areia à procura de
pedras. Alguém estava espreitando Shoreline. Será que foi Daniel?
Seria exatamente o que ele faria. Tão teimoso em manter sua própria
promessa de não vê-la, mas incapaz de ficar longe. O pensamento a fez sentir
mais saudades dele. Podia se sentir quase à beira das lágrimas, o que era
louco. Quais as chances do cara misterioso não ser Daniel. Poderia ser Cam.
Poderia ser qualquer um. Poderia ser um Exilado.
- Francesca parecia preocupada? – Perguntou à Shelby.
- Você não estaria?
- Espere um minuto. É por isso que você não saiu escondida na noite passada?
Foi a primeira noite que Luce não tinha sido acordada por Shelby entrando pela
janela.
- Não. – Shelby estava atenuada por causa de toda a ioga. Sua próxima pedra
saltou seis vezes em um arco largo, voltando quase todo o caminho de volta
pare elas, como um bumerangue.
- Aonde você vai toda noite, afinal?
Shelby enfiou as mãos nos bolsos de seu colete de esqui vermelho. Estava
olhando para as ondas cinzentas tão intensamente que ficou claro que havia
visto alguma coisa lá fora ou estava evitando a pergunta.
Luce seguiu seu olhar, quase aliviada ao ver nada na água além de ondas
cinza e brancas por todo o caminho até o horizonte.
- Shelby.
- O quê? Eu não vou a lugar nenhum.
Luce começou a se levantar, irritada por Shelby achar que não podia contar
nada a ela. Luce estava batendo a úmida areia das costas de suas pernas
quando a mão de Shelby a puxaram de volta para a pedra.
- Ok, eu costumava ir ver o meu namorado idiota. – Shelby suspirou
pesadamente, lançando uma pedra inabilmente na água, quase golpeando
uma gaivota descendo para pegar um peixe. – Antes de se tornar o meu exnamorado idiota.
- Ah, Shel, sinto muito. – Luce mordeu os lábios. – Eu nem sabia que você
tinha um namorado.
- Eu tive que começar a mantê-lo à distância. Ele estava começando a se
importar demais com o fato de eu ter uma nova companheira de quarto.
Sempre me enchendo o saco para deixá-lo ir lá tarde da noite. Queria conhecer
você. Eu não sei que tipo de garota que ele pensou que eu fosse. Sem ofensa,
mas três é uma multidão no meu livro.
- Quem é ele? – Luce perguntou. – Ele estuda aqui?
- Phillip Aves. Ele é um veterano na escola principal.
Luce acha que não o conhecia.
- Aquele garoto pálido com o cabelo descolorido loiro? – Shelby disse. – Até
parece com aquele albino David Bowie? Não dá para deixar de sentir muita
falta dele. – Sua boca se contorceu. – Infelizmente.
- Por que você não me disse que terminou?
- Eu prefiro baixar músicas do Vampire Weekend para fazer playback quando
você não está por perto. Melhor para os meus chacras. Além disso... –
Apontou o dedo para Luce. – Você é a única que está temperamental e toda
estranha hoje. Daniel está te tratando mal ou algo assim?
Luce se recostou sobre os cotovelos.
- Na verdade, isso exigiria que a gente se visse o que aparentemente não
estamos autorizados a fazer.
Se Luce fechasse os olhos, poderia deixar o som das ondas a levarem de volta
para a primeira noite em que ela beijou Daniel. Nesta vida. Seus corpos úmidos
e enroscados no calçadão em Savannah. A pressão faminta de suas mãos a
puxando para perto. Tudo parecia possível até então. Abriu os olhos. Estava
tão longe de tudo isso agora.
- Então o seu ex-namorado idiota...
- Não. – Shelby fez um movimento de zip com os dedos. – Eu não quero falar
sobre o ex-namorado idiota mais do que eu acho que você não quer falar sobre
Daniel. Próximo.
Isso era justo, mas não era exatamente que Luce não queria falar sobre Daniel.
Era mais como se ela começasse a falar sobre Daniel e não fosse mais capaz
de calar a boca. Ela já soava um disco quebrado em sua própria mente...
Repetindo um total de, oh, quatro experiências físicas que ela teve com ele
nesta vida. (Ela escolheu somente começar a contar uma vez que ela parara
de fingir que ela não existia)
Imagine quão rapidamente ela iria entediar Shelby, que provavelmente tinha
toneladas de namorados, toneladas de experiências. Comparando Luce com
quase ninguém. Um beijo que ela mal conseguia se lembrar em um rapaz que
explodiu em chamas. Um punhado de momentos muito quentes com Daniel.
Isso praticamente resumia tudo. Luce não era, sem dúvida nenhuma, uma
expert quando se tratava de amor.
Novamente sentiu a injustiça de sua situação: Daniel tinha todas essas grandes
memórias dos dois juntos para se lembrar quando as coisas ficassem difíceis.
Ela não tinha nada.
Até que olhou para sua companheira de quarto.
- Shelby?
Shelby estava com seu capuz vermelho sobre a cabeça e estava cutucando
com uma vara a areia molhada.
- Eu já disse que não quero falar sobre ele.
- Eu sei. Estava pensando... Lembra-se de quando você mencionou que sabia
vislumbrar suas vidas passadas?
Isso era o que ela estava prestes a perguntar a Shelby quando Dawn caiu no
mar.
- Eu nunca disse isso. – A vara mergulhou mais fundo na areia. O rosto de
Shelby estava corado e seu grosso cabelo loiro estava encrespando para fora
de seu rabo de cavalo.
- Sim, você disse. – Luce inclinou a cabeça. – Você escreveu isso no meu
papel. Naquele dia que estávamos fazendo o quebra-gelo? Você o tirou das
minhas mãos e disse que você podia falar mais de dezoito línguas e vislumbrar
vidas passadas e qual delas eu queria preencher.
- Eu me lembro do que disse, mas você entendeu mal o que eu quis dizer.
- Ok. – Luce disse lentamente. – Bem...
- Só porque eu vislumbrei uma vida passada antes não significa que eu sei
como fazê-lo e não quer dizer que era a minha.
- Então, não era a sua?
- Claro que não, a reencarnação é para malucos.
Luce franziu a testa e cravou suas mãos na areia molhada, querendo se
enterrar nela.
- Hey, isso foi uma piada. – Shelby cutucou Luce de brincadeira. –
Desenvolvida especialmente para a menina que teve que passar pela
puberdade milhares de vezes. – Ela fez uma careta. – Uma vez já foi suficiente
para mim, obrigada.
Então, Luce era aquela garota. A menina que tinha tido que passar pela
puberdade milhares de vezes. Nunca tinha pensado sobre isso dessa forma
antes. Era quase engraçado. Pelo lado de fora, passar por infindáveis
puberdades parecia que era a pior parte de seu lote, mas era muito mais
complicado que isso. Luce começava a dizer que ela passaria por mais mil
espinhas e variações hormonais se ela pudesse olhar em suas vidas passadas
e entender mais sobre si mesma, mas então olhou para Shelby.
- Se não era a sua, então, a vida passada que você vislumbrou era de quem?
- Por que você está sendo tão intrometida? Droga...
Luce podia sentir a pressão sanguínea dela subir.
- Shelby, meu Deus do céu, quebra meu galho!
- Ok. – Shelby disse finalmente, fazendo um movimento de “relaxa ai” com as
mãos. – Eu estava em uma festa numa noite em Corona. As coisas ficaram
meio loucas, sessões seminuas e tudo mais, e, bem, essa não é a real história.
Então eu me lembro de sair para apanhar um ar. Estava chovendo, difícil ver
para onde estava indo. Virei a esquina em um beco e lá estava esse cara, com
um visual malconservado. Estava inclinado sobre uma esfera na escuridão.
Nunca tinha visto nada assim, em forma de globo, mas brilhando, meio que
flutuando acima de suas mãos. Ele estava chorando.
- O que era?
- Eu não sabia até então, mas agora eu sei que era um Anunciador.
Luce ficou hipnotizada.
- E você viu alguma vida passada que ele estava vislumbrando? Como era?
Shelby encontrou os olhos de Luce e engoliu.
- Era muito horrível, Luce.
- Sinto muito. – Disse Luce. – Eu estava apenas perguntando porque...
Parecia ser grande coisa admitir o que ela estava prestes a admitir. Francesca
iria se opor a isso, mas Luce precisava de respostas e precisava de ajuda. A
ajuda de Shelby.
- Eu preciso vislumbrar algumas das minhas vidas passadas. – Disse Luce. –
Ou eu pelo menos preciso tentar. Tem coisas que estão acontecendo
recentemente que eu deveria simplesmente aceitar porque eu não conheço
melhor – só poderia conhecer melhor, muito melhor, se eu pudesse ver de
onde eu venho. Onde estive. Isso faz algum sentido?
Shelby assentiu.
- Eu preciso saber o que eu tive no passado com Daniel para que eu possa me
sentir mais segura sobre o que eu tenho com ele agora. – Luce respirou. –
Aquele cara, aquele no beco... Você viu o que ele fez com o Anunciador?
Shelby balançou os ombros.
- Ele tipo conduziu ele a uma forma. Eu nem sequer sabia o que era na época
e eu não sei como ele o rastreou. É por isso que a demonstração de Francesca
e Steven me assustou muito. Eu vi o que aconteceu naquela noite e eu tenho
tentando esquecê-la desde então. Não tinha ideia de que o que eu estava
vendo era um Anunciador.
- Se eu pudesse rastrear um Anunciador, você acha que poderia conduzi-lo?
- Sem promessas. – Shelby disse. – Mas eu posso dar o melhor de mim. Você
sabe como encontrá-los?
- Não exatamente, mas quão difícil pode ser? Eles estiveram me assombrando
toda a minha vida.
Shelby pôs sua mão sobre a mão de Luce na rocha.
- Eu quero te ajudar, Luce, mas é estranho. Estou assustada. E se você ver
algo, que, você sabe, que não deveria?
- Quando você terminou com o SAEB...
- Eu pensei que já havia dito que não...
- Apenas ouça: Você não está feliz que você descobriu tudo o que quer que
seja que fez você terminar com ele, mais cedo ou mais tarde? Quero dizer, e
se você ficasse noiva ou algo assim e só depois...
- Blech! – Shelby levantou a mão para parar Luce. – Entendi. Agora vamos lá
nos encontrar com uma sombra.
Luce conduziu Shelby de volta por toda a praia e subiu as escadas íngremes
de pedra onde os traços maltratados de verbenas vermelhas e amarelas tinha
se forçado através do solo de areia molhada. Elas atravessaram a plataforma
de puro verde, tentando não interromper um grupo de alunos não-Nephilim em
um jogo de frisbee. Elas passaram pela janela do quarto do terceiro andar do
dormitório e deram a volta por trás do edifício. Na beira da floresta de sequoias,
Luce apontou para um espaço entre as árvores.
- Foi lá onde eu encontrei um deles da última vez.
Shelby marchou para dentro da floresta à frene de Luce, atropelando as longas
folhas das trepadeiras entre as sequoias e parando em uma gigantesca
samambaia. Estava escuro sob as sequoias e Luce estava feliz pela
companhia de Shelby. Pensou no outro dia, a rapidez com o que o tempo tinha
passado enquanto ela estava perturbando aquela sombra, chegando a lugar
nenhum. De repente se sentia oprimida.
- Se nós podemos encontrar e capturar um Anunciador e se pode até fazer um
vislumbre aparecer, – Disse ela. – você acha que quais são as chances do
locutor ter alguma coisa para mostrar sobre mim e Daniel? E se tivermos mais
outra cena terrível da Bíblia como vimos na sala de aula?
Shelby abanou a cabeça.
- De Daniel eu não sei, mas se pudermos convocar e vislumbrar um
Anunciador, então ele terá a ver com você. Eles deveriam ser especificamente
convocados, já que você não estará sempre interessada no que eles têm a
dizer. Como receber lixo eletrônico misturado com os seus e-mails importantes,
mas ainda assim é dirigido a você.
- Como eles poderiam ser... Especificamente convocados? Isso significaria que
Francesca e Steven estiveram na destruição de Sodoma e Gomorra?
- Bem, sim. Eles estão por aí desde sempre. Há rumores de que seus
currículos são bastante impressionantes.
Shelby olhou estranhamente para Luce.
- Enxerga melhor as coisas. De que outra forma você acha que eles
conseguiram trabalhos em Shoreline? Esta é uma escola muito boa.
Algo escuro e escorregadio se moveu sobre elas: Um pesado manto de um
Anunciador se esticando sonolentamente nas longas sombras do galho de uma
sequoia.
- Ali. – Luce apontou, não perdendo tempo. Virou-se para cima em um galho
baixo que se estendia atrás de Shelby. Luce teve que se equilibrar sobre um pé
e se inclinar para a esquerda apenas para tocar o Anunciador com a ponta dos
dedos. – Eu não posso alcança-lo.
Shelby pegou uma pinha e lançou no centro da sombra onde rolou até cair no
chão.
- Não! – Luce sussurrou. – Você vai o irritar.
- Está me irritando sendo tão tímido. Basta segurar a sua mão.
Fazendo caretas, Luce fez como lhe foi dito. Assistiu a pinha ricochetear no
lado exposto da sombra, então ouviu o suave som de um assobio que
costumava encher os ouvidos dela com pavor. Um lado da sombra estava
deslizando, muito lentamente, para longe do ramo. Ele escapuliu e pousou no
braço estendido e trêmulo de Luce. Ela beliscou as suas bordas com os dedos.
Luce pulou do galho onde estava de pé e se aproximou de Shelby, seu frio
mofo se oferecendo em suas mãos.
- Aqui. – Disse Shelby. – Vou pegar metade e você pega a outra metade, como
vimos na sala de aula. Eca, é molinho.
- Ok. Afrouxa o aperto, ele não vai a lugar nenhum. Deixe-o apenas se
desanimar e tomar forma.
Parecia ter passado um longo tempo antes da sombra fazer absolutamente
nada. Luce sentia como se ela estivesse jogando com o tabuleiro Ouija na
idade que ela era criança. Uma energia inexplicável na ponta de seus dedos. A
sensação de movimento contínuo e ligeiro antes que ela pudesse ver qualquer
diferença na forma do Anunciador.
Em seguida houve uma lufada: Estava contraindo, dobrando lentamente em
sua própria escuridão. Logo, a coisa toda havia assumido o tamanho e a forma
de uma caixa grande. Ele ficou um pouco acima de seus dedos.
- Você vê isso? – Disse Shelby ofegante. Sua voz era quase inaudível sobre o
chiado da sombra. – Olha lá no meio.
Como havia acontecido durante a aula, um véu escuro parecia decolar do
Anunciador, revelando uma chocante explosão de cores. Luce protegeu os
olhos, observando como a luz brilhante parecia resolver voltar para dentro da
tela da sombra em uma imagem nebulosa e fora de foco. Então, finalmente, em
formas distintas e em cores suaves.
Estavam olhando para uma sala de estar. A parte de trás de uma poltrona
reclinável azul com apoio para os pés levantados e o canto inferior raramente
desgastado. Uma televisão velha, com painéis de madeira, transmitindo uma
reprise de Mork & Mindy com o volume desligado. Um gordo terrier de Jack
Russell estava enrolado em uma manta de retalhos redonda.
Luce assistiu a porta de vaivém se abrir ao que parecia ser uma cozinha. Uma
mulher, com idade superior da avó de Luce quando ela morreu, atravessou.
Estava usando um pesado vestido modelado de rosa e branco, tênis branco e
óculos grossos em uma corda em seu pescoço. Estava carregando uma
bandeja de frutas cortadas.
- Quem são essas pessoas? – Luce perguntou em voz alta.
Quando a velha colocou a bandeja sobre a mesa de café, uma mão enrugada
se estendeu em torno da cadeira e selecionou um pedaço de banana.
Luce se inclinou para ver mais claramente e o foco da imagem mudou com ela.
Como um panorama 3D. Não tinha notado o velho sentado na cadeira. Ele era
frágil, com alguns chumaços de cabelos brancos e rugas em toda sua testa.
Sua boca se movia, mas Luce não podia ouvir nada. Uma fileira de fotos
emolduradas forrava a cornija da lareira. O som do vento nas orelhas de Luce
ficou mais alto, tão alto que a fez estremecer.
Sem que ela fizesse nada além de se perguntar sobre as fotos, a imagem do
Anunciador se ampliou. Isso deu a Luce uma sensação de chicotada... E uma
fotografia emoldurada vista bem de perto.
Uma moldura fina banhada à ouro em torno de uma placa de vidro manchada.
No interior, a pequena fotografia que tinha uma fina borda em formato de
concha ao redor de uma imagem preto-e-branco amarelada. Dois rostos na
fotografia: O dela e o de Daniel.
Segurando o fôlego, estudou seu próprio rosto, que parecia um pouco mais
jovem do que era agora.
Cabelos pretos cacheados na altura dos ombros. Uma blusa branca com gola
Peter Pan. Uma saia tipo A-line tocando na altura da panturrilha. Mãos de luvas
brancas, segurando as de Daniel. Ele estava olhando diretamente para ela,
sorrindo.
O Anunciador começou a vibrar, em seguida, tremores e, depois, a imagem
dentro começou a piscar e desaparecer.
- Não. – Luce chamou pronta para se jogar dentro. Seus ombros conectados
com a borda do Anunciador, mas isso o foi o mais longe que chegou. Um toque
de um frio doloroso empurrou suas costas e deixou sua pele se sentindo
úmida. Uma mão apertou ao redor de seu pulso.
- Não tenha ideias selvagens. – Shelby advertiu.
Tarde demais.
A tela ficou preta e o Anunciador caiu de suas mãos no chão da floresta, se
destruindo em pedaços como um vidro preto quebrando. Luce reprimiu um
gemido. Seu peito arfava. Sentia-se como uma parte dela tivesse morrido.
Abaixando-se de quatro, pressionou a testa no chão e rolou para o lado. Estava
frio, mais escuro do que quando tinham começado. O relógio em seu pulso
marcava duas horas, mas era de manhã quando chegaram à floresta.
Olhando para o oeste, em direção a beira da floresta, Luce podia ver a
diferença na luz que atingia o dormitório. Os Anunciadores engoliam o tempo.
Shelby se deitou ao seu lado.
- Você está bem?
- Estou tão confusa. Essas pessoas. – Luce pôs a mão na testa. – Eu não
tenho ideia de que eles são.
Shelby limpou a garganta e parecia desconfortável.
- Você não acha que, hum, talvez você costumava conhecê-los? Como há
muito tempo atrás. Como, talvez eles fossem seus...
Luce esperou que ela terminasse.
- Meus o quê?
- Isso realmente não passou pela sua cabeça que aqueles eram seus pais de
outra vida? Isto é o que eles se parecem hoje em dia?
Luce ficou boquiaberta.
- Não. Espera... Você quer dizer, que eu tive pais totalmente diferentes em
casa uma das minhas vidas passadas? Eu pensei que Harry e Doreen... Eu só
assumi que eles estariam o tempo todo.
De repente ela se lembrou de algo que Daniel havia dito, sobre sua mão
fazendo um péssimo repolho cozido naquela vida passada. Na época não tinha
se preocupado com isso, mas agora fazia um pouco mais de sentido.
Doreen era uma cozinheira maravilhosa. Todo mundo no leste da Geórgia
sabia disso.
O que significava que Shelby devia estar certa. Luce provavelmente tinha uma
nação inteira de famílias passadas que ela nem sequer podia lembrar.
- Eu sou tão estúpida. – Disse ela.
Por que ela não prestou mais atenção à forma como o homem e a mulher
pareciam? Por que ela não sentia a menor conexão com eles? Ela sentiu como
se tivesse vivido toda a sua vida e só agora descobrisse que era adotada.
Quantas vezes ela foi entregue a pais diferentes?
- Isso é... Isso é...
- Totalmente confuso. – Disse Shelby. – Eu sei. Pelo lado positivo você poderia
salvar a si mesma um bocado de dinheiro para terapia se você pudesse olhar
para trás, para todas as suas outras famílias, ver todos os problemas que teve
com centenas de mães antes desta.
Luce escondeu o rosto nas mãos.
- Isto é, se você precisar de terapia de família. – Shelby suspirou. – Desculpe,
mas quem está falando sobre eles mesmos de novo? – Ela levantou a mão
direita, em seguida, colocou-a lentamente para baixo. – Você sabe, Shasta não
é tão longe daqui.
- O que é Shasta?
- O Monte Shasta, na Califórnia. É apenas algumas horas naquela direção. –
Shelby apontou seu polegar em direção ao norte.
- Mas os Anunciadores só mostram o passado. Qual seria o motivo de ir lá
agora? Eles estão provavelmente...
Shelby balançou a cabeça.
- O passado é um termo amplo. Anunciadores mostram o passado distante até
os eventos que acontecem a segundos atrás, e tudo que está no meio. Eu vi
um laptop sobre o canto da mesa, então há uma boa chance... Você sabe...
- Mas nós não sabemos onde eles vivem.
- Talvez você não. Eu vi de perto em um pedaço do e-mail deles e tenho o
endereço. Comprometida com a memória. Shasta Shire Circle, 1291,
apartamento 34. – Shelby encolheu os ombros. – Então, se você quiser ir os
visitar, nós poderíamos, com certeza, dirigir até lá e voltar em um dia.
- Certo. – Luce bufou. Ela queria desesperadamente ir visitá-los, mas
simplesmente não parecia possível. – Em qual carro?
Shelby deu uma risada sinistramente falsa.
- Havia apenas uma coisa que não era idiota em relação ao meu ex-namorado
idiota. – Ela cavou no bolso de sua camisola e puxou um longo molho de
chaves. – E aquela era a sua doce Mercedes, estacionado aqui no
estacionamento dos estudantes. Sorte para você, eu me esqueci de lhe
devolver a chave extra.
Elas se derrubaram na estrada antes que alguém pudesse impedi-las. Luce
encontrou um mapa no porta-luvas e traçou a linha até Shasta com o dedo.
Falou algumas instruções para Shelby, que dirigia como um morcego fora do
inferno, mas a Mercedes marrom quase parecia gostar do abuso.
Luce queria saber como Shelby se mantinha tão calma. Se Luce tivesse
acabado de terminar com Daniel e “pegado emprestado” seu carro para a
tarde, não seria capaz de impedir a si mesma de lembrar viagens que tinham
feito, ou discussões que tiveram enquanto dirigiam para assistir a um filme, ou
o que eles fizeram no banco traseiro com todas as janelas abertas. Certamente
Shelby estava pensando em seu ex.
Luce queria perguntar, mas Shelby tinha sido clara que o assunto estava fora
de questão.
- Você vai mudar seu cabelo? – Luce finalmente perguntou, lembrando o que
Shelby tinha dito sobre se recuperar de términos de namoro. – Eu poderia te
ajudar, se você for.
O rosto Shelby se forçou em uma carranca.
- Aquele ridículo não merece.
Depois de uma longa pausa, acrescentou:
- Mas obrigada.
O percurso durou quase todo o resto da tarde e Shelby aproveitou para se
exercitar, brigando com o rádio, procurando nos canais pelos estranhos mais
loucos que ela podia encontrar.
O ar ficou mais frio, as árvores desbastadas e a elevação da paisagem
aumentou de forma constante o tempo todo. Luce se focou em ficar calma,
imaginando uma centena de cenários sobre o encontro destes pais. Ela tentou
evitar pensar no que Daniel iria dizer se soubesse onde ela estava indo.
- Ali está. – Shelby apontou quando uma enorme montanha com neve
apareceu a vista diretamente na frente da estrada. – A cidade fica bem
naqueles montes. Devemos estar lá logo após o pôr do sol.
Luce não sabia como agradecer Shelby por tê-la arrastado todo o caminho aqui
por um capricho. O que quer que esteja por trás da mudança de atitude de
Shelby, Luce estava grata. Não teria sido capaz de fazer tudo isso sozinha.
A cidade de Shasta era maluca e artística, com um bom número de pessoas
idosas andando calmamente pelas grandes avenidas. Shelby abriu as janelas e
deixou entrar o ar da noite precocemente viva. Isso ajudou a estabilizar o
estômago de Luce que estava se contorcendo com a expectativa de realmente
ter que falar com as pessoas que ela havia visto no Anunciador.
- O que eu devo dizer a eles? Surpresa, eu sou sua filha de volta dos mortos.
Luce praticou em voz alta, enquanto estavam paradas em um semáforo.
- A menos que você queira pirar completamente um doce casal de idade, nós
vamos ter que trabalhar nisso. – Shelby disse. – Por que você não finge que é
uma solicitadora (pessoa que procura negócios ou donativos) só para chegar
na porta e sondá-los?
Luce olhou para a calça jeans, seus tênis surrados e a mochila roxa. Ela não
parecia como uma vendedora impressionante.
- O que eu vendo?
Shelby começou a dirigir novamente.
- Vende lavagens de carro ou algo parecido. Você pode dizer que você tem
recibos em sua mochila. Eu fiz isso uma vez em um verão, de porta em porta.
Quase levei um tiro. – Ela estremeceu, em seguida, olhou para o rosto branco
de Luce. – Vamos, sua própria mão e pai não vão atirar em você. Ah, olha, hey,
aqui estamos nós!
- Shelby, podemos apenas sentar em silêncio por um tempo? Acho que preciso
respirar.
- Desculpe. – Shelby estacionou em um amplo estacionamento de frente para
um composto de pequenos edifícios em estilo bangalô. – Respirar eu consigo.
Passado o nervosismo, Luce teve que admitir que era um lugar muito
agradável. Uma série de bangalôs que ficavam em um semicírculo ao redor de
uma lagoa. Havia um edifício principal com uma fileira de cadeiras de rodas
alinhadas fora das portas. Em uma grande faixa lia-se Bem vindo à
comunidade de aposentados Shasta Shire.
Sua garganta parecia tão seca que doía engolir. Não sabia se ainda tinha
coragem de dizer duas palavras a essas pessoas. Talvez fosse uma daquelas
coisas que você simplesmente não podia pensar muito. Talvez ela precisasse
chegar até lá, bater na aldraba e depois descobrir como agir.
- Apartamento trinca e quatro. – Shelby olhou para um edifício quadrado de
estuque com um telhado de telha de tinta espanhola. – Parece que está lá. Se
você quiser que eu...
Antes que Luce pudesse ficar nervosa, estava fora do carro e correu até a
calçada arejada em direção ao edifício. O ar estava quente e cheio de um
perfume inebriante das rosas. Pessoas idosas agradáveis estavam por toda
parte. Divididas em equipes na quadra de shuffleboard (tipo de jogo pouco
conhecido no Brasil) perto da entrada, tomando um passeio noturno por meio
de um jardim de flores cuidadosamente podadas ao lado da piscina.
Na luz precoce do entardecer, os olhos de Luce se estreitaram para tentar
focalizar o casal em algum lugar da multidão, mas ninguém parecia familiar. Ela
teria que ir direto a casa deles.
Pela trilha que conduzia ao bangalô, Luce podia ver uma luz no meio da janela.
Ela se aproximou até que tivesse uma visão mais clara.
Era estranho: A mesma sala que ela tinha visto mais cedo no Anunciador. Até
mesmo o branco cão gordo dormindo no tapete. Podia ouvir os pratos sendo
lavados na cozinha. Podia ver os tornozelos finos com meias marrom do
homem que tinha sido seu pai, no entanto, há muitos anos atrás.
Ele não aparentava ser seu pai. Não se parecia com seu pai e a mulher não
parecia com a sua mãe. Não era que houvesse algo de errado com eles.
Pareciam perfeitamente legais. Se ela batesse na porta e inventasse algumas
mentiras sobre lavagens de carro, será que eles se tornariam menos
estranhos?
Não, ela decidiu. Mas isso não era tudo. Mesmo que ela não reconhecesse
seus pais, se eles realmente fossem seus pais, é claro que a reconheceriam.
Sentia- se estúpida por não ter pensado nisso antes. Elas a olhariam e
saberiam que eram a filha deles. Seus pais eram muito mais velhos do que a
maioria das outras pessoas que tinha visto lá fora. O choque disso podia ser
demais para eles. Foi demais para Luce, e este casal tinha certa de setenta
anos a mais que ela.
Até então, estava pressionada contra a janela da sala deles, agachada atrás de
um espinhoso cacto Artemísia. Seus dedos estavam sujos por pressionar o
batente da janela. Se sua filha tivesse morrido quando ela tinha dezessete
anos, eles deveriam estar de luto por quase cinquenta anos. Eles estariam em
paz com isso agora. Não estariam?
Luce aparecendo sem ser convidada por detrás de um cacto seria a última
coisa que eles precisavam.
Shelby ficaria desapontada. Luce por si só estava decepcionada. Doía
perceber que esse era o mais perto que chegaria deles.
Pendurada no lado de fora da janela da casa seus ex-pais, ela sentiu as
lágrimas rolarem em seu rosto. Ela nem sequer sabia o nome deles.
Capítulo 8 – Onze Dias
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Segunda-feira, 15/11 às 09:49
Assunto: Aguentando firme.
Queridos mamãe e papai,
Desculpe-me, eu estive fora de contato. As coisas na escola têm me ocupado
bastante, mas estou tendo um monte de boas experiências.
Minha aula favorita nestes dias é de Humanidades. Agora estou trabalhando
em uma tarefa de crédito-extra que ocupa muito o meu tempo. Sinto falta de
vocês e espero vê-los em breve.
Obrigada por serem pais tão bons. Não acho que eu digo isso a vocês o
suficiente.
Com amor, Luce.
Luce clicou no botão de Enviar em seu laptop e rapidamente mudou o seu
navegador de volta para a apresentação online que Francesca estava dando
na frente da sala. Luce ainda estava se acostumando a estar em uma escola
onde foram entregues computadores com internet sem fio bem no meio da
aula.
Sword & Cross tinha um total de sete computadores para alunos que ficavam
na biblioteca. Mesmo se você conseguisse pôr suas mãos na senha
criptografada para acessar a Web, todos os sites eram bloqueados, exceto por
umas poucas pesquisas acadêmicas.
O e-mail para seus pais tinha sido motivado por culpa. Na noite anterior, teve a
estranha sensação de que ao dirigir até a Comunidade de Aposentados em
Monte Shasta, estava traindo seus pais verdadeiros, aquelas que a criaram
nesta vida. Claro que, em algum momento, esses outros pais tinham sido
verdadeiros também, mas isso ainda era um pensamento muito estranho para
Luce absorver bem.
Shelby não tinha ficado um décimo chateada pelo fato de ter conduzido Luce
todo o caminho até lá por nenhuma razão. Ao invés disso, apenas ligou a
Mercedes e dirigiu até o In-N-Out Burger mais próximo para que pudessem
obter uns sanduíches de queijo grelhado com molho especial.
- Não pense duas vezes. – Disse Shelby, limpando a boca com um
guardanapo. – Você sabe quantos ataques de pânico minha família neurótica
me deu? Acredite, eu sou a última pessoa que iria julgá-la por isso.
Agora Luce olhou através da sala de aula para Shelby e sentiu uma intensa
gratidão pela menina que, uma semana antes, a aterrorizava. Os cabelos loiros
e grossos de Shelby estavam puxados para trás por uma bandana de tecido
terry e estava tomando notas atentas da palestra de Francesca.
Cada tela que Luce podia ver em sua visão periférica estava fixa na
apresentação azul e ouro do PowerPoint que Francesca estava passando
completamente num passo de caracol. Até mesmo a tela de Dawn.
Ela parecia especialmente espirituosa hoje em um vestido rosa forte e um rabo
de cavalo. Será possível que ela já tivesse se recuperado do que havia
acontecido no barco? Ou estava encobrindo o terror que deve ter sentido, e
talvez ainda sentia?
Olhando mais para o monitor de Roland, Luce amassou seu rosto. Não era
surpresa para ela que ele tivesse ficado invisível desde que chegou a
Shoreline, mas quando apareceu na sala de aula, estava realmente chateada
por ver seu colega da antiga escola seguindo as regras.
Pelo menos Roland não parecia especialmente interessado na palestra sobre
Oportunidades de Carreira para Nephilim: Como suas habilidades especiais
podem lhe dar asas. Na verdade, o olhar no rosto de Roland estava mais
desapontado do que qualquer outra coisas. Sua boca formava uma careta e ele
continuava balançando levemente sua cabeça. Também estranho era o fato de
que cada vez que Francesca fazia contato visual com os alunos, ela
claramente pulava Roland.
Luce abriu o bate-papo da sala de aula para ver se Roland estava conectado.
Era para ser uma ferramenta para a classe soltar perguntas uns aos outros,
mas as perguntas que Luce tinha para Roland não eram para discutir em
classe. Ele sabia de alguma coisa, alguma coisa a mais do que deixou
transparecer no outro dia. Certamente tinha a ver com Daniel. Também queria
lhe perguntar onde tinha ido no sábado e se ele tinha ouvido falar do voo que
Dawn tinha feito no mar.
Só Roland não estava online. A única pessoa na sala que estava conectada ao
chat era Miles. Uma janela de texto com o nome dele apareceu em sua tela:
Oiiiii ai!
Ele estava ao seu lado. Luce podia até ouvi-lo rindo. Era bonito ele dispensar
suas próprias piadas bobas. Isso era exatamente o tipo de harmonia pateta e
provocativa que ela adoraria ter com Daniel. Se ele não estivesse tão pensativo
o tempo todo. Se ele estivesse realmente por perto. Mas não estava. Ela
escreveu de volta:
Como está o tempo ai na sua área?
Ficou ensolarado agora. – ele digitou, ainda sorrindo. – Ei, o que você fez na
noite passada? Eu dei uma passada pelo seu quarto para ver se você queria
pegar o jantar.
Ela levantou os olhos do computador, direto para Miles. Seus profundos olhos
azuis eram tão sinceros que ela teve uma vontade de botar tudo para fora
sobre tudo o que tinha acontecido. Ele tinha sido tão maravilhoso no outro dia a
escutando falar sobre sua época na em Sword & Cross. Mas não havia
maneira de responder sua pergunta via bate-papo. Por mais que ela quisesse
dizer a ele, não sabia se ela deveria falar sobre isso. Mesmo incluindo Shelby
em seu projeto secreto, era praticamente implorar por problemas com Steven e
Francesca. A expressão de Miles mudou de um sorriso casualmente normal
para uma careta estranha. Fez Luce se sentir terrível, e também um pouco
surpresa por poder provocar esse tipo de reação nele.
Francesca desligou o projetor. Quando cruzou os braços sobre o peito, as
mangas de seda cor de rosa da blusa camponesa floresceram para fora de sua
jaqueta de couro. Pela primeira vez, Luce notou o quão longe Steven estava.
Ele estava sentando no parapeito da janela no canto oeste da sala. Mal tinha
dito uma palavra na sala de aula o dia todo.
- Vamos ver o quão bem vocês prestaram atenção. – Disse Francesca,
sorrindo largamente para os alunos. – Por que vocês não se dividem em pares
e se revezam imitando entrevistas?
Ao som de todos os outros alunos se levantando de suas carteiras, Luce
gemeu internamente. Ela tinha ouvido quase nada da palestra de Francesca e
não tinha ideia do que a tarefa tratava. Além disso, sabia que era
temporariamente apenas uma intrusa no programa Nephilim, mas será que era
demais pedir a seus professores para se lembrarem de vez em quando que ela
não era como o resto das crianças na classe?
Miles tocou na tela de seu computador onde ele tinha mandado a mensagem
para ela:
Você quer ser a minha parceira?
Só então Shelby apareceu.
- Eu digo para fazermos a CIA ou os Médicos Sem Fronteiras. – Shelby disse.
Ela fez sinal para que Miles entregasse a mesa ao lado de Luce para ela. Miles
ficou onde estava. – Não tem como eu estar requerendo ficticiamente alguma
estúpida posição de assistente de dentista.
Luce olhou para trás e para frente, entre Shelby e Miles. Ambos pareciam se
sentir proprietários dela, algo que não tinha percebido até agora. Na verdade,
ela queria fazer parceria com Miles. Não o via desde sábado. Ela meio que
estava sentindo falta dele. De uma maneira amigável. Mais do jeito vamos
trocar uma ideia tomando um café do que do jeito vamos passear na praia
durante o pôr do sol e você pode sorrir para mim com seus incríveis olhos
azuis. Porque ela estava com Daniel, não pensava em outros garotos.
Definitivamente começou a corar intensamente no meio da aula enquanto
lembrava a si mesma que ela não pensava em outros garotos.
- Está tudo bem por aqui? – Steven pôs a mão bronzeada na mesa de Luce e
lhe deu uma acenada com a cabeça com seus olhos castanhos no jeito você
pode me dizer.
Luce ainda estava nervosa perto dele depois do que tinha dito para ela e Dawn
no bote salva-vidas no outro dia. Nervosa o suficiente para evitar tocar no
assunto com Dawn.
- Tudo está ótimo. – Respondeu Shelby. Pegou Luce pelo cotovelo e a puxou
até o deck, onde avistou alguns dos outros estudantes que já estavam em
pares realizando suas entrevistas de imitação. – Luce e eu estávamos falando
sobre currículos.
Francesca apareceu atrás de Steven.
- Miles. – Ela disse suavemente. – Jasmine ainda precisa de um parceiro, se
você quisesse se sentar perto dela.
Algumas mesas a frente, Jasmine disse:
- Eu e Dawn não conseguimos concordar sobre quem deve interpretar a estrela
novata e quem devia interpretar – A voz dela caiu uma oitava – o diretor de
elenco. Então ela me abandonou para se juntar a Roland.
Miles parecia desapontado.
- Diretor de elenco. – Murmurou. – Finalmente encontrei minha vocação. – Ele
saiu para se juntar a sua parceira e Luce o assistiu ir embora.
Com a situação dissipada, Francesca dirigiu Steven de volta para frente da
sala, mas mesmo ele caminhando ao lado de Francesca, Luce podia senti-lo a
olhando. Ela sutilmente verificou seu telefone. Callie ainda não tinha mandado
nenhuma mensagem de volta, isso não era como ela era e Luce se culpava.
Talvez fosse melhor para ambas se Luce apenas mantivesse distância. Era só
por pouco tempo.
Seguiu Shelby até um banco de madeira construído na curva do deck. O sol
estava brilhante no céu claro, mas a única parte do deck que não estava lotada
de estudantes era sob a sombra fresca de uma alta sequoia.
Luce retirou uma camada de capim do banco e fechou seu suéter até seu
pescoço.
- Você foi muito legal com tudo na noite passada. – Disse em voz baixa. – Eu
estava enlouquecendo.
- Eu sei. – Riu Shelby. – Você estava toda... – Fez uma cara de zumbi
tremendo.
- Dá um tempo. Era difícil. Minha única chance de aprender alguma coisa sobre
meu passado e eu empaquei completamente.
- Vocês sulistas e sua culpa. – Shelby deu de ombros. – Você tem que ficar
mais tranquila. Tenho certeza que existem muito mais pais de onde esses dois
velhotes vieram. Talvez até mesmo alguns que não estejam tão perto da morte.
– Antes que o rosto de Luce pudesse desmoronar, acrescentou Shelby:
- Tudo que estou dizendo é que, se você se sentir vontade de rastrear outro
membro da família, apenas diga. Você está subindo na minha estima Luce, é
meio estranho.
- Shelby. – Sussurrou Luce, de repente, com os dentes cerrados. – Não se
mexa.
Além do deck, o maior e mais sinistro Anunciador que Luce já tinha visto estava
ondulando na longa sombra projetada por uma sequoia enorme. Lentamente,
seguindo os olhos de Luce, Shelby olhou para o chão. O Anunciador estava
usando a sombra real da árvore como camuflagem. Partes dele continuavam
se mexendo.
- Parece doente, ou com medo, ou, não sei. – Shelby parou, torcendo os lábios.
– Há algo de errado com ele, certo?
Luce estava olhando através de Shelby, passando pela escada em caracol até
o nível do chão do chalé. Abaixo deles tinham vários suportes de madeira sem
pintura que apoiavam o convés. Se Luce pudesse agarrar a sombra, Shelby
poderia se juntar a ela sob a plataforma antes que alguém visse alguma coisa.
Poderia ajudar Luce a vislumbras sua mensagem e poderiam subir de volta a
tempo de voltar para a classe.
- Você não está considerando seriamente o que eu acho que você está
considerando seriamente. – Disse Shelby. – Está?
- Fica de olho aqui por um minuto. – Disse Luce. – Esteja pronta quando eu
chamar.
Luce desceu alguns passos, de modo que sua cabeça estivesse só ao nível do
pavimento, onde o resto dos alunos estava ocupado no exercício das suas
entrevistas. Shelby estava de costas para Luce. Daria um sinal caso alguém
notasse que Luce tinha sumido. Luce podia ouvir Dawn no canto, improvisando
com Roland:
- Você sabe, eu fiquei chocada quando eu fui nomeada para um Globo de
Ouro...
Luce olhou para a escuridão esticada ao longo da grama. Pensou em perguntar
se os outros alunos tinham visto algo, mas não podia se preocupar com isso.
Estava perdendo tempo.
O Anunciador estava a uns bons dez metros de distância, mas de onde estava
perto da plataforma, estava protegida dos olhos dos outros alunos. Seria óbvio
demais se ela caminhasse até ele. Estava indo tentar persuadi-lo a sair do
chão e ir até ela sem usar as mãos. E não tinha ideia de como fazer isso.
Foi quando ela percebeu a figura encostada no outro lado da sequoia. Também
escondido da visão dos alunos no convés.
Cam estava fumando um cigarro, cantarolando para si mesmo como se não
tivesse cuidado no mundo. Exceto que ele estava totalmente coberto de
sangue seco. Seu cabelo estava emaranhado à testa, os braços estavam
arranhados e machucados. Sua camiseta estava molhada e manchada de suor
e seus jeans também estavam manchados. Ele parecia sujo e nojento, como se
tivesse acabado de sair da batalha. Só não havia ninguém mais ao redor, sem
corpo, sem nada.
Apenas Cam.
Ele piscou para ela.
- O que você está fazendo aqui? – Ela sussurrou. – O que você fez? – Sua
cabeça nadando pelo cheiro desagradável saindo de suas roupas
ensanguentadas.
- Ah, só salvei sua vida. Mais uma vez. Quantas vezes essa vez faz? – Ele
bateu as cinzas do cigarro. – Hoje foi o grupo de Miss Sophia e não posso dizer
que não gostei. Monstros sangrentos. Estão atrás de você também, você sabe.
Foi espalhada a notícia de que você está aqui. E que você gosta de passear no
escuro, desacompanhada pela floresta. – Ele apontou.
- Você os matou? – Ela ficou horrorizada, olhando para o convés para ver se
Shelby ou alguém podia vê-los. Não.
- Alguns deles, sim, só agora, com minhas próprias mãos. – Cam mostrou as
palmas das mãos cobertas com algo vermelho e viscoso que Luce realmente
não queria ver. – Eu concordo que os bosques são adoráveis, Luce, mas
também estão cheios de coisas que querem que você morra. Então me faça
um favor.
- Não. Você não me convence me pedindo favores. Tudo sobre você me enjoa.
- Tudo bem. – Revirou os olhos. – Então faça isso por Grigori. Mantenha-se no
campus. – Ele acendeu o cigarro na grama, jogou seus ombros para trás e
desfraldou suas asas. – Eu não posso estar sempre aqui para te vigiar. E Deus
sabe que Grigori não pode.
As asas de Cam eram altas, estreitas e puxadas firmemente para trás de seus
ombros, elegantes e douradas, salpicadas com listras pretas. Desejava que
elas a dessem repulsa, mas não a davam. Como as asas de Steven, as de
Cam eram irregulares, ásperas que também pareciam que elas sobreviveram a
uma vida de lutas. As listras pretas davam às asas de Cam uma qualidade
escura e sensual. Havia algo magnético sobre elas. Mas não. Odiava tudo
sobre Cam. Ela o odiaria para sempre.
Cam bateu suas asas uma vez, levantando os pés do chão. O bater das asas
foi tremendamente espalhafatoso e chutou para trás um redemoinho de vento
que levantou as folhas do chão.
- Obrigada. – Disse Luce, secamente, antes que ele caísse sob o convés.
Então ele foi embora na sombra da floresta.
Cam estava a protegendo agora? Onde estava Daniel? Não era para Shoreline
ser segura? Sob a vigia de Cam, o Anunciador – a razão pela qual Luce tinha
vindo aqui em primeiro lugar – espiralou de sua sombra, como um pequeno
ciclone negro. Mais perto. Em seguida, mais perto ainda.
Finalmente, a sombra se lançou no ar um pouco acima de sua cabeça.
- Shelby. – Luce sussurrou em voz alta. – Desça aqui.
Shelby olhou para Luce. Para o Anunciador em forma de ciclone oscilando
sobre ela.
- O que você fez para demorar tanto? – Perguntou ela, correndo as escadas a
tempo de assistir ao massivo Anunciador tombar. Direto para os braços de
Luce.
Luce gritou, mas, felizmente, Shelby botou a mão sobre sua boca.
- Obrigada. – Disse Luce, suas palavras abafadas contra os dedos de Shelby.
As meninas ainda estavam amontoadas três degraus abaixo do convés, à vista
de qualquer pessoa que possa atravessar para o lado sombrio. Luce não podia
endireitar os joelhos sob o peso da sombra. Era o mais pesado que ela já havia
tocado, e mais frio em sua pele. Ele não era negro como a maioria dos outros,
mas um cinza esverdeado doentio. Partes dele ainda estavam se contraindo,
iluminando como um relâmpago distante.
- Eu não tenho um bom pressentimento sobre isso. – Disse Shelby.
- Vamos. – Sussurrou Luce. – Convoque-o. agora é sua vez de fazer o
vislumbre.
- Minha vez? Quem falou sobre eu ter uma vez? Você que me arrastou até
aqui. – Shelby agitou as mãos como se a última coisa na terra que ela queria
fazer era tocar a besta nos braços de Luce. – Eu sei que eu disse que iria te
ajudar a localizar seus parentes, mas qualquer tipo de pais que tiver ai dentro...
Eu não acho que nenhuma de nós quer conhecer.
- Shelby, por favor. – Implorou Luce, gemendo sob o peso, o frio e a sordidez
da sombra. – Eu não sou um Nephilim. Se você não me ajudar, não posso
fazer isso.
- O que exatamente vocês estão tentando fazer? – Uma voz por trás no topo
das escadas disse.
Steven tinha suas mãos apertadas contra o corrimão e ficou olhando para as
meninas. Parecia maior do que era na classe, se elevando sobre elas como se
tivesse dobrado de tamanho. Seus profundos olhos castanhos olhavam
tempestuosos, mas Luce podia sentir o calor saindo deles, e estava com medo.
Até mesmo o Anunciador em seus braços estremeceu e se afastou. Ambas as
meninas estavam tão assustadas que gritaram.
Tremendo pelo som, a sombra fugiu dos braços de Luce. Ela se moveu tão
rapidamente que não teve nenhuma chance de pará-la e não deixou nada para
trás além de um frio odor fétido.
Ao longe, um sino tocou.
Luce podia sentir todos os outros garotos se agrupando em direção ao
refeitório para o almoço. Na saída, Miles enfiou a cabeça sobre o parapeito e
olhou para baixo, para Luce, mas deu uma olhada na expressão em brasa de
Steven, arregalou os olhos e se mandou.
- Luce. – Disse Steven, mas educadamente do que ela esperava. – Você se
importaria de me ver depois da aula?
Quando ele ergueu as mãos saindo da grade, a madeira debaixo delas estava
preta, queimada.
Steven abriu a porta antes que Luce mesma batesse. Sua camisa cinza estava
um pouco enrugada e sua gravata de malha preta estava frouxa no pescoço.
Mas ele tinha recuperado a aparência de serenidade, o que Luce começou a
perceber que tinha sido um esforço para um demônio. Ele limpou os óculos em
um lenço com um monograma e se afastou.
- Por favor, entre.
O escritório não era grande, apenas largo o suficiente para uma mesa grande e
preta, apenas longo o suficiente para três altas e negras estantes de livros,
cama uma repleta com centenas de livros em bom estado. Porém era
confortável e até mesmo acolhedora – não como Luce tinha imaginado que um
escritório de um demônio seria.
Tinha um tapete persa no centro da sala, uma ampla janela de vista para o
leste nas sequoias. Agora, ao anoitecer, a floresta tinha uma cor etérea, quase
lavanda.
Steven se sentou em uma das duas cadeiras da mesa marrom e acenou para
Luce se sentar na outra. Ela examinou as peças de arte emolduradas, cortadas
a serra em casa centímetro extra da parede. A maioria delas eram retratos em
diferentes graus de detalhe. Luce reconheceu alguns esboços do próprio
Steven e várias pinturas lisonjeiras de Francesca.
Luce respirou fundo, imaginando como começar.
- Sinto muito ter convocado o Anunciador hoje, eu...
- Você contou para alguém sobre o que aconteceu com Dawn na água?
- Não. Você me disse para não contar.
- Você não disse à Shelby? Miles?
- Eu não disse à ninguém.
Ele considerou isso por um momento.
- Por que você chamou os Anunciadores de Sombras no outro dia quando
estávamos conversando no barco?
- Apenas saiu sem pensar. Quando eu estava crescendo, sempre fizeram parte
das sombras. Destacavam-se e vinham até mim. Então é isso que eu os
chamava antes que eu soubesse o que eles eram. – Luce encolheu os ombros.
– Estúpido, de verdade.
- Não é estúpido. – Steven se levantou e foi até a estante mais distante. Pegou
um livro grosso com uma capa vermelha e empoeirada e levou de volta para a
mesa. A República de Platão. Steven abriu na página exata que estava
procurando, virando o livro para a frente de Luce.
Ela uma ilustração de um grupo de homens dentro de uma caverna,
acorrentados um ao lado do outro, de frente para uma parede. O fogo ardia por
trás deles. Estavam apontando para as sombras na parede por um segundo
grupo de homens que caminhavam atrás deles. Abaixo da imagem, uma
legenda dizia: A Alegoria da Caverna.
- O que é isso? – Luce perguntou. Seu conhecimento de Platão começou e
terminou com o fato de que ele passava tempo com Sócrates.
- A prova do porquê o seu nome para os Anunciadores é realmente muito
inteligente. – Steven apontou para a ilustração. – Imagine que esses homens
passaram a vida vendo apenas as sombras na parede. Passaram a
compreender o mundo e o que acontece nele através dessas sombras, sem
nunca ver o que as criava. Não entendem que o que estão vendo são as
sombras.
Ela olhou um pouco além do dedo de Steven para o segundo grupo de
homens.
- Então eles não podem se virar, nunca ver as pessoas e as coisas criando as
sombras?
- Exatamente. E porque eles não podem ver o que realmente está criando as
sombras, assumem o que podem ver – essas sombras na parede – é a
realidade. Não têm ideia de que as sombras são meras representações e as
distorções de algo muito mais verdadeiro e mais real. – Fez uma pausa. – Você
entende o porquê de eu estar lhe dizendo isso?
Luce balançou a cabeça.
- Você quer que eu pare de mexer com os Anunciadores?
Steven fechou o livro com um estalo e depois atravessou para o outro lado da
sala. Ela se sentiu como se tivesse o decepcionado de alguma forma.
- Porque eu não acredito que você vá parar... De mexer com os Anunciadores,
mesmo se eu te pedir, mas eu quero que você entenda com o que você está
lidando na próxima vez que convocar um. Os Anunciadores são sombras do
passado. Podem ser úteis, mas também contém algumas distorções confusas
e até mesmo perigosas. Há muito para aprender. Uma limpa técnica segura de
convocação: Então, naturalmente, uma vez que você aperfeiçoou seu talento, o
ruído do Anunciador pode ser rastreado e sua mensagem ser ouvida
claramente.
- Você quer dizer aquele assobio? Há um jeito de ouvir através daquilo?
- Não se preocupe. Ainda não. – Steven se virou e afundou as mãos nos
bolsos. – O que você e Shelby estavam procurando hoje?
Luce se sentiu corada e incomodada. Esta reunião não estava sendo do jeito
que esperava. Pensou em talvez uma detenção, alguma coleta de lixo.
- Nós estávamos tentando aprender mais sobre a minha família – Finalmente
conseguira botar para fora. Felizmente, Steven parecia não ter ideia de que ela
tinha visto Cam mais cedo. – Ou minhas famílias, acho que deveria dizer
assim...
- Isso é tudo?
- Estou em apuros?
- Você não estava fazendo qualquer outra coisa?
- O que mais eu poderia estar fazendo?
Passou por sua mente que Steven podia pensar que ela estava querendo
encontrar Daniel, tentando mandar a ela uma mensagem ou algo assim. Como
se soubesse mesmo como fazer isso.
- Invoque um agora. – Disse Steven, abrindo a janela. Já tinha passado o
crepúsculo e o estômago de Luce dizia a ela que a maioria dos outros alunos
estavam antes, quase animados. – Quando convocamos Anunciadores,
estamos fazendo uma espécie de desejo. Não é um desejo de algo material,
mas um desejo de compreender melhor o mundo, o nosso papel nele e o que
nos tornar.
Imediatamente, Luce pensou em Daniel, o que ela mais queria para seu
relacionamento. Sentiu ter um grande papel no que se tratava em se tornar um
deles e ela queria ter. será que foi por isso que foi capaz de convocar os
Anunciadores antes de ela mesmo saber como?
Nervosa, se centrou na cadeira. Fechou os olhos. Imaginou uma sombra se
destacando na longa escuridão que se estendia desde os troncos das árvores
lá fora, imaginava se materializando e se levantando, preenchendo o espaço
da janela aberta. Então, flutuando mais perto dela.
Sentiu o cheiro do suave odor de bolor primeiro, quase como azeitonas pretas,
em seguida, abriu os olhos com o toque frio em sua bochecha. A temperatura
na sala tinha caído alguns graus.
Steven esfregou as mãos de repente no úmido escritório ventoso.
- Sim, é isso ai. – Ele murmurou.
O Anunciador estava flutuando no ar de seu escritório, fino e transparente, do
tamanho de um lenço de seda. Ele deslizou diretamente para Luce, então
envolveu um cacho felpudo de nada em torno de um peso de papel feito de
vidro sobre a mesa. Luce estava ofegante. Steven estava sorrindo quando deu
um passo a frente em sua direção, o guiando verticalmente até que se tornou
uma tela preta.
Em seguida, ele estava nas mãos dela, que começou a puxar. O cuidadoso
movimento parecia como tentar esticar uma crosta de torta sem quebrá-la, algo
que Luce tinha visto sua mãe fazer pelo menos uma centena de vezes.
A escuridão rodando em tons de cinza suaves e, depois, a menor imagem em
preto e brando veio à tona.
Um quarto escuro com uma cama de solteiro. Luce, uma ex-Luce, claramente,
deitada de lado, olhando pela janela aberta. Devia ter 16 anos de idade. A
porta atrás da cama estava aberta e um rosto iluminado, pela luz do corredor,
apareceu na mesma. A mãe.
A mãe que Luce tinha ido ver com Shelby! Mas jovem, muito jovem, talvez uns
cinquenta anos, com os óculos na ponta do nariz. Ela sorriu, como se satisfeita
de encontrar a filha dormindo, em seguida, fechou a porta.
Um momento depois, um par de mãos agarrava o vidro da janela. Os olhos de
Luce se arregalaram como os da ex-Luce sentada na cama. Fora da janela, os
dedos se esticaram, depois um par de mãos se tornou visível, em seguida, dois
braços fortes, se levantaram azuis sob a luz da lua. Então o rosto de Daniel,
brilhante, quando entrou pela janela. O coração de Luce estava acelerado.
Queria mergulhar no Anunciador, como queria ontem com Shelby.
Mas então Steven estalou os dedos e a coisa toda se fechou como uma
veneziana enrolando até o topo da janela. Em seguida, o Anunciador se
quebrou e derramou pelo chão. A sombra estava em fragmentos moles sobre a
mesa. Luce pegou um, mas se desintegrou em suas mãos.
Steven se sentou atrás de sua escrivaninha, sondando Luce com os olhos
como se para ver o que o vislumbre tinha feito com ela. De repente, pareceu
muito particular, o que ela acabara de testemunhar no Anunciador: Não sabia
se ela queria que Steven soubesse o quão forte a tinha balançado. Afinal, ele
pertencia tecnicamente ao outro lado.
Nos últimos dias ela tinha visto mais e mais o demônio dentro dele. Não
apenas o temperamento explosivo, nascendo até que ele perdesse as
estribeiras, mas também as gloriosas asas negras e douradas. Steven era
magnético e encantador, assim como Cam era – e, ela lembrou a si mesma,
como Cam também era um demônio.
- Por que você está me ajudando com isso?
- Porque eu não quero que você se machuque. – Steven praticamente
sussurrou.
- Será que isso realmente aconteceu?
Steven olhou para longe.
- É uma representação de algo. E quem sabe o quão distorcida é. É uma
sombra de um evento passado, não realidade. Há sempre alguma verdade
para o Anunciador, mas nunca é a simples verdade. É isso que os torna tão
problemáticos e tão perigosos para aqueles sem treinamento apropriado. – Ele
olhou para o relógio. De baixo veio o som da porta se abrindo e fechando no
chão. Steven endureceu quando ouviu uns rápidos saltos altos subindo as
escadas.
Francesca.
Luce tentou ler o rosto de Steven. Ela entregou a ela A República, que deslizou
em sua mochila. Pouco antes do belo rosto de Francesca aparecer na porta,
Steven disse para Luce:
- Da próxima vez que Shelby e você optarem por não concluir uma de suas
atribuições, vou lhe pedir para escrever um trabalho de pesquisa de cinco
páginas com citações. Desta vez, eu a deixo ir apenas com uma advertência.
- Eu entendo. – Luce chamou a atenção de Francesca na porta.
Ela sorriu para Luce – embora pudesse se tratar de um sorriso de dispensar,
estilo pode ir ou um sorriso não pense que pode me enganar, criança, era
impossível dizer.
Tremendo um pouco quando se levantou e arremessou sua bolsa por cima do
ombro, Luce foi em direção a porta, falando de volta para Steven:
- Obrigada.
Shelby tinha o fogo aceso na lareira quando Luce voltou para seu dormitório. A
panela estava ligada ao lado da luz noturna de Buda e toda a sala cheirava a
tomates.
- Nós estamos sem macarrão com queijo, mas eu lhe fiz uma sopa. – Shelby
distribuiu uma tigela bem quente, rachou um pouco de pimenta preta fresca na
parte superior e a trouxe para Luce, que havia desmoronado em cima de sua
cama. – Foi terrível?
Luce assistiu a ascensão do vapor de sua tigela e tentou descobrir o que dizer.
Esquisito, sim. Confuso. Um pouco assustador. Potencialmente... Capacitante.
Mas não tinha sido terrível, não.
- Foi tudo bem.
Steven parecia confiar nela, pelo menos na medida em que ela a estava
permitindo continuar a convocação dos Anunciadores. E os outros alunos
pareciam confiar nele, até mesmo admirá-lo. Ninguém parecia preocupado com
seus motivos ou suas alianças, mas com Luce, ele era tão enigmático, tão
difícil de ler.
Luce havia confiado nas pessoas erradas antes. Uma perseguição descuidada
na melhor das hipóteses. Na pior das hipóteses, é a melhor maneira de se
querer a morta. Era o que a Miss Sophia havia dito sobre a confiança na noite
em que ela tentou assassinar Luce.
Foi Daniel quem tinha aconselhado Luce a confiar em seus instintos, mas seus
próprios sentimentos pareciam incertos. Ela se questionou se Daniel já sabia
sobre Shoreline quando ele a disse que, se seu conselho foi uma forma de
prepará-la para esta longa separação, quando ela se tornaria menos e menos
certa sobre tudo na vida. Sua família. Seu passado. Seu futuro.
Olhou para Shelby.
- Obrigada pela sopa.
- Não deixe que Steven frustre seus planos. – Shelby bufou. – Devemos
continuar a trabalhar nos Anunciadores. Eu estou tão cansada desses anjos e
demônios e em sua sede de poder. “Oh, nós sabemos melhor do que vocês
porque sabemos de tudo de anjos e você é apenas o filho bastardo de algum
anjo que se satisfez sexualmente”.
Luce riu, mas estava pensando que a mini-palestra de Steven sobre Platão e
ele entregando A República hoje era o oposto de ter sede de poder. É claro
não contaria nada a Shelby agora, quando deixou cair essa habitual rotina de
eu estou contra Shoreline na cama de baixo de Luce.
- Quer dizer, eu sei que você tem o que quer que esteja acontecendo com
Daniel. – Shelby continuou. – Mas a sério, o que de bom um anjo já fez por
mim? – Luce se encolheu, desculpando-se. – Eu vou te dizer: Nada. Nada
além de engravidar minha mãe e então nos dispensar por completo antes de
eu nascer. Um comportamento realmente celeste. – Shelby bufou. – O
retrocesso é, toda minha vida, minha mãe dizia que eu deveria ser grata. Por
quê? Esses poderes aguados e essa testa enorme que eu herdei de meu pai?
Não, obrigada. – Ela deu um pontapé no beliche superior sombriamente. – Eu
daria tudo para ser apenas normal.
- Sério? – Luce tinha passado a semana inteira se sentindo inferior aos seus
colegas Nephilim. Sabia que a galinha do vizinho era sempre mais gorda, mas
isso ela não podia acreditar. Que vantagem ela poderia possivelmente ver em
não ter seus poderes Nephilim? – Espere. – Disse Luce. – O ex-namorado
idiota. Será que ele...
Shelby desviou o olhar.
- Estávamos meditando juntos, e eu não sei, de alguma forma durante o
mantra, eu acidentalmente levitei. Não foi algo muito importante, eu estava tipo,
dois centímetros do chão, mas Phil não deixou passar. Ele começou a me
chatear sobre o que mais eu poderia fazer e fazendo perguntas estranhas.
- Como o quê?
- Eu não sei. – Disse Shelby. – Algumas coisas sobre você, na verdade. Ele
queria saber se você que tinha me ensinado a levitar. Se você também podia
levitar.
- Por que eu?
- Provavelmente mais uma de suas pervertidas fantasias com companheiras de
quarto. Enfim, você devia ter visto o olhar no rosto dele naquele dia. Como se
eu fosse algum tipo de aberração de circo. Eu não tinha a escolha a não ser
terminar tudo.
- Isso é terrível. – Luce apertou a mão de Shelby. – Mas parece que o
problema é dele, não seu. Eu sei que o resto das crianças em Shoreline olha
para os Nephilim de forma engraçada, mas eu fui a um monte de escolas de
ensino médio e estou começando a pensar que é apenas a maneira com que a
“maioria das crianças” enfrenta naturalmente a diferença. Além disso, ninguém
é normal. Phil deve ter tido algo bizarro sobre ele.
- Na verdade, havia algo em seus olhos. Eles eram azuis, mas fracos, quase
desbotados. Ele tinha que usar essas lentes de contatos especiais para que as
pessoas não o olhassem. – Shelby jogou a cabeça para o lado. – Além disso,
você sabe, aquele terceiro mamilo. – Ela começou a rir, estava com o rosto
vermelho na hora em que Luce se juntou a ela praticamente em lágrimas
quando um leve toque na vidraça calou as duas.
- É melhor não ser ele. – A voz de Shelby instantaneamente ficou sóbria
quando ela pulou da cama e se atirou para abrir a janela, derrubando um vaso
de mandioca na pressa.
- É para você. – Disse ela, quase entorpecida.
Luce estava à janela num piscar de olhos, porque até então, podia senti-lo.
Apoiando as palmas das mãos sobre o peitoril, se inclinou para frente no ar da
noite viva. Ela ficou de cara a cara, boca a boca, com Daniel.
Por um breve momento, pensou que ele estava procurando além dela, no
quarto, por Shelby, mas então ele foi beijá-la, colocando a parte de trás da
cabeça dela em suas mãos macias e a puxando para si, tirando seu fôlego.
O custo de uma semana de calor fluía através dela, junto com um pedido de
desculpas por terem dito aquelas duras palavras outra noite na praia.
- Olá. – Ele sussurrou.
- Olá.
Daniel estava vestindo calça jeans e uma camiseta branca. Ela podia ver o
topete em seu cabelo. Suas tremendas asas brancas-pérola, batendo
suavemente atrás dele, sondando a noite negra, a seduzindo por dentro.
Pareciam bater no céu quase ao mesmo tempo em que a batida de seu
coração. Ela queria tocá-las, para se enterrar nelas do jeito que tinha feito na
outra noite na praia. Foi uma coisa impressionante vê-lo flutuando fora de sua
janela do terceiro andar.
Ele pegou sua mão e a puxou sobre o parapeito da janela e saiu para o ar nos
braços dele, mas então ele a colocou em uma borda larga e nivelada abaixo da
janela que ela nunca tinha notado antes.
Ela sempre sentia vontade de chorar quando estava mais feliz.
- Você não deveria estar aqui, mas estou tão feliz que você esteja.
- Prove. – Disse ele, sorrindo enquanto a puxava de volta contra seu peito de
modo que sua cabeça estivesse um pouco acima do ombro dela.
Ele colocou um braço em volta de sua cintura. O calor irradiando de suas asas.
Quando ela olhou por cima do ombro, tudo o que podia ver era branco. O
mundo era branco, tudo suavemente texturizado e incandescente com a luz do
luar. E então as grandes asas de Daniel começaram a bater. Seu estômago se
retraiu um pouco, sabia que estava sendo levantada, disparou em linha reta em
direção ao céu.
A saliência embaixo deles ficava menor, as estrelas do céu brilhavam e o
vento corria sobre seu corpo, despenteando os cabelos em seu rosto.
Até que eles subiram, mais alto para a noite, até que a escola era apenas uma
mancha preta no chão. Até que o oceano era apenas um cobertor de prata
sobre a terra. Até que perfuraram uma camada de nuvem de penas.
Ela não estava com frio ou com medo. Sentia-se livre de tudo o que a puxava
para a terra. Livre de perigo, livre de qualquer dor que já sentira. Livre da
gravidade. E o mesmo no amor.
A boca de Daniel traçou uma linha de beijos até o lado de seu pescoço. Passou
os braços apertados em volta da cintura e a virou de frente para ele. Seus pés
estavam em cima dos dele, como quando dançaram sobre o oceano na
fogueira. Não havia mais vento, o ar em torno deles estava silencioso e calmo.
Os únicos sons eram as batidas das asas de Daniel enquanto pairavam no céu
e as batidas do coração de Luce.
- Momentos como esse – Disse ele. – fazem com que tudo que tivemos de
passar valha a pena.
Então ele a beijos como nunca havia beijado antes. Um longo beijo prolongado
que parecia reivindicar os lábios dela para sempre. As mãos dele traçaram a
linha de seu corpo, levemente no começo e depois com mais força, se
deliciando em suas curvas. Ela se ajeitou em seus braços e ele correu os
dedos por trás de suas coxas, seu quadril, seus ombros. Ele assumiu o
controle de cada parte dela.
Ela sentia os músculos debaixo da camisa de algodão, com os braços
esticados e o pescoço, a cavidade nas costas dele. Ela beijou o queixo, os
lábios. Aqui, nas nuvens, com os olhos brilhantes de Daniel mais intensos do
que qualquer outro brilho de estrelas que ela jamais tinha visto, era este o lugar
onde Luce pertencia.
- Nós não podemos ficar aqui para sempre? – Perguntou ela. – Nunca vai ser o
bastante para mim. Você.
- Espero que não. – Daniel sorriu, mas em breve, muito em breve, suas asas
mudaram, achatando.
Luce sabia o que estava por vir. A lenta descida.
Beijou Daniel pela última vez e soltou os braços ao redor de seu pescoço, se
preparando para voar, mas depois ela perdeu o controle.
E caiu.
Parecia que estava acontecendo em câmera lenta. Luce tombando para trás,
balançando os braços freneticamente, depois a agitação do frio e do vento
enquanto caía e sua respiração a deixou. Sua última visão foi dos olhos de
Daniel, o choque em seu rosto. Então tudo acelerou, estava caindo tão
furiosamente que não conseguia respirar. O mundo era um vazio negro
girando, se sentia enjoada e com medo, os olhos ardendo por causa do vendo,
sua visão escurecendo e afunilando. Ia desmaiar.
E assim seria.
Nunca saberia quem realmente era. Nunca saberia se tudo tinha valido a pena.
Nunca saberia se era digna do amor de Daniel e ele do dela. Estava tudo
acabado e era isso.
O vento era uma fúria em seus ouvidos. Fechou os olhos e esperou o fim.
E então ele a pegou.
Havia braços ao seu redor, fortes, braços familiares e estava reduzindo a
velocidade gentilmente, não caindo mais. Estava sendo embalada. Por Daniel.
Seus olhos estavam fechados, mas Luce o conhecia. Começou a chorar, tão
aliviada que Daniel a tinha pegado, a havia salvado.
Nesse momento, nunca tinha o amado tanto, não importa quantas vidas
tenham vivido.
- Você está bem? – Daniel sussurrou com sua voz macia, seus lábios tão perto
dela.
- Sim. – Ela podia sentir a batida de suas asas. – Você me pegou.
- Eu sempre vou te pegar quando você cair.
Lentamente, voltaram ao mundo que haviam deixado para trás. Shoreline e o
oceano lambendo os rochedos. Quando se aproximaram do dormitório, ele a
apertou fortemente e gentilmente se aproximou da borda, pousando com um
toque de pluma.
Luce botou os pés no parapeito e olhou para Daniel. Ela o amava. Era a única
coisa que tinha certeza.
- Isso... – Disse ele, olhando sério. Seu sorriso endureceu e o brilho em seus
olhos parecia se desvanecer. – Isso deve satisfazer o seu desejo de viajar, pelo
menos por um tempo.
- O que quer dizer com desejo de viajar?
- A maneira como você vive saindo do campus? – Sua voz estava muito menos
calorosa do que tinha estado há pouco. – Você tem que parar de fazer isso
quando não estou por perto para que eu cuide de você.
- Ah, fala sério, era apenas uma excursão. Todo mundo estava lá. Francesca e
Steven... – Ela parou, pensando sobre a forma como Steven reagiu ao que
aconteceu com Dawn.
Não ousaria falar sobre sua viagem com Shelby. Ou dando de cara com Cam
no deck.
- Você tem tornado as coisas muito difíceis para mim. – Disse Daniel.
- Também não está sendo fácil para mim.
- Eu disse que havia regras. Eu lhe disse para não deixar este campus, mas
você não escutou. Quantas vezes você me desobedeceu?
- Desobedeci você? – Ela riu, mas por dentro se sentiu tonta e doente. – O que
você é? Meu namorado ou meu mestre?
- Você sabe o que acontece quando você sai daqui? O perigo em que você se
mete só porque está entediada?
- Olha, já foi tudo revelado. – Disse ela. – Cam já sabia que eu estava aqui.
- Claro que Cam sabe que você está aqui. – Disse Daniel, exasperado. –
Quantas vezes eu tenho que te dizer que Cam não é uma ameaça agora? Ele
não vai tentar te influenciar.
- Por que não?
- Porque ele é esperto. E você deveria ser muito mais ao invés de ficar saindo
sorrateiramente assim. Há perigos que você não pode entender.
Ela abriu a boca, mas não sabia o que dizer. Se dissesse a Daniel que tinha
falado com Cam aquele dia, que ele tinha matado vários seguidores de Miss
Sophia, iria apenas reforças a ideia dele.
Raiva irrompeu Luce, por Daniel, e suas regras misteriosas, seu tratamento
com ela como se ela fosse uma criança.
Faria qualquer coisa para ficar com ele, mas seus olhos tinham endurecido em
um cinza claro e seu momento no céu já parecia um sonho distante.
- Você entende o tipo de inferno que eu passo para mantê-la segura?
- Como é que eu vou entender quando você não me diz nada?
As características bonitas de Daniel se distorceram em uma expressão
assustadora.
- Isso é culpa dela? – Apontou o dedo para seu dormitório. – Que tipo de ideias
sinistras ela tem colocado em sua cabeça?
- Eu posso pensar por mim mesma, obrigada. – Luce estreitou os olhos. – Mas
como você conhece Shelby?
Daniel ignorou a pergunta. Luce não podia acreditar no jeito que ele estava
falando com ela, como se ela fosse um tipo de animal doméstico mal
comportado. Todo o calor que tinha a enchido um momento atrás, quando
Daniel a tinha beijado, a olhado, não era o bastante quando ela sentia esse frio
toda vez que ele falava com ela.
- Talvez Shelby esteja certa. – Disse ela. Não via Daniel há tanto tempo, mas o
Daniel que queria ver – aquele que ela amava mais que tudo, a pessoa que a
seguiu por milênios porque ele não podia viver sem ela – ainda estava lá em
cima nas nuvens, não aqui em baixo, mandando nela. Talvez mesmo depois de
todas essas vidas, ela realmente não o conhecesse. – Talvez os anjos e os
seres humanos não devessem...
Mas não podia dizer isso.
- Luce. – Os dedos dele apertaram ao redor de seu pulso, mas ela se livrou
deles. Seus olhos estavam abertos e escuros e seu rosto estava branco por
causa do frio. Seu coração estava pedindo a ela para agarrá-lo e mantê-lo por
perto, pare sentir seu corpo pressionando contra o dela, mas ela sabia que no
fundo não era esse o tipo de brida que podia ser curada com um beijo.
Ela o empurrou passando pela estreita borda e abriu a janela, surpresa ao
descobrir que o quarto já estava escuro. Subiu para dentro e quando ela se
voltou para Daniel, percebeu que suas asas estavam trêmulas. Quase como se
ele estivesse prestes a chorar. Queria voltar para ele, para segurá-lo, confortálo e amá-lo.
Mas não podia.
Fechou as venezianas e ficou em seu quarto escuro. Sozinha.
Capítulo 9 – Dez Dias
Quando Luce acordou na manhã de terça-feira, Shelby já tinha saído. A cama
dela estava feita, a colcha de retalhos feita à mão dobrada no pé da cama e
seu pretensioso colete vermelho e sua sacola haviam sido arrancados do
prendedor de roupa na porta. Ainda de pijama, Luce enfiou uma caneca de
água no micro-ondas para fazer chá e, em seguida, sentou-se para verificar
seu e-mail.
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Segunda-feira, 16/11 às 01:34
Assunto: Não leve para o lado pessoal.
Cara L.
Recebi sua mensagem, e antes de tudo, sinto sua falta também. Mas tive uma
sugestão que me veio do nada: Que se chama “eu e você trocando ideia”. A
Callie Louca e suas ideias selvagens. Eu sei que você está ocupada. Eu sei
que você está sob vigilância pesada e é difícil dar uma escapulida. O que eu
não sei é um único detalhe sobre sua vida: Com quem você almoça? Qual aula
você mais gosta? O que aconteceu com aquele cara?
Veja, eu nem sei o nome dele. E odeio isso.
Estou feliz que você tenha um telefone, mas não me mande mensagem me
dizendo que vai me ligar. Apenas ligue. Não escuto sua voz há décadas. Não
estou brava com você. Ainda.
xoC.
Luce fechou o e-mail. Era quase impossível zangar Callie. Ela nunca tinha
realmente feito isso antes.
O fato de Callie não suspeitar que Luce estivesse mentindo era apenas mais
uma prova do quão distante elas estavam. A vergonha que Luce sentia era
grande, pesando nos ombros. No e-mail seguinte:
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Segunda-feira, 16/11 às 08:30
Assunto: Bem, querida, nós te amamos muito.
Luce bebê,
Seus e-mails sempre iluminam nossos dias. Como está a equipe de natação?
Você está secando o cabelo agora que está fazendo frio lá fora? Eu sei, sou
chata, mas sinto sua falta.
Você acha que Sword & Cross vai conceder-lhe permissão para sair do
campus no dia de Ação de Graças, na próxima semana? Papai poderia ligar
para o reitor? Não vamos contar vitória ainda, mas seu pai já saiu para comprar
um peru de tofu. Estou enchendo o congelador com tortas extras. Você ainda
come aquela com batata-doce?
Nós te amamos e pensamos em você o tempo todo.
Mamãe.
A mão de Luce ficou pendurada congelada no mouse. Era uma manhã de
terça-feira. Ação de Graças estava há uma semana e meia distante. Era a
primeira vez que o seu feriado favorito nem tinha passado por sua mente. Mas
rapidamente da mesma maneira que entrou em sua mente, Luce tentou bani-lo.
Não havia nenhuma maneira do Sr. Cole a deixar ir para casa no dia de Ação
de Graças. Estava prestes a clicar em Responder quando uma piscante janela
laranja na parte inferior da tela chamou sua atenção. Miles estava online.
Estava tentando conversar com ela.
Miles (08:08) – Bom dia, senhorita Luce.
Miles (08:09) – Estou MORRENDO de fome. Você acorda faminta como eu?
Miles (08:15) – Quer café? Vou dar uma passada em seu quarto no caminho.
Cinco minutos?
Luce olhou para o relógio. 08:21. Houve uma batida crescente na porta. Ela
ainda estava de pijama. Ainda na cabeceira da cama. Abriu a porta um pouco.
O sol da manhã brotava dos pisos de madeira no corredor. Lembro Luce de
descer sempre a iluminada escada de madeira na casa de seus pais para
almoçar, a maneira como o mundo inteiro parecia mais brilhante através da
lente de um corredor cheio de luz.
Miles não estava usando o boné dos Dodgers hoje, então era uma das poucas
vezes em que ela podia ver claramente os olhos dele. Eles eram de um azul
profundo, como nove horas da manhã de um céu azul de verão. Seu cabelo
estava molhado, pingando nos ombros de sua camisa branca.
Luce engoliu em seco, incapaz de parar sua mente de imaginá-lo no chuveiro.
Ele sorriu mostrando uma covinha e seu sorriso super branco. Parecia tão
Califórnia hoje; Luce ficou surpresa ao perceber o quão bom ele fez parecer.
- Hey. – Luce firmou o quanto ela pôde a grande parte do seu corpo de pijamas
atrás da porta. – Eu acabei de ver suas mensagens. Estou afim de café da
manhã, mas não estou vestida ainda.
- Eu posso esperar. – Miles se encostou na parede do corredor. Seu estômago
roncou alto. Tentou cobrir com os braços a cintura para encobrir o sim.
- Eu vou me apressar. – Luce riu, fechando a porta. Parou diante do armário,
tentando não pensar na Ação de Graças de seus pais ou em Callie ou porque
tantas pessoas importantes estavam escapando dela de uma vez só.
Pegou um suéter longo e cinza de seu armário e o jogou sobre um jeans preto.
Escovou os dentes, colocou os brincos de um grande aro prata e uma bisnaga
de creme nas mãos, agarrou sua bolsa e estudou-se no espelho.
Não parecia uma garota que estava presa em alguma disputa de poder de um
relacionamento, ou uma menina que não podia ir para casa de sua família no
dia de Ação de Graças. No momento, parecia uma menina que estava animada
para abrir a porta e encontrar um cara que a fazia se sentir normal, feliz e como
se realmente tudo estivesse maravilhoso.
Um cara que não era seu namorado.
Suspirou, abrindo a porta para Miles. Seu rosto se iluminou.
Quando chegaram lá fora, Luce percebeu que o tempo havia mudado. O ar da
manhã ensolarada estava tão vivo quanto tinha estado na borda do telhado na
noite passada com Daniel. Parecia gelado.
Miles estendeu seu enorme casaco cáqui para ela, mas a mesma dispensou.
- Eu só preciso de um pouco de café para me aquecer.
Sentaram-se na mesma mesa onde se sentaram na semana anterior.
Imediatamente uma dupla de estudantes garçons veio correndo. Ambos os
rapazes pareciam ser amigos de Miles e brincavam com uma facilidade.
Luce certamente nunca tinha tido esse nível de serviço quando se sentava com
Shelby. Enquanto os rapazes disparavam perguntas de como a equipe de
futebol de mentira de Miles tinha ido na noite anterior, se ele tinha visto o vídeo
no Youtube do cara pregando uma peça na namorada e se ele tinha planos
para depois da aula hoje. Luce procurou pelo terraço pela sua companheira de
quarto, mas não conseguiu encontrá-la. Miles respondeu a todas as perguntas
dos meninos, mas não pareceu interessado em estender a conversa nem um
pouco. Apontou para Luce.
- Esta é Luce. Ela quer uma xícara grande do café mais quente e...
- Ovos mexidos. – Disse Luce, dobrando o pequeno menu que o refeitório de
Shoreline imprimia a cada dia.
- O mesmo para mim, rapazes. Obrigado. – Miles devolveu os dois menos e se
focalizou integralmente em Luce. – Parece que eu não tenho te visto por aqui
fora muito recentemente depois das aulas. Como estão as coisas?
A pergunta de Miles não a surpreendeu. Talvez porque ela já estava se
sentindo como um imã de culpa esta manhã. Ela gostou que não houvesse
nenhum “Onde você estava se escondendo?” Ou “Você está me evitando?”
atrelado no final. Só uma pergunta: Como estão as coisas?
Ela sorriu para ele, então de alguma forma perdeu a noção de seu sorriso e
quase estava se acolhendo na hora em que disse:
- As coisas estão bem.
- Uh-oh.
A luta horrível com Daniel. Mentir para os seus pais. Perder a melhor amiga.
Parte dela queria desabafar tudo para Miles, mas sabia que não deveria. Não
era possível. Isso seria levar a amizade deles a um nível que ela não tinha
certeza se era uma boa ideia. Ela nunca tinha tido um amigo homem de
verdade antes, o tipo de amigo que compartilhava tudo e confiava como uma
amiga mulher. Será que as coisas ficariam... Complicadas?
- Miles. – Ela finalmente disse. – O que as pessoas fazem por aqui no dia de
Ação de Graças?
- Eu não sei. Acho que nunca fiquei aqui para descobrir. Gostaria de poder, às
vezes. Ação de Graças na minha casa é detestavelmente enorme. Pelo menos
uma centena de pessoas. Com suas gravatas pretas...
- Você está brincando.
Ele balançou a cabeça.
- Eu gostaria de estar. Sério mesmo. Temos que contratar flanelinhas. – Fez
uma pausa. – Por que você está perguntando? Espere. Você precisa de um
lugar para ir?
- Uhh...
- você vem comigo. – Ele riu de sua expressão chocada. – Por favor. Meu
irmão não vai voltar da faculdade este ano e ele era minha única salvação. Eu
posso lhe mostrar Santa Barbara. Nós podemos nos livrar do peru e pegar os
melhores tacos do mundo em Super Rica. – Ele levantou a sobrancelha. – Vai
ser muito menos torturante para mim tendo você comigo. Pode até ser
divertido.
Enquanto Luce estava meditando sobre sua oferta, sentiu uma mão em suas
costas. Ela sabia que o toque agora, calmo a ponto de ter poderes de cura, era
o de Francesca.
- Falei com Daniel na noite passada. – Disse Francesca.
Luce tentou não reagir quando Francesca se inclinou. Será que Daniel tinha ido
vê-la depois que Luce havia o trancado no lado de fora? A ideia a deixou com
ciúmes embora não soubesse o porquê.
- Ele está preocupado com você. – Francesca fez uma pausa, parecendo
procurar pelo rosto de Luce. – Eu disse a ele que você está indo muito bem,
considerando o seu novo ambiente. Eu lhe disse que iria me tornar disponível
para você para qualquer coisa que você precise. Por favor, entenda que você
deve vir a mim com suas perguntas. – A nitidez entrou em seu olhar, uma
qualidade difícil e feroz.
Venha a mim ao invés de ir a Steven parecia estar lá, indizível. E, em seguida,
Francesca foi embora, tão rapidamente quanto apareceu, o revestimento de
seda do casaco de lã branco açoitando contra sua meia-calça preta.
- Então... Ação de Graças. – Miles finalmente disse, esfregando as mãos.
- Ok, ok. – Luce engoliu o resto de seu café. – Eu vou pensar sobre isso.
Shelby não apareceu no chalé Nephilim naquela manhã para a aula – uma
palestra sobre a convocação dos anjos antepassados, como forma de enviar
um correio de voz celestial. Na hora do almoço, Luce começou a ficar nervosa.
Mas indo para sua aula de matemática, finalmente avistou o familiar colete
vermelho presunçoso praticamente correndo em sua direção.
- Hey! – Puxou o grosso rabo do cabelo loiro de sua companheira de quarto. –
Onde você esteve?
Shelby virou-se lentamente. O olhar em seu rosto levou Luce de volta a seu
primeiro dia em Shoreline. As narinas de Shelby estavam alargadas e as
sobrancelhas estavam curvadas para frente.
- Você está bem? – Luce perguntou.
- Sim. – Shelby se virou e começou a brincar com o armário mais próximo,
girando uma combinação e depois abrindo numa explosão. Dentro havia um
capacete de futebol e um engradado de garrafas de Gatorade. Um cartaz do
Laker Girls foi esparramado na parte interna da porta.
- É isso mesmo seu armário? – Luce perguntou.
Não conhecia nenhuma única criança Nephilim que usava um armário, porém
Shelby estava esquadrinhando este, jogando as meias sujas de suor de forma
imprudente sobre o ombro. Shelby bateu no armário fechado, em seguida,
mudou-se para rodar a combinação do próximo.
- Agora você está me julgando?
- Não. – Luce abanou a cabeça. – Shel, o que está acontecendo? Você
desapareceu esta manhã, você perdeu a aula.
- Estou aqui agora, não estou? – Shelby suspirou. – Frankie e Steven estão
muito mais relaxados em deixar uma menina tirar um dia de folga do que os
humanoides por aqui.
- Por que você precisa de um dia de folga? Você estava bem na noite passada,
até...
Até que Daniel apareceu.
Bem no momento que Daniel apareceu na janela, Shelby ficou toda pálida e
quieta e foi direto para a cama e...
Enquanto Luce olhava para Shelby, sentiu como se seu QI, de repente, caísse
pela metade, Luce se tornou consciente do resto do corredor. Onde os
armários enferrujados terminavam, a parede cinda acarpetada estava
guarnecida com meninas: Dawn, Jasmine e Lilith. Garotas patricinhas com
casacos de lã como Amy Branshaw das aulas da tarde de Luce. Meninas
punks com piercings que pareciam um pouco com Arriane, mas eram bem
menos divertidas de se conversar. Luce nunca tinha visto algumas meninas
antes. Meninas com livros apertados contra o peito, o chiclete fazendo bolhas
de ar em suas bocas e os olhos dardejando para o tapete. O teto com vigas de
madeira sobre elas. Em qualquer lugar, menos diretamente para Luce e
Shelby. Embora fosse evidente que todas elas estavam entreouvindo.
A sensação de mal estar no estômago começou a lhe dizer o porquê. Era o
maior conflito de Nephilim e não-Nephilim que Luce já tinha visto até agora em
Shoreline. E casa garota neste corredor havia descoberto antes dela:
Shelby e Luce estavam prestes a brigar por um rapaz.
- Oh. – Luce ingeriu. – Você e Daniel.
- Sim. Nós. Há muito tempo atrás. – Shelby não a olharia.
- Ok. – Luce se focou na respiração. Ela podia lidar com isso, mas os sussurros
que voavam em torno da parede de meninas fazia sua pele se arrepiar e ela
estremeceu.
Shelby zombou.
- Eu sinto muito se a ideia te repugna tanto.
- Não é isso. – Mas Luce sentia nojo. Nojo de si mesma. – Eu sempre... Eu
pensei que eu era a única.
Shelby colocou as mãos nos quadris.
- Você pensou que casa vez que desapareceu por dezessete anos, Daniel
apenas cruzava os braços? Terra para Luce há um “antes de” para Daniel. Ou
um “entre o” ou o que quer que seja. – Ela fez uma pausa para dar uma
piscadinha para Luce. – Você realmente é assim tão egocêntrica? – Luce
emudeceu. Shelby resmungou e virou o rosto para o resto do corredor. – Este
campo de força de estrogênio deve se dissipar. – Ela latia, balançando os
dedos para elas. – Siga em frente. Todas vocês. Agora!
Enquanto as meninas corriam, Luce pressionou a cabeça contra o armário de
metal frio. Ela queria se arrastar para dentro dele e se esconder. Shelby apoiou
as costas contra a parede ao lado do rosto de Luce.
- Sabe... – Ela disse, com a voz se amaciando. – Daniel é um namorado de
merda. E um mentiroso. Ele está mentindo para você.
Luce se endireitou e foi até Shelby, sentindo suas bochechas ruborizarem.
Luce podia estar chateada com Daniel agora, mas ninguém falava mal de seu
namorado.
- Whoa. – Shelby se esquivou. – Calma, não. Eita. – Ela deslizou pela parede
para se sentar no chão. – Olha, eu não deveria ter tocado no assunto. Foi uma
noite estúpida há muito tempo e ele estava claramente muito infeliz sem você.
Eu não sabia de você até então, pensava que todo o folclore sobre vocês... Era
extremamente chato. Que, como você deve saber, explica o rancor enorme que
eu sentia sobre o seu nome. – Ela bateu no chão ao seu lado e Luce deslizou
pela parede para se sentar. Shelby fez uma tentativa de sorriso. – Eu juro Luce,
nunca pensei que ia te conhecer. Eu definitivamente nunca esperava que você
fosse ser... Legal.
- Você acha que eu sou legal? – Luce perguntou, rindo baixinho para si
mesma. – Você estava certa sobre eu ser egocêntrica.
- Ugh, justamente o que pensei. Você é uma daquelas impossíveis-de-ficarchateada-com-as-pessoas, não é? – Shelby suspirou. – Tudo bem. Sinto muito
por ter ido atrás de seu namorado e, você sabe, te odiar antes de conhecê-la.
Eu não vou fazer isso de novo.
Isso era estranho, a única coisa que poderia ter feito duas amigas
instantaneamente se afastarem uma da outra estava realmente as tornando
mais próximas. Isso não era culpa de Shelby. Qualquer lampejo de raiva que
Luce sentia sobre isso era algo que ela precisava resolver com... Daniel. Uma
noite estúpida, Shelby tinha dito. Mas o que realmente tinha acontecido?
O pôr-do-sol encontrou Luce descendo a escada rochosa da praia. Estava frio
no lado de fora, mais frio ainda quando ela se aproximou da água. Os últimos
raios de luz do dia dançavam nos finos lençóis de nuvens, colorindo o oceano
laranja, rosa e azul pastel. O mar calmo se esticava em sua frente, olhando
como um caminho para o Céu.
Até que ela chegou ao largo círculo de areia, ainda enegrecido pela fogueira de
Roland, Luce não sabia o que estava fazendo lá. Então ela se encontrou
rastejando por trás da alta rocha de lava onde Daniel a tinha arrastado para
longe. Onde os dois haviam dançado e, em seguida, passaram os poucos e
preciosos momentos que tinham juntos brigando por algo tão estúpido quando
a cor de seus cabelos.
Callie tinha um namorado em Dover com o qual ela rompeu depois de uma
briga por causa de uma torradeira. Um deles tinha atolado a coisa com uma
enorme rosquinha de Nova York, o outro ficou enlouquecido. Luce não
conseguia se lembrar de todos os detalhes agora, mas se lembrou de pensar:
Quem rompe por causa de um utensílio de cozinha? Mas nunca foi realmente
por causa da torradeira, Callie tinha dito. A torradeira foi apenas um sintoma,
algo que representava tudo o que havia de errado entre eles.
Luce odiava que ela e Daniel continuassem brigando. Aquela na praia por
causa do cabelo tingido lembrou a história de Callie. Parecia a previsão de
algumas grandes discussões feias estavam a caminho.
Apoiando-se contra o vento, Luce percebeu que tinha vindo até aqui para tentar
descobrir onde tinham se saído mal naquela noite. Ela foi estupidamente à
procura de sinais na água, alguma pista esculpida na rocha vulcânica áspera.
Estava procurando por toda parte, exceto dentro de si. Porque o que estava
dentro de Luce era apenas o grande enigma de seu passado. Talvez as
respostas ainda estivessem em algum lugar nos Anunciadores, mas, por
enquanto, permaneciam frustrantemente fora de seu alcance. Não queria
culpar Daniel. Ela era a única que tinha sido ingênua a ponto de supor que sua
relação era exclusiva ao longo do tempo, mas ele nunca tinha dito o contrário.
Assim, ele praticamente definiu que ela entrasse de cabeça nesse conflito. Era
embaraçoso. E mais um item para assinalar na longa lista de coisas que ela
achava que merecia saber e que Daniel não decidiu contar a ela.
Ela sentiu algo que achava que era chuva, uma sensação de garoa em seu
rosto e nas pontas dos dedos. Mas estava quente em vez de fria. Era em pó e
luz, e não molhado. Ela virou o rosto para o céu e foi cegada pela luz violeta
brilhante. Não querendo proteger seus olhos, viu, mesmo quando a luz se
intensificou tão brilhante que doía. As partículas se acumulavam lentamente
em direção da água e apenas a pouca distância da praia, caindo em um arranjo
e delineando uma forma que ela reconheceria em qualquer lugar.
Ele parecia ter ficado mais lindo. Seus pés descalços pairavam polegadas fora
da água enquanto se aproximava da praia. Suas amplas asas brancas
pareciam estar afiadas com a luz violeta e pulsavam quase imperceptivelmente
no vento áspero. Não era justo. A maneira como ele a fazia se sentir quando
olhava para ele – impressionada, extasiada e até um pouco com medo. Mal
podia pensar em outra coisa. Todo aborrecimento ou frustração persistentes
desapareceram. Havia apenas o inegável empurrão em sua direção.
- Você fica aparecendo. – Ela sussurrou. A voz de Daniel era conduzida pela
água.
- Eu disse que queria falar com você.
Luce sentiu a boca franzir.
- Sobre Shelby?
- Sobre o perigo que você continua se metendo. – Daniel falou tão claramente.
Ela estava esperando que sua menção sobre Shelby provocasse alguma
reação. Porém Daniel apenas inclinou a cabeça. Ele chegou à borda molhada
da praia, onde a água espumava e rolava, e flutuou acima da areia em frente
dela. – O que tem Shelby?
- Você realmente vai fingir que não sabe?
- Espera. – Daniel colocou os pés no chão, dobrando os joelhos em um plié
profundo quando seus pés nus tocaram a areia. Quando se endireitou, puxou
suas asas para trás, longe de seu rosto, e enviou uma onda de vento de volta
com elas. Luce conseguiu sua primeira sensação de como elas deviam ser
pesadas.
Levou menos de dois segundos para Daniel chegar até ela, mas quando seus
braços deslizaram em torno de suas costas e a puxou para ele, não poderia ter
vindo com a rapidez necessária.
- Não vamos iniciar com um mau começo. – Disse ele.
Ela fechou os olhos e deixou que ela a levantasse do chão. Sua boca se
encontrou com a dela e ela inclinou seu rosto para o céu, deixando a
percepção dele a dominar. Não houve escuridão, não estava mais frio, apenas
a adorável sensação de ser banhada em seu brilho violeta. Até mesmo o agito
do mar foi silenciado por um zumbido suave, a energia que Daniel carregava
em seu corpo. As mãos dela estavam embrulhadas apertadas em volta do
pescoço dele, em seguida, acariciou os músculos firmes em seus ombros,
roçando no macio e espesso perímetro de suas asas. Elas eram fortes,
brancas e brilhantes, sempre muito maiores do que ela se lembrava. Duas
velas grandes se estendendo de seus lados, cada centímetro delas era perfeito
e harmonioso. Podia sentir a tensão contra os dedos, como se estivesse
tocando uma lona esticada, mas sedosa, macia e deliciosamente aveludada.
Pareciam responder ao seu toque, mesmo que a estendendo para frente a se
esfregar contra ela, a puxando mais perto, até que foi enterrada nelas,
aninhada cada vez mais profundamente e ainda assim não recebendo o
suficiente.
Daniel estremeceu.
- Está tudo bem? – Ela sussurrou, porque às vezes ele ficava nervoso quando
as coisas entre eles começavam a esquentar. – Dói em você?
Hoje à noite seus olhos pareciam ávidos.
- É uma sensação maravilhosa. Nada se compara.
Seus dedos deslizaram ao longo da cintura dela, deslizando dentro de sua
blusa. Normalmente, a mais suave carícia das mãos de Daniel a enfraqueciam.
Hoje à noite seu toque estava mais forte. Quase bruto. Não sabia o que tinha
dado nele, mas gostou. Seus lábios focalizando os dela, depois se desviaram
para cima, depois da parte superior do nariz dela, descendo suavemente em
cada uma de suas pálpebras. Quando ele se afastou, ela abriu os olhos e olhou
para ele.
- Você é tão bonita. – Ele sussurrou.
Era exatamente o que a maioria das garotas teria gostado de ouvir, só que,
logo depois que ele disse isso, Luce se sentiu arrancada de seu corpo,
substituída por outra pessoa.
Shelby.
Mas não só Shelby, porque quais foram as chances de que ela tenha sido a
única? De ter tido outros olhos, narizes e bochechas tomados pelos beijos de
Daniel? Ter tido outros corpos reunidos com ele em uma praia? Outros lábios
enroscados, outros corações batendo? Ter tido outros elogios trocados nos
sussurros?
- O que há de errado? – Perguntou ele.
Luce se sentiu mal. Eles poderiam vaporizar até as janelas com seus beijos,
mas logo que eles começaram a usar suas bocas para outras coisas, como
falar, tudo ficou tão complicado. Ela virou o rosto.
- Você mentiu para mim.
Daniel não ridicularizou ou ficou zangado como ela esperava que ficasse,
quase não querendo que ficasse. Sentou-se na areia. Apoiou as mãos nos
joelhos e olhou para as ondas espumantes.
- Sobre o quê exatamente?
Mesmo quando as palavras saíram, Luce lamentou onde ela estava levando.
- Eu poderia fazer o mesmo que você e não contar nada, nunca.
- Eu não posso te dizer tudo o que você quer saber se você não me dizer o que
a está incomodando.
Ela pensou em Shelby, mas quando se imaginou jogando o cartão de ciúmes
na mesa, só para tê-lo a tratando como uma criança, se sentiu patética. Ao
invés disso, disse:
- Eu sinto que somos estranhos. Como se eu não te conhecesse melhor do que
ninguém.
- Ah. – Sua voz estava calma, mas seu rosto estava tão irritantemente estoico.
Luce queria sacudi-lo. Nada o irritava.
- Você está me fazendo de refém aqui, Daniel. Eu não sei nada. Eu não
conheço ninguém. Estou sozinha. Casa vez que te vejo você coloca algum
novo muro e nunca me deixa entrar. Você nunca me deixa entrar. Você me
arrastou todo o caminho até aqui.
Ela estava pensando na Califórnia, mas era mais do que isso. Seu passado, a
concepção limitada que tinha a respeito saiu de sua mente como um rolo de
um filme, caindo, se desenrolando no chão.
Daniel a havia arrastado muito, muito mais além da Califórnia. Ele a arrastou
através de séculos de brigas como esta que estavam tendo agora. Através de
mortes agonizantes que causaram dor a todos ao seu redor, como aqueles
bons velhinhos que ela tinha visitado na semana passada. Daniel havia
arruinado a vida do casal. Matou sua filha.
Tudo porque ele tinha sido um anjo importante que viu algo que ele queria e foi
atrás disto. Não, ele não tinha apenas a arrastado até a Califórnia. Ela a
arrastou para uma eternidade amaldiçoada. Um fardo que deveria ter sido só
dele para suportar.
- Estou sofrendo, eu e todos que me amam, por causa de sua maldição. Por
todo o tempo. Por causa de você.
Ele estremeceu como se tivesse sido golpeado.
- Você quer ir para casa. – Disse ele. Ela chutou a areia.
- Eu quero voltar. Eu quero que você retire tudo o que foi que você tenha feito
para me botar nisso. Eu só quero viver e morrer em uma vida normal e terminar
com pessoas normais por coisas mais normais, como torradeiras, e não pelos
segredos sobrenaturais do universo que você nem ao menos confia em mim
para contar.
- Espera. – O rosto de Daniel tinha ficado completamente branco. Seus ombros
rígidos e suas mãos estavam tremendo. Mesmo suas asas, que momentos
atrás pareciam tão poderosas, pareciam frágeis.
Luce queria estender a mão e tocá-las como se de alguma forma elas fossem a
dizer se a dor que via nos olhos dele era real, mas ela manteve sua posição.
- Nós estamos terminando? – Ele perguntou, sua voz era fraca e baixa.
- Será que estamos mesmo juntos, Daniel?
Ele ficou de pé encostou no rosto dela. Antes que ela pudesse se afastar,
sentiu o calor caindo sobre suas bochechas. Fechou os olhos, tentando resistir
à força magnética de seu toque, mas era tão forte, mais forte do que qualquer
outra coisa. Isso apagou sua raiva, deixou sua identidade em frangalhos. Quem
era ela sem ele? Por que o puxão para perto de Daniel sempre derrotava seu
puxão para longe? Razão, sensibilidade, autopreservação: Nenhum deles
jamais poderia competir. Devia ser parte do castigo de Daniel. Que ela estava
ligada a ele para sempre, como uma marionete ao seu titereiro. Ela sabia que
não devia o querer com todas as fibras de seu ser, mas não se continha.
Olhando para ele, sentindo seu toque – o resto do mundo desbotava num
segundo plano. Ela só queria que amá-lo não fosse sempre tão difícil.
- O que é esse negócio de querer ganhar uma torradeira? – Daniel sussurrou
em seu ouvido.
- Eu acho que eu não sei o que eu quero.
- Eu sei. – Seus olhos estavam atentos, sustentando os dela. – Eu quero você.
- Eu sei, mas...
- Nada vai mudar isso. Não importa o que você ouça. Não importa o que
aconteça.
- Mas eu preciso mais do que ser querida. Eu preciso que nós fiquemos juntos,
de fato juntos.
- Em breve. Eu prometo. Tudo isso é apenas temporário.
- Se é assim que você diz... – Luce viu que a lua tinha subido sobre suas
cabeças. Ela estava laranja, brilhante e minguante, um esplendor sereno. – O
que você quer falar comigo?
Daniel enfiou o cabelo loiro de Luce atrás da orelha, observando os cachos de
cabelo por muito tempo. – Escola. – Disse ele com uma hesitação que a fez
pensar que ele estava sendo pouco verdadeiro. – Eu pedi a Francesca para
cuidar de você, mas eu queria ver por mim mesmo. Você está aprendendo
alguma coisa? Você está passando por um bom momento?
Ela sentiu o súbito desejo de se vangloriar com ele sobre seu trabalho com os
Anunciadores, sobre sua conversa com Steven e os vislumbres que ela tinha
de seus pais, mas o rosto de Daniel parecia mais ansioso e aberto do que ela
tinha visto durante toda a noite. Ele parecia estar tentando evitar outra briga por
isso Luce decidiu fazer o mesmo.
Fechou os olhos. Disse a ele o que ele precisava ouvir. A escola estava muito
boa. Ela estava bem. Os lábios de Daniel desceram sobre os dela outra vez,
brevemente, quente, até que todo seu corpo estava formigando.
- Eu tenho que ir. – Disse ele, finalmente, ficando de pé. – Eu nem deveria
estar aqui, mas eu não posso me manter longe de você. Eu me preocupo com
você a cada momento. Eu te amo, Luce. Tanto que chega a doer.
Ela fechou os olhos contra a batida de suas asas e a ferroada da areia quando
ele levantou em seu rastro.
Capítulo 10 – Nove Dias
Uma série de ecos sibilantes e rangidos cortava o som de águias pescadoras.
A nota longa e cantante de metal raspando metal, então o choque da fina
lâmina de prata resvalava em seu oponente desprevenido.
Francesca e Steven estavam lutando.
Bem, não, eles estavam esgrimando (lutando com espadas). Uma
demonstração para os alunos que estavam prestes a encenar suas próprias
lutas.
- Saber como empunhar uma espada – sendo ela um florete luminoso igual ao
que estamos usando hoje, ou algo tão perigoso quando um cutelo – é uma
habilidade de valor inestimável. – Disse Steven, cortando o ar com a ponta de
sua espada com movimentos curtos e como chicote. – Os exércitos do Céu e
do Inferno raramente engajam numa batalha, mas quando o fazem... – Sem
olhar, ele moveu sua lâmina lateralmente na direção de Francesca e, sem
olhar, ela trouxe sua espada para cima e parou o golpe. – Permanecem
intocados pela guerra moderna. Punhais, arcos e flechas, gigantes espadas
flamejantes, estas são as nossas ferramentas eternas.
O duelo que se seguiu foi para mostrar, apenas uma lição; Francesca e Steven
não estavam nem mesmo usando máscaras.
Estava no final da manhã de quarta-feira e Luce estava sentada no largo banco
do deck, entre Jasmine e Miles. A classe inteira, incluindo seus dois
professores, tinham trocado suas roupas regulares por roupas brancas que
esgrimistas sempre usavam. Metade da turma segurava máscaras pretas em
suas mãos. Luce chegou ao almoxarifado logo depois que a última máscara
tinha sido tirada, o que não a incomodava. Estava esperando evitar o
constrangimento de ter toda sua classe como testemunha de sua falta de
noção: Era evidente pelo modo como os outros estavam fazendo investidas
nas laterais do deck que eles já haviam praticado antes.
- A ideia é se apresentar como um pequeno alvo para seu adversário quanto
for possível. – Explicou Francesca para o círculo de estudantes em torno dela.
– Então, você ajusta seu peso sobre um pé e dirige com o cabo de tua espada,
depois balança para trás e para frente até a área do golpe, em seguida, se
afasta.
Ela e Steven estavam subitamente envolvidos em uma onda de golpes e
defesas, fazendo um denso barulho enquanto eles habilmente repeliam os
golpes um do outro. Quando a lâmina dela resvalou para a esquerda, ele se
lançou para frente, mas ela balançou para trás, varrendo a espada dele para
cima, dando uma volta e tocou o pulso dele.
- Touché. – Disse ela, rindo.
Steven voltou para a classe.
- Touché, é claro, é tocado em francês. Na esgrima, contamos os pontos por
toques.
- Estávamos lutando de verdade. – Disse Francesca. – Eu tenho medo de que
a mão de Steven estivesse pendendo com sangue no deck. Desculpe, querido.
- Relativamente bem. – Ele disse. – Relativamente. Bem. – Ele se jogou
lateralmente a ela, quase parecendo se levantar do chão. No frenesi que se
seguiu, Luce perdeu a noção da espada de Steven quando esta riscou o ar
novo e de novo, quase cortando Francesca, que desviou para o lado na hora
certa e reapareceu atrás dele.
Mas ele estava pronto para ela e jogou a lâmina dela longe antes de suspender
a ponta da sua e atacar seu dorso.
- Eu tenho medo, minha querida, que você tenha começado com o pé errado.
- Veremos – Francesca levantou a mão e alisou seu cabelo, os dois olhando
um para o outro com uma intensidade assassina.
Cada nova rodada da encenação violenta fazia Luce ficar tensa em alarme.
Estava acostumada a ser agitada, mas o resto da turma também estava
surpreendentemente agitada hoje. Agitada com entusiasmo. Assistindo
Francesca e Steven, nenhum deles conseguia ficar parado.
Até hoje, ela se perguntava por que nenhum dos outros Nephilim jogava em
qualquer time de equipes esportivas do colégio Shoreline. Jasmine tinha torcido
o nariz quando perguntou a Luce se ela e Dawn estavam interessadas em
fazer o teste para a equipe de natação no ginásio. De fato, até que ela
entreouviu Lilith no vestiário de manhã bocejando que todos os esportes,
exceto esgrima, eram extraordinariamente chatos, então Luce havia descoberto
que os Nephilim não eram atletas. Mas não era isso mesmo. Eles apenas
escolhiam cuidadosamente o que jogar.
Luce estremeceu quando imaginou Lilith, que conhecia a tradução francesa de
todos os termos de esgrima que Luce não sabia nem mesmo em inglês, se
jogar esbelta e rancorosa em um ataque. Se o resto da turma estava um
décimo tão hábil quando Francesca e Steven, Luce ia acabar sendo uma pilha
de pedaços de corpo no final da sessão.
Seus professores obviamente eram especialistas, se aproximando e se
afastando flexivelmente das estocadas. A luz do sol brilhava em suas espadas,
fora de suas vestes brancas acolchoadas. O cabelo loiro e espesso de
Francesca caía em cascatas numa linda auréola ao redor de seus ombros
enquanto ela girava em torno de Steven. Seus pés teciam padrões no deck
com tanta graça, a encenação parecia quase como uma dança.
As expressões em seus rostos estavam vis e cheias de determinação brutal
para vencer. Após daqueles primeiros toques, eles estavam equilibrados.
Devem estar ficando cansados. Estavam lutando por mais de dez minutos sem
um golpe. Eles começaram a lutar tão rapidamente que os arcos de suas
lâminas desapareciam, havia apenas uma pura fúria e um leve zumbido no ar e
o constante estalo de suas lâminas contra a outra.
Faíscas começaram a voar cada vez que suas espadas se chocavam. Faíscas
de amor ou ódio? Houve momentos que quase pareciam os dois.
E isso irritou Luce. Porque o amor e o ódio eram para estar claramente em
lados opostos do espectro. A divisão parecia tão clara como... Bem, os anjos e
demônios uma vez tinham parecido para ela. Não mais. Enquanto ela
observava seus professores com pavor e medo, as memórias da discussão de
ontem à noite com Daniel rodeavam sua mente. E seus próprios sentimentos
de amor e ódio, ou se não completamente ódio, uma fúria crescente – se
prendeu dentro dela.
Um grito ecoou de seus colegas. Parecia que Luce tinha apenas piscado, mas
ela tinha perdido o que aconteceu. A ponto da espada de Francesca espetar no
peito de Steven. Perto do coração. Ela apertou contra ele, para o ponto onde
sua lâmina fina dobrava em arco. Ambos pararam por um instante, encarando
um ao outro nos olhos. Luce não poderia dizer se isto também fazia parte do
show.
- Direto através do meu coração. – Disse Steven.
- Como se você tivesse um. – Francesca murmurou.
Os dois professores pareciam momentaneamente ignorar que o deck estava
cheio de alunos.
- Outra vitória de Francesca. – Disse Jasmine. Ela inclinou a cabeça para Luce
e deixou cair a voz. – Ela vem de uma longa linhagem de vencedores. Steven?
Nem tanto.
O comentário pareceu carregado, mas Jasmine apenas saltou levemente para
fora do banco, tirou a máscara do rosto e reforçou seu rabo de cavalo. Pronta
para ir.
Enquanto os outros alunos começavam a se movimentar em torno dela, Luce
tentou imaginar uma cena semelhante entre ela e Daniel: Luce levantou a mão,
o segurando na misericórdia de sua espada como Francesca fez com Steven.
Era, francamente, impossível de imaginar. E isso incomodava Luce. Não é
porque ela queria assenhorear-se de Daniel, mas porque ela não queria ser a
dominada também. Na noite anterior, ela estava muito à mercê dele.
Lembrando que aquele beijo a deixou ansiosa, corada e oprimida – e não no
bom sentido.
Ela o amava. Mas.
Ela deveria ter sido capaz de pensar na frase sem adicionar aquela conjunção
feia. Mas ela não podia. O que eles tinham no momento não era o que ela
queria. E se as regras do jogo iriam sempre ficar desse jeito, ela só não sabia
se ela ainda queria jogar. Que tipo de jogo ela era para Daniel? Que tipo de
jogo era ele para ela? Se ele tinha estado atraído por outras meninas... Em
algum momento ele devia ter se questionado também. Alguém mais podia dar
a cada um deles um campo para jogar mais plano?
Quando Daniel a beijou, Luce sabia em seus ossos que ele era seu passado.
Embalada em seus braços, estava desesperada para que ele permanecesse
em seu presente. Mas no segundo em que seus lábios se separaram, não
podia realmente ter certeza de que ele era seu futuro. Ela precisava de
liberdade para tomar essa decisão de uma forma ou de outra. Ela nem sabia o
que havia lá fora.
- Miles. – Steven chamou. Ele estava totalmente de volta ao modo professor,
embainhou sua espada em uma preta e estreia bainha de couro e balançando
a cabeça para o canto noroeste do deck. – Você vai competir com Roland bem
aqui.
Ao seu lado esquerdo, Miles se inclinou para sussurrar:
- Você e Roland já se conheciam, qual é o calcanhar de Aquiles dele? Não vou
perder para o garoto novo.
- Hum... Eu realmente não... – A mente de Luce passou em branco. Olhando
para Roland, cuja máscara já cobria seu rosto, ela percebeu o quão pouco
sabia sobre ele. Exceto o seu catálogo de mercadorias do mercado negro. E
sua forma de tocar gaita. E do jeito que ele tinha feito Daniel rir tanto no
primeiro dia em Sword & Cross. Ela ainda não descobriu o que eles estavam
falando... Ou o que Roland realmente estava fazendo em Shoreline de
qualquer maneira. Quando se tratava do Sr. Faísca, Luce estava
definitivamente no escuro.
Miles deu um tapinha em seu joelho:
- Luce, eu estava brincando. Não há nenhuma maneira do cara não acabar
comigo. – Levantou-se rindo. – Deseje-me sorte.
Francesca tinha se mudado para o outro lado do deck, próxima à entrada do
chalé e estava tomando uma garrafa de água.
- Kristy e Millicent, peguem este canto. – Disse ela a duas meninas Nephilim
com tranças e combinando as sapatilhas pretas. – Shelby e Dawn, venham
competir aqui. – Apontou para o canto do deck em frente a Luce. – O resto de
vocês vai assistir.
Luce estava aliviada de que seu próprio nome não tinha sido chamado.
Quando mais ela via do método de ensino de Francesca e Steven, menos ela
entendia isso. Uma demonstração intimadora tomou o lugar de qualquer
instrução real. Não prestar atenção e aprender, mas direto para assistir e se
sobressair. Quando os primeiros seis estudantes tomaram seus lugares no
deck, Luce sentiu uma pressão enorme para entender toda a arte da esgrima
imediatamente.
- En garde! – Shelby berrou, esgueirando para trás e se agachando com a
ponta de sua espada apenas alguns centímetros de Dawn, cuja espada ainda
estava embainhada.
Os dedos de Dawn estavam ziguezagueando através de seu cabelo preto
curto, prendendo partes dele para trás com uma mão cheia de grampos de
borboleta.
- Você não pode dizer en garde para mim enquanto eu estou me preparando
para a batalha, Shelby! – sua voz alta ficava ainda maior quando ela ficava
frustrada. – O que você foi, criada por lobos? – Ela bifou através do último
grampo de plástico entre os dentes. – Tudo bem. – Disse ela, puxando sua
espada. – Agora eu estou pronta.
Shelby que estava segurando a profunda estocada durante toda a sessão de
preparação de Dawn, agora se endireitou em pé e olhou para suas unhas
ásperas.
- Espere, eu tenho tempo para uma manicure? – Disse ela, intimidando Dawn
apenas o suficiente para deixá-la cair em uma postura ofensiva e balançar sua
espada.
- Que tosco! – Dawn latiu, mas para surpresa de Luce, ela imediatamente
levantou sua espada, fazendo sua lâmina habilmente açoitar o ar e bater em
Shelby de lado. Dawn era uma esgrimista agressiva.
Perto de Luce, Jasmine se dobrou de tanto rir.
- Uma partida feita no Inferno.
Um sorriso surgiu no rosto de Luce, também, porque ela nunca havia
conhecido alguém tão inabalavelmente otimista quanto Dawn. No começo,
Luce suspeitava falsidade, uma fachada – de onde Luce vinha, no Sul, aquele
momentinho sempre feliz não poderia ser sincero. Mas Luce havia ficado
impressionada com a rapidez com que Dawn se recuperou depois daquele dia
no iate. O otimismo de Dawn parecia não conhecer limites. Até agora, era difícil
Luce ficar perto da menina sem rir. E era especialmente difícil quando Dawn
focava seu ânimo de patricinha para acabar com a raça de alguém tão
friamente oposta quanto Shelby.
As coisas entre Luce e Shelby ainda estavam um pouco estranhas. Ela sabia
disso, Shelby sabia disso, até mesmo o luz noturna (night-light) em formato de
Buda em seu quarto parecia saber disso. A verdade era que Luce meio que
gostava de ver Shelby lutando por sua vida enquanto Dawn a atacava toda
feliz.
Shelby era uma lutadora constante e paciente. Onde a técnica de Dawn era
vistosa e atraente, seus membros girando praticamente num tango através do
deck, Shelby era cuidadosa com suas investidas, quase como se tivesse só
isso para raciocinar. Mantinha os joelhos dobrados e nunca desistia de nada.
No entanto, ela disse que tinha desistido de Daniel depois de uma noite. Foi
rápida em dizer que foi por causa dos sentimentos de Daniel por Luce – que
eles interferiram com tudo. Mas Luce não acreditava nela. Alguma coisa estava
estranha sobre a confissão de Shelby; algo que não condiz com a reação de
Daniel quando Luce tinha meio que quase tocado no assunto na noite anterior.
Ele agiu como se não tivesse nada para contar.
Um estrondo trouxe Luce de volta a atenção.
Do outro lado do deck, Miles de alguma forma caiu de costas. Roland pairava
sobre ele. Literalmente. Ele estava voando.
As asas enormes que tinham sido desfraldadas dos ombros de Roland
estavam tão grandes como uma grande capa de penas como uma água, mas
com um lindo dourado marmóreo combinando com suas asas escuras. Ele
deve ter as mesmas ranhuras cortadas em sua roupa de esgrima que Daniel
tinha em sua camiseta. Luce nunca tinha visto as asas de Roland antes, e
como os outros Nephilim, não conseguir parar de olhar. Shelby havia dito a ela
que muitos poucos Nephilim tinham asas e nenhum deles estava em Shoreline.
Vendo Roland sair em uma batalha, mesmo numa prática de espada, enviou
uma onda de excitação nervosa através da multidão.
As asas chamavam tanta atenção que levaram Luce um instante a perceber
que a ponta da espada de Roland pairava bem no peito de Miles, o prendendo
ao chão. A branca e brilhante roupa de esgrima de Roland e suas asas
douradas cortavam uma rígida silhueta contra as árvores escuras e
exuberantes que faziam fronteira com o deck. Com sua máscara de malha
preta sobre o rosto, Roland parecia ainda mais intimidante, mais ameaçador do
que se ela tivesse sido capaz de ver seu rosto. Ela esperava que sua
expressão fosse divertida, porque ele realmente botou Miles numa situação de
vulnerabilidade. Luce saltou e se pôs de pé para ir até ele, surpresa ao se
encontrar de joelhos tremendo.
- Oh, meu Deus, Miles! – Dawn gritou do outro lado do deck, esquecendo sua
própria batalha apenas tempo suficiente para Shelby entrar com uma
chicotada, tocando no peito blindado de Dawn, e marcando o ponto da vitória.
- Não é a forma mais desportiva para ganhar. – Disse Shelby, embainhando
sua espada. – Mas às vezes isso serve.
Luce, apressada, passou por elas e o resto dos Nephilim que não estava
envolvido no duelo de Roland e Miles. Ambos estavam ofegantes. Até então
Roland tinha voltado ao chão, as asas retraídas dentro de sua pele. Miles
parecia bem. Era Luce que não conseguia parar de tremer.
- Você me pegou. – Miles riu nervosamente, afastando a ponta da espada. –
Não vi a sua arma secreta vindo.
- Desculpe, cara. – Roland disse sinceramente. – Não tinha intenção de libertar
as asas sobre você. Às vezes isso só acontece quando eu me deixo levar.
- Bem, bom jogo. Até o momento, de qualquer maneira. – Miles levantou a mão
direita para ser ajudado a sair do chão. – Eles dizem bom jogo na esgrima?
- Não, ninguém diz isso. – Roland levantou sua máscara com uma mão e,
sorrindo, deixou cair a espada com a outra. Segurou a mão de Miles e o puxou
para cima em uma jogada rápida. – Bom jogo mesmo.
Luce soltou a respiração. É claro que Roland não ia machucar Miles. Roland foi
não convencional e imprevisível, mas ele não era perigoso mesmo estando no
lado de Cam naquela última noite no cemitério de Sword & Cross. Mas não
havia razão para temê-lo. Por que ela tinha ficado tão nervosa? Por que ela
não conseguia fazer seu coração parar de acelerar?
Então ela entendeu o porquê. Era por causa de Miles. Porque ele era o amigo
mais próximo que ela tinha em Shoreline. Tudo o que sabia era que,
recentemente, cada vez que ela ficava perto de Miles, a fazia pensar em
Daniel, e como um monte de coisas entre eles estava meio que se arrastando.
E como, às vezes, às escondidas, ela desejava que Daniel pudesse ser um
pouco mais como Miles. Alegre e descontraído, atencioso e naturalmente doce.
Menos preocupado com coisas como estar condenado desde o início dos
tempos.
Um flash branco correu passando por Luce em direção aos braços de Miles.
Dawn. Ela saltou sobre Miles, de olhos fechados e sua boca em um sorriso
enorme.
- Você está vivo!
- Vivo? – Miles a colocou de volta em pé. – O vento mal começou a me
derrubar. Boa coisa você nunca ter vindo assistir a um dos jogos de futebol.
Em pé atrás de Dawn, observando enquanto ela acariciava Miles onde a
espada tinha tocado seu colete branco, Luce se sentiu estranhamente
constrangida. Não era como se ela quisesse estar acariciando Miles, certo? Ela
só queria... Ela não sabia o que queria.
- Quer isto? – Roland apareceu ao seu lado, lhe entregando a máscara que ele
estava usando. – Você é a próxima, não é?
- Eu? Não. – Ela balançou a cabeça. – O sinal não está prestes a tocar?
Roland balançou a cabeça.
- Boa tentativa. Apenas meta a cara e ninguém vai saber que você nunca fez
esgrima antes.
- Eu duvido disso. – Luce mexeu na tela de malha fina. – Roland, eu tenho que
te perguntar...
- Não, eu não ia transpassar a espada em Miles. Por que todo mundo fica tão
assustado?
- Eu sei disso... – Ela tentou sorrir. – É sobre Daniel.
- Luce, você sabe as regras.
- Regras de quê?
- Eu posso conseguir um monte de coisas, mas não posso conseguir Daniel
para você. Você só vai ter que esperar.
- Espere, Roland. Eu sei que ele não pode estar aqui agora. Mas que regras?
Do que você está falando?
Ele apontou para trás dela. Francesca estava acenando para Luce com um
dedo. Os outros Nephilim tinham todos se sentado nos bancos, com exceção
de alguns alunos que pareciam que estavam se preparando para a esgrima.
Jasmine e uma menina coreana chamada Sylvia, dois meninos altos e magros
cujos nomes Luce nunca poderia se lembrar, e Lilith, sozinha, examinando a
ponta de borracha sem corte de sua espada com cuidado escrutínio.
- Luce? – Disse Francesca em voz baixa. Ela fez sinal para o espaço no deck
em frente de Lilith. – Tome o seu lugar.
- Prova de fogo. – Roland assobiou, dando tapinhas nas costas de Luce. – Não
demonstre medo.
Havia apenas cinco outros alunos em pé no meio do deck, mas para Luce,
parecia como se houvesse uma centena.
Francesca estava parada com os braços cruzados sobre o peito casualmente.
Seu rosto estava sereno, mas para Luce parecia uma serenidade forçada.
Talvez era pretendesse que Luce perdesse no mais brutal e vergonhoso
combate possível. Por que mais ela queria Luce brigando contra Lilith, que era
maior que Luce, pelo menos, uns trinta centímetros, e cujo cabelo vermelho
ardente saía de trás de sua máscara como uma juba de leão?
- Eu nunca fiz isso. – Disse Luce sem jeito.
- Está tudo bem, Luce, você não precisa ser hábil ainda. – Disse Francesca. –
Estamos tentando avaliar sua relativa capacidade. Basta se lembrar do que
Steven e eu mostramos no início da sessão e você vai se sair muito bem.
Lilith riu e chicoteou a ponta de seu florete num amplo Z.
- A marca do zero, perdedora. – Disse ela.
- Demonstrando o número de amigos que você tem? – Luce perguntou. Ela se
lembrou do que Roland tinha dito sobre não demonstrar medo. Abaixou a
máscara sobre o rosto, pegou seu florete com Francesca. Luce nem sequer
sabia como segurar isso. Atrapalhou-se com o punho, perguntando se a
colocaria em sua mão direita ou esquerda. Ela escrevia com a mão direita,
jogava boliche e basebol com a mão esquerda.
Lilith já estava olhando para ela como se desejasse que Luce já estivesse
morta, e Luce sabia que não tinha tempo para testar o seu ritmo em ambas as
mãos. Eles chamam de ritmo na esgrima?
Sem palavras, Francesca estava por trás dela. Ela estava com os ombros
encostados nas costas de Luce, praticamente dobrando seu corpo estreito em
torno de Luce e levando a mão esquerda de Luce e a espada em sua mão.
- Eu sou canhota também. – Disse ela.
Luce abriu a boca, sem saber se devia ou não protestar.
- Assim como você. – Francesca se inclinou em torno dela e deu a Luce um
olhar compreensivo. Quando ela reposicionou seu toque, algo quente e
tremendamente reconfortante fluiu através dos dedos de Francesca em Luce.
Força ou talvez coragem – Luce não entendia como funcionava, mas era grata.
- Você vai querer uma pegada mais leve. – Disse Francesca, dirigindo os
dedos de Luce ao redor do cabo sob o guarda-mão do florete. – Com uma
pegada muito forte e a direção da lâmina se torna menos ágil, seus
movimentos defensivos mais limitados. Com uma pegada mais leve, a lâmina
pode sair voando de suas mãos.
Os dedos finos e suas dela guiavam os dedos de Luce para segurar o cabo
curvo do punho da espada sob o guarda-mão. Com uma mão sobre a espada e
a outra no ombro de Luce, Francesca levemente galopou um passo para o
lado, bloqueando a passagem.
- Avance. – Moveu-se para frente, impelindo a espada na direção de Lilith.
A garota ruiva passou a língua nos dentes e olhou para Luce com algo como
síndrome de criança.
- Solte. – Francesca moveu Luce para trás como se fosse uma peça de xadrez.
Ela se afastou e deu a volta, para encarar Luce, sussurrando. – O resto é só
florear.
Luce engoliu. Florear?
- Em garde! – Lilith praticamente gritou. As longas pernas estavam dobradas e
seu braço direito estava segurando o florete em linha reta para Luce.
Luce recuou dois passos rápidos à galope, então, quando ela se sentiu numa
distância segura o suficiente, se lançou a frente com o florete estendido.
Lilith cruzou com habilidade para a esquerda do florete de Luce, se virou, em
seguida, voltou por baixo com a dela, colidindo com a de Luce. As duas
lâminas deslizaram uma contra a outra até que chegou a um ponto médio,
então parou. Luce teve que colocar todas suas forças para parar a lâmina de
Lilith com a pressão da sua. Seus braços tremiam, mas ele ficou surpresa ao
descobrir que ela poderia segurar Lilith nesta posição. No fim, Lilith rompeu e
recuou. Luce a assistiu mergulhando e girando algumas vezes e começou a
entendê-la.
Lilith era uma grunhidora, fazendo tonelada de ruídos cheio de esforço. Era um
pouco de desorientação. Ela faria um barulho enorme e fintaria em uma
direção, então chicotearia a ponta de sua lâmina em um grande e apertado
arco tentando ultrapassar as defesas de Luce.
Então Luce tentou a mesma jogada. Quando ela virou a ponta de seu florete
para trás começando no seu primeiro ponto, ao sul do coração de Lilith, a moça
soltou um rugido ensurdecedor.
Luce estremeceu e se afastou. Achou que ela nem sequer tocara Lilith com
muita força.
- Você está bem? – Ela gritou prestes a levantar a máscara.
- Ela não está ferida. – Francesca respondeu por Lilith. Um sorriso separou
seus lábios. – Ela está com raiva por você estar ganhando dela.
Luce não teve tempo de se perguntar o que significava o fato de Francesca de
repente parecer estar se divertindo, porque Lilith estava se movendo em sua
direção, mais uma vez, com a espada pronta. Luce ergueu a espada para se
encontrar com a de Lilith, girando seu punho para se chocar três vezes antes
delas desengatarem.
O pulso de Luce estava acelerando e ela se sentia bem. Sentiu uma energia
fluindo através dela que não tinha sentido há muito tempo. Ela era realmente
boa nisso, quase tão boa quanto Lilith, que parecia ter sido criada para espetar
as pessoas com coisas afiadas. Luce que nunca tinha sequer pegado em um
florete, percebeu que ela realmente tinha uma chance de ganhar. Apenas mais
um ponto.
Ela podia ouvir os outros alunos aplaudindo, alguns até mesmo chamando seu
nome. Ela podia ouvir Miles, e pensou que podia ouvir Shelby, o que realmente
a encorajou. Mas o som de suas vozes estava combinado com alguma outra
coisa. Algo estático e muito alto. Lilith lutou tão ferozmente quanto nunca, mas
de repente, Luce estava tendo muita dificuldade de se concentrar. Ela recuou e
piscou, olhando para o céu. O sol estava encoberto pelas árvores salientes,
mas isso não era tudo. A crescente frota de sombras se estendendo a partir
dos ramos, como manchas de tinta que se estendiam bem acima da cabeça de
Luce.
Não, não agora, não em público com todo mundo olhando, e não podia custar
esta partida. No entanto, ninguém ainda reparou nelas, o que parecia
impossível. Elas estavam fazendo tanto barulho que era impossível para Luce
fazer nada além de cobrir as orelhas dela para tentar bloqueá-los. Ela levou as
mãos aos ouvidos, que fez a ponta de seu florete apontar para o céu,
confundindo Lilith.
- Não deixe que ela te apavore, Luce. Ela é venenosa! – Dawn gorjeou do
banco.
- Use o prise de fer! – Shelby disse. – Lilith é péssima com o prise de fer.
Correção: Lilith é uma merda em tudo, mas, sobretudo com o prise de fer.
Tantas vozes – mas, ao que parecia, do que as das pessoas que estavam no
convés. Luce estremeceu, tentando bloquear tudo. Mas uma voz se separou da
multidão, como se estivesse sussurrando em seu ouvido vindo bem atrás de
sua cabeça. Steven:
- Passe uma peneira no barulho, Luce. Encontre a mensagem.
Ela jogou a cabeça para o lado, mas ele estava do outro lado do convés,
olhando para as árvores. Será que ele estava falando sobre os outros
Nephilim? De todo o ruído e vibração que estavam fazendo? Ela olhou seus
rostos, mas eles não estavam nem falando. Então quem era? Por um breve
momento ela encontrou os olhos de Steven e ele ergueu o queixo em direção
ao céu. Como se estivesse apontando para as sombras.
Nas árvores acima de sua cabeça. Os Anunciadores falavam.
E ela podia ouvi-los. Será que eles estiveram falando o tempo todo?
Latim, russo, japonês. Inglês com um sotaque sulista. Um francês quebrado.
Sussurros, cânticos, más direções, linhas de versos rimados. E um longo grito
horripilante para ajudar. Ela balançou a cabeça, ainda segurando a espada de
Lilith na baia e as vozes entreouvidas ficavam com ela. Olhou para Steven, em
seguida, para Francesca. Eles não mostraram nenhum sinal, mas sabia que
eles ouviam. E sabia que eles sabiam que ela estava ouvindo também.
Para a mensagem por trás do barulho.
Toda sua vida ela tinha ouvido o mesmo barulho quando as sombras vinham –
sibilando um ruído molhado e feio. Mas agora era diferente...
Um som metálico.
A espada de Lilith colidiu contra Luce. A menina estava bufando como um touro
bravo. Luce podia ouvir sua própria respiração dentro da máscara, ofegante,
enquanto tentava segurar a espada de Lilith. Então, ela podia ouvir muito mais
entre todas as vozes. De repente, podia se focar neles. Encontrar o equilíbrio
só queria dizer separar a estática do material significativo. Mas como?
- Il faut faire le coup double. Après ca, c’est facile a gagner. – Um dos
Anunciadores sussurrou em francês.
Luce tinha apenas dois anos de francês no ensino médio para continuar, mas
as palavras tocaram em algum lugar mais profundo de seu cérebro. Não era
apenas sua cabeça compreendendo a mensagem, de alguma forma seu corpo
sabia disso também. Isso se infiltrou nela, até os ossos e se lembrou: Ela tinha
estado em lugares como esse antes, em uma luta de espadas como esta, num
impasse como este.
O locutor estava recomendando o cruzamento duplo, um movimento de
esgrima complicado em que dois ataques separados vinham um atrás do outro.
Sua espada deslizou na da sua adversária e as duas romperam. Um pouco
mais cedo do que Lilith, Luce saltou para frente em um movimento limpo e
intuitivo, empurrando a ponta da espada para a direita, depois para a esquerda,
em seguida, rente à lateral da caixa torácica de Lilith. Os Nephilim aplaudiram,
mas Luce não parou. Ela se soltou em seguida, veio direto para trás uma
segunda vez, mergulhando a ponta do florete para o estofamento perto do
intestino de Lilith.
Esse foi três.
Lilith lançou seu florete no deck, arrancou sua máscara e deu a Luce uma
terrível careta antes de ir rapidamente para o vestiário. O resto da turma estava
de pé e Luce podia sentir seus colegas a rodeando. Dawn e Jasmine a
abraçaram de ambos os lados, dando apertos. Shelby veio pela frente,
levantando a mão para bater. Luce podia ver Miles esperando pacientemente
atrás dela. Quando era sua vez, ele a surpreendeu, a levantando do deck e
dando um longo e apertado abraço.
Ela o abraçou de volta, lembrando o quão estranha ela se sentira antes,
quando ela tinha ido atrás dele depois de sua partida, apenas para ver que
Dawn tinha chegado primeiro. Agora ela estava muito feliz por tê-lo, feliz pelo
seu apoio fácil e honesto.
- Eu quero ter aulas de esgrima com você. – Disse ele, rindo.
Em seus braços, Luce olhou para o céu, para as sombras se alongando entre
os grandes ramos. Suas vozes estavam mais brandas agora, menos distintas,
mas ainda mais claras do que já tinham sido antes, como um rádio cheio de
estática que ela tinha estado ouvindo há anos e que finalmente havia
sintonizado. Ela não poderia dizer se ela deveria estar grata ou com medo.
Capítulo 11 – Oito Dias
- Espere um pouco. – A voz de Callie explodiu no outro lado da linha. – Deixa
eu me beliscar para ter certeza que eu não estou...
- Você não está sonhando. – Disse Luce em seu telefone celular emprestado. A
recepção estava irregular de sua posição na borda da floresta, mas o sarcasmo
de Callie veio alto e claro. – Sou eu mesma. Desculpe-me por ser uma amiga
tão horrível.
Era quinta-feira após o jantar e Luce estava encostada no tronco robusto de
uma sequoia atrás de seu dormitório. À sua esquerda estava uma ladeira
ondulada e depois dela o precipício e, além disso, o oceano. Havia ainda uma
luz âmbar pequena no céu sobre a água. Seus novos amigos estavam todos no
chalé fazendo s’mores, contando histórias de demônio em torno da lareira. Era
um evento social de Dawn e Jasmine, parte das Noites Nephilim que Luce era
para ter ajudado a organizar, mas tudo o que ela realmente tinha feito era ter
pedido alguns sacos de marshmallows e chocolate preto do refeitório.
Então ela escapou para a margem sombria da floresta para evitar todos da
Shoreline e se reconectar com algumas outras coisas importantes: Os pais
dela. Callie. E os Anunciadores.
Esperou até hoje para ligar para casa. Quintas-feiras na casa dos Price
significava que sua mãe estaria jogando mahjong na casa dos vizinhos e seu
pai teria ido ao cinema local assistir à Opera Atlanta em transmissão
simultânea. Podia suportar suas vozes nas mensagens da secretária eletrônica
com mais de dez anos de idade, conseguia dar conta de deixar um correio de
voz de trinta segundos dizendo que ela estava implorando muito para o Sr.
Cole deixá-la sair do campus no dia de Ação de Graças e que ela os amava
muito.
Callie não a deixaria escapar tão fácil.
- Eu pensei que você só podia ligar às quartas-feiras. – Callie estava dizendo
agora. Luce havia esquecido a política rigorosa de telefone em Sword & Cross.
– No começo eu parei de fazer planos às quartas-feiras, esperando sua
ligação. – Callie continuou. – Mas depois de um tempo, eu meio que desisti.
Como você conseguiu um telefone celular, afinal?
- Só isso? – Luce perguntou. – Como eu consegui um telefone celular? Você
não está brava comigo?
Callie soltou um longo suspiro.
- Você sabe, pensei em ficar chateada. Até treinei uma briga inteira em minha
mente. Mas, então, nós duas perdemos. – Fez uma pausa. – E o fato é que eu
sinto sua falta, Luce. Então percebi, por que perder tempo?
- Obrigada. – Sussurrou Luce, próximas das lágrimas, daquelas de felicidade. –
Então o que está acontecendo com você.
- Unh-unh. Eu que mando nesta conversa. Esse é o seu castigo por sair meu
radar. E o que eu quero saber é: O que está acontecendo com aquele cara? Eu
acho que o nome dele começava com um C?
- Cam. – Luce gemeu. Cam era o último cara que ela tinha contado a Callie? –
ele meio que não era... O tipo de cara que eu achava que ele era. – Ela parou
por um momento. – Eu estou saindo com outra pessoa agora e as coisas estão
realmente... – Ela pensou na face brilhante de Daniel, do jeito que tinha
escurecido tão rapidamente durante o último encontro no lado de fora de sua
janela.
Então ela pensou em Miles. O Miles quente, seguro e charmosamente sem
drama, que a tinha convidado para a casa da família dele no dia de Ação de
Graças. Aquele que pedia picles nos seus hambúrgueres no refeitório agora,
mesmo que ele não goste deles, só assim ele podia pegá-los e dar-lhes a Luce.
Aquele que inclinava a cabeça para cima quando ria para que ela pudesse ver
o brilho nos olhos por debaixo do sombreado boné dos Dodgers.
- As coisas estão bem. – Ela disse finalmente. – Nós estamos saindo bastante.
- Oh, saltitando de um menino do reformatório para outro. Curtindo a vida, né?
Mas esse ai parece ser sério, eu posso ouvir isso na sua voz. Vocês vão
passar o dia de Ação de Graças juntos? Traga-o para cara para enfrentar a ira
de Harry? Hah!
- Hum... Sim, provavelmente. – Resmungou Luce. Ela não estava totalmente
certa se estava falando sobre Daniel ou Miles.
- Meus pais estão insistindo em alguma grande reunião de família, em Detroit,
no fim de semana, – Disse Callie. – o que eu estou boicotando. Eu queria vir
visitar, mas achei que você estaria trancada na Vila Reformatório. – Ela fez
uma pausa e Luce podia imaginá-la enrolada em sua cama, em seu quarto em
Dover. Parecia uma vida inteira atrás desde que Luce tinha estado na escola,
ela mesma. Então muito tinha mudado. – Mas se você vai estar em casa, e
trazendo o menino do reformatório, então tente e me impeça.
- Ok, mas Callie...
Luce foi interrompida por um grito.
- Então está combinado? Imagine: Em uma semana vamos estar enroladas no
seu sofá, trocando ideia! Vou fazer a minha famosa pipoca para nos ajudar a
ver o show de slides que o seu pai chato vai mostrar. E o seu poodle louco
ficará enlouquecido...
Luce nunca tinha ido à casa de Callie, na Filadélfia, e Callie nunca tinha
realmente ido à casa de Luce, na Geórgia. Elas tinhas apenas visto fotos. A
visita de Callie soou tão perfeita, tão exatamente aquilo que Luce precisava no
momento. Isso também parecia totalmente impossível.
- Vou procurar por voos agora mesmo.
- Callie...
- Eu vou lhe enviar um e-mail, ok? – Callie desligou antes que Luce
conseguisse responder.
Isso não era bom. Luce fechou o telefone. Não deveria ter sentido como se
Callie tivesse se intrometendo ao se convidar para o dia de Ação de Graças.
Deveria ter se sentido muito bem que sua amiga ainda queria vê-la. Mas tudo o
que ela se sentia era impotente, com saudades de casa e culpada por
perpetuar esse ciclo estúpido de mentiras.
Seria mesmo possível ser apenas normal e feliz? O que na Terra – ou fora dela
– levaria para Luce ser tão contente com sua vida quanto alguém como Miles
parecia ser? Sua mente continuava circulando em torno de Daniel. E ela tinha a
resposta: A única maneira que podia estar despreocupada novamente seria se
ela nunca tivesse conhecido Daniel. Nunca ter conhecido o verdadeiro amor.
Alguma coisa balançou no topo das árvores. Um vento gelado atacou sua pele.
Ela não tinha se concentrado num Anunciador especificamente, mas ela
percebeu como Steven tinha dito a ela que seu desejo por respostas devia ter
convocado um.
Não, não um apenas.
Estremeceu, olhando para o emaranhado de galhos. Centenas de sombras
camufladas, turvas e com mau cheiro.
Elas fluíam juntas nos altos ramos de sequoias sobre sua cabeça. Como se
alguém nas nuvens tivesse derrubado um pote gigante de tinta preta que havia
se espalhado por todo céu e escorria para a copa das árvores, de um ramo
para outro, até que a floresta se torne uma lavagem sólida de escuridão. No
começo era quase impossível dizer onde uma sombra acabava e começava
outra, qual era realmente uma sombra e qual era um Anunciador.
Mas logo elas começaram a se transformar e se tornaram óbvias,
maliciosamente num primeiro momento, como se estivessem se movendo
inocentemente na luz do fim do dia, mas depois, mais ousadamente.
Surrupiaram livremente dos ramos que tinham ocupado, tirando seus
tentáculos de escuridão para baixo, para baixo, perto da cabeça de Luce.
Acenando ou a ameaçando? Ela se armou se coragem, mas não conseguiu
recuperar o fôlego. Havia muitas. Eram demais. Ela fez um esforço para
respirar, tentando não entrar em pânico, sabendo que era tarde demais.
Ela correu.
Começou indo para o sul, em direção ao dormitório, mas o abismo negro
rodopiando no topo das árvores se moveu com ela, sibilando ao longo dos
ramos mais baixos das sequoias, se aproximando. Sentiu as alfinetadas
geladas de seu toque em seus ombros. Gritou quando elas a agarraram,
golpeando-as para longe com suas mãos.
Mudou de rumo, girou em torno de si mesma na direção oposta, em direção ao
chalé dos Nephilim para o norte. Ela iria encontrar Miles ou Shelby, ou até
mesmo Francesca. Porém os Anunciadores não a deixavam ir. Imediatamente,
eles deslizavam à frente, inchando em sua frente, engolindo a luz e bloqueando
o caminho para o chalé. Seu assobio abafava os murmúrios distantes da
fogueira Nephilim, fazendo os amigos de Luce parecerem incrivelmente
distantes.
Luce se obrigou a parar e respirar fundo. Sabia mais sobre os Anunciadores do
que nunca. Devia ter menos medo deles. Qual era o seu problema? Talvez
soubesse que estava se aproximando de algo, alguma memória ou
informações que pudesse alterar o curso de sua vida. E de seu relacionamento
com Daniel. A verdade era que não estava aterrorizada com os Anunciadores.
Estava com medo do que ela pudesse ver dentro deles.
Ou ouvir.
Ontem, a menção de Steven sobre sintonizar os ruídos dos Anunciadores
finalmente fez sua ficha cair, podia ouvir dentro de suas vidas passadas. Podia
cortar a estática e se concentrar no que queria saber. No que ela precisava
saber. Steven devia ter tido a intenção de lhe dar esta pista, devia saber que
ela ouvia e levou seus novos conhecimentos direto aos Anunciadores.
Virou-se e voltou para a solitária escuridão das árvores. Os assobios dos
Anunciadores se aquietaram e acalmaram.
A escuridão sob os ramos a encobriu com o frio e com cheiro da decomposição
de folhas. No crepúsculo, os Anunciadores rastejavam para frente, se fixando
na penumbra ao seu redor, se camuflando novamente entre as sombras
naturais. Algumas delas se moviam de forma rápida e rígida, como soldados;
outros tinham um encanto frágil. Luce se perguntava se suas aparições
refletiam alguma coisa sobre as mensagens que continham.
Tanta coisa sobre os Anunciadores ainda parecia impenetrável. Sintonizá-los
não era nada intuitivo, como brincar com o mostrador de um rádio antigo. O
que ela tinha ouvido ontem – aquela única voz entre o tumulto de vozes – tinha
chegado a ela por acaso.
O passado pode ter sido incompreensível para ela antes, mas podia senti-lo se
pressionando contra as superfícies escurar, esperando para entrar a luz.
Fechou seus olhos e reuniu as mãos. Lá, na escuridão, com o coração batendo
forte, ela queria que eles saíssem. Convidara aquelas coisas mais frias e mais
obscuras, pedindo a elas para que entregassem seu passado, para iluminar
sua história e a de Daniel. Chamou por eles para resolver o mistério de quem
ele era e por que ele a tinha escolhido.
Mesmo que a verdade partisse seu coração.
Uma suntuosa risada feminina ecoou na floresta. Uma risada tão clara e
completa que parecia estar em torno de Luce, saltando dos galhos das árvores.
Tentou rastrear sua origem, mas havia tantas sombras reunidas – Luce não
sabia como localizar a fonte. Então sentiu seu sangue congelar.
A risada era dela.
Ou já tinha sido dela, quando era criança. Antes de Daniel, antes de Sword &
Cross, antes de Trevor... Antes de uma vida cheia de segredos, mentiras e
tantas questões irrespondíveis. Antes que ela tivesse visto um anjo. A risada
era muito inocente, muito despreocupada para ainda pertencer a ela.
Uma lufada de vento rodopiou na parte de cima dos ramos e uma dispersão de
sequoias marrons se rompeu e se espalhou pelo chão. Elas tamborilavam
como pingos de chuva no momento que se juntavam a milhares de seus
antecessores no chão da floresta. Entre elas estava uma folhagem grande.
Grossa e emplumada, totalmente intacta, caindo lentamente, de alguma forma
sem a força da gravidade. Era negra em vez de marrom. E ao invés de cair no
chão, flutuou levemente para a palma da mão estendida de Luce.
Não era uma folhagem, mas um Anunciador. Quando ela se inclinou para
examinar mais de perto, ouviu o riso novamente. Em algum lugar lá dentro,
outra Luce estava rindo. Delicadamente, Luce deu um puxão nas bordas
espinhosas do Anunciador. Era mais flexível do que esperava, mas fria como
gelo e pegajosa contra seus dedos. Ficou maior no mais leve toque. Quando já
tinha crescido cerca de um metro quadrado, Luce o libertou do puxão e ficou
contente ao vê-lo ficar suspenso ao nível dos olhos em sua frente. Ela fez um
esforço especial para se concentrar na audição, em sintonia com o mundo ao
seu redor.
Nada no começo e, em seguida...
Mais uma risada crescente cantou de dentro para fora da sombra. Então o véu
de escuridão se abriu e uma imagem interior se tornou mais clara.
Desta vez, Daniel foi o primeiro a entrar em vista.
Mesmo através da tela do Anunciador, era o paraíso vê-lo. Seu cabelo estava
um par de centímetros mais longo do que ele usava agora. Era bronzeado – os
ombros e a parte superior de seu nariz estavam um tanto profundos, marrom
dourado. Ele usava sunga da guarnição da Marinha, confortavelmente em torno
de seus quadris, o tipo que tinha visto em fotos de família a partir dos anos
setenta. Ele as fez parecer tão boas.
Atrás de Daniel estava à borda verdejante de uma espessa floresta, densa, de
um verde luxuriante, mas brilhante com frutos silvestres.
E as flores brancas que Luce nunca tinha visto antes. Ele estava de pé na orla
de um curto precipício, porém dramático, olhava para uma piscina de água
espumante. Daniel, entretanto, olhava para cima, em direção ao céu.
A risada de novo. E então a própria voz de Luce se dividiu em risadinhas.
- Apresse-se e desça aqui!
Luce se inclinou para frente, mais perto da janela do Anunciador, e viu sua
própria forma pisando na água num biquíni amarelo de alça. Seus longos
cabelos dançavam ao seu redor, flutuando na superfície da água como uma
auréola bem preta. Daniel ficou a olhando, mas também ainda estava olhando
para cima. Os músculos em seu peito estavam tensos. Luce tinha um mau
pressentimento que já sabia o porquê.
O céu estava se enchendo de Anunciadores, como um bando de enormes
corvos negros, uma nuvem tão espessa que bloqueava o sol. A Luce há muito
tempo na água, não percebeu, não viu nada. Mas assistindo todos aqueles
Anunciadores se esvoaçarem e se reunirem no ar úmido daquela floresta
tropical, em uma imagem feita por um Anunciador, fez a Luce na floresta sentir
uma súbita vertigem.
- Você me faz esperar demais. – A Luce de muito tempo atrás chamou Daniel.
– Muito em breve eu vou congelar.
Daniel tirou os olhos do céu, a olhando com uma expressão destruída. Seus
lábios estavam tremendo e seu rosto estava branco como um fantasma.
- Você não vai congelar. – Eram as lágrimas que Daniel estava enxugando?
Ele fechou os olhos e estremeceu. Então, fez um arco com as mãos sobre a
cabeça, se empurrou das pedras e mergulhou.
Daniel veio à tona um momento depois e a Luce de muito tempo atrás nadou
em sua direção. Colocou os braços em volta de seu pescoço, o rosto brilhante
e feliz. Luce assistia ao jogo com uma mistura de náusea e satisfação. Queria
que sua antiga forma tivesse o máximo de Daniel ela tinha, sentir aquela
inocente e extasiante proximidade de estar com a pessoa que amava.
Mas ela sabia, assim como Daniel sabia, como o enxame de Anunciadores
sabia, o que exatamente estava para acontecer assim que esta Luce apertasse
seus lábios aos dele. Daniel estava certo: Ela não iria congelar. Iria queimar em
uma explosão terrível de chamas.
E Daniel seria deixado para trás para lamentar sua partida.
Mas ele não era o único. Esta menina teve uma vida, amigos e uma família que
a amava, que iria ser devastada quando a perdessem.
De repente, Luce estava enfurecida. Furiosa com a maldição que havia pairado
sobre ela e Daniel. Ela tinha sido inocente, impotente, não entendia nada sobre
o que ia acontecer. Ainda não entendia o porquê de isso acontecer, o porquê
que ela sempre tinha que morrer tão rapidamente depois de encontrar Daniel.
O porquê disso ainda não ter acontecido com ela nesta vida.
A Luce na água ainda estava viva. Luce não iria – não podia deixá-la morrer.
Ela agarrou o Anunciador, enrolando suas bordas em seus punhos. Ele torcia e
se dobrava, contorcendo as imagens dos nadadores como um espelho de
parque de diversões fazia. Dentro de sua tela, outras sombras estavam
descendo. Os nadadores estavam correndo contra o tempo.
Na frustração, Luce gritou e balançou os punhos para o Anunciador – primeiro
um, depois o outro, a chuva começando a cair na cena à sua frente. ela batia
nele repetidamente, ofegante e chorando enquanto tentava o seu melhor para
parar o que estava acontecendo.
Então aconteceu: Seu punho direito transpassou e o braço dela afundou até o
cotovelo. Imediatamente, sentiu o choque da mudança de temperatura. O calor
de um sol de verão se espalhando pela palma da mão. A gravidade deslocada.
Luce não podia dizer qual caminho ia, para cima ou para baixo. Sentia seu
estômago recuando e temia que fosse vomitar.
Ela podia passar. Podia salvar seu velho eu. Timidamente, esticou o braço
esquerdo para frente. Ele, também, desapareceu no Anunciador, como se
passando através de uma folha brilhante e úmida de gelatina que ondulava e
ampliava, como se pudesse deixá-la passar.
- Ele quer a mim. – Disse ela em voz alta. – Eu posso fazer isso. Eu posso
salvar minha vida. – Ela se inclinou para trás ligeiramente e então colocou seu
corpo no Anunciador.
Havia sol, tão brilhante que teve que fechar seus olhos e um calor tão tropical
que um brilho de suor imediatamente estourou em sua pele. E uma cena
nauseante de gravidade se inclinando e a levando ao chão, como na altura de
um mergulho. No momento em que estava caindo...
Alguma coisa tinha de segurar seu tornozelo esquerdo. E o direito. Algo estava
puxando Luce muito energicamente para trás.
- Não! – Luce gritou, porque podia ver agora, podia ver, lá embaixo, uma
explosão de cor amarela na água. Brilhante demais para ser a alça de seu
biquíni. Será que a Luce de muito tempo atrás já estava queimando?
Então, tudo desapareceu.
Luce foi arrancada asperamente de volta para o pedaço de terra fria e escura
de sequoias atrás do dormitório de Shoreline. Sua pele estava fria e úmida e
seu equilíbrio estava completamente arruinado, caindo com o rosto no chão
cheio de folhas de sequoia da floresta. Virou-se e viu duas figurar em sua
frente, mas sua visão estava girando tanto que ela nem poderia dizer quem
eram.
- Eu pensei que iria te encontrar aqui.
Shelby. Luce balançou a cabeça e piscou algumas vezes. Não apenas Shelby,
mas Miles também. Ambos pareciam exaustos. Luce estava esgotada. Olhou
para o relógio, não se surpreendendo mais ao ver quanto tempo passara
vislumbrando o Anunciador. Era depois de uma hora da manhã. O que Miles e
Shelby ainda estavam fazendo acordados?
- O q-quê... O que você estava tentando... – Balbuciou Miles, apontando para o
local onde o Anunciador tinha estado. Ela olhou por cima do ombro. Ele tinha
se espalhado em centenas de folhas de sequoia que chovia, frágil o suficiente
para se transformar em cinzas, onde eles caíam.
- Eu acho que vou ficar doente. – Murmurou Luce, rolando para o lado e se
dirigindo para trás de uma árvore próxima.
Tentou se levantar com dificuldade algumas vezes, mas nada aconteceu.
Fechou os olhos, atormentada com a culpa. Tinha ficado muito fraca e tinha se
atrasado demais para salvar a si mesma.
Uma mão fria se aproximou dela e puxou as loiras ondas curtas de seu cabelo
para trás de seu rosto. Luce viu Shelby com a desgastada calça de ioga preta e
com sandálias nos pés e sentiu uma onda de gratidão.
- Obrigada. – Disse ela. Após um longo momento, limpou a boca e
instavelmente se pôs em pé. – Você está brava comigo?
- Que brava? Estou orgulhosa de você. Você entendeu tudo. Por que você
ainda precisa de alguém como eu? – Shelby deu de ombros para Luce.
- Shelby...
- Não, eu vou te dizer o porquê você precisa de mim. – Desabafou Shelby. –
Para mantê-la fora de catástrofes como a qual você quase acabou de jogar
dentro! Quer queria, quer não, mais uma coisa: O que você estava tentando
fazer? Sabe o que acontece com as pessoas que vão para dentro dos
Anunciadores?
Luce balançou a cabeça.
- Nem eu, mas duvido que seja bonito!
- Você apenas tem que saber o que você está fazendo. – Disse Miles, de
repente, atrás delas. Seu rosto parecia mais pálido do que o normal. Luce
realmente devia ter o abalado.
- Ah, e eu presumo que você sabe o que está fazendo? – Shelby desafiou.
- Não. – Ele murmurou. – Mas num verão, meus pais me fizeram entrar numas
aulas com este anjo de idade que sabia ok? – Ele se virou para Luce. – E o
jeito que você estava fazendo? Não era nem perto. Você realmente me
assustou, Luce.
- Sinto muito. – Luce estremeceu. Shelby e Miles estavam agindo como se ela
tivesse os traído indo até ali sozinha. – Pensei que vocês estavam indo para a
fogueira atrás do chalé.
- Nós pensamos que você estava indo. – Shelby disparou de volta. – Nós
estávamos ali por um tempo, mas depois Jasmine começou a chorar sobre
como Dawn tinha desaparecido e os professores ficaram todos estranhos,
especialmente quando perceberam que você também estava perdida, então a
festa meio que terminou. Só então que mencionei casualmente a Miles que eu
meio que tinha uma ideia do que você estava aprontando e que eu iria sair para
te encontrar e, de repente, ele virou o Sr. Super Bonder.
- Espere um minuto. – Luce interrompeu. – Dawn desapareceu?
- Provavelmente não. – Miles sugeriu. – Quero dizer, você sabe como ela e
Jasmine são. São tão avoadas.
- Mas era a festa dela. – Disse Luce. – Ela não perderia sua própria festa.
- Isso foi o que Jasmine ficava dizendo. – Miles disse. – Ela não foi para o
quarto a noite passada, e não estava uma bagunça esta manhã, então,
finalmente, Frankie e Steven instruíram a todos nós para voltar aos dormitórios,
mas...
- Vinte pratas que Dawn estava se agarrando com algum não-Neph ensebado
nos bosques ao redor daqui. – Shelby revirou os olhos.
- Não. – Luce teve um mau pressentimento sobre isso. Dawn tinha estado tão
animada sobre a fogueira. Fez um pedido de camisetas online embora não
havia nenhuma maneira no mundo que ela seria capaz de convencer qualquer
uma das crianças Nephilim para usá-las. Não iria simplesmente desaparecer,
não por vontade própria.
- Há quanto tempo ela está desaparecida?
Quando os três saíram do bosque, Luce estava ainda mais abalada. E não
apenas por Dawn. Estava abalada com o que tinha visto no Anunciador.
Assistir de perto a morte de seu ex-eu era agonizante e essa tinha sido a
primeira vez que tinha visto isso. Daniel, por outro lado, teve de vê-la centenas
de vezes. Só que agora ela podia entender por que ele tinha sido tão frio com
ela quando eles se encontraram pela primeira vez: Para poupá-los do trauma
de passar por mais uma morte horrível. A realidade da situação de Daniel
começou a dominá-la e ela estava desesperada para vê-lo.
Atravessando o gramado para o dormitório, Luce teve que sombrear seus
olhos. Potentes lanternas estavam varrendo o campus. Um helicóptero zumbia
à distância, o seu holofote traçava a costa, varrendo para frente e para trás ao
longo da praia. Uma ampla linha de homens em uniformes escuros andava no
caminho do chalé dos Nephilim até o refeitório, lentamente, varrendo o terreno.
Miles disse:
- Isso é padrão para a formação de grupos de busca. Forme uma linha e não
deixe nenhuma polegada do terreno descoberto.
- Oh Deus. – Luce disse baixinho.
- Ela realmente está desaparecida. – Shelby estremeceu. – Não é um bom
karma.
Luce saiu correndo em direção ao chalé dos Nephilim. Miles e Shelby a
seguiram. O caminho, adornado com flores e tão bonito durante o dia, agora
parecia coberto de sombra. À frente deles, a fogueira na cova tinha se
desvanecido a brasas, mas todas as luzes estavam acesas no Chalé, no
interior dos dois andares e por todo o deck. O grande edifício em formato de A
(A-frame) estava resplandecente e parecia formidável na noite escura.
Luce podia ver os rostos assustados de um monte de crianças Nephilim que
estavam sentados nos bancos em torno do deck. Jasmine estava chorando,
seu boné vermelho de malha puxado para baixo em sua cabeça. Estava
segurando a mão dura de Lilith para se apoiar enquanto dois policiais com
cadernos faziam um monte de perguntas. Luce sentiu compaixão pela garota.
Ela sabia quão horrível este processo podia ser.
Os policiais cercaram o deck, distribuindo fotocópias em preto-e-branco de uma
fotografia recente aumentada de Dawn que alguém tinha imprimido pela
Internet. Olhando para baixo na baixa resolução de imagem, Luce ficou
surpresa ao ver o quando ela se parecia com Dawn, pelo menos, antes de ter
tingido o cabelo. Lembrou-se de ter conversado, na manhã depois que tinha
feito isso, o quanto Dawn ficava brincando sobre elas não serem mais gêmeas.
Luce cobriu o suspiro com a mão. Sua cabeça doía quando começou a somar
tantas coisas que não tinha feito sentido. Até agora.
O momento terrível no bote salva-vidas. A dura advertência de Steven sobre
manter isso em segredo. A paranoia de Daniel sobre “perigos” que ele nunca
explicara a Luce. Os Exilados que a tinham atraído para fora do campus, a
ameaça que Cam havia destruído na floresta. A maneira com que Dawn se
parecia tanto com ela na indistinta fotografia em preto-e-branco.
Quem quer que tenha levado Dawn tinha se enganado. Era Luce que eles
queriam.
Capítulo 12 – Sete Dias
Sexta de manhã, os olhos de Luce se abriram piscando e olharam para o
relógio. Sete e meia da manhã. Ela tinha acabado de pegar no sono – estava
uma bagunça, muito preocupada com Dawn e ainda zangada com a vida
passada que havia presenciado no dia anterior, através do Anunciador. Era tão
estranho ter visto os momentos que antecederam sua morte. Será que todas
tinham sido assim? Sua mente continuava correndo em direção ao mesmo
obstáculo toda vez:
Se não tivesse sido por Daniel...
Será que teria uma chance de ter uma vida normal, um relacionamento com
alguém, casar, ter filhos e envelhecer como o resto do mundo? Se não tivesse
sido por Daniel se apaixonar por ela séculos atrás, será que Dawn estaria
desaparecida agora?
Todas estas questões apenas desviavam aquela que consequentemente era a
mais importante das questões: Será que o amor seria diferente com outra
pessoa? Será que o amor era até mesmo possível com outra pessoa? O amor
era para ser fácil, não era? Então, por que ela se sentia tão atormentada?
Shelby botou a cabeça para fora olhando para baixo do beliche superior. Seu
rabo de cavalo loiro grosso caía atrás dela como uma corda pesada.
- Você está tão assustada com tudo isso quanto eu?
Luce deu um tapinha na cama para que Shelby corresse para baixo e para se
sentar ao seu lado. Ainda usando seu pesado pijama de algodão vermelho,
Shelby deslizou para a cama de Luce, trazendo duas barras gigantes de
chocolate preto com ela.
Luce ia dizer que não podia comer, mas como o cheiro do chocolate flutuava
até eu nariz, desembrulhou o papel alumínio bronze e deu a Shelby um sorriso
tímido.
- Veio muito a calhar. – Disse Shelby. – Sabe aquela coisa que eu disse ontem
à noite sobre Dawn estar de amasso com algum ensebado? Eu me sinto muito
mal por isso.
Luce balançou a cabeça.
- Oh, Shel, você não sabia. Você não pode se sentir mal por isso. – Ela, por
outro lado, tinha muitos motivos para se sentir mal sobre o que havia
acontecido com Dawn. Luce havia passado tanto tempo já se sentindo
responsável pela morte de pessoas próximas a ela. Trevor, em seguida, Todd,
em seguida, a pobre, pobre Penn. Sua garganta se fechou com a ideia de
adicionar Dawn à lista. Enxugou uma lágrima em silêncio antes que Shelby
pudesse ver. Estava chegando a um ponto em que teria que se por em
quarentena, para ficar longe de todos que amava para que pudessem estar
seguros.
Uma batida em sua porta fez Luce e Shelby pularem. A porta se abriu
lentamente. Miles.
- Encontraram Dawn.
- O quê? – Luce e Shelby perguntaram se sentando ao mesmo tempo.
Miles arrastou a cadeira da mesa de Luce até a cama e se sentou de frente
para as meninas. Tirou seu boné e enxugou a testa. Estava formando gotas de
suor, como se ele estivesse vindo correndo pelo campus para contar a elas.
- Eu não consegui dormir na noite passada. – Disse ele, virando o boné em
suas mãos. – Eu estava de madrugada, andando por aí. Dei de cara com
Steven e ele me contou as boas novas. As pessoas que a levaram a trouxeram
de volta no nascer do sol. Ela está abalada, mas não se machucou.
- Isso é um milagre. – Shelby murmurou.
Luce estava mais suspeita.
- Eu não entendo. Eles simplesmente trouxeram de volta? Ilesa? Quando é que
isso acontece?
E quanto tempo tinha levado para, quem quer que seja, perceber que tinha
pegado a garota errada?
- Não foi tão simples assim. – Admitiu Miles. – Steven estava envolvido. Ele a
resgatou.
- De quem? – Luce praticamente gritou.
Miles deu de ombros, balançando para trás sobre as duas pernas da cadeira.
- Sei lá. Tenho certeza que Steven sabe, mas, uh, eu não sou exatamente a
sua primeira escolha para uma conversa tão íntima.
A ideia fez Shelby vaiar. Que Dawn tinha sido encontrada, sem ferimentos,
parecia relaxar todos, exceto Luce. Seu corpo estava ficando dormente. Não
conseguia parar de pensar: Devia ter sido eu.
Saiu da cama e pegou uma camiseta e jeans do armário. Tinha que encontrar
Dawn. Dawn era a única pessoa que poderia responder suas perguntas. E
mesmo que Dawn nunca entendesse, Luce sabia que ela lhe devia um pedido
de desculpas.
- Steven disse que as pessoas que a levaram não voltarão mais. – Adicionou
Miles, observando Luce preocupada.
- E você acredita nele? – Luce zombou.
- Por que não? – Perguntou uma voz na porta aberta.
Francesca estava encostada na soleira da porta num sobretudo cáqui. Estava
radiantemente calma, mas não parecia exatamente feliz em vê-los.
- Dawn está em casa agora e está segura.
- Eu quero vê-la. – Disse Luce, se sentindo ridícula parada ali com sua
esfarrapada camiseta e seu short de corrida que havia dormido.
Francesca franziu os lábios.
- A família de Dawn a pegou há uma hora. Ela vai voltar para Shoreline quando
for a hora certa.
- Por que você está agindo como se nada tivesse acontecido? – Luce levantou
os braços. – Como se a Dawn não tivesse sido sequestrada.
- Ela não foi sequestrada. – Francesca corrigiu. – Ela foi pega emprestada, e
isso acabou por ser um erro. Steven lidou com isso.
- Hum, é isso que deveria nos fazer sentir melhor? Ela foi pega emprestada?
Para o quê?
Luce procurou traços no rosto de Francesca e não viu nada além de uma
calma sensata. Mas então algo em seus olhos azuis mudou: Eles se
estreitaram, então, ampliaram, e um apelo silencioso passou de Francesca
para Luce. Ela queria que Luce não demonstrasse o que suspeitava na frente
de Miles e Shelby. Luce não sabia o porquê, mas confiou em Francesca.
- Steven e eu esperamos que o resto de vocês fosse ficar um tanto abalados.
Francesca continuou, ampliando seu olhar para incluir Miles e Shelby. – As
aulas estão canceladas e estaremos em nossos escritórios se vocês quiserem
dar uma passada e conversar. – Ela sorriu daquela maneira
deslumbrantemente angelical dela, virou-se em seu salto alto e foi andando
pelo corredor.
Shelby se levantou e fechou a porta atrás de Francesca.
- Você acredita que ela usou o termo emprestada para se referir a um ser
humano? Dawn é um livro da biblioteca? – Ela enrolou as mãos para cima. –
Temos que fazer alguma coisa. Desfocalizar nossas mentes disso. Quero dizer,
estou contente que Dawn esteja segura e eu confio em Steven, eu acho, mas
ainda estou bem assustada.
- Você está certa. – Disse Luce, olhando por cima para Miles. – Nós vamos nos
distrair. Nós poderíamos ir para um passeio...
- É muito perigoso. – Os olhos de Shelby dardejaram de um lado para o outro.
- Ou assistir a um filme...
- Muito ineficiente. Minha mente vai viajar.
- Eddie disse algo sobre um jogo de futebol durante o almoço. – Miles jogou
para fora. Shelby fechou a mão sobre a testa.
- É preciso lembrar que estou cansada dos meninos de Shoreline?
- Que tal um jogo de tabuleiro?
Finalmente os olhos de Shelby se iluminaram.
- Que tão Jogo da Vida? Como nas suas vidas passadas? Nós poderíamos
fazer aquela parada para rastrear seus familiares novamente. Eu poderia te
ajudar.
Luce mordeu o lábio inferior. Perfurar ontem aquele Anunciador tinha abalado
seriamente suas estruturar. Ainda estava desorientada fisicamente,
emocionalmente esgotada e aquilo nem ao menos havia indicado como tinha
feito ela se sentir em relação a Daniel.
- Eu não sei. – Disse.
- Você quer dizer, mais do que você estava fazendo ontem? – Miles perguntou.
Shelby inclinou a cabeça e olhou para Miles.
- Você ainda está aqui?
Miles pegou um travesseiro que tinha caído no chão e o lançou nela. Ela o
jogou novamente nele, parecendo impressionada com seu próprio reflexo.
- Ok, tudo bem. Miles pode ficar. Mascotes são sempre úteis. E nós podemos
precisar de alguém para jogar debaixo de um ônibus. Certo, Luce?
Luce fechou os olhos. Sim, estava morrendo de vontade de saber mais sobre
seu passado, mas e se fosse mais difícil de digerir como tinha sido no dia
anterior? Mesmo com Miles e Shelby ao seu lado, estava com medo de tentar
novamente.
Mas então se lembrou do dia em que Francesca e Steven tinham vislumbrado
o Anunciador de Sodoma e Gomorra na frente da classe. Depois, os outros
alunos tinham cambaleado, mas Luce ficou pensando que mesmo eles
vislumbrando ou não aquela cena horrível não importava no final: Ainda teria
acontecido. Assim como no seu passado.
Por amor de todas suas formas anteriores, Luce não podia virar as costas
agora.
- Vamos fazer isso. – Disse a seus amigos.
Miles deu às meninas alguns minutos para se vestirem e se reuniram
novamente no corredor. Mas, então, Shelby se recusou a entrar na floresta
onde Luce tinha convocado os Anunciadores.
- Não olhe para mim assim, Dawn foi pega e a floresta está escura e
assustadora. Eu realmente não quero ser a próxima, né?
Foi quando Miles insistiu que seria bom para Luce tentar praticar a convocação
dos Anunciadores em um lugar novo, como o dormitório.
- Apenas assobie e os traga correndo. – Disse ele. – Faça dos Anunciadores
suas cadelas. Você sabe o que você quer.
- Mas eu não quero que eles comecem a espreitar por aqui. – Shelby disse, se
virando para Luce. – Sem ofensa, mas uma garota gosta de sua privacidade.
Luce não se ofendeu. Mas não é que os Anunciadores realmente tivessem
parado de segui-la, independentemente de quando ela os convocava. Não
queria que as sombras passassem pelo quarto do dormitório sem aviso prévio
mais do que Shelby fazia.
- A coisa com os Anunciadores é demonstrar controle. É como treinar um
cachorrinho. Você só tem que o deixar saber quem é que manda.
Luce ergueu a cabeça para Miles.
- Desde quando você sabe tanta coisa útil sobre os Anunciadores?
Miles corou.
- Eu nem sempre posso ser aplicado na sala de aula, mas eu sou capaz de
algumas coisas.
- E daí? Ela apenas para lá e convoca? – Shelby perguntou.
Luce estava na esteira de ioga de arco-íris de Shelby no centro do quarto e
pensou sobre como Steven a tinha treinado.
- Vamos abrir uma janela. – Disse.
Shelby pulou para levantar o caixilho da janela larga, deixando entrar um sopro
de ar fresco do mar frio.
- Boa ideia. Torná-lo mais receptivo.
- E o frio. – Disse Miles, puxando o capuz de seu moletom para cima.
Então os dois se sentaram na cama de frente para Luce, como se fosse um
ator no palco. Ela fechou os olhos, tentando não se sentir no local. Mas ao
invés de pensar nas sombras, ao invés de convocá-los em sua mente, tudo o
que conseguia era pensar em Dawn e como ela devia ter ficado aterrorizada na
noite passada, como devia estar se sentindo até agora, de volta com sua
família. Tinha se recuperado do incidente bizarro no iate, mas esta vez foi
muito mais grave. E a culpa era de Luce.
Bem, Luce e Daniel, por trazê-la aqui.
Ele continuava dizendo que estava a levando para um lugar mais seguro.
Agora Luce se perguntava se tudo o que ele estava fazendo era tornando
Shoreline mais perigosa para todo mundo.
Um suspiro de Miles fez Luce abrir os olhos. Ela olhou bem acima da janela,
onde um grande Anunciador cinza-carvão estava pressionado contra o teto.
No início parecia que podia ser uma sombra normal, lançada pela lâmpada no
chão que Shelby havia empurrado até o quando ela fez o Vinyasa. Mas, em
seguida, o Anunciador começou a se espalhar através do teto até que o quarto
parecia como se tivesse sido dado uma mão de tinta mortal, deixando um
rastro frio, fétido sobre a cabeça de Luce. Fora de seu alcance.
O Anunciador que nem havia sido convocado – o Anunciador que podia conter,
bem, qualquer coisa – estava a provocando.
Ela inalou nervosamente, lembrando o que Miles tinha dito sobre controle.
Concentrou-se tão ferozmente que seu cérebro começou a doer. Seu rosto
estava vermelho e seus olhos estavam tensos ao ponto dela ter que desistir.
Mas então:
O Anunciador se dobrou, deslizando até seus pés como um parafuso espesso
de tecido descartado. Piscando os olhos, ela discerniu uma menor e mais
gorda sombra marrom pairando sobre a maior e mais escura, seguindo seus
movimentos, quase do mesmo jeito que um pardal deve voar em estreita
conformidade com um falcão. O que esse menor queria?
- Incrível. – Miles sussurrou.
Luce tentou deixar as palavras de Miles afundarem como um elogio. Essas
coisas que aterrorizaram toda sua vida, que a fizeram infeliz? Que ela sempre
tinha medo? Agora elas lhe serviam. O que realmente era meio que incrível.
Não havia passado por sua cabeça até que viu o rosto intrigado de Miles. Pela
primeira vez, se sentiu muito foda.
Luce controlou sua respiração e, com calma, o guiou do chão para suas mãos.
Uma vez que o Anunciador grande e cinza estava ao alcance, o menor se
derramou no chão num ângulo dourado de luz vinda da janela, se misturando
com as tábuas de madeira. Luce pegou as bordas do Anunciador e prendeu a
respiração, rezando para que a mensagem interior fosse mais inocente do que
a de ontem. Puxou, surpresa ao sentir essa sombra dar-lhe mais resistência do
que qualquer outra tinha dado. Parecia tão pura e sem substância, mas parecia
forte em suas mãos. No momento ela já o havia moldado em uma janela
quadrada de uns trinta centímetros, seus braços estavam doendo.
- Isso é o melhor que posso fazer. – Disse a Miles e Shelby. Eles se
levantaram, aproximando.
O véu cinzento do Anunciador levantou, ou Luce pensou que tinha, mas, em
seguida, outro véu cinza estava embaixo. Apertou os olhos até que viu a
textura cinza turva e se movendo, percebendo que não era mais a sombra que
ela estava vendo: O véu cinzento que estavam olhando era uma espessa
nuvem de fumaça de cigarro. Shelby tossiu.
O fumo nunca saiu, mas os olhos de Luce se acostumaram a ela, logo podia
ver uma ampla mesa estilo meia-lua com um feltro vermelho em cima. Um jogo
de cartas estava disposto em fileiras por toda a superfície. Uma fila de
estranhos se sentou amontoados em um dos lados. Alguns pareciam
apreensivos e nervosos, como um homem calvo que mantinha frouxa sua
gravata de bolinhas e assobiava baixinho. Outros pareciam exaustos, como
uma mulher com laquê no cabelo apagando um cigarro em um meio copo cheio
de alguma coisa. Seu rímel pegajoso estava enfraquecendo seus cílios
superiores, deixando um bocado de grãos pretos embaixo dos olhos.
E, sobre a mesa, um par de mãos estava voando através de um baralho de
cartas, espertamente movendo uma carta de cada vez para cada pessoa na
mesa. Luce se aproximou um pouco mais de Miles para que pudesse ter uma
visão melhor. Ela estava distraída pelas luzes de neon piscando de mil
máquinas de caça-níqueis pouco além das mesas. Isso foi antes de ela ver o
dealer.
Pensou que iria se acostumar a ver versões de si mesma nos Anunciadores.
Jovem, esperançosa, sempre ingênua. Mas esta era diferente. A mulher
distribuindo cartas no cassino decadente usava uma branca camisa Oxford,
calças petas justas e um colete preto que inchava o peito. Suas unhas eram
longas e vermelhas, com lantejoulas brilhantes em ambos os dedos mínimos, e
constantemente os usava para tirar seus cabelos negros de seu rosto. Seu foco
ficava pouco acima dos fios de cabelo dos jogadores, então ela nunca olhava
alguém nos olhos. Era três vezes mais velha que Luce, mas ainda havia algo
entre elas.
- É você? – Miles, sussurrou, tentando não parecer horrorizado.
- Não! – Shelby disse categoricamente. – Aquela prostituta é velha. E Luce vive
apenas até completar dezessete. – ela atirou a Luce um olhar nervoso. – Quero
dizer, no passado, que foi o negócio. Desta vez, porém, eu tenho certeza que
ela vai viver até uma idade madura. Talvez tão velha quando esta senhora. Eu
quero dizer.
- Chega, Shelby. – Disse Luce. Miles balançou a cabeça. – Eu tenho tanta
coisa ainda para aprender. Ok, se não sou eu, nós temos de estar... Eu não
sei, de alguma forma relacionado a mim. – Luce viu quando a mulher sacou
fichas para o homem calvo com uma gravata. Suas mãos pareciam meio como
as de Luce. Sua maneira como a boca ficava igualmente séria. – Você acha
que é minha mãe? Ou minha irmã?
Shelby estava rabiscando notas furiosamente no verso da capa de um manual
de ioga.
- Só há uma maneira de descobrir. – Ela passou suas notas para Luce: Las
Vegas Mirage Hotel e Casino, turno da noite, mesa estacionada perto do show
do tigre de bengala, Vera com Lee impresso sobre as unhas.
Ela olhou de volta para a dealer. Shelby era persistente nos detalhes que Luce
nunca havia notado. A etiqueta de identificação da dealer estava escrito o
nome Vera em letras garrafais brancas. Mas a imagem estava começando a
balançar e se desvanecer. Logo toda a imagem se desfez em pedaços
pequenos de sombra que caiu no chão e se enroscou como cinzas de papel
queimado.
- Mas espere, isso não é o passado? – Luce perguntou.
Não acho não. – Disse Shelby. – Ou, pelo menos, não está muito longe no
passado. Havia um anúncio para o novo Cirque Du Soleil no fundo. Então o
que você diz?
Ir todo o caminho até Las Vegas para encontrar essa mulher? Uma irmã de
meia-idade, provavelmente, seria mais fácil de abordar do que os pais bem nos
seus oitenta anos, mas mesmo assim. E se eles fossem por todo o caminho até
Las Vegas e Luce travasse de novo? Shelby a cutucou.
- Ei, eu devo realmente gostar de você, se eu estou concordando em ir para
Las Vegas. Minha mãe era uma garçonete lá por uns anos, quando eu era
criança. Estou lhe dizendo, é o inferno na Terra.
- Como vamos chegar lá? – Luce perguntou, não querendo pedir a Shelby para
ela pegar o carro do ex-namorado emprestado de novo. – O quão longe é Las
Vegas, afinal?
- Muito longe para ir dirigindo. – Miles falou. – O que é bom para mim porque
eu tenho vontade de praticar o transpassamento.
- Transpassamento? – Luce perguntou.
- Transpassamento. – Miles se ajoelhou no chão e juntou os fragmentos da
sombra em suas mãos. Pareciam cansados, mas Miles se manteve os
amassando com os dedos até eles formarem uma bola solta, desarrumada. –
Eu disse que não consegui dormir na noite passada. Eu meio que invadi o
escritório de Steven pelo vão da janela.
- Sim, certo. – Shelby empacou. – Você foi reprovado em levitação. Você
definitivamente não é bom o suficiente para flutuar até o vão da janela.
- E você não é forte o suficiente para arrastar a estante até lá. – Disse Miles. –
Mas eu sou e eu tenho isso para mostrar. – Ele sorriu, segurando um livro preto
e grosso intitulado Como Trabalhar com os Anunciadores: Convoque,
Vislumbre e Viaje em Dez Mil Passos Fáceis. – Eu também tenho um
hematoma enorme na minha canela por causa da saída mal planejada pelo vão
da janela, mas mesmo assim... – Ele se virou para Luce, que estava tendo um
momento difícil para não arrancar o livro de suas mãos. – Eu estava pensando,
como seu talento evidente para vislumbrar e meu conhecimento superior... –
Shelby bufou.
- O que você leu três por cento do livro?
- Três por cento muito úteis. – Disse Miles. – Acho que poderíamos ser
capazes de fazer isso. E não acabar perdidos para sempre.
Shelby inclinou a cabeça com desconfiança, mas não disse mais nada. Miles
se manteve amassando o Anunciador na palma da mão, então começou a
esticá-lo. Após um minuto ou dois, ele tinha crescido no que parecia uma folha
de cinza quase do tamanho de uma porta. Suas bordas estavam vacilantes e
eram quase transparentes, mas quando ela a empurrou um pouco para longe
de seu corpo, parecia ter tomado uma forma mais firme, como um molde de
gesso após o conjunto secar. Miles chegou para o lado esquerdo do retângulo
escuro, tocando ao redor de sua superfície, em busca de alguma coisa.
- Isso é estranho. – Ele murmurou, guarnecendo o Anunciador com os dedos. –
Livro diz que se você fizer a área do Anunciador suficientemente grande, a
tensão superficial reduz a uma proporção que permite a penetração. – Ele
suspirou. – Isso era para estar...
- Ótimo livro, Miles. – Shelby revirou os olhos. – Você é um especialista de
verdade agora.
- O que você está procurando? – Luce perguntou, ficando bem atrás de Miles.
De repente, observando sua mão vaguear, ela a viu.
Uma tranca.
Piscou os olhos e a imagem desapareceu, mas sabia onde ela estava. Chegou
perto de Miles e pressionou sua própria mão contra o lado esquerdo do
Anunciador. Ali. O toque daquilo em seus dedos a fez ofegar. Parecia uma
tranca de metal pesado com um parafuso e ferrolho usado para bloquear uma
porta de jardim. Estava congelando e era áspera com uma ferrugem invisível.
- E agora? – Shelby disse.
Ela olhou para seus dois amigos muito confusa, encolheu os ombros, mexendo
na fechadura, depois, lentamente, deslizou a trinca invisível para o lado.
Com a fechadura liberada, uma porta de sombra balançou, quase os jogando
para trás.
- Nós fizemos isso. – Sussurrou Shelby.
Estavam olhando para um longo e profundo túnel, vermelho e preto. Era úmido
por dentro e cheirava a mofo e coquetéis aguados feitos com cachaça. Luce e
Shelby se entreolharam incertas. Onde estava a mesa de blackjack? Onde
estava a mulher que estavam olhando antes? Uma luz vermelha pulsou de
dentro e, em seguida, Luce podia ouvir máquinas caça-níquel tinindo, moedas
tilintando nas cestas de pagamento com estrépito.
- Legal! – Miles disse, agarrando a mão dela. – Eu li sobre essa parte, é uma
fase de transição. Nós apenas temos que continuar.
Luce alcançou a mão de Shelby, a agarrando firmemente quando Miles entrou
na escuridão úmida e puxou os três completamente para dentro. Andaram
apenas um meio metro para frente, longe o suficiente para alcançar a
verdadeira porta do dormitório de Luce e Shelby. Mas logo que a porta do
Anunciador cinzento nublado se selou atrás deles com um pfffffft
profundamente irritante, o quarto delas em Shoreline tinha desaparecido. O que
tinha sido um aveludado e profundo vermelho brilhante de longe, de repente,
se tornou um branco intenso. A luz branca apontava para frente, os
envolvendo, enchendo os ouvidos com o som. Os três tiveram que proteger
seus olhos. Miles prosseguiu, puxando Luce e Shelby atrás dele. Caso
contrário, Luce poderia ter ficado paralisada. Ambas as palmas das mãos dela
estavam suando dentro das mãos de seus amigos. Estava ouvindo um único
acorda de música alta e perfeitamente sonora.
Luce esfregou os olhos, mas era a cortina de neblina do Anunciador que estava
escurecendo a visão. Miles estendeu a mão e suavemente a esfregou com um
movimento circular, até que ela começou a descascar, como uma velha lasca
de tinta descascando de um teto. E eu cada floco de queda, explosões de ar do
deserto árido golpeavam a frieza tenebrosa, aquecendo a pele de Luce.
Enquanto o Anunciador caía em pedaços, a seus pés, a vista diante deles de
repente fez sentido: Estavam olhando para o Las Vegas Strip. Luce tinha
apenas visto em fotos, mas agora tinha a ponta da Torre Eiffel do Hotel Paris
Las Vegas ao nível dos olhos á distância.
O que significava que estavam muito, muito alto. Ela ousou um olhar para
baixo: Estavam parados no lado de fora de um telhado em algum lugar, com a
beirada apenas um meio metro além de seus dedos. E, além disso, a
intensidade do tráfico de Las Vegas, os topos de uma linha de palmeiras, uma
piscina elaboradamente iluminada. Tudo, pelo menos, a uns trinta andares
abaixo.
Shelby largou a mão de Luce e começou a andar nos limites do teto de cimento
castanho. Três idênticas e longas alas retangulares se prorrogavam a partir de
um ponto central. Luce deu uma volta completa, assimilando três cento e
sessenta graus de luzes de neon brilhantes, e além da Strip, uma série de
montanhas áridas à distância, iluminadas estranhamente pela poluição
luminosa da cidade.
- Droga, Miles. – Disse Shelby, pulando sobre as claraboias para explorar mais
do telhado. – Esse transpassamento foi incrível. Estou quase atraída por você
agora. Quase.
Miles enfiou as mãos nos bolsos.
- Hum... Obrigado?
- Onde estamos exatamente? – Luce perguntou. A diferença entre seu tombo
solo do Anunciador e esta experiência era como noite e dia. Isso foi muito mais
civilizado. Não fez ninguém querer vomitar. Além disso, tinha efetivamente
funcionado. Pelo menos, pensou que tinha. – O que aconteceu com a visão
que tínhamos antes?
- Eu tive que diminuir o zoom. – Disse Miles. – Achei que ficaria estranho se
nós três saíssemos de uma nuvem no meio do assoalho do cassino.
- Só um pouquinho. – Disse Shelby, puxando uma porta trancada. – Alguma
ideia brilhante sobre como descer daqui?
Luce fez uma careta. O Anunciador estava tremendo em frangalhos aos pés
deles. Não podia imaginar que tinha a força para ajudá-los agora. Não longe
deste telhado e se sem caminho de volta para Shoreline.
- Não se preocupe! Eu sou um gênio. – Shelby chamou do outro lado do
telhado. Estava debruçada sobre uma das claraboias, lutando com um
cadeado. Com um gemido, ela o forçou a abrir, então levantou um painel com
dobradiças de vidro. Enfiou a cabeça dentro, apontando para Luce e Miles se
juntarem a ela.
Cautelosamente, Luce olhou para baixo, através da claraboia aberta em um
banheiro, grande e opulento. Havia quatro boxes de tamanho generoso de um
lado, uma linha de pias de mármore levantadas diante de um espelho dourado
no outro. Um sofá roxo de pelúcia estava montado em frente de uma
penteadeira e uma única mulher ali sentada, olhando para o espelho. Luce só
podia ver a parte superior de seu cabelo preto bufante, mas seu reflexo
mostrou uma cara muito maquiada, uma espessa franja e uma mão pintada
com francesinha, reaplicando uma camada desnecessária de batom vermelho.
- Tão logo Cleópatra terminar com aquele batom, vamos descer
sorrateiramente até o chão. – Shelby sussurrou.
Abaixo deles, Cleópatra se levantou da penteadeira. Apertou os lábios e limpou
uma mancha vermelha perdida em seus dentes. Então marchou em direção à
porta.
- Deixe-me ver se entendi. – Disse Miles. – Você quer que eu desça
sorrateiramente até o banheiro feminino?
Luce deu uma olhada mais ao redor do telhado desolado. Havia realmente
apenas uma maneira de entrar.
- Se alguém vê-lo basta fingir que você entrou na porta errada.
- Ou que vocês dois estavam dando uns amassos em um dos boxes. –
Acrescentou Shelby. – O quê foi? É Las Vegas.
- Vamos embora. – Miles estava corando quando desceu os pés primeiro
através da janela. Estendeu os braços lentamente, até que seus pés pairaram
apenas sobre o alto tampo de mármore da penteadeira.
- Ajude Luce a descer. – Shelby chamou.
Miles se moveu para travar a porta do banheiro, em seguida, levantou os
braços para pegar Luce. Ela tentou imitar sua técnica suave, mas seus braços
estavam fracos quando desceu da claraboia. Não podia ver muito abaixo dela,
mas sentiu o forte aperto de Miles em volta de sua cintura, mais cedo do que
ela imaginava.
- Você pode largar. – Disse ele, e quando o fez, ele a desceu graciosamente
até o chão. Seus dedos espalhados em suas costelas, apenas uma fina
camiseta preta longe de sua pele. Seus braços ainda estavam ao seu redor
quando seus pés tocaram o azulejo. Ela estava prestes a lhe agradecer, mas
quando olhou para seus olhos, ficou com a língua presa.
Afrouxou o aperto das mãos de Miles muito rapidamente, murmurando
desculpas por tropeçar em seus pés. Ambos se inclinaram contra a
penteadeira, nervosamente evitando o contato visual, olhando fixamente para a
parede.
Isso não devia ter acontecido. Miles era apenas seu amigo.
- Olá! Alguém vai me ajudar? – Os pés com meias de Shelby estavam
balançando pendurados no teto solar, chutando impacientemente.
Miles passou debaixo da janela e a agarrou pelo cinto, a abaixando pela
cintura. Soltou Shelby muito mais rapidamente, Luce notou, do que tinha
soltado ela. Shelby saltou para o chão de azulejos dourados e destrancou a
porta.
- Vamos lá, vocês dois. O que estão esperando?
Do outro lado da porta, garçonetes glamourosamente maquiadas com vestidos
pretos se movimentavam em saltos altos de paetês, com bandejas de
coqueteleiras equilibradas na curvatura de seus braços. Homens em caros
ternos pretos amontoados em torno das mesas de blackjack, onde gritavam
como adolescentes cada vez que uma rodada começava. Não havia nenhuma
máquina de caça-níqueis tilintando e batendo em seus loops infinitos aqui. Isso
era silencioso e exclusivo, e infinitamente excitante, mas não era nada parecido
com a cena que tinham visto no Anunciador. A garçonete se aproximou deles.
- Posso ajudar? – Abaixou a bandeja de aço inoxidável para analisá-los.
- Oh, caviar. – Disse Shelby, pegando três canapés e entregando um aos
outros. – Vocês estão pensando no que eu estou pensando?
Luce assentiu.
- Nós estávamos indo ao andar debaixo.
Quando o elevador abriu as portas para o átrio luminoso e brilhante do cassino,
Luce teve que ser empurrada para fora por Miles. Ela poderia dizer que tinham
finalmente chegado ao lugar certo. As garçonetes de coquetéis eram mais
velhas, cansadas, mostrando muito menos carne. Eles não deslizavam pelo
tapete laranja manchado, eles batiam com força. E os fregueses pareciam
muito mais como os que tinham visto se aglomerando nas mesas no vislumbre:
Excesso de peso, de classe média, de meia-idade, tristes, autômatos de
carteira vazia. Tudo que tinham que fazer agora era encontrar Vera.
Shelby os manobrou através de um labirinto abarrotado de máquinas caçaníqueis, passando por pessoas imbecis nas mesas de roleta gritando com a
bola pequena girando na roda, passando por grandes jogos quadradões em
que as pessoas sopravam no dado e o jogavam e depois comemoravam o
resultado, até uma fileira de mesas pôquer e estranhos jogos com nomes como
Pai Gow, até que chegaram a um aglomerado de mesas de blackjack.
A maioria dos dealers eram homens. Altos, curvados, de cabelos oleosos,
homens com óculos cinza e bigode, um homem vestindo uma máscara
cirúrgica no rosto. Shelby não se demorou olhando para qualquer um deles, e
ela estava certa em não fazer: Lá no canto de trás do cassino, estava Vera.
Seu cabelo negro estava penteado em um coque torto. Seu rosto pálido
parecia magro e flácido. Luce não sentiu o jorro emocional que sentiu quando
olhou para os pais de sua vida anterior, no Monte Shasta.
Mas, novamente, ainda não sabia o que Vera era sua, além de uma mulher
cansada de meia-idade, segurando um baralho de cartas para que uma mulher
ruiva semiadormecida cortasse. Descuidada, a ruiva cortou o baralho no meio
e, depois, as mãos de Vera começaram a voar.
Outras mesas no cassino estavam superlotadas, mas a ruiva e o marido
diminuto eram as únicas duas pessoas na mesa de Vera. Ainda assim, ela
colocou as cartas num bom show para eles, tirando as cartas com uma fácil
destreza que fez o trabalho parecer sem esforço. Luce podia ver um lado
elegante de Vera que não tinha notado antes. Um dom para o dramático.
- Então... – Disse Miles, deslocando seu peso próximo a Luce. – Nós vamos...
Ou...
As mãos de Shelby estavam de repente sobre os ombros de Luce,
praticamente apertando ela contra uma das cadeiras de couro vazias na mesa.
Embora estivesse morrendo de vontade de olhar, Luce evitou o contato visual
no começo. Estava nervosa que Vera pudesse reconhecê-la antes que ela
sequer tivesse uma chance. Mas os olhos de Vera passaram por cada um
deles com um pequeno interesse, e Luce lembrou como ela estava diferente
agora que tinha oxigenado o cabelo.
Puxou a cadeira nervosamente, não sabia o que fazer. Então Miles arremessou
uma nota de vinte dólares na frente de Luce, e ela se lembrou do que era para
estar jogando. Deslizou o dinheiro sobre a mesa. Vera levantou uma
sobrancelha feita.
- Tem identidade?
Luce balançou a cabeça.
- Talvez pudéssemos apenas assistir?
Do outro lado da mesa, a ruiva estava cochilando, com a cabeça caindo sobre
o ombro duro de Shelby. Vera revirou os olhos para toda a cena e empurrou o
dinheiro de Luce de volta, apontando para o cartaz de publicidade em neon do
Cirque Du Soleil.
- O circo é naquela direção, crianças.
Luce suspirou. Iam ter que esperar até que Vera saísse do trabalho. E então
ela provavelmente estaria ainda menos interessada em falar com eles.
Sentindo-se derrotada, Luce estendeu a mão para tirar o dinheiro de Miles de
volta. Os dedos de Vera estavam se afastando bem no momento em que Luce
recolheu o dinheiro, e as pontas dos dedos delas se tocaram. Ambas
colocaram as mãos na cabeça. O choque estranho momentaneamente cegou
Luce. Ela segurou a respiração. Olhou fundo nos olhos avelã de Vera. E ela viu
tudo:
Uma cabine de dois andares em uma cidade canadense com neve. Gelo
amontoado nas janelas, vento sussurrante nas vidraças. Uma menina de dez
anos assistia à TV na sala, embalando um bebê no colo. Era Vera, pálida e
bonita com jeans lavado com ácido e Doc Martens, um pulôver marinho grosso
subindo até o queixo, um cobertor de lã barata amontoado entre ela e o
encosto do sofá. Uma tigela de pipoca na mesa de café, reduzindo a um
punhado de milhos não estourados. Um gato laranja gordo rondando o manto,
assobiando para o radiador. E Luce... Luce era dela, a irmã do bebê em seus
braços.
Luce se sentiu balançando na cadeira no cassino, querendo se lembrar de tudo
isso. Tão rapidamente, a impressão se desvaneceu e foi substituída por outra.
Luce como criança correndo atrás de Vera, escada acima, escada abaixo, os
passos largos e cansados embaixo dela batendo os pés, o peito apertado de
riso sem fôlego, quando a campainha tocou e um belo rapaz de cabelo lustroso
chegou para buscar Vera para um encontro, e ela parou, ajeitou a roupa, se
virou se costas e se despediu.
Num piscar de olhos depois e Luce era adolescente, com uma porção de
cabelo preto encaracolado na altura do ombro. Esparramada na colcha denim
de Vera, o tecido grosso de alguma forma confortável, folheando o diário
secreto de Vera. Ele me ama, Vera tinha rabiscado repetidas vezes, com sua
caligrafia ficando cada vez mais curva. E então as páginas se afastaram, o
rosto irado de sua irmã se aproximando, os traços de lágrimas claras.
E então, novamente, uma cena diferente, Luce maior ainda, talvez dezessete.
Ela se preparou para o que estava chegando. Gelo derramando do céu como
uma suave estática branca. Vera e alguns amigos patinavam sobre o lago
congelado atrás de sua casa, deslizando em círculos rápidos, felizes e rindo, e
na beira do gelo desgastado da lagoa, Luce se agachou, o frio se infiltrando
através de sua roupa fina, enquanto amarrava os patins, com pressa, como de
costume, para alcançar a irmã. E ao seu lado, um calor que ela não tinha que
olhar para identificar, Daniel, que estava em silêncio, mal-humorado, seus
patins já firmemente amarrados. Podia sentir o desejo de beijá-lo e ainda
nenhuma sombra era visível. A noite, e tudo sobre ela, estava pontilhada de
estrelas e brilhando, infinitamente claras e cheias de possibilidades.
Luce procurou por sombras, então percebeu que sua ausência fazia sentido.
Estas eram as memórias de Vera. E a neve fez tudo mais difícil de ver. Ainda
assim, Daniel devia saber como sabia quando mergulhou no lado. Devia ter
percebido isso a cada momento. Será que alguma vez ele se importou com
pessoas igual a Vera depois que Luce foi morta?
Houve um som de estouro do lado do lago em que Luce estava como se
abrindo um paraquedas. E então: Um tiro florescente de fogo em brasa no meio
de uma nevasca. Uma enorme coluna de chamas laranja brilhantes atingido o
céu à beira da lagoa. Onde Luce tinha estado. Os outros patinadores correram
se sentido naquela direção, se movendo rápido pela lagoa. Mas o gelo estava
derretendo, rapidamente, catastroficamente, fazendo seus patins mergulharem
na água gelada lá embaixo. Vera gritou ecoando na noite azul, seu olhar
congelado de agonia era tudo o que Luce podia ver.
No cassino, Vera puxou a mão para trás, a sacudindo como se tivesse sido
queimada. Seus lábios tremeram algumas vezes antes que pudessem formar
palavras:
- É você. – Sacudiu a cabeça. – Mas não pode ser.
- Vera. – Sussurrou Luce, levando sua mão novamente até a irmã. Queria
abraçá-la para tirar toda a dor que já tinha sido causada a Vera e transferi-la
para si mesma.
- Não. – Vera balançou a cabeça, se afastando e sacudindo um dedo para
Luce. – Não, não, não.
Recuou até o dealer na mesa atrás dela, tropeçando em cima dele e jogando
uma enorme pilha de fichas de pôquer em cascata para fora da mesa. Os
discos coloridos deslizaram pelo chão, provocando uma onda de oohs e aahs
de jogadores que pularam de suas cadeiras para os colherem.
- Droga, Vera! – Um homem atarracado gritou em meio ao barulho. Quando
gingou para a mesa deles em um terno de poliéster cinza barato e um sapato
preto arranhado, Luce trocou um olhar preocupado com Miles e Shelby.
Três crianças menores de idade não queriam nada com o supervisor, mas ele
ainda estava censurando severamente Vera, os lábios enrolados em desgosto.
- Quantas vezes...
Vera havia encontrado seus pés novamente, mas continuou olhando
apavorada para Luce, como se ela fosse o diabo, ao invés de sua irmã numa
vida passada. Os olhos delineados de Vera estavam brancos com o terror que
ela gaguejou:
- Ela n-n-não pode estar aqui.
- Cristo. – O supervisor murmurou, verificando Luce e seus amigos, em
seguida, falando em um walkie-talkie. – Chame a segurança. Tenho uns
bandidinhos aqui.
Luce se encolheu entre Miles e Shelby e disse entre dentes:
- Que tal um daqueles transpassamentos, Miles?
Antes que Miles pudesse responder, três homens com enormes pulsos e
pescoços apareceram e se elevaram sobre eles. O supervisor acenou com as
mãos.
- Leve-os para o cercado. Veja que outros tipos de problemas eles estão
metidos.
- Eu tenho uma ideia melhor. – A voz de uma menina resmungou atrás da
parede de seguranças. Todas as cabeças chicotearam ao redor para encontrar
a voz, mas apenas o rosto de Luce se iluminou.
- Arriane!
A pequena menina lançou a Luce um sorriso quando se esgueirou por entre a
multidão. Com um calçado plataforma de cinco polegadas, seu cabelo jogado
para coma todo louco e seus olhos quase engolidos por delineadores escuros,
Arriane se encaixava perfeitamente com a clientela estranha do cassino.
Ninguém parecia saber muito que fazer com ela, menos Shelby e Miles. O
supervisor se virou para confrontar Arriane. Ele cheirava a sapato polonês e
medicamentos para a tosse.
- Você precisa ser levada ao cercado também, senhorita?
- Oh, parece divertido. – Os olhos de Arriane se arregalaram. – Ai, eu estou
sobrecarregada hoje. Tenho uns ingressos na linha de frente para o Blue Man
Group, e é claro que há um jantar com a Cher depois do show. Só mais uma
coisa que eu sei que eu tinha que fazer... – Ela bateu em seu queixo, em
seguida, olhou para Luce. – Ah sim, mande esses três caras meterem o pé
daqui. Nos dê licença! – Ela soprou um beijo para o supervisor enfurecido,
encolheu os ombros num pedido de desculpas para Vera e estalou os dedos.
Então todas as luzes se apagaram.
Capítulo 13 – Seis Dias
Apressando-os através do labirinto que era o cassino escuro, Arriane se movia
como se tivesse visão noturna.
- Fiquem calmos, vocês três. – Ela cantou. – Eu vou tirá-los daqui num instante.
Segurou o pulso de Luce com força, e Luce, por sua vez, segurou a mão de
Miles, Miles segurou a de Shelby, enquanto ela amaldiçoava a indignidade de
ter que mencionar a saída de escape. Arriane os guiava infalivelmente e
embora Luce não pudesse ver o que estava fazendo, podia ouvir as pessoas
grunhindo e exclamando quando Arriane esbarrava neles.
- Sinto muito por isso! – Ela falava. – Opa! Desculpe-me!
Ela os levou a corredores escuros lotados de turistas ansiosos usando seus
celulares como lanterna. Até as escadas escuras, abafada com o desuso e
repleto de caixas de papelão vazias. Finalmente ela abriu num chute uma saída
de emergência, os conduzindo através dela a um beco estreito e escuro.
O beco estava situado entre o Mirage e outro hotel mais alto. Uma fila de
contêineres de lixo exalava um mau cheiro de comida cara podre. Um filete de
água da calha verde-ácido formava um pequeno rio repugnante, dividindo a
pista pela metade. Bem na frente, no meio do brilhante e barulhento neon
iluminado do Strip, um preto relógio de rua à moda antiga margou doze horas.
- Ah. – Arriane inalou profundamente. – O início de mais um dia glorioso na
Cidade do Pecado. Eu gosto de iniciá-lo com o pé direito, com um grande
almoço. – Quem está com fome?
- Hum... Er... – Balbuciou Shelby, olhando Luce, então Arriane, então para o
cassino. – O que... Como...
O olhar de Miles estava fixo para uma cicatriz brilhante e marmórea que se
estendia por um lado do pescoço de Arriane. Luce estava acostumada com
Arriane até agora, mas estava claro que seus amigos não sabiam o que pensar
dela. Arriane acenou com o dedo para Miles.
- Esse cara parece que pode comer waffles á vontade. Vamos lá, eu conheço
um restaurante rico.
Enquanto cortaram o beco em direção à rua, Miles se virou para Luce de
declamou:
- Isso foi incrível.
Luce assentiu. Era tudo o que poderia fazer para acompanhar Arriane
enquanto corria em toda a Strip. Vera. Ela não conseguia superar isso. Todas
essas lembranças, vislumbradas em um flash. Haviam sido dolorosas e
surpreendentes e ela só podia imaginar o que tinha sido para Vera. Mas, para
Luce, havia sido profundamente satisfatório. Mais do que com qualquer um de
seus vislumbres através dos Anunciadores, até o momento, desta vez sentiu
como se houvesse experimentado uma de suas vidas passadas.
Estranhamento, também tinha visto algo que nunca tinha pensado: Suas
formas anteriores tinham vidas. Vidas que haviam sido plenas e significativas
antes de Daniel aparecer.
Arriane os levou até um IHOP (rede de restaurantes nos EUA), um pequeno
prédio marrom de estuque que parecia tão antigo que poderia anteceder todos
os prédios na Strip. (Obs: Uma rua famosa em Las Vegas por ter cassinos)
Parecia mais claustrofóbico e mais triste do que os outros IHOPs.
Shelby entrou, atravessando as portas de vidro, batendo nos sinos baratos de
jingle bell no topo dela. Pegou um punhado de hortelã da bacia na recepção
antes de reivindicar uma cabine no canto mais atrás. Arriane deslizou ao seu
lado, enquanto Luce e Miles ficaram no outro lado da cabine laranja com couro
rachado.
Com um assobio e um rápido gesto circular, Arriane encomendou uma rodada
de café com a bela garçonete rechonchuda com um lápis preso em seu cabelo.
O resto deles se focou no espesso e laminado cardápio. Folhear as páginas
era uma batalha contra o velho caldo de “maple syrup” (xarope usado em cima
das panquecas nos Estados Unidos) colando a coisa toda – e uma boa
maneira de evitar falar sobre o problema que tinham acabado de escapar por
pouco. Finalmente Luce tinha que perguntar:
- O que você está fazendo aqui, Arriane?
- Fazendo um pedido de algo com um nome engraçado. Rooty Tooty, acredito
eu, pois eles não têm Moons Over My Hammy aqui. Eu nunca consigo decidir.
Luce revirou os olhos. Arriane não tinha necessidade de agir tão inocente. Era
óbvio que seu esforço de resgate não havia sido coincidência.
- Você sabe o que eu quero dizer.
- Estamos em dias estranhos, Luce. Pensei em passá-los em uma cidade tão
estranha quanto eles.
- Sim, bem, eles estão quase no fim. Não estão, de acordo com o cronograma
da trégua?
Arriane pousou o copo de café e apoiou o queixo na palma da mão.
- Bem, aleluia! Afinal, eles estão te ensinando alguma coisa naquela escola.
- Sim e não. – Disse Luce. – Eu meio que entreouvi Roland dizendo algo sobre
como Daniel estaria contando os minutos. Ele disse que tinha algo a ver com
uma trégua, mas eu não sabia exatamente quantos minutos nós estávamos
falando.
Ao seu lado, o corpo de Miles parecia ter endurecido com a menção do nome
de Daniel. Quando a garçonete chegou para anotar os pedidos, ele gritou o
dele primeiro, praticamente empurrando o menu para ela.
- Bife e ovos, malpassados.
- Oh, másculo. – Arriane disse, olhando Miles com aprovação no meio de seu
mamãe-mandou-escolher-esse-daqui que estava fazendo em seu cardápio. –
Vai ser esse Rooty Tooty Fresh N’ Fruity. – Ela enunciou tão corretamente
quando a Rainha da Inglaterra faria, mantendo uma cara extremamente séria.
- Enroladinho de salsinha para mim. – Disse Shelby. – Na verdade, faça uma
omelete de clara de ovo, sem queijo. Ah, que inferno. Enroladinho.
A garçonete se virou para Luce.
- E quando a você, querida?
- Breakfeast Sampler. – Luce sorriu pedindo desculpas em nome de seus
amigos. – Ovos mexidos, sem a carne.
A garçonete assentiu com a cabeça indo para a cozinha preenchendo a note.
- Ok, então o que mais você ouviu? – Arriane perguntou.
- Hum. – Luce começou a brincar com a garrafa de caldo ao lado do sal e da
pimenta. – Havia alguns papos, de, você sabe, Fim dos Tempos.
Dando risinhos, Shelby espirrou três potes de desnatadeira no café.
- Fim dos Tempos! Você realmente caiu nessa asneira? Quero dizer, quantos
milênios nós estamos esperando por isso? E os seres humanos acham que
foram pacientes com meros dois mil anos! Hah. Como se alguma coisa fosse
mudar.
Arriane parecia estar a um segundo de insultar Shelby, mas depois largou o
café.
- Que grosseria da minha parte nem ao menos me apresentar aos seus
amigos, Luce.
- Hm, nós sabemos quem você é. – Disse Shelby.
- Sim, havia um capítulo inteiro sobre você no meu livro de História dos Anjos
da oitava série. – Miles afirmou. Arriane aplaudiu.
- E eles me disseram que aquele livro tinha sido proibido!
- Sério? Você está em um livro? – Luce riu.
- Por que tão surpresa? Você não me acha histórica? – Arriane se voltou para
Shelby e Miles. – Agora me diga tudo sobre vocês. Eu preciso saber com quem
minha garota está passando o tempo.
- Uma desacreditada Nephilim hostil. – Shelby levantou a mão. Miles olhou
para seu alimento.
- E um inútil tetra-tetra-tetra-neto de um anjo.
- Isso não é verdade. – Luce esbarrou no ombro de Miles. – Arriane, você devia
ter visto como ele nos ajudou a transpassar a sombra hoje. Ele foi ótimo. É por
isso que estamos aqui, porque ele leu este livro e a próxima coisa que você
sabe, ele pode...
- Sim, eu estava pensando nisso. – Arriane disse sarcasticamente. – Mas o que
me preocupa mais é esta aqui. – Ela apontou para Shelby. A face de Arriane
estava muito mais série do que Luce estava acostumada a ver. Até mesmo
seus olhos azuis-claros pareciam firmes. – Não é um bom momento pare ser
hostil com nada agora. Tudo está em fluxo, mas haverá um acerto de contas. E
você terá que escolher um lado ou outro. – Arriane encarou Shelby
deliberadamente. – Nós todos temos que saber nossas posições.
Antes que alguém pudesse responder, a garçonete reapareceu, brandindo uma
enorme bandeja de plástico marrom de comida.
- Bem, quanto é pelo rápido serviço? – Perguntou ela. – Agora, que de vocês
pediu o enroladinho?
- Eu! – Shelby assustou a garçonete com a rapidez que alcançou a bandeja.
- Alguém quer ketchup?
Eles balançaram a cabeça.
- Manteiga extra?
Luce apontou para a colher de manteiga já em sua panqueca.
- Estamos bem. Obrigada.
- Se precisarmos de alguma coisa – Arriane disse, sorrindo para a face feliz,
feita de chantilly, em seu prato. – a gente grita.
- Ah, eu sei que vocês irão. – A garçonete riu, colocando a bandeja debaixo do
braço. – Grite como se o mundo estivesse prestes a acabar, este eu ouvirei.
Depois que ela saiu, Arriane foi a única que comeu. Arrancou um mirtilo da
ponta da panqueca, o colocou em sua boca e lambeu os dedos com prazer.
Finalmente, olhou ao redor da mesa.
- Cai dentro. – Arriane disse. – Não há nada em bife e ovos frios. – Ela
suspirou. – Vamos, gente. Vocês já leram os livros de história. Vocês não
conhecem as manobras.
- Nunca. – Disse Luce. – Eu não conheço nenhuma manobra.
Arriane sugou o garfo, meditando.
- Bem pensado. Nesse caso, me permita apresentar minha versão para você. A
qual é mais divertida do que as dos livros de história de qualquer maneira
porque eu não vou censurar as grandes lutas e maldições e todas as coisas
sexys. Minha versão tem tudo, mas em 3D, que, devo dizer, é totalmente
supervalorizada. Você viu aquele filme com... – Ela percebeu os olhares em
branco em suas caras. – Ah, esquece. Ok, começa há milênios atrás. Agora, eu
preciso falar de Satanás?
- Travou uma precoce luta de poder contra Deus. – A voz de Miles era
monótona, como se estivesse repetindo um programa de aula da terceira série,
enquanto espetava um bocado do bife com o garfo.
- Antes disso, eles eram super íntimos. – Acrescentou Shelby, encharcando
seu enroladinho na calda. – Eu quero dizer, Deus chamava Satanás de sua
estrela da manhã. Portanto, não é como se Satanás não fosse digno ou
amado.
- Mas ele preferia reinar no Inferno a servir no Céu. – Luce interrompeu. Ela
não podia ter lido as histórias dos Nephilim, mas tinha lido Paradise Lost (um
poema épico inglês). Ou pelo menos, no CliffsNotes (guias de estudo para
estudantes americanos).
- Muito bom. – Arriane sorriu, se inclinando para Luce. – Você sabe, Gabbe foi
uma grande amiga das filhas de Milton nos dias que se passaram. Ela gostava
de ter o crédito sobre aquela frase, aí eu logo digo “Você já não é a queridinha
das pessoas?”. Mas tanto faz. – Arriane se moveu para dar uma garfada nos
ovos de Luce. – Nossa, estão bons. Consegue um pouco de pimenta para a
gente aqui? – Ela gritou para a cozinha. – Ok, onde estávamos?
- Satanás. – Disse Shelby com a boca cheia de panqueca.
- Certo. Então... Diga o que vocês querem do El Diablo Grande, mas ele é –
Arriane sacudiu a cabeça. – um pouco responsável por introduzir a ideia de
livre-arbítrio entre os anjos. Quero dizer: Ele realmente deu ao resto de nós
algo para se pensar. De que lado você joga o seu peso? Dada a escolha, uma
grande quantidade de anjos caiu.
- Quantos? – Miles perguntou.
- Os caídos? O suficiente para causar uma espécie de impasse. – Arriane ficou
pensativa por um momento, em seguida, fez uma careta e chamou a
garçonete. – A pimenta! Será que existe nesse estabelecimento?
- E os anjos que caíram, mas não tomaram parte em nenhum lado... – Luce
rompeu, pensando em Daniel.
Sabia que estava cochichando, mas isso parecia algo muito importante para
ser discutido no meio de uma lanchonete. Mesmo uma lanchonete quase vazia
no meio da noite. Arriane baixou a voz também.
- Oh, há um monte de anjos que caíram, mas ainda estão tecnicamente aliados
a Deus. Mas então há aqueles que se juntaram a Satanás. Nós os chamamos
de demônios, mesmo que sejam apenas anjos caídos que fizeram escolhas
muito ruins.
- Não é como se tivesse sido fácil para ninguém. Desde a Queda, os anjos e os
demônios estavam pau a pau, divididos ao meio e etc. – Ela disse enquanto
esbanjava manteiga na ponta da panqueca. – Mas tudo aquilo pode estar
prestes a mudar.
Luce olhou para seus ovos, sem conseguir comer.
- Então, hum, antes, você parecia estar sugerindo que a minha fidelidade tinha
a ver com isso?
Shelby parecia um pouco menos duvidosa do que costumava ser.
- Não é exatamente a sua. – Arriane balançou a cabeça. – Eu sei que parece
que todos nós estivemos pendurados na balança todo esse tempo. Mas no final
ela vai pesar para um anjo poderoso que escolher um lado. Quando isso
acontecer a balança finalmente vai pender. É aí que importa em qual lado você
está.
As palavras de Arriane lembraram Luce de ter sido trancada naquela pequena
capela com a Senhorita Sophia e como ela ficava dizendo que o destino do
universo tinha algo a ver com Luce e Daniel. Tinha soado meio louco naquela
época, e a Senhorita Sophia era uma maluca do mal. E mesmo que Luce não
estivesse certa exatamente sobre o que todo mundo estava falando, sabia que
tinha a ver com Daniel estar de volta.
- É o Daniel. – Ela disse suavemente. – O anjo que pode fazer pender a
balança é o Daniel.
Isso explicava a agonia que ele carregava o tempo todo, como uma mala de
duas toneladas. Isso explicava o porquê dele estar tão longe dela por tanto
tempo. A única coisa que isso não explicara era porque parecia haver alguma
dúvida na mente de Arriane sobre qual lado a balança ia pender. Sobre qual
lado iria ganhar a guerra.
Arriane abriu a boca, mas ao invés de responder, ela atacou o prato de Luce
novamente.
- Pode conseguir para a gente a porcaria da pimenta? – Ela gritou. Uma
sombra caiu sobre sua meda.
- Eu vou te dar algo flamejante.
Luce olhou para trás e recuou a visão: Um menino muito alto em um longo
casaco marrom desabotoado que Luce podia ver em um clarão de prata algo
escondido dentro de seu cinto. Ele tinha a cabeça raspada, nariz fino e reto, a
boca cheia de dentes perfeitos. E os olhos brancos. Os olhos completamente
vazios de cor. Nenhuma íris, sem pupilas, nada. Sua expressão estranha e
vaga lembrava Luce da menina Exilada. Embora Luce não tivesse visto aquela
garota perto o suficiente para descobrir o que havia de errado com seus olhos,
ela já tinha um palpite muito bom.
Shelby olhou para o rapaz, engoliu em seco e se enfiou no café da manhã.
- Nada a ver comigo. – Ela murmurou.
- Poupe-me. – Arriane disse ao menino. – Você pode colocá-lo no sanduíche
de punho que estou prestes a servir para você. – Luce assistiu com os olhos
arregalados quando Arriane pequena se levantou e limpou as mãos no jeans. –
Volto logo, gente. Ah, e Luce, me lembre de repreendê-la severamente por isso
quando eu voltar.
Antes que Luce pudesse perguntar o que esse cara tinha a ver com ela,
Arriane o agarrou pela orelha, torceu com força e bateu a cabeça dele no
balcão de vidro perto do bar. O barulho quebrou a preguiçosa tranquilidade de
tarde da noite da lanchonete. O cara gritou como uma criança quando Arriane
torceu a orelha de outro jeito e subiu em cima dele. Gritando de dor, ele
começou a inclinar seu corpo magro para frente até que arrancou Arriane de
suas costas a lançando contra a mostra de vidro. Ela rolou sobre a mostra e
parou no final, derrubando uma torta de merengue de limão, sem seguida, ficou
de pé no bar. Deu uma cambalhota para trás em direção a ela e o agarrou em
uma mata-leão com as pernas, em seguida, começou a trabalhar batendo no
rosto dele com seus punhos pequenos.
- Arriane! – A garçonete gritou. – Não as minhas tortas! Eu tentei ser tolerante!
Mas eu tenho meus meios de subsistência para cuidar!
- Ah, tudo bem! – Arriane gritou. – Nós vamos levá-lo para a cozinha. – Liberou
o cara, escorregou para o chão e deu um chute na bunda dele com seu salto
plataforma. Ele cambaleou cegamente em direção a porta que dava para a
cozinha da lanchonete. – Venham, vocês três. – Ela chamou para a mesa
deles. – Podem muito bem aprender algo.
Miles e Shelby jogaram seus guardanapos fora, lembrando Luce da maneira
como as crianças costumavam a largar tudo em Dover e sair correndo e
gritando pelos corredores “Briga! Briga!” em qualquer momento que houvesse o
menor rumor de briga. Luce seguiu atrás, um pouco mais hesitante. Se Arriane
estava sugerindo que esse cara tinha aparecido por sua causa, isso levantava
um monte de outras perguntas cabeludas. E as pessoas que tinham pegado
Dawn? E aquele tiro de flecha da menina Exilada que Cam tinha matado em
Noyo Point?
Uma forte pancada soou de dentro da cozinha e três homens aterrorizados em
aventais sujos saíram correndo. No momento, Luce já tinha passado por eles
através da porta de balanço, Arriane estava segurando o menino o pé sobre a
cabeça dele enquanto Miles e Shelby o amarravam com um tipo de fio utilizado
para amarrar filé mignon.
Seus olhos vazios olhavam para Luce, mas também através dela. Eles o
amordaçaram com um pano de cozinha, então Arriane provocou:
- Você quer relaxar um pouco? No frigorífico de carne? – O menino só
conseguia gemer. Tinha parado de provocar qualquer tipo de luta.
Agarrando-o pelo colarinho, Arriane o arrastou pelo chão até a entrada do
frigorífico, lhe deu mais alguns chutes para acrescentar, então, calmamente
fechou a porta. Ela tirou o pó de suas mãos e se virou para Luce com um olhar
repreensivo em seu rosto.
- Quem está atrás de mim, Arriane? – A voz de Luce estava tremendo.
- Um monte de gente, querida.
- Isso era... – Luce pensou em seu encontro com Cam. – Um Exilado?
Arriane limpou a garganta. Shelby tossiu.
- Daniel disse que não poderia ficar comigo porque ele atraía muita atenção.
Disse que eu estaria segura em Shoreline, mas elas chegaram lá, também.
- Só porque eles te rastrearam saindo do campus. Você também atrai a
atenção, Luce. E quando você está aí pelo mundo fazendo cassinos e similares
em pedaços, podemos sentir isso. Isso vale para os maus, também. É por isso
que você está nessa escola, para início de conversa.
- O quê? – Era Shelby. – Vocês estão apenas a escondendo conosco? E a
nossa segurança? E se essas pessoas Exiladas aparecerem no campus?
Miles ainda não tinha dito nada, apenas olhava com alarme de Luce para
Arriane.
- Você ainda não entendeu que os Nephilim camuflam você? – Arriane
perguntou. – Daniel não lhe contou sobre a sua, bem, coloração protetora?
A mente de Luce retornou para a noite em que Daniel a deixara em Shoreline.
- Talvez ele tenha mesmo falado algo sobre um escudo, mas...
Havia tantas outras coisas passando por sua mente naquela noite. Já tinha
sido o suficiente tentar processar que Daniel estava a deixando. Agora, ela
sentia uma onda de enjoo e culpa.
- Eu não entendo. Ele não deu detalhes, apenas repetia que eu tinha que ficar
no campus. Pensei que estava sendo muito protetor.
- Daniel sabe o que está fazendo. – Arriane encolheu os ombros. – Na maioria
das vezes. – Ela enfiou a língua no canto da boca, pensativa. – Ok, às vezes.
De vez em quando.
- Então quem quer que esteja atrás dela não pode vê-la quando ela está com
um grupo Nephilim? – Este era Miles, que parecia ter encontrado sua língua
novamente.
- Na verdade, os Exilados não podem ver nada. – Disse Arriane. – Eles ficaram
cegos durante a revolta. Eu estava chegando nessa parte da história, é boa! A
colocação dos olhos para fora e todo esse jazz edipiano. – Ela suspirou. – Oh,
bem... Sim, os Exilados. Eles podem ver a queima de sua alma, que é muito
mais difícil de discernir quando está com um monte de outros Nephilim.
Os olhos de Miles se arregalaram. Shelby estava mordendo nervosamente as
unhas.
- Então é assim que eles confundiram Dawn comigo.
- É como o menino do refrigerador de carne que te encontrou hoje à noite, na
verdade. – Disse Arriane. – Poxa, é como eu te encontrei também. Você é
como uma vela em uma caverna escura aqui fora. – Ela pegou uma lata de
creme de chantilly do balcão e disparou um jato em sua boca. – Eu gosto um
pouco de energético sem leite depois de uma briga. – Ela bocejou, o que fez
Luce olhar para o relógio digital verde sobre o balcão. Eram duas e meia da
manhã. – Bem, embora eu ame meter porrada e pegar os nomes, já passou da
hora de vocês três se recolherem. – Arriane assobiou por entre os dentes e
uma bolha espessa de um Anunciador escorreu das sombras sob as mesas de
preparação. – Eu nunca faço isso, ok? Se alguém perguntar, eu nunca faço
isso. Viajar por Anunciadores é muito perigoso. Ouviu isso, herói? – Ela
esmurrou Miles na testa, em seguida sacudiu os dedos abertos. A sombra
saltou imediatamente na forma perfeita de uma porta, no meio da cozinha. –
Mas estou no comando aqui e esta é a maneira mais rápida de vocês voltaram
para casa e em segurança.
- Legal. – Disse Miles, como se estivesse tomando notas. Arriane sacudiu a
cabeça para ele.
- Não arrumem nenhuma ideia. Eu vou levar vocês de volta à escola, onde vão
ficar. – Ela fez contato visual com cada um deles. – Ou vocês vão ter que
responder comigo.
- Você está vindo com a gente? – Shelby perguntou, finalmente mostrando
apenas um mínimo de temor por Arriane.
- Parece que sim. – Arriane piscou para Luce. – Você virou uma espécie de
fogo de artifício. Alguém tem que manter um olho você.
Transpassar com Arriane foi ainda mais suave do que tinha sido a caminho de
Las Vegas. Parecia como vir para dentro depois de ser exposto ao sol: A luz
estava escurecendo um pouco quando você caminha através da porta, mas ao
piscar algumas vezes, você acostuma.
Luce estava quase desapontada ao se descobrir de volta em seu quarto de
dormitório depois do brilho e emoção de Las Vegas. Mas então pensou em
Dawn, e em Vera. Quase decepcionada. Seus olhos se fixaram em todos os
sinais conhecidos de que estavam de volta: Duas camas de beliche desfeitas, a
desorganização das plantas no peitoril da janela, os tapetes de ioga de Shelby
empilhados em um canto, a cópia de Steven da República de Platão
repousando na mesa de Luce e uma coisa que não estava esperando ver.
Daniel, todo vestido de preto, cuidando de um fogo ardente na lareira.
- Aaaugh! – Shelby gritou, caindo de volta para os braços de Miles. – Você me
assustou até a morte! E no meu próprio local de santuário. Não é legal, Daniel.
– Ela atirou a Luce um olhar feio, como se ela tivesse algo a ver com sua
aparição. Daniel ignorou Shelby, apenas disse calmamente a Luce:
- Bem vinda de volta.
Ela não sabia se corria para ele ou se chorava.
- Daniel.
- Daniel? – Arriane disse ofegante. Ela arregalou os olhos como se tivesse visto
um fantasma.
Daniel congelou, claramente não esperando o encontro com Arriane,
tampouco.
- Eu, eu só preciso dela por um momento. Então eu vou.
Ele parecia culpado, até mesmo com medo.
- Certo. – Arriane disse, agarrando Miles e Shelby pelo cangote. – Nós
estávamos saindo. Nenhum de nós te viu aqui. – Ela levou os outros atrás dela.
– Nos encontramos mais tarde, Luce.
Shelby parecia que não conseguia sair do quarto com rapidez suficiente. Os
olhos de Miles olhavam tempestuosos e ficaram fixos em Luce até Arriane
praticamente o jogar para o corredor, batendo a porta atrás deles com um
grande estrondo.
Então Daniel veio até Luce. Ela fechou os olhos e deixou o toque de sua
proximidade aquecê-la. Ela prendeu o ar, feliz por estar em casa. Não o lar
Shoreline, mas o lar que Daniel a fazia se sentir. Mesmo quando estava no
mais estranho dos lugares. Mesmo quando o relacionamento deles estava uma
confusão.
Como parecia estar agora.
Ele ainda não a estava beijando, nem mesmo a envolvendo em seus braços. O
surpreendente era que ela queria que ele fizesse essas coisas, mesmo depois
de tudo o que tinha visto. A ausência de seu toque causava uma dor profunda
dentro do peito. Quando ela abriu os olhos, ele estava lá, apenas alguns
centímetros de distância, examinando todas as suas partes com seus olhos
violeta.
- Você me assustou.
Ela nunca o ouviu dizer isso. Estava acostumada a ser a única que estava com
medo.
- Você está bem? – Perguntou ele.
Luce balançou a cabeça. Daniel pegou sua mão e a guiou sem palavras até a
janela, fora da sala quente perto do fogo e de volta para a noite fria, sobre a
beirada áspera sob a janela de onde ele tinha vindo até ela antes.
A lua estava oblonga e baixa no céu. As corujas estavam dormindo nos
bosques. Daqui de cima, Luce podia ver as ondas quebrando suavemente na
margem, do outro lado do campus, uma única luz no alto do chalé dos
Nephilim, mas não podia ser Francesca ou Steven.
Ela e Daniel se sentaram na beirada e balançavam as pernas. Encostaram-se
na ligeira inclinação do telhado atrás deles e olharam para as estrelas, que
estavam foscas no céu, como se mascaradas pelo mais fino brilho da nuvem.
Não demorou muito para Luce começar a chorar.
Porque ele estava braço com ela ou ela estava muito brava com ele. Porque o
corpo dela tinha acabado de passar por muita coisa, dentro e fora dos
Anunciadores, através das fronteiras de estados, num passado recente e de
volta aqui. Porque seu coração e sua cabeça estavam emaranhados e
confusos, e estar perto de Daniel fazia piorar as coisas ainda mais. Porque
Miles e Shelby pareciam odiá-lo. Devido ao puro horror no rosto de Vera
quando reconheceu Luce. Por causa de todas as lágrimas que sua irmã devia
ter chorado por ela e porque Luce a tinha machucado mais uma vez
aparecendo na mesa de blackjack dela. Por causa de todas as suas outras
famílias de luto, afundadas em tristeza porque suas filhas tiveram o azar de ser
a reencarnação de uma garota estúpida no amor. Porque pensar nessas
famílias fizeram Luce desesperadamente sentir falto de seus pais em
Thunderbolt. Porque era responsável pelo sequestro de Dawn. Porque ela tinha
dezessete anos, e ainda viva, contra milhares de anos que custaram as
possibilidades. Porque ela sabia o suficiente para temer o que o futuro traria.
Porque entre esse tempo, já que eram três e meia da manhã, e não havia
dormido em dias, e não sabia mais o que fazer.
Agora ele a abraçou, encaixando seu corpo em seu calor, a puxando para ele e
a embalando em seus braços. Ela chorou, soluçou e desejou um lenço de
papel para assuar o nariz. Perguntava-se como era possível se sentir tão mal
por tantas coisas ao mesmo tempo.
- Shhh. – Sussurrou Daniel. – Shhh.
Um dia atrás, ela tinha se sentido mal assistindo Daniel a amar no
esquecimento naquele Anunciador. A inevitável violência costurada na relação
deles parecia instransponível. Mas agora, especialmente depois de conversar
com Arriane, Luce podia sentir algo grande chegando. Algo mudando, talvez o
mundo inteiro mudando, com Luce e Daniel pairando na beirada. Estava tudo
ao redor deles, no espaço celeste, e isso afetava a forma com ela se via, e a
Daniel também.
A aparência impotente que tinha visto nos olhos deles naqueles momentos
antes de morrer: Agora eles sentiam como – se eles fossem – o passado. Isso
lembrava a ela do jeito que ele a olhou após o primeiro beijo nessa vida, na
praia pantanosa perto de Sword & Cross. O sabor de seus lábios nos dela, a
sensação de sua respiração em seu pescoço, as mãos fortes em volta dela:
Tudo tinha sito tão maravilhoso, exceto pelo medo em seus olhos.
Mas Daniel não a olhava daquele jeito há um tempo. A maneira como ele a
olhava agora não mostrava nada. Ele a olhava como se ela fosse protelar,
quase como se ela tivesse que fazer. As coisas estavam diferentes nesta vida.
Todo mundo estava dizendo isso, e Luce podia sentir isso, também: Uma
revelação crescendo cada vez mais dentro dela. Tinha se assistido morrer, e
tinha sobrevivido. Daniel não tinha mais que levar nos ombros essa punição
sozinho. Era algo que eles poderiam fazer juntos.
- Eu quero dizer algo. – Disse ela dentro da camisa, enxugando os olhos em
sua manga. – Eu quero falar antes de você dizer qualquer coisa.
Ela podia sentir o queixo dele escovando a parte superior de sua cabeça. Ele
estava balançando a cabeça.
- Eu sei que você tem que ser cuidadoso sobre o que você me diz. Eu sei que
eu morri antes, mas não vou a lugar nenhum mais, Daniel, eu posso sentir isso.
Pelo menos, não sem lutar. – Ela tentou sorrir. – Eu acho que isso vai nos
ajudar a deixar de me tratar como um pedaço de vidro frágil. Então, eu estou
perguntando a você, como sua amiga, como sua namorada, como você já
sabe, o amor de sua vida, para me deixar entrar um pouco mais. Caso
contrário, me sinto isolada e ansiosa e...
Ele pegou em seu queixo com os dedos e inclinou sua cabeça para cima. Ele
estava olhando para ela com curiosidade. Ela o esperou interromper, mas ele
não o fez.
- Eu não deixei Shoreline para te magoar. – Continuou ela. – Eu saí porque eu
não entendia porque isso importava. E eu coloquei meus amigos em perigo por
causa disso.
Daniel segurou seu rosto na frente dele. O violeta de seus olhos praticamente
brilhava.
- Eu falhei com você também muitas vezes antes. – Ele sussurrou. – E nesta
vida talvez eu tenha cometido um erro no lado da cautela. Devia ter sabido que
você testaria qualquer limite que lhe fosse imposto. Não seria a garota que eu
amo se não fizesse. – Luce esperou que ele sorrisse para ela. Ele não sorriu. –
Há tanta coisa em jogo desta vez. Eu estava tão focado nos...
- Nos Exilados?
- Foram eles que pegaram sua amiga. – Disse Daniel. – Eles mal conseguem
identificar a direita da esquerda, nem mesmo de que lado eles trabalham.
Luce pensou de volta na menina que Cam atirou com a flecha de prata, no
menino bonito de olhos vazios na lanchonete.
- Porque eles são cegos.
Daniel olhou para suas mãos, esfregando os dedos juntos. Olhou como se
pudesse estar doente.
- Cegos, mas muito brutais. – Estendeu a mão e delineou um de seus cachos
loiros com o dedo. – Você foi inteligente para tingir seu cabelo. Manteve-se
protegida quando eu não podia chegar rápido o suficiente.
- Inteligente? – Luce ficou horrorizada. – Dawn poderia ter morrido porque eu
botei minhas mãos numa garrafa barata de descolorante. Como isso é
inteligente? Se... Se eu pontar meu cabelo amanhã de preto, você acha que os
Exilados de repente, serão capazes de me encontrar?
Daniel balançou a cabeça com força.
- Eles não deviam nem ter encontrado o caminho para dentro do campus. Eles
nunca deveriam ter sido capazes de pôr as mãos em nenhum de vocês. Estou
trabalhando dia e noite para mantê-los longe de você... E desta escola inteira.
Alguém está os ajudando, e eu não sei quem...
- Cam.
O que mais ele estaria fazendo aqui? Daniel, porém, balançou a cabeça.
- Seja quem for vai se arrepender.
Luce cruzou os braços sobre o peito. Seu rosto ainda estava quente de tanto
chorar.
- Acho que isso significa que eu não para casa no dia de Ação de Graças? –
Ela fechou os olhos, tentando não imaginar os rostos cabisbaixos de seus pais.
– Não responda a isso.
- Por favor. – A voz de Daniel estava tão série. – É só um pouco mais.
Ela assentiu com a cabeça.
- O cronograma da trégua.
- O quê? – Suas mãos agarraram seus ombros firmemente. – Como você...
- Eu sei. – Luce esperava que ele não pudesse sentir que seu corpo começara
a tremer. A coisa piorou quando tentou agir com mais certeza do que sentia. –
E eu sei que em algum momento em breve, você vai fazer pender a balança
entre o Céu e o Inferno.
- Quem lhe disse isso? – Daniel estava arqueando os ombros para trás, o que
ela sabia que significava que ele estava tentando manter suas asas
desabrochadas.
- Eu percebi isso. Muita coisa acontece aqui quando você não está por perto.
Uma pitada de inveja passou através dos olhos de Daniel. No início, parecia
quase bom ser capaz de provocar isso nele, mas Luce não queria lhe fazer
ciúmes. Especialmente com tantas coisas maiores para lidar.
- Sinto muito. – Disse ela. – A última coisa eu você precisa agora é eu te
distrair. O que você está fazendo... Parece como um negócio de muita
importância.
Ela deixou por isso mesmo, esperando que Daniel fosse se sentir confortável o
suficiente para lhe contar mais. Esta foi a mais aberta, honesta e madura
conversa que tinham tido, talvez de todas. Mas então, muito rapidamente, a
nuvem, ela nem sabia que estava tremendo, passou pelo rosto de Daniel.
- Tire tudo isso de sua cabeça. Você não sabe o que você acha que sabe.
A decepção inundou o corpo de Luce. Ele ainda estava a tratando como uma
criança. Um passo para frente, dez passos para trás. Ela reuniu seus pés sob
ela e se levantou da beirada.
- Eu de uma coisa, Daniel. – Disse ela, olhando para ele. – Seu fosse eu, não
haveria dúvida. Seu fosse eu que o universo inteiro estivesse esperando para
pender a balança, eu simplesmente escolheria o lado bom.
Os olhos violetas de Daniel olharam para frente, para dentro da floresta
sombria.
- Você simplesmente escolheria o lado bom. – Repetiu ele. Sua voz soava tão
entorpecida e desesperadamente triste. Mais triste do que ela já tinha ouvido
antes.
Luce teve que resistir á vontade de se abaixar e se desculpar. Ao invés disso,
se virou, deixando Daniel para trás. Não era óbvio que ele deveria escolher o
bem? Qualquer um não faria isso?
Capítulo 14 – Cinco Dias
Alguém tinha dedurados eles.
Na manhã de domingo, enquanto o resto do campus ainda estava
estranhamento calmo, Shelby, Miles e Luce se sentaram em fila em um lado do
escritório de Francesca, esperando para serem interrogados. Seu escritório era
maior do que o de Steven, mais iluminado também, com um teto alto e
inclinado e três grandes janelas de frente para a floresta até o norte, cada uma
com cortinas de veludo grossas cor de lavanda, abertas mostrando um
chocante céu azul. Uma grande enquadrada fotografia de uma galáxia pairava
sobre a alta mesa em mármore, era a única peça de arte na sala. As cadeiras
de estilo barroco que estavam sentados eram chiques, mas desconfortáveis.
Luce não conseguia conter a inquietação.
- Denúncia anônima uma ova. – Murmurou Shelby, citando o e-mail rude que
cada um deles recebeu de Francesca esta manhã. – Isso tem algum dedo de
Lilith.
Luce não achava que era possível que Lilith ou qualquer um dos outros alunos
realmente soubesse que eles deixaram o campus. Alguma outra pessoa tinha
contado aos seus professores.
- O que eles estão fazendo para demorarem tanto tempo? – Miles acenava na
direção do escritório de Steven do outro lado da parede, onde se podia ouvir
seus professores discutindo em voz baixa. – É como se eles estivessem
arrumando uma punição antes mesmo deles ouvirem nosso lado da história! –
Ele mordeu o lábio inferior. – Qual é o nosso lado da história mesmo?
Mas Luce não estava ouvindo.
- Eu realmente não vejo o porquê que é tão difícil. – Disse ela, baixinho, mais
para ela do que para os outros. – Você só escolhe um lado e segue em frente.
- Hã? – Miles e Shelby disseram em uníssono.
- Desculpe. – Disse Luce. – É que... Vocês sabem o que Arriane estava
dizendo sobre pender a balança naquela noite? Eu comentei com Daniel e ele
ficou todo estranho. Sério, como não é óbvio que há uma resposta certa aqui e
uma errada?
- É óbvio para mim. – Disse Miles. – Há uma escolha boa e uma escolha má.
- Como você pode dizer isso? – Shelby perguntou. – Esse tipo de pensamento
é exatamente o que nos meteu nesta confusão em primeiro lugar. A fé cega! A
total aceitação de uma dicotomia praticamente obsoleta! – Seu rosto estava
ficando vermelho e sua voz tinha ficado tão alta que Francesca e Steven
poderiam provavelmente ouvir. – Estou tão cansada de todos esses anjos e
demônios escolhendo lados – blah, blah, blah, eles são maus! Não, eles são
terríveis! Toda hora ali – como se eles soubessem o que é melhor para todos
no universo.
- Então você está sugerindo que Daniel está no lado do mal? – Miles zombou.
– Que venha o Fim do Mundo?
- Eu não dou a mínima para o que Daniel faz. – Disse Shelby. – E,
francamente, acho difícil de acreditar que tudo depende dele, de qualquer
maneira.
Mas tinha que ser. Luce não conseguia pensar em outra explicação.
- Olha, talvez as linhas não sejam tão claras como nos ensinam que são. –
Continuou Shelby. – Quero dizer, quem disse que Lúcifer é tão ruim...
- Hum, todos? – Miles disse, olhando para Luce pedindo apoio.
- Errado. – Shelby latiu. – Um grupo de anjos muito persuasivos, tentando
preservar o status quo. Apenas porque venceram uma grande batalha há muito
tempo atrás, acham que lhes dá o direito.
Luce assistiu as sobrancelhas de Shelby se levantarem enquanto ela
encostava as costas rígidas na cadeira. Suas palavras fizeram Luce pensar em
algo que ouvira em outro lugar...
- Os vencedores reescrevem a história. – Ela murmurou. Isso foi o que Cam
havia dito a ela naquele dia em Noyo Point. Não era isso que Shelby queria
dizer? Que os perdedores acabavam com uma má reputação? Os pontos de
vista de ambos eram semelhantes – somente, Cam, é claro, era legitimamente
mal. Certo? E Shelby estava apenas conversando.
- Exatamente. – Shelby acenou para Luce. – Espera... O quê?
Só então Francesca e Steven entraram pela porta. Francesca se abaixou na
cadeira giratória preta em sua mesa. Steven estava atrás dela com as mãos
apoiados levemente sobre as costas da cadeira. Ele parecia tão alegre em sua
calça jeans e a nítida camisa branca quanto Francesca parecia séria em seu
vestido preto sob medida com um rígido decote de corte quadrado.
Isso trouxe à mente de Luce o que Shelby havia dito sobre linhas manchadas e
as conotações das palavras anjo e demônio. Claro que era superficial fazer
julgamentos baseados apenas nas roupas de Steven e Francesca, mas,
novamente, não era só isso. Em muitas vezes, era fácil esquecer quem deles
era o quê.
- Quem quer falar primeiro? – Francesca perguntou, descansando suas
entrelaçadas mãos cuidadas sobre o mármore da mesa. – Nós sabemos de
tudo o que aconteceu, então nem se incomodem em contestar esses detalhes.
Esta é a chance de vocês de nos dizer o porquê.
Luce inalou profundamente. Embora não tivesse preparada para Francesca
jogar o assunto assim tão rapidamente, ela não queria que Miles ou Shelby
tentassem a encobrir.
- Foi minha culpa. – Disse ela. – Eu queria... – Ela olhou para a expressão
desenhada de Steven, então para baixo em seu colo. – Eu vi algo nos
Anunciadores, algo do meu passado, e eu queria ver mais.
- E então vocês saíram para uma excursãozinha perigosa – um
transpassamento não autorizado por meio de um Anunciador, colocando em
perigo dois de seus colegas que realmente deviam ter pensado melhor – eu dia
depois de outra colega ser sequestrada? – Francesca perguntou.
- Isso não é justo. – Disse Luce. – Você uma das pessoas que menosprezou o
que aconteceu com Dawn. Pensamos que estávamos indo só para olhar
alguma coisa, mas...
- Mas... ? – Steven cutucou. – Mas agora percebe quão idiota essa linha de
pensamento foi?
Luce agarrou os braços da cadeira, tentando conter as lágrimas. Francesca
estava chateada com os três deles, mas parecia que toda a fúria de Steven
estava indo apenas para Luce. Não era justo.
- Sim, ok, nós nos esgueiramos para fora da escola e fomos para Las Vegas. –
Disse ela finalmente. – Mas a única razão de estarmos em perigo foi porque
você me deixou no escuro. Você sabia que alguém estava atrás de mim e
provavelmente sabe até o porquê. Eu não teria deixado o campus se tivesse
apenas me contado.
Steven olhou para Luce com os olhos como fogo.
- Se você está dizendo que honestamente temos que ser tão claros com você,
Luce, então estou desapontado. – Ele colocou a mão no ombro de Francesca.
– Talvez você estivesse certa sobre ela, querida.
- Espere. – Luce disse, mas Frances fez um sinal para parar com a mão.
- Precisamos também ser claros sobre o fato de que a oportunidade que lhe foi
dada em Shoreline para seu crescimento educacional e pessoal é, para você,
uma experiência única em um milhão de vidas? – Um rubor apareceu em suas
bochechas. – Você criou uma situação muito embaraçosa para nós. A escola
principal – Ela fez um gesto para a parte sul do campus. – tem suas detenções
e seus programas de serviços comunitários para os alunos que saem da linha,
mas Steven e eu não temos alunos que não ultrapassam nossas fronteiras
muito brandas.
- Até agora. – Disse Steven, olhando para Luce. – Mas Francesca e eu
concordamos que uma rápida e severa sentença deve ser proferida.
Luce se inclinou para frente em sua cadeira.
- Mas Shelby e Miles não...
- Exatamente. – Francesca assentiu. – É por isso que, quando forem
dispensados, Shelby e Miles se reportarão ao Sr. Kramer na escola principal
para serviços comunitários. A Festa Anual de Colheita de Alimentos começa
amanhã, então eu tenho certeza que vocês vão ter seus trabalhos preparados.
- Que conversa fiada é essa? – Shelby interrompeu, olhando para Francesca. –
Quero dizer, Festa da Colheita parece o meu tipo de diversão.
- E Luce? – Miles perguntou.
Os braços de Steven estavam cruzados e seus complicados olhos castanhos
olhavam para Luce sobre os aros tartaruga de seus óculos.
- Efetivamente, Luce, você está de castigo.
De castigo? Era isso?
- Classe. Refeições. Dormitório. – Francesca recitou. – Até que você ouça outra
coisa de nós, e a menos que você esteja sob nossa supervisão rigorosa, estes
são os únicos lugares que você vai estar permitida. E nada de mergulhar em
Anunciadores. Entendeu?
Luce assentiu. Steven acrescentou:
- Não nos teste novamente. Até mesmo nossa paciência chega ao fim.
Classe – Refeições – Dormitório não deixavam muitas opções a Luce em uma
manhã de domingo. O chalé estava escuro e o refeitório não era aberto para
um brunch (uma refeição entre o café e o almoço para quem acorda tarde) até
as onze. Depois que Miles e Shelby se arrastaram relutantemente para o
acampamento do Sr. Kramer para iniciar o serviço comunitário, Luce não tinha
escolha senão voltar para seu quarto. Ela fechou a cortina da janela, que
Shelby sempre gostava de deixar aberta, em seguida, se afundou em sua
cadeira.
Podia ter sido pior. Em comparação com as histórias de celas apertadas de
blocos de concreto para confinamento solitário em Sword & Cross, isso quase
parecia que estava se safando fácil. Ninguém estava jogando um par de
pulseiras com dispositivo de rastreamento nelas. Na verdade, Steven e
Francesca tinham lhe dado, basicamente, as mesmas restrições que Daniel
deu. A diferença era que seus professores poderiam a vigiar noite e dia. Daniel,
por outro lado, não era para estar lá mesmo.
Irritada, ligou seu computador, meio que esperando que seu acesso à internet
fosse estar subitamente restrito, mas se conectou como de costume e
encontrou três e-mails de seus pais e um de Callie. Talvez o lado bom de estar
de castigo era que seria forçada a finalmente ficar em melhor contato com seus
amigos e familiares.
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 08:22
Assunto: O Cachorro-Peru.
Confira essa foto! Vestimos Andrew como um peru para a festa de Outono da
vizinhança. Como você pode dizer das marcas de mordida nas penas: Ele
adorou. O que você acha? Devemos fazê-lo usar de novo quando você vier
para o dia de Ação de Graças?
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 09:06
Assunto: PS
Seu pai leu meu e-mail e achou que poderia ter feito você se sentir mal.
Sem intenção de te fazer se sentir culpada, querida. Se você tiver permissão
para voltar para casa no dia de Ação de Graças, nós adoraríamos. Se não for
possível, vamos remarcar para outro dia. Nós te amamos.
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Sábado, 21/11 às 00:12
Assunto: Sem assunto
Só nos deixe saber qual dos dois? Beijos, mamãe.
Luce prendeu a cabeça entre as mãos. Ela tinha estado errada. Todos os
castigos do mundo não fariam mais fácil para ela responder a seus pais. Eles
tinham vestido seu poodle de peru, pelo amor de Deus! Partiu seu coração de
pensar em desapontá-los. Então, sem delongas, abriu o e-mail de Callie.
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Sexta-feira, 20/11 às 16:14
Assunto: Aqui está!
Eu acredito que a reserva de voo abaixo fala por si só. Mande seu endereço e
eu vou pegar um táxi quando conseguir a reserva na manhã de quinta-feira.
Minha primeira vez na Geórgia! Com a minha melhor amiga há muito tempo
perdida! Isso vai ser tão formidável! Nos vemos em seis dias!
Em menos de uma semana, a melhor amiga de Luce estaria aparecendo para
o dia de Ação de Graças na casa de seus pais. Seus pais a estariam
esperando, e Luce estaria aqui mesma, de castigo em seu dormitório. Uma
tristeza enorme a inundou. Teria dado qualquer coisa para ir até eles, para
passar alguns dias com as pessoas que amava, que lhe daria um descanso
das esgotantes e confusas semanas que ela passou algemada dentro destas
paredes de madeira. Ela abriu um novo e-mail e compôs uma mensagem
apressada:
Para: [email protected]
De: [email protected]
Enviada: Domingo 22/11 às 09:33
Oi Sr. Cole.
Não se preocupe, não vou implorar para você, me deixe ir para casa no dia de
Ação de Graças. Eu conheço um desesperado desperdício de esforço quando
vejo um, mas não tenho coragem de dizer a meus pais. Você vai deixá-los
saber? Diga-lhes que eu sinto muito.
Aqui as coisas estão bem. Mais ou menos.
Estou com saudades.
Luce.
Uma batida forte na porta fez Luce saltar – e clicar em Enviar no e-mail sem
revisar antes para erros de ortografia ou admissões embaraçosas de emoção.
- Luce! – A voz de Shelby chamou do outro lado. – Abre aí! Estou tão ocupada
com aquela porcaria de Festa da Colheita. Quero dizer, generosa. – As batidas
continuaram do outro lado da porta, mais altas, com o ocasional grunhido
choramingado se infiltrando para dentro.
Abrindo a porta, Luce encontrou uma Shelby ofegante, cedendo sob o peso de
uma enorme caixa de papelão. Ela tinha vários sacos esticados de plástico
enfiados nos dedos. Seus joelhos tremiam quando ela cambaleou para o
quarto.
- Posso te ajudar com alguma coisa? – Luce pegou a cornucópia de vima com
penas claras que estava descansando na cabeça de Shelby como um chapéu
cônico.
- Eles me colocaram em Decorações. – Shelby resmungou, jogando a caixa no
chão. – Eu daria tudo para estar no Lixo, como Miles. Você ao menos sabe o
que aconteceu na última vez que alguém me fez usar uma pistola de cola
quente?
Luce se sentia responsável pelas punições tanto de Shelby quanto de Miles.
Imaginou Miles penteando a praia com um desses paus que cutuca lixo que ela
tinha visto presos usando do lado da estrada em Thunderbolt.
- Eu nem mesmo sei o que é a Festa da Colheita.
- Detestáveis e pretensiosas, é o que é. – Disse Shelby, vasculhando a caixa e
jogando para o chão, sacos de plástico de penas, potes de glitter e uma resma
de papel de construção na cor do outono. – É basicamente um grande
banquete, onde todos os doadores de Shoreline saem para levantar dinheiro
para a escola. Todos vão para casa sentindo tão caridosos porque
descarregaram algumas latas velhas de feijão verde em um banco de
alimentos em Fort Bragg. Você vai ver amanhã à noite.
- Eu duvido. – Disse Luce. – Lembra que estou de castigo?
- Não se preocupe, você vai ser arrastada para lá. Alguns dos maiores
doadores são defensores de anjo, então Frankie e Steven tem que dar um
show. O que significa que os Nephilim têm que estar lá, sorrindo muito.
Luce franziu a testa, olhando para seu reflexo não-Nephilim no espelho. Mais
uma razão, ela devia ficar aqui. Shelby amaldiçoou baixinho.
- Deixei a estúpida pintura de peru para a decoração de centro de mesa no
escritório do Sr. Kramer. – Disse ela, se levantando e dando na caixa de
decorações um pontapé. – Eu tenho que voltar.
Quando Shelby passou por ela indo para a porta, Luce perdeu o equilíbrio e
começou a cair, tropeçou sobre a caixa e seu pé esbarrou em algo frio e úmido
no caminho para o chão. Ela deu de cara no chão de madeira. A única coisa
que amorteceu sua queda for o saco de plástico de penas, que estourou,
atirando penugens coloridas por debaixo dela. Luce olhou para trás para ver o
quando de danos ela tinha causado, esperando que as sobrancelhas de Shelby
fossem se unir exasperada. Mas Shelby estava parada com uma mão
apontando para o centro da sala. Um Anunciador na cor marrom-névoa estava
discretamente flutuando.
- Não é um pouco arriscado? – Shelby perguntou. – Evocar um Anunciador
uma hora depois de ser pega por convocar um Anunciador? Você realmente
não escuta nada, não é? Eu meio que admiro isso.
- Eu não o convoquei. – Luce insistiu, se levantando e batendo as penas de
sua roupa. – Eu tropecei e ele estava lá, esperando ou algo assim.
Ela se aproximou para examinar a folha nebulosa e de cor parda. Estava tão
plano como um pedaço de papel e não muito grande para um Anunciador, mas
do jeito que pendia no ar na frente de seu rosto, quase a desafiando a rejeitálo, fez Luce ficar nervosa. Nem parecia precisar que ela o guiasse na forma.
Pairou, mal se movendo, parecendo que poderia ter flutuado lá o dia todo.
- Espere um minuto. – Luce murmurou. – Esse veio com o outro naquele dia.
Não se lembra?
Esta era a estranha sombra marrom que tinha voado atrelada com a sombra
mais escura que os levou para Las Vegas. Tinham ambas vindas pela janela
ontem à tarde, então esse tinha desaparecido. Luce tinha esquecido o assunto
até agora.
- Bem. – Disse Shelby, encostada na beirada do beliche. – Você vai vislumbrálo ou o quê?
O Anunciador estava na cor de uma sala enfumaçada, marrom insalubre e
enevoado ao toque. Luce o atingiu, correndo os dedos ao longo de seus limites
úmidos. Sentia sua respiração nublada escovar seus cabelos para trás. O ar
em torno deste Anunciador estava úmido, até mesmo salgado. À distância, o
murmúrio de gaivotas ecoou de dentro dele. Ela não devia vislumbrá-lo. Não
vislumbraria.
Mas lá estava o Anunciador, passando de uma malha de fumaça marrom para
algo claro e perceptível, independentemente de Luce. Ali estava a mensagem
projetada por esta sombra tomando vida.
Era uma vista aérea de uma ilha. No início, eles estavam lá no alto, então tudo
que Luce podia ver era uma pequena protuberância de rocha negra íngreme
com uma borda de pinheiros cônicos tocando na base. Então, lentamente, o
Anunciador ampliou, como um pássaro descendo para se alojar na copa das
árvores, focou uma pequena e deserta praia. A água estava escura por causa
da argilosa areia prateada. A dispersão de rochas ajustadas com as intenções
suaves da maré. E de pé discretamente entre duas das mais altas rochas,
Daniel estava olhando para o mar. O galho de árvore em sua mão estava
coberto de sangue.
Luce ofegou quando ela se inclinou e viu o que Daniel estava olhando. Não o
mar, mas uma sangrenta carcaça de um homem. Um homem morto, deitado na
areia dura. Cada vez que as ondas atingiam o corpo, elas recuavam
manchadas de um vermelho profundo, escuro. Mas Luce não podia ver a ferida
que tinha matado o homem. Outra pessoa, em um longo casaco preto estava
agachada sobre o corpo, o amarrando com uma espessa corda trançada.
O coração dela batia forte, Luce olhou novamente para Daniel. Sua expressão
era igual, mas seus ombros estavam contraídos.
- Depressa. Você está perdendo tempo. A maré está subindo agora, de
qualquer forma.
Sua voz era tão fria que fez Luce tremer.
Um segundo depois, a cena do Anunciador desapareceu. Luce prendeu a
respiração até que caiu no chão. Em seguida, do outro lado da sala, a persiana
da janela que Luce tinha puxado para baixo antes, se abriu com força. Luce e
Shelby atiraram olhares de ansiedade entre si, em seguida, viram quando uma
rajada de vento levou o Anunciador, o puxando para cima e para fora da janela.
Luce agarrou o pulso de Shelby.
- Você observou tudo. Quem estava lá com Daniel? Quem estava agachado
sobre – Ela tremeu novamente. – aquele cara?
- Pô, eu não sei, Luce. Eu estava meio distraída com o corpo morto. Sem falar
da árvore sangrenta que seu namorado estava segurando. – A tentativa de
Shelby ser sarcástica foi diminuída pela forma aterrorizada que ela pareceu. –
Então, ele o matou? – Ela perguntou a Luce. – Daniel matou quem quer que
fosse aquela pessoa?
- Eu não sei. – Luce estremeceu. – Não diga isso assim. Talvez haja uma
explicação lógica.
- O que você acha que ele estava dizendo no final? – Shelby perguntou. – Eu vi
seus lábios se moveram mas eu não pude distinguir. Eu odeio isso nos
Anunciadores.
Apresse-se. Você está perdendo tempo. A maré está subindo agora, de
qualquer forma.
Shelby não ouviu isso? Quão insensível e sem remorso que Daniel soara?
Então Luce lembrou: Não foi há muito tempo que ela não conseguia ouvir os
Anunciadores também. Antes, seus ruídos costumavam ser apenas isso:
Ruídos: Sussurros e grossos assobios molhados através de árvores. Foi
Steven que dissera a ela como sintonizar as vozes lá dentro. De certo modo,
Luce quase desejava que ele não tivesse dito. Tinha que haver mais sobre esta
mensagem.
- Eu tenho que vislumbrar novamente. – Disse Luce, caminhando em direção à
janela aberta. Shelby a puxou de volta.
- Ah não, você não vai. Aquele Anunciador pode estar em qualquer lugar agora
e você está presa no dormitório, lembra? – Shelby empurrou Luce para sua
cadeira. – Você vai ficar aqui enquanto eu vou para o escritório de Kramer
recuperar o meu peru. Nós duas vamos esquecer que isso aconteceu. Ok?
- Ok.
- Ótimo. Estarei de volta em cinco minutos, por isso não desapareça.
Mas logo que a porta fechou, Luce foi para fora da janela, subindo para a parte
plana da borda onde ela e Daniel se sentaram na noite anterior. Colocar o que
ela tinha acabado de ver para fora de sua mente era impossível. Ela tinha que
convocar novamente aquela sombra. Mesmo que trouxesse mais problemas
para ela. Mesmo que ela visse algo que ela não goste.
O final da manhã estava ficando tempestuoso e Luce teve que se abaixar e
segurar nas telhas inclinadas de madeira para manter seu equilíbrio. Suas
mãos estavam frias. Seu coração estava dormente. Fechou os olhos. Toda vez
que tentava convocar um Anunciador, lembrava o quão pouco treinada ela era.
Sempre tinha tido apenas sorte – se assistir ao seu namorado olhar para
alguém que tinha acabado de assassinar pudesse ser considerado sorte.
O toque úmido se arrastou ao longo de seus braços. Era a sombra marrom, a
coisa que feia que mostrara a ela uma coisa ainda pior? Seus olhos bem
abertos. Ela estava. Rastejando até o ombro, como uma cobra. Ela o puxou e o
segurou à sua frente, tentando girá-lo como uma bola com as mãos. O
Anunciador rejeitou seu toque, flutuando para trás, fora de seu alcance, para
bem depois da beirada.
Ela olhou para baixo, dois andares até o chão. Uma fileira de alunos estava
saindo do dormitório em direção ao refeitório para almoçar, um fluxo de cores
de deslocando ao longo de uma camada de grama verde brilhante. Luce
vacilou. A vertigem a atingiu e ela se sentiu caindo para frente. mas, então, a
sombra correu como um jogador de futebol, batendo as costas dela contra a
inclinação do telhado.
Lá ela ficou, presa contra as telhas, ofegante quando o Anunciador
preguiçosamente se abriu novamente. O véu de fumaça se difundiu em luz e
Luce estava de volta com Daniel e seu galho de sangue. De volta com o
crocitar das gaivotas circulando lá em cima e o fedor da espuma podre ao
longo da costa, a visão de ondas congeladas quebrando na praia. E de volta
para as duas figuras amontoadas no chão. O morto estava todo amarrado. O
outro vivo ficou de pé para encarar Daniel.
Cam.
Não. Tinha que ser um erro. Eles se odiavam. Tinham acabado de travar uma
enorme batalha um contra o outro.
Ela podia aceitar que Daniel fizesse coisas obscuras para protegê-la das
pessoas que estavam atrás dela. Mas que coisa horrível o faria procurar por
Cam? Trabalhar ao lado de Cam – que tinha prazer em matar?
Eles estavam em uma acalorada discussão sobre algum tipo de, mas Luce não
conseguia distinguir as palavras. Ela não conseguia ouvir nada sobre o relógio
no meio do terraço, que tinha acabado de atingir onze horas. Ela se esforçou
para ouvir, esperando o cessar dos gongos.
- Deixe-me levá-la à Shoreline. – Ela finalmente ouviu Daniel suplicar.
Isto deve ter sido um pouco antes dela chegar à Califórnia. Mas por que Daniel
tinha que pedir permissão a Cam? A menos que...
- Tudo bem. – Disse Cam calmamente. – Leve-a até a escola e depois me
encontre. Não estrague, eu estarei assistindo.
- E depois? – Daniel parecia nervoso. Cam correu os olhos sobre o rosto de
Daniel.
- Você e eu temos trabalho a fazer.
- Não! – Luce gritou, pondo fim a sombra com os dedos em raiva.
Mas logo que sentiu as mãos romperem a superfície fria e escorregadia, se
arrependeu. Ele se quebrou em fragmentos cansados, se acomodando em
uma pilha de cinzas ao seu lado. Agora ela não podia ver mais.
Tentou reunir os fragmentos do jeito que tinha visto Miles fazer, mas estavam
tremendo e se resposta. Ela pegou um punhado de fragmentos inúteis,
chorando sobre eles.
Steven disse que às vezes os Anunciadores distorciam o que era real. Como
as sombras da parede da caverna, mas que sempre havia alguma verdade
para eles também. Luce podia sentir a verdade nos frios pedaços encharcados
mesmo quando ela os apertou forte, tentando espremer toda sua agonia.
Daniel e Cam não eram inimigos. Eles eram parceiros.
Capítulo 15 – Quatro Dias
- Mais peru com tofu? – Connor Madson, um garoto cabeludo da classe de
biologia de Luce e um dos alunos-garçons de Shoreline, parou perto dela com
uma bandeja de prata na Festa da Colheita ne segunda-feira à noite.
- Não, obrigada. – Luce apontou para a espessa pilha de fatias de carne
mornas ainda em seu prato. – Talvez mais tarde.
Connor e o restante do pessoal bolsista em Shoreline estavam vestidos
adequadamente para a Festa da Colheita com smokings e chapéus ridículos de
viajantes. Deslizavam passando entre eles no terraço, que estava quase
irreconhecível como um lugar sofisticado e casual para comer algumas
panquecas antes da aula, havia sido transformado em um salão de banquetes
em pleno ar livre.
Shelby ainda estava resmungando enquanto se movia de mesa em mesa,
ajustando os cartões do lugar e reacendendo as velas. Ela e o resto do Comitê
de Decorações tinham feito um belo trabalho: Folhas de seda em vermelho e
laranja tinham sido espalhadas pelas longas toalhas de mesa brancas, um
jantar recém-cozinhado estava arranjado dentro de cornucópias pintadas a
ouro, lâmpadas de calor ficavam na borda para tirar o efeito da brisa fresca do
oceano. Até mesmo as pinturas de peru que decoravam o centro das mesas
pareciam elegantes.
Todos os estudantes, o corpo docente e cerca de cinquenta dos maiores
doadores da escola tinham aparecido bem vestidos para o jantar. Dawn e seus
pais tinham vindo para a noite. Embora Luce não tivesse conseguido uma
oportunidade para conversar com Dawn ainda, ela parecia recuperada, até
mesmo feliz, e tinha acenado para Luce alegremente de seu assento ao lado
de Jasmine.
No máximo uns vinte e tantos Nephilim estavam sentados juntos em duas
mesas circulares adjacentes, com exceção de Roland, que estava sentado em
um canto distante, com uma pessoa misteriosa. Em seguida, a pessoa
misteriosa se levantou, ergueu o chapéu largo em forma de botão de rosa e
deu a Luce um aceno um pouco sorrateiro.
Arriane.
Sem ela mesma querer, Luce sorriu, mas um segundo depois, se sentiu a beira
das lágrimas. Observando os dois dando risadinhas juntos lembrou a Luce da
sinistra cena repugnante que tinha vislumbrado no Anunciador no dia anterior.
Como Cam e Daniel, Arriane e Roland deveriam estar em lados opostos, mas
todos sabiam que eles eram um time. Ainda assim, parecia de algum modo
diferente.
A Festa da Colheita era para ser a última festa pré Ação de Graças antes das
aulas acabarem. Então, todo mundo teria outra Ação de Graças. Uma Ação de
Graças de verdade, com suas famílias. Para Luce, esta era a única Ação de
Graças que ia conseguir. Sr. Cole não tinha escrito para ela de volta. Depois do
castigo de ontem e, em seguida, a revelação em cima do telhado, ela estava
tento um dia difícil para se sentir grata por muita coisa.
- Você mal está comendo. – Disse Francesca, colocando um bocado grande e
brilhante de purê de batatas no prato de Luce.
Luce estava cada vez mais sintonizada com o brilho emocionante que caía
sobre tudo quando Francesca falava com ela. Francesca possuía um carisma
de outro mundo, simplesmente uma virtude de ser um anjo.
Ela sorriu para Luce como se não tivesse havido nenhuma reunião em seu
gabinete ontem, como se Luce não estivesse trancafiada.
Luce tinha ganhado o lugar de honra na expansiva mesa principal do corpo
docente, ao lado de Francesca. Todos os doadores vieram juntos apertas as
mãos do corpo docente. Os três outros alunos na mesa principal era Lilith,
Beaker Brady e uma menina coreana de cabelos curtos e escuros que Luce
não conhecia – tinham conseguido seus lugares em um concurso de redação.
Tudo que Luce teve que fazer era irritar seus professores o suficiente para que
ficassem com medo de a deixarem fora de suas vistas.
A refeição estava finalmente acabando quando Steven se inclinou para frente
em sua cadeira. Assim como Francesca, ele não exibia nenhum veneno de
ontem.
- Certifique-se de Luce se apresentar ao Dr. Buchanan.
Francesca deu a última mordida em um bolinho de broa de milho com
manteiga.
- Buchanan é um dos maiores patrocinadores da escola. – Disse para Luce. –
Você deve ter ouvido seu programa Demônios no Exterior? – Luce encolheu os
ombros quando os garçons reapareceram para limpar os pratos. – Sua exmulher tinha linhagem de anjo, mas após o divórcio ele mudou alguma de suas
alianças. Ainda assim... – Francesca olhou para Steven. – É uma pessoa muito
boa para se conhecer. Oh, olá Senhorita Fisher! Como é bom você ter vindo.
- É, olá. – Uma mulher idosa com um sotaque britânico forte, um casado de
vison volumoso e mais diamantes em volta do pescoço do que Luce jamais
tinha visto antes, estendeu a mão com luvas brancas para Steven, que se
levantou para cumprimentá-la. Francesca se levantou também, se inclinando
para cumprimentar a mulher com um beijo em casa bochecha.
- Onde está meu Miles? – Perguntou a mulher. Luce pulou.
- Oh, você deve ser a avó de Miles... ?
- Meu Deus, não. – A mulher recuou. – Não tenho filhos, nunca me casei, boohoo. Sou Senhorita Ginger Fisher., do ramo NorCal na árvore genealógica.
Miles é meu sobrinho-neto. E você é?
- Lucinda Price.
- Lucinda Price, sim. – Senhorita Fisher abaixou o nariz para Luce, apertando
os olhos. – Li sobre você em uma ou outra história. Embora eu não lembre o
que exatamente você fez.
Antes que Luce pudesse responder, as mãos de Steven estavam em seus
ombros.
- Luce é uma das nossas mais novas alunas. – Ele explodiu. – Você vai ficar
feliz em saber que Miles realmente tomou conta de tudo para fazê-la se sentir
confortável aqui.
Os olhos estrábicos da Senhorita Fisher já estavam procurando além deles,
examinando o gramado lotado. Os convidados haviam quase terminado de
comer e agora Shelby estava acendendo as tochas tiki espetadas no chão.
Quando a tocha mais próxima à mesa principal ficou brilhante, iluminou Miles,
inclinado sobre a mesa ao lado para limpar alguns pratos.
- Será que é o meu sobrinho-neto... Servindo a mesa? – Senhorita Fisher
pressionou uma mão enluvada contra a testa.
- Na verdade – Disse Shelby, se intrometendo na conversa, o isqueiro de tocha
na mão. – ele é o carregador de...
- Shelby. – Francesca cortou. – Eu acho que a tocha tiki perto das mesas dos
Nephilim acabou de apagar. Você poderia concertar? Agora?
- Quer saber? – Luce disse a Senhorita Fisher. – Eu vou pegar Miles e o trazer
até aqui. Você deve estar ansiosa em vê-lo.
Miles tinha trocado o boné dos Dodgers e camiseta por uma calça de tweed
marrom e uma camisa laranja brilhante de botões. Uma escolha meio ousada,
mas parecia boa.
- Ei! – Ele acenou com a mão que não estava equilibrando uma pilha de pratos
sujos. Miles não parecia se importar em trabalhar nas mesas. Estava sorrindo,
se sentindo à vontade, conversando com todos no banquete enquanto limpava
os pratos.
Quando Luce se aproximou, ele colocou os pratos na mesa e lhe deu um
grande abraço a apertando mais perto no final.
- Você está bem? – Perguntou ele, inclinando a cabeça para um lado, para que
seus cabelos castanhos caíssem sobre os olhos. Não parecia acostumado com
a maneira que seu cabelo mudava sem o boné e ele jogou rapidamente para
trás. – Você não parece tão bem. Quero dizer... Você está linda, mas não era
disse que eu estava falando. De verdade. Eu realmente gostei de seu vestido.
E seu cabelo está bonito. Mas você parece que também está meio... – Ele
franziu a testa para baixo.
- Isso é perturbador. – Luce chutou a grama com a ponta de seu salto alto
preto. – Porque isso foi o melhor que me falaram a noite toda.
- Sério? – O rosto de Miles se iluminou apenas o suficiente para ele tomar isso
como um elogio. Em seguida, seu semblante caiu. – Eu se que deve ser um
saco ficar de castigo. Se você me perguntar, Frankie e Steven estão levando
isso mais a sério do que deveria. Mantê-la embaixo das asas a noite toda.
- Eu sei.
- Não olhe agora, tenho certeza que estão nos observando. Ah, ótimo. – Ele
gemeu. – Será que aquela é minha tia Ginger?
- Eu já tive o prazer de conhecer. – Luce riu. – Ela quer te ver.
- Tenho certeza que quer. Por favor, não pense que todos os meus parentes
são como ela. Quando você encontrar o resto do clã no dia de Ação de Graças.
Ação de Graças com Miles. Luce tinha esquecido completamente disso.
- Ah. – Miles estava observando seu rosto. – Você não acha que Frankie e
Steven vão te fazer ficar aqui no dia de Ação de Graças?
Luce encolheu os ombros.
- Achei que era isso que até que diga outra coisa significava.
- Então é isso que está te fazendo triste. – Ele colocou uma mão no ombro nu
de Luce. Ela tinha lamentado o vestido sem mangas, até agora, até os dedos
pousarem em sua pele. Não era nada parecido com o toque de Daniel, que era
eletrizante e mágico o tempo todo, mas era reconfortante, no entanto. Miles se
aproximou, abaixando o rosto até o dela.
- O que é?
Ela olhou em seus olhos azuis. Sua mão ainda estava em seu ombro. Ela
sentiu os lábios se partindo com a verdade, pronta para sair de dentro dela.
Que Daniel não era quem ela pensava que era. Significava que talvez ela não
era quem pensava que era. Que tudo que sentia por Daniel em Sword & Cross
ainda estava lá, pensar nisso a deixava tonta, mas tudo agora também era tão
diferente. E que todo mundo ficava dizendo que esta vida era diferente, que era
hora de quebrar o ciclo, mas ninguém podia dizer o que isso significava. Que
talvez isso não terminasse com Luce e Daniel juntos. Que talvez fosse para ela
se libertar e fazer algo por conta própria.
- É difícil colocar tudo isso em palavras. – Disse ela finalmente.
- Eu sei. – Disse Miles. – Eu tive dificuldade com isso. Na verdade, tem algo
que eu meio que estou querendo te dizer...
- Luce. – Francesca estava subitamente parada ali, praticamente no meio
deles. – É hora de ir. Eu vou te levar de volta para seu quarto agora.
Tanta coisa para fazer por conta própria.
- E Miles, sua tia Ginger e Steven gostariam de vê-lo.
Miles jogou para Luce um último sorriso simpático, antes de marchar em
direção a sua tia. As mesas estavam sendo limpas, mas Luce podia ver Arriane
e Roland rindo a toa perto do bar. Um grupo de meninas Nephilim se agrupou
em volta de Dawn. Shelby estava de pé ao lado de um rapaz alto, com cabelos
descoloridos, loiros e pele pálida, quase branca.
O ex-namorado idiota. Tinha que ser. Ele estava se encostando em Shelby,
claramente ainda interessado, mas ela ainda estava claramente irritada. Por
estar irritada, nem percebeu Luce e Francesca caminhando para perto, mas o
ex-namorado dela percebeu. Seu olhar pendurado em Luce. O pálido não
muito azul de seus olhos estava assustado.
Então, alguém gritou que a festa estava descendo para a praia e Shelby
roubou a atenção de SAEB virando as costas pare ele, dizendo que era melhor
não a seguir para a festa.
- Você desejaria poder se juntar a eles? – Francesca perguntou enquanto elas
se moviam mais longe da agitação do terraço. O barulho e o vento acalmaram
tanto enquanto caminhavam ao longo do caminho de cascalho na direção do
dormitório, passando por filas de buganvílias rosa forte. Luce começou a se
perguntar se Francesca era responsável pela tranquilidade que pairava.
- Não. – Luce gostava o suficiente deles, mas se fosse para anexar a palavra
desejar a alguma coisa agora, não seria ir numa festa na praia. Ela iria
desejar... Bem, não tinha certeza o quê. Para algo que tenha a ver com Daniel,
isso ela sabia, mas o quê? Que ele contasse o que está acontecendo, talvez.
Que, em vez de protegê-la retendo informação, poderia enchê-la com a
verdade.
Ela ainda amava Daniel. É claro que sim. Ele a conhecia melhor do que
ninguém. Seu coração acelerava cada ver o que via. Ansiava por ele. Mas o
quão bem ela conhecia ele?
Francesca fixou os olhos na grama enfileirada no caminho para o dormitório.
Muito sutilmente, seus braços se estenderam para ambos os lados, como uma
bailarina na barra.
- Não eram lírios e nem rosas. – Ele murmurou sob sua respiração enquanto a
ponta dos dedos estreitos começou a tremer.
- O que era então?
Ouviu-se um som suave de batida, como raízes e uma planta sendo puxadas
de um canteiro e, de repente, miraculosamente, uma fileira de flores brancas
como um raio de lua surgiu em ambos os lados do caminho. Densas, viçosas e
com uns trinta centímetros de altura, estas não eram flores quaisquer.
Eram raras e delicadas peônias selvagens, com botões tão grandes quanto
bolas de beisebol. As flores que Daniel tinha trago a Luce quando estava no
hospital – e talvez outras vezes antes. Beirando o caminho até Shoreline, elas
brilhavam na noite como estrelas.
- O que foi isso? – Luce perguntou.
- Para você. – Disse Francesca.
- Para quê?
Francesca tocou-lhe brevemente na bochecha.
- Às vezes as coisas bonitas entram em nossas vidas do nada. Nem sempre
podemos entendê-las, mas temos de confiar nelas. Eu sei que você quer
questionar tudo, mas às vezes vale apenas ter um pouco de fé.
Ela estava falando de Daniel.
- Você olha para mim e Steven – Francesca continuou – e eu sei que podemos
confundir. Se eu amor ele? Sim. Mas quando a batalha final vier, vou ter que
matá-lo. Isso é apenas nossa realidade. Nós dois sabemos exatamente onde
estamos.
- Mas você não confia nele?
- Acredito que ele seja fiel à sua natureza, que é a do demônio. Você precisa
confiar que aqueles em torno de você vão ser fiéis à sua natureza. Mesmo
quando possa parecer que eles estão traindo quem eles são.
- E se não for assim tão fácil?
- Você é forte, Luce, independente de qualquer coisa ou alguém. A maneira
como você respondeu ontem, em meu escritório, eu podia ver isso em você. E
me fez muito feliz.
Luce não se sentia forte. Sentia-se tola. Daniel era um anjo, por isso a sua
verdadeira natureza tinha que ser boa. Então ela devia aceitar isso
cegamente? E a verdadeira natureza dela? Não incondicionalmente. Será que
Luce era a razão para as coisas entre eles estarem tão complicadas?
Muito tempo depois que entrou em seu quarto e fechou a porta atrás dela, não
podia tirar as palavras de Francesca da cabeça.
Cerca de uma hora depois, uma batida na janela fez Luce saltar enquanto
estava sentada observando o fogo diminuir na lareira. Antes que pudesse se
levantar, houve uma segunda batida na vidraça, mas desta vez parecia mais
hesitante. Luce se levantou do chão e foi até a janela. O que Daniel estava
fazendo aqui outra vez? Depois de dar tanta importância ao fato de ser
inseguro dos dois se verem, por que ele continua aparecendo?
Não sabia sequer o que Daniel queria dela, além de atormentá-la do jeito que
tinha o visto atormentar as outras versões dela nos Anunciadores. Ou, como
ele dizia, amado tantas versões dela. Hoje à noite tudo o que queria dele era
ser deixada sozinha.
Escancarou as persianas de madeira, em seguida, empurrou a vidraça,
derrubando mais uma das mil plantas de Shelby. Apoiava as mãos no
parapeito e, em seguida, mergulhou sua cabeça na noite, pronta para atacar
Daniel. Mas não era Daniel em pé na beirada à luz do luar.
Era Miles.
Ele tinha trocado suas roupas extravagantes, mas não trouxera o boné dos
Dodgers. A maior parte de seu corpo estava na sombra, mas o contorno de
seus ombros largos ficava claro contra a noite de um azul profundo. Seu sorriso
tímido trouxe um sorriso de resposta ao rosto dela. Ele estava segurando uma
cornucópia de ouro cheia de lírios laranja arrancados de uma das decorações
de mesa da Festa da Colheita.
- Miles. – Disse Luce. A palavra estava estranha em sua boca. Estava marcada
pela surpresa agradável, quando há pouco tinha estado tão preparada para ser
desagradável. Seus batimentos cardíacos voltaram ao normal, mas não
conseguia parar de sorrir.
- O quão louco é o fato de eu poder andar pela borda da minha janela até a
sua? – Luce balançou a cabeça, atordoada demais. Nunca tinha ido ao quarto
de Miles do lado dos meninos no dormitório. Ele nem sabia onde era. – Viu? –
Seu sorriso se ampliou. – Se você não estivesse de castigo, nunca
saberíamos. É muito bonito aqui, Luce, você devia sair. Você não tem medo de
altura ou algo assim, né?
Luce queria sair para a beirada com Miles. Só não queria ser lembrada dos
tempos que estava lá fora com Daniel. Os dois eram muito diferentes.
Miles – confiável, doce, preocupado.
Daniel – o amor de sua vida.
Se fosse assim tão simples. Parecia injusto e impossível de compará-los.
- Como é que você não está na praia com todo mundo? – Perguntou ela.
- Nem todo mundo está lá embaixo na praia. – Miles sorriu. – Você está aqui. –
Acenou a cornucópia de flores no ar. – Eu trouxe isso para você do jantar.
Shelby tem todas aquelas plantas no lado dela da sala. Achei que você poderia
colocar essas em sua escrivaninha.
Miles enfiou o chifre de vime atrás de sua janela. Estava cheio de flores laranja
brilhantes. Os estames pretos estremeciam ao vento. Elas não eram perfeitas,
algumas estavam mesmo murchas, mas estavam muito mais bonitas do que as
peônias maiores-que-a-vida que Francesca fez florescer.
Às vezes as coisas bonitas entram em nossas vidas do nada.
Esta foi talvez a coisa mais gentil que alguém já tinha feito por ela em Shoreline
– até mesmo na vez em que Miles invadiu o escritório de Steven para roubar o
livro para que pudesse ajudar Luce a aprender como transpassar uma sombra.
Ou na vez em que Miles a convidara para tomar café da manhã, no primeiro dia
em que ele a conheceu. Ou quão rápido Miles tinha a incluído em seus planos
de Ação de Graças. Ou a ausência total de ressentimento no rosto de Miles
quando lhe foi atribuído o serviço de lixo depois que ela o tinha colocado em
apuros por fugirem. Ou o jeito como Miles...
Ela poderia levar, ela percebeu, a noite toda. Carregou as flores atravessando
todo o quarto e as colocou em sua escrivaninha. Quando voltou, Miles estava
segurando sua mão para que saísse na janela. Podia inventar uma desculpa,
algo estúpido de não quebrar as regras de Francesca. Ou podia simplesmente
tomar sua mão quente, forte e segura, e se deixar deslizar pela janela. Podia
esquecer Daniel por apenas um momento.
Lá fora, o céu era uma explosão de estrelas. Brilhavam na noite negra como os
diamantes da Senhorita Fisher – mas mais claras, mais brilhantes, ainda mais
bonitas. Daqui, o topo das sequoias ao leste da escola parecia denso, sombrio
e sinistro, a oeste estava a incessantemente água agitada e a luz distante da
fogueira ardente na praia tumultuada. Luce tinha notado essas coisas antes da
beirada. Oceano. Floresta. Céu. Mas todas as outras vezes que esteve aqui,
tinha sido com Daniel consumindo seu foco. Quase a cegara, até o ponto onde
ela nunca tinha notado a paisagem. Era realmente de tirar o fôlego.
- Você provavelmente está se perguntando por que eu vim. – Disse Miles, o
que fez Luce perceber que os dois haviam ficado um tanto em silêncio por um
tempo. – Comecei a falar isso mais cedo, mas... Eu não... Não tenho certeza.
- Estou feliz que tenha vindo. Estava ficando um pouco chato ali, olhando para
o fogo. – Ela lhe deu um meio sorrido. Miles enfiou as mãos nos bolsos.
- Olha, eu sei que você e o Daniel... – Luce involuntariamente gemeu. – Você
está certa, eu nem deveria falar disso.
- Não, não foi por isso que eu gemi.
- É só que... Você sabe que eu gosto de você, certo?
- Hum.
É claro que Miles gostava dela. Eles eram amigos. Bons amigos.
Luce mordeu o lábio. Agora estava se fazendo de boba, o que nunca era um
bom sinal. A verdade: Miles gostava dela. E ela gostava dele também. Olhe
para o cara. Com seus olhos azul-oceano e pequenas risadas que dava toda
vez que abria um sorriso. Além disso, era de longe a pessoa mais legal que ela
já conhecera.
Mas havia Daniel, e antes dele tinha havido Daniel também, e Daniel de novo e
de novo – isso era infinitamente complicado.
- Estou estragando isso. – Miles estremeceu. – Quando tudo que eu mais
queria fazer era dizer boa noite.
Ela o olhou e descobriu que ele estava a olhando. Suas mãos saíram dos
bolsos e se encontraram com as mãos dela, as apertou no espaço entre o peito
dele. Ele se inclinou lentamente, deliberadamente, dando a Luce outra chance
de sentir a noite espetacular ao redor deles.
Sabia que Miles estava indo beijá-la. Sabia que não deveria deixá-lo. Por causa
de Daniel, claro – mas também por causa do que tinha acontecido quando
tinha beijado Trevor. Seu primeiro beijo. O único beijo que já tinha tido com
alguém além de Daniel. Poderia estar vinculado a Daniel o motivo de Trevor ter
morrido? E se no segundo em que ela beijasse Miles, ele... Não poderia nem
sequer pensar nisso.
- Miles. – Ela o pressionou para trás. – Você não deveria fazer isso. Me beijar
é... – Ela engoliu. – Perigoso.
Ele riu. Claro que iria, porque não sabia nada sobre Trevor.
- Acho que vou arriscar.
Ela tentou o empurrar para trás, mas Miles tinha um jeito de fazê-la se sentir
tão bem com quase tudo. Até mesmo isso. Quando a boca dele desceu sobre a
dela, ela prendeu a respiração, esperando o pior. Mas nada aconteceu.
Os lábios de Miles eram suaves como penas, a beijando delicadamente o
suficiente para que ele ainda sentisse como seu bom amigo, mas com paixão o
suficiente para provar que havia mais de onde este veio. Se ela quisesse.
Mas mesmo que não houvesse as chamas, nem pele queimada e nenhuma
morte ou destruição – e por que não estavam ali? – o beijo ainda fazia mal. Por
muito tempo, tudo que seus lábios queriam eram os lábios de Daniel, o tempo
todo. Ela costumava sonhar com sue beijo, seu sorriso, seus lindos olhos
violetas, seu corpo a segurando. Nunca deveria ter sido qualquer outra pessoa.
E se tivesse enganada em relação a Daniel? E se pudesse ser mais feliz – ou
feliz, e ponto – com outro cara?
Miles se afastou, olhando feliz e triste ao mesmo tempo.
- Então, boa noite. – Virou-se, quase como se estivesse voltando para seu
quarto. Mas então se virou para trás e pegou a mão dela – Se você sentir que
as coisas não estão dando certo, você sabe, com... – Ele olhou para o céu. –
Eu estou aqui. Só queria que você soubesse.
Luce balançou a cabeça, já lutando contra uma onda de confusão. Miles
apertou sua mão e então saiu na outra direção, saltando sobre o teto inclinado
de telhas, de volta para seu lado do dormitório.
Sozinha, ela tocou nos lábios onde os de Miles tinham acabado de estar. A
próxima vez que visse Daniel, seria capaz de contar?
Sua cabeça doía de todos os altos e baixos do dia e ela queria ir para a cama.
Quando ela deslizou para trás da janela entrando em seu quarto, se virou uma
última vez para apreciar a vista, para se lembrar de como tudo estava na noite
em que tantas coisas haviam mudado.
Mas, ao invés de das estrelas, árvores e ondas quebrando, os olhos de Luce
se fixaram em alguma coisa por trás de uma das muitas chaminés do telhado.
Alguma coisa branca e esvoaçante. Um par de asas iridescentes.
Daniel.
Agachado, apenas metade escondida da vista, a poucos metros de onde ela e
Miles haviam se beijado. Estava de costas para ela. Sua cabeça estava
pendurada.
- Daniel. – Ela gritou, sentindo sua voz capturar o nome dele.
Quando ele se virou para ela, o olhar desenhado de seu rosto era de absoluta
agonia. Como se Luce tivesse acabado de rasgar seu coração.
Ele dobrou os joelhos, desfraldou suas asas e decolou na noite.
Um minuto depois, parecia apenas mais uma estrela no céu preto brilhante.
Capítulo 16 – Três Dias
No café da manhã seguinte, Luce mal conseguia comer nada. Era o último dia
de aula antes de Shoreline dispensar os estudantes para o feriado de Ação de
Graças e Luce já estava se sentindo solitária. Solidão numa multidão de
pessoas era o pior tipo de solidão, mas não podia fazer nada. Todos os alunos
ao seu redor estavam conversando alegremente sobre ir para casa de suas
famílias. Sobre a garota ou rapaz que não tinham visto desde as férias de
verão. Sobre as festas que seus melhores amigos estavam fazendo no final de
semana.
A única festa que Luce estava indo neste fim de semana era a festa de piedade
em seu quarto vazio.
É claro que alguns outros alunos da escola principal ficaram hospedados
durante o feriado: Connor Madson, que tinha vindo para Shoreline de um
orfanato em Minnesota. Brenna Lee, cujos pais viviam na China. Francesca e
Steven estavam hospedados também – surpresa, surpresa – e estavam
fazendo um jantar de Ação de Graças para os desalojados no refeitório na
noite de quinta-feira.
Luce tinha esperança de uma única coisa: Que a ameaça de Arriane de manter
os olhos nela incluísse o feriado de Ação de Graças. Por outro lado, mal a viu
desde que Arriane tinha trazido os três de volta para Shoreline. Somente
naquele breve momento na Festa da Colheita.
Todo mundo estava saindo para os próximos dias. Miles para o evento
abastecido de sua família de mais de cem pessoas. Dawn e Jasmine para a
reunião de suas famílias na mansão de Jasmine Sausalito. Até mesmo Shelby,
embora não tivesse dito uma palavra a Luce sobre voltar para Bakersfield, tinha
estado no telefone com sua mãe um dia antes, gemendo “sim, eu estarei lá”.
Era o pior momento possível para Luce ser deixada sozinha. A agitação de sua
confusão interna se tornava mais densa todos os dias, até que não sabia como
se sentir em relação a Daniel ou a qualquer outra pessoa. E não podia parar de
ficar se amaldiçoando por quão estúpida tinha sido na noite anterior, deixando
Miles ir tão longe.
Durante a noite, continuou chegando à mesma conclusão: Mesmo que
estivesse chateada com Daniel, o que tinha acontecido com Miles não era
culpa de ninguém, apenas dela. Era ela que tinha traído.
Isso a fez fisicamente doente por pensar em Daniel sentado lá fora, olhando,
sem dizer nada enquanto ela e Miles se beijavam; imaginar como ele devia ter
se sentido quando levantou voo no telhado. O jeito que ela se sentira quando
ouviu sobre o que tinha acontecido entre Daniel e Shelby – só que pior porque
foi uma traição de verdade. Só mais uma coisa a acrescentar à lista de provas
de que ela e Daniel não conseguiam se comunicar.
Um riso suave a trouxe de volta ao seu café da manhã não comigo. Francesca
estava deslizando ao redor das mesas com uma longa capa de bolinhas em
preto-e-branco. Toda vez que Luce a olhava, ela tinha aquele sorriso afetuoso
preso no rosto e estava absorta na conversa com um aluno ou outro, mas Luce
ainda sentia sob forte escrutínio. Como se Francesca pudesse entrar na mente
de Luce e saber exatamente o que tinha feito Luce perder seu apetite. Como as
selvagens peônias brancas que haviam desaparecido sem deixar vestígios da
beirada do caminho durante a noite, assim também a crença de Francesca de
que Luce estava saindo da linha pudesse desaparecer.
- Por que tão taciturna, companheira? – Shelby engoliu um grande pedaço de
bagel. – Acredite, você não perdeu muita coisa na noite passada.
Luce não respondeu. A fogueira na praia era a coisa mais distante de sua
mente. Acabou de perceber que Miles tinha ido tomar café da manhã muito
mais tarde do que costumava. Seu boné dos Dodgers estava baixo cobrindo os
olhos e seus ombros pareciam um pouco curvados. Involuntariamente, os
dedos de Luce foram para os lábios. Shelby estava acenando
extravagantemente com ambos os braços sobre a cabeça.
- Ele está cego? Terra para Miles!
Quando ela finalmente chamou sua atenção, Miles deu a mesa delas um aceno
desajeitado, praticamente tropeçando sobre o buffet. Acenou novamente e
depois desapareceu atrás do refeitório.
- Sou eu ou Miles tem agido bem desajeitado recentemente? – Shelby revirou
os olhos e imitou o tropeço pateta de Miles.
Mas Luce estava morrendo de vontade de esbarrar com ele e –
E o quê? Dizer a ele para não sentir vergonha? Que o beijo tinha sido culpa
dela também? Que ter uma quedinha por um “trem desgovernado” como ela só
iria acabar mal? Que ela gostava dele, mas tantas coisas em relação a isso –
eles – eram impossíveis? Que mesmo que ela e Daniel estivessem brigando
agora, nada poderia realmente ameaçar o amor deles?
- Enfim, como eu estava dizendo... – Shelby continuou, enchendo a caneca de
café de Luce com a garrafa de bronze na mesa. – Fogueira, hedonismo, blah,
blah, blah. Essas coisas conseguem ser tão tediosas. – Um lado da boca de
Shelby se encolheu em um meio sorriso. – Principalmente, você sabe, quando
você não está por perto.
O coração de Luce se abriu um pouco. De vez em quando, Shelby soltava o
mais ínfimo raio de luz, mas, em seguida, sua companheira de quarto
rapidamente encolhia os ombros como se dissesse: Não deixe que isso suba à
sua cabeça.
- Ninguém mais aprecia minha representação de Lilith. Isso é tudo. – Shelby
endireitou a coluna, botou o peito para frente e fez o lado direito de seu lábio
superior tremer em desaprovação. A representação de Lilith que Shelby fazia
nunca tinha deixado de fazer Luce cair na gargalhada, mas hoje tudo o que
conseguia era um sorriso de boca fechada.
- Hmmm. – Shelby disse. – Não que você tenha ligado para o que perdeu da
festa. Notei Daniel voando à distância sobre a praia na noite passada. Vocês
dois devem ter tido muita coisa para pôr em dia.
Shelby viu Daniel? Por que não havia mencionado mais cedo? Outra pessoa
poderia tê-lo visto?
- Nós nem sequer nos falamos.
- É difícil de acreditar. Ele normalmente é tão cheio de ordens para lhe dar.
- Shelby, Miles me beijou. – Luce interrompeu. Seus olhos estavam fechados
por alguma razão que tornou mais fácil de confessar. – Na noite passada. E
Daniel viu tudo. Ele saiu voando antes que eu pudesse...
- Sim, isso o faria sair voando. – Shelby soltou um assobio. – Isso é meio que
demais. – O rosto de Luce queimou de vergonha. Sua mente não conseguia
tirar a imagem de Daniel levantando voo. Parecia tão inalterável. – Então está,
você sabe, tudo acabado entre você e Daniel?
- Não. Nunca. – Luce não podia nem ouvir essa frase sem tremer. – Eu
simplesmente não sei.
Ela não tinha dito a Shelby o resto do que tinha visto no Anunciador, que Daniel
e Cam estavam trabalhando em conjunto. Eram amigos secretos até onde ela
podia dizer. Shelby não saberia quem era Cam, de qualquer maneira, e a
história era muito complicada para explicar. Além disso, Luce não seria capaz
de suportá-la se Shelby, com seus pontos de vista oh-tão-deliberadamentecontroversos sobre anjos e demônios, começasse a ficar falando que uma
parceria entre Daniel e Cam não era lá grande coisa.
- Você sabe que Daniel vai ficar completamente arrasado por agora, mas não é
a grande parada de Daniel, a devoção eterna que vocês dois dividem? – Luce
se endureceu em sua cadeira de ferro branco. – Eu não estava sendo
sarcástica, Luce. Então, talvez, eu não sei, Daniel tem se envolvido com outras
pessoas. É tudo muito nebuloso. A mensagem para te levar para casa como eu
disse antes, é porque nunca havia nenhuma dúvida na mente dele de que você
era a única que importava.
- Isso é para me fazer sentir melhor?
- Não tenho a pretensão de te fazer sentir melhor, estou apenas tentando
ilustrar uma ideia. Por toda a indiferença irritante de Daniel, e há muito disso, o
cara está claramente dedicado. A real questão aqui é: Você está dedicada?
Com relação ao que Daniel sabe, você poderia deixá-lo tão logo alguém
aparecesse. Miles apareceu. E ele é obviamente um cara fantástico. Um pouco
bobo para meu gosto, mas...
- Eu nunca iria deixar Daniel. – Disse Luce em voz alta, querendo
desesperadamente acreditar.
Pensou sobre o horror em seu rosto na noite em que eles brigaram na praia.
Ela ficou chocada quando ele tinha sido tão rápido a perguntar: Nós estamos
terminando? Como se suspeitasse que houvesse uma possibilidade. Como se
ela não tivesse engolido toda a história louca dele sobre o amor infinitos deles
quando ele disse para ela debaixo das árvores de pêssego em Sword & Cross.
Ela teve de engoli-la, em um único gole de crença, ingerindo todas suas
fendas, as peças demasiadas irregulares que não faziam sentido, mas lhe
pediu para crer nelas naquela época. Agora, a cada dia, outras delas a
consumiam por dentro. Podia sentir uma enorme subindo pela garganta:
- Na maioria das vezes, nem sei por que ele gosta de mim.
- Vamos lá. – Shelby gemeu. – Não seja uma dessas meninas. Ele é muito bom
para mim, wah, wah, wah. Você tem que chutar para a mesa de Dawn e
Jasmine. Elas são peritas nisso, não eu.
- Eu não queria dizer desse jeito. – Luce se inclinou e abaixou a voz. – Eu
quero dizer, anos atrás, quando Daniel estava, você sabe, lá em cima, ele me
escolheu. Eu, entre todas as outras na Terra.
- Bem, provavelmente havia muito menos opções naquela época. Ai! – Luce
havia a golpeado. – Só estou tentando aliviar o clima!
- Ele me escolheu, Shelby, ao invés de escolher alguma função importante no
Céu, ao invés de uma posição elevada. Isso é muito importante, você não
acha? – Shelby assentiu. – Tinha que ter mais do que só o fato dele pensar
que eu era bonita.
- Mas... Você não sabe o que era?
- Eu perguntei, mas ele nunca me contou o que aconteceu. Quando eu puxei o
assunto, era quase como se Daniel não conseguisse se lembrar. E isso é
loucura, porque isso significa que nós dois estamos apenas sendo levados pelo
impulso. Com base em milhares de anos de um conto de fadas nenhum de nós
pode nem mesmo voltar atrás.
Shelby esfregou o queixo.
- O que mais Daniel anda escondendo de você?
- Isso é o que eu pretendo descobrir.
No terraço, o tempo tinha passado rapidamente, a maioria dos alunos estava
indo para a aula. Os garçons bolsistas estavam se apressando em limpar os
pratos. Numa mesa próxima ao oceano, Steven estava bebendo café sozinho.
Seus óculos estavam dobrados e descansando sobre a mesa. Seus olhos
encontraram com os de Luce e ele segurou o olhar dela por um longo tempo,
tanto tempo que, mesmo após ela se levantar para ir para a aula, a expressão
intensa e vigilante se prendeu nela.
Após o mais longo e entorpecente vídeo sobre a divisão celular que ela já tinha
visto, Luce saiu da sala de biologia, descendo as escadas do prédio principal e
no lado de fora, se surpreendeu ao ver o estacionamento completamente
lotado. Os pais, irmãos mais velho e mais do que uns poucos motoristas
formavam uma longa fila de veículos dos tipos que Luce não tinha visto desde
a pista expressa no ensino médio dela na Geórgia.
Em torno dela, os alunos saíram correndo da aula e foram em ziguezague para
os carros, com as malas de rodinhas no encalço. Dawn e Jasmine se
abraçaram antes de Jasmine entrar num carro da cidade e os irmãos de Dawn
abrirem espaço no banco de trás de um carro esportivo. Ela definitivamente
não poderia lidar com despedidas agora.
Caminhando sob o céu cinzento, Luce ainda estava super culpada, mas sua
conversa com Shelby havia deixado seu sentimento um pouco mais no
controle. Tudo estava ferrado, sabia disso, mas ter beijado alguém a fez sentir
como se finalmente tivesse uma ocasião para falar em seu relacionamento com
Daniel. Talvez recebesse uma ligação dele, para variar. Ela poderia pedir
desculpas. Ele poderia pedir desculpas. Eles poderiam fazer limonada ou tanto
faz. Passar por essa porcaria e realmente começar a falar.
Então, naquele momento, seu telefone tocou. Uma mensagem do Sr. Cole:
Tomei conta de tudo.
Então o Sr. Cole tinha passado adiante a notícia de que Luce não estava
voltando para casa, mas ele convenientemente deixou fora de sua mensagem
se seus pais ainda estavam querendo falar com ela ou não. Não tinha ouvido
falar deles há dias.
Era uma situação sem saída: Se eles escreveram para ela, ela se sentia
culpada por não escrever para eles de volta. Se eles não escreverem para ela,
se sentia responsável por ser a razão pela qual eles não tentaram se
comunicar. Ainda não tinha descoberto o que fazer com Callie.
Bateu com os pés nas escadas do dormitório vazio. Cada passo ecoava oco no
edifício cavernoso.
Ninguém estava por perto.
Quando ela chegou ao seu quarto, esperava não encontrar Shelby, ou pelo
menos, não vê-la de mala cheia esperando na porta.
Shelby não estava lá, mas suas roupas ainda estavam espalhadas por todo o
lado do quarto. Seu colete vermelho emplumado ainda estava no prendedor de
roupa e seu equipamento de ioga ainda estava empilhado no canto. Talvez ela
não fosse embora até amanhã de manhã.
Antes que Luce tivesse fechado totalmente a porta atrás dela, alguém bateu no
outro lado. Ela enfiou a cabeça para o corredor.
Miles.
As palmas de suas mãos ficaram úmidas e podia sentir a pulsação se acelerar.
Perguntou-se como seu cabelo estava, se lembrava de ter feito sua cama esta
manhã e quanto tempo ele tinha andando atrás dela. Se ele a vira se
esquivando da caravana de despedidas de Ação de Graças ou se viu o olhar
aflito em seu rosto quando ela tinha verificado suas mensagens de texto.
- Oi. – Ela disse suavemente.
- Oi.
Miles estava com um grosso suéter marrom sobre uma camisa de colarinho
branco. Estava usando aquelas calças de brim com um buraco no joelho,
aquelas que sempre faziam Dawn pular para segui-lo de modo que ela e
Jasmine pudessem perder o sentido atrás dele. A boca de Miles se contorceu
em um sorriso nervoso.
- Quer fazer alguma coisa?
Seus polegares estavam colocados sob as alças da mochila azul-marinho e
sua voz ecoou pelas paredes de madeira. Passou pela mente de Luce que ela
e Miles podiam ser as duas únicas pessoas em todo o edifício. A ideia era ao
mesmo tempo emocionante e desgastante.
- Estou de castigo por toda a eternidade, lembra?
- É por isso que eu trouxe a diversão até você.
No começo Luce pensou que Miles estava se referindo a si mesmo, mas
depois ele deslizou sua mochila para fora do ombro e abriu o zíper do
compartimento principal. Dentro havia uma coleção de jogos de tabuleiro:
Boogle (uma espécie de caça-palavras). Connect four. Parcheesi. O jogo do
High School Musical. Até mesmo Scrabble para viagem. Era tão gentil e nem
um pouco inadequado que Luce pensou que poderia chorar.
- Eu pensei que estava indo para casa hoje. – Disse ela. – Todo mundo está
indo embora.
Miles deu de ombros.
- Meus pais disseram que seria legal se eu ficasse. Estarei em casa novamente
em umas duas semanas, e, além disso, temos opiniões diferentes sobre as
férias perfeitas. A deles é algo digno para um destaque na sessão do New York
Times Styles.
Luce riu.
- E o seu?
Miles cavou um pouco mais em sua mochila, retirando dois pacotes de cidra de
maçã, uma caixa de pipoca de micro-ondas e um DVD do Woody Allen com o
filme Hannah e Suas Irmãs.
- Muito modesto, mas você está procurando por isso. – Ele sorriu. – Pedi para
você passar o dia de Ação de Graças comigo, Luce. Só porque estamos
mudando de local não significa que temos que mudar nossos planos.
Ela sentiu um sorriso se abrir em seu rosto e segurou a porta para Miles entrar.
Os ombros deles tocaram no dela quando ele passou e se olharam por um
momento. Sentiu Miles quase girar, como se estivesse voltando para beijá-la.
Ficou tensa, à espera, mas ele apenas sorriu, largou a mochila no meio do
chão e começou a descarregar a Ação de Graças.
- Está com fome? – Perguntou ele, acenando com um pacote de pipoca. Luce
estremeceu.
- Eu sou muito ruim em fazer pipoca.
Estava pensando no tempo que ela e Callie quase incendiaram o dormitório
delas em Dover. Ela não pode fazer nada. Isso a fez sentir saudades de sua
melhor amiga mais uma vez. Miles abriu a porta do micro-ondas. Ergue um
dedo.
- Eu posso apertar qualquer botão com esse dedo e o micro-ondas faz tudo.
Você tem sorte e eu ser tão bom nisso.
Era estranho que mais cedo ela tinha se sentido tão deprimida por ter o
beijado. Agora, percebia que ele era a única coisa a fazendo se sentir melhor.
Se ele não tivesse vindo, estaria caindo em outro abismo de culpa. Mesmo que
não conseguisse se imaginar o beijando novamente, não porque ela não
queria, necessariamente, mas porque ela sabia que não estava certo, que não
poderia fazer isso com Daniel... Que ela não queria fazer isso com Daniel, a
presença de Miles era extremamente reconfortante.
Jogaram Boogle até que Luce finalmente entendera as regras, Scrabble até
que perceberam que o conjunto estava faltando metade das letras e Parcheesi
até o sol se pôr no lado de fora da janela e estar muito escuro para ver o
tabuleiro sem acender uma luz. Então Miles se levantou, acendeu o fogo e
deslizou Hannah e Suas Irmãs no leitor de DVD no computador de Luce. O
único lugar para sentar e assistir o filme era sobre a cama.
De repente, Luce se sentiu nervosa. Antes, apenas eram dois amigos que
jogaram jogos de tabuleiro em um dia útil de tarde. Agora, as estrelas estavam
lá fora, o dormitório estava vazio, o fogo crepitava, e, o que isso os tornava?
Sentaram-se lado a lado na cama de Luce e ela não conseguia parar de pensar
onde suas mãos estavam, se elas pareceriam anormais se ficassem presas no
colo, se elas tocariam nas pontas dos dedos de Miles se ela as descansasse
nos lados dela.
No canto dos olhos, podia ver o peito dele se movendo enquanto ele respirava.
Podia o ouvir coçar a parte de trás do pescoço. Havia tirado o boné de beisebol
e ela podia sentir o cheiro cítrico do xampu em seu cabelo marrom fino.
Hannah e Suas Irmãs era um dos poucos filmes de Woody Allen que ela nunca
tinha visto, mas não conseguia prestar atenção. Cruzou e descruzou as pernas
três vezes antes da abertura dos títulos. A porta se abriu. Shelby entrou no
quarto, deu uma olhada no monitor do computador de Luce e desabafou:
- Melhor filme de Ação de Graças de todos os tempos! Posso ver com... –
Então ela olhou para Luce e Miles sentados no escuro sobre a cama. – Oh.
Luce deu um pulo para fora da cama.
- Claro que pode! Eu não sabia quando você estava indo embora para casa.
- Nunca. – Shelby se lançou no beliche superior, enviando um pequeno
terremoto até Luce e Miles na cama de baixo. – Minha mãe e eu brigamos. Não
pergunte, foi muito entediante. Além disso, prefiro muito mais sair com vocês,
afinal...
- Mas Shelby... – Luce não podia imaginar uma briga tão séria que a impedia
de ir para casa no dia de Ação de Graças.
- Vamos apenas nos divertir com a genialidade de Woody em silêncio. – Shelby
ordenou. Miles e Luce atiraram um olhar de conspiração.
- É isso aí. – Miles gritou para Shelby, dando a Luce um sorriso.
Sinceramente, Luce ficou aliviada. Quando se acomodou na cama, seus dedos
roçaram nos de Miles e ele lhes deu um aperto. Foi só por um momento, mas
longo o suficiente para que Luce soubesse que, no que dizia a respeito ao fim
de semana de Ação de Graças, as coisas iriam ficar bem.
Capítulo 17 – Dois Dias
Luce acordou com o ruído de um cabide arrastando na beirada de seu armário.
Antes que pudesse ver quem era o responsável pelo barulho, um monte de
roupas a bombardearam. Sentou-se na cama, abrindo caminho pela pilha de
calças, camisas e camisolas. Arrancou um par de meias argyle da testa.
- Arriane?
- Você gosta do vermelho? Ou do preto? – Arriane estava segurando dois
vestidos de Luce contra seu corpo minúsculo, balançando enquanto exibia
cada um.
Os braços de Arriane estavam despidos da pulseira de monitoramento terrível
que tinha que usar em Sword & Cross. Luce não tinha percebido até agora e
estremeceu ao se lembrar do choque cruel que era enviado a Arriane quando
pisava fora da linha. Todos os dias na Califórnia, as lembranças de Sword &
Cross ficavam cada vez mais nebulosas, até que um momento como este a
jogava de volta para sua turbulenta estadia lá.
- Elizabeth Taylor diz que só algumas mulheres podem vestir vermelho. –
Arriane continuou. – É tudo uma questão de caimento e coloração. Felizmente
você tem ambas. – Ela tirou o vestido vermelho do cabide e o jogou na pilha.
- O que você está fazendo aqui? – Luce perguntou.
Arriane colocou suas pequenas mãos nos quadris.
- Ajudando você a fazer as malas, sua boba. Você está indo para casa.
- O q-quê... Para casa? O que você quer dizer? – Luce gaguejou.
Arriane riu, dando um passo à frente para tomar uma das mãos de Luce e a
puxar para fora da cama.
- Para Geórgia, meu amor. – Ela deu um tapinha na bochecha de Luce. – Com
os bons e velhos Harry e Doreen. E, aparentemente, alguma amiga sua está
entrando nessa.
Callie. Ela realmente iria ver Callie? E seus pais?
Luce cambaleou onde estava parada, de repente sem palavras.
- Você não quer passar o dia de Ação de Graças com sua família?
Luce não estava esperando a cilada.
- Mas e...
- Não se preocupe. – Arriane torceu o nariz para Luce. – Foi ideia do Sr. Cole.
Temos que manter a farsa que você ainda está por perto de seus pais. Estava
parecia ser a maneira mais simples e divertida de mantê-la.
- Mas quando ele me mandou uma mensagem ontem, tudo o que ele disse
foi...
- Ele não queria te dar esperanças até que tivesse tomado conta dos pequenos
detalhes, incluindo – Arriane fez uma referência. – a escolta perfeita. Uma
delas, de qualquer maneira. Roland deve estar aqui a qualquer momento.
Uma batida na porta.
- Ele é tão bom. – Arriane apontou para o vestido vermelho, ainda nas mãos de
Luce. – Vista logo essa gracinha.
Luce rapidamente se deslizou para dentro do vestido, então se esgueirou para
dentro do banheiro para escovar os dentes e pentear os cabelos. Arriane
chegou até ela com uma mudança súbita! Quão grande é a mudança? Não
deve se incomodar com perguntas. Você simplesmente as pula.
Saiu do banheiro, esperando ver Roland e Arriane fazendo algo no estiloRoland-e-Arriane, como um deles de pé em cima de sua mala enquanto outro
tentava fechá-la em cima. Mas não era Roland que tinha batido na porta.
Era Steven e Francesca.
Merda.
Palavras que posso dizer se formaram na ponta da língua de Luce. Ela não
tinha ideia de como se safar desta situação. Olhou para Arriane pedindo ajuda.
Arriane ainda estava jogando os tênis de Luce dentro da mala. Será que ela
não sabia o enorme tipo de problema que estavam prestes a se meter?
Quando Francesca se aproximou, Luce se preparou, mas então as mangas
largas da blusa carmesim de Francesca envolveram Luce em um abraço
inesperado.
- Nós viemos para lhe desejar o melhor.
- Claro que vamos sentir sua falta amanhã no que brincamos de chamar de
Jantar dos Desalojados. – Disse Steven, tomando a mão de Francesca e a
afastando de Luce. – Mas é sempre melhor para o aluno estar com a família.
- Eu não entendo. – Disse Luce. – Vocês sabiam disso? Pensei que estava de
castigo até um segundo aviso.
- Nós conversamos com o Sr. Cole esta manhã. – Disse Francesca.
- E você não estava de castigo como punição, Luce. – Explicou Steven. – Era a
única maneira que podíamos garantir que você estaria a salvo sob nossas
ordens, mas você está em boas mãos com Arriane.
Nenhum deles querendo se demorar mais, Francesca já estava levando Steven
em direção à porta.
- Nós ouvimos que seus pais estão ansiosos para te ver. Algo sobre sua mãe
encher o freezer com tortas. – Piscou para Luce, e tanto ela quanto Steven
acenaram e depois foram embora.
O coração de Luce se inchou com a perspectiva de voltar para casa e para sua
família. Mas não se antes falar com Miles e Shelby. Ficariam chateados se ela
fosse para casa em Thunderbolt e os abandonasse aqui. Ela nem sabia onde
estava Shelby. Não podia sair sem...
Roland enfiou a cabeça atrás da porta aberta de Luce. Ele parecia um
profissional em seu terno risca de giz e sua viçosa camisa com colarinho
branco. Seus dreads negros e dourados estavam mais curtos, mais pontudos,
fazendo a escuridão de seus olhos fundos ainda mais impressionante.
- A costa está limpa? – Perguntou ele atirando a Luce seu sorriso diabólico
familiar. – Nós temos um parasita.
Acenou com a cabeça para alguém por trás dele que apareceu um momento
mais tarde, com uma sacola nas mãos.
Miles.
Ele jogou para Luce um maravilhoso sorriso despreocupado e se sentou na
beira de sua cama. Uma imagem dela o apresentando aos seus pais passou
por sua mente. Ele tiraria o boné de beisebol, apertaria as mãos dos dois,
elogiaria o bordado semiacabado de sua mãe...
- Roland, que parte da missão ultrassecreta você não entendeu? – Arriane
perguntou.
- É minha culpa. – Admitiu Miles. – Eu vi Roland vindo para cá... E eu arranquei
isso dele. É por isso que ele está atrasado.
- Assim que esse cara ouviu as palavras Luce e Geórgia, – Roland sacudiu seu
polegar na direção de Miles. – levou cerca de um nano-segundo para fazer as
malas.
- Nós meio que temos um acordo de Ação de Graças. – Disse Miles, olhando
apenas para Luce. – Eu não podia deixá-la quebrar isso.
- Não. – Luce deu de volta um sorriso. – Ele não podia.
- Mmm-hmm. – Arriane levantou uma sobrancelha. – Eu só me pergunto o que
Francesca diria sobre isso. Se alguém deve comunicar seus pais primeiro,
Miles.
- Ah, fala sério, Arriane. – Roland acenou com desdém. – Desde quando você
reporta algo para a autoridade? Vou tomar conta do garoto. Ele não vai se
meter em problemas.
- Se meter em problemas onde? – Shelby invadiu o quarto, seu tapete de ioga
balançando de uma corda nas costas. – Onde estamos indo?
- Para a casa de Luce na Geórgia para o dia de Ação de Graças. – Disse Miles.
No corredor, uma cabeça loira oxigenada pairava atrás de Shelby. Seu exnamorado. Sua pele estava branca-fantasma e Shelby estava certa: Havia algo
estranho em seus olhos. Eram muito pálidos.
- Pela última vez, eu disse adeus, Phil. – Shelby rapidamente fechou a porta
em sua cara.
- Quem era? – Roland perguntou.
- O idiota do meu ex-namorado.
- Parece ser um cara interessante. – Disse Roland, olhando para a porta,
distraído.
- Interessante? – Shelby bufou. – Um mandado de segurança seria
interessante.
Ela deu uma olhada para a mala de Luce e, em seguida, para a bolsa de Miles
e, em seguida, começou a atirar a esmo seus pertences numa mala preta
grossa. Arriane ergueu as mãos.
- Você não consegue fazer nada sem seus séquitos? – Perguntou a Luce. Em
seguida, se voltou para Roland. – Eu suponho que você queira assumir a
responsabilidade por essa também?
- Esse é o espírito do feriado! – Roland riu. – Nós estamos indo para a casa
dos Price para o dia de Ação de Graças. – Disse ele a Shelby, cujo rosto se
iluminou. – Quanto mais, melhor.
Luce não podia acreditar como tudo estava funcionando perfeitamente. O dia
de Ação de Graças com sua família, Callie, Miles, Arriane, Roland e Shelby.
Não podia pedir nada melhor. Só uma coisa a incomodava. E isso incomodava
para valer.
- E Daniel?
Ela queria dizer: Será que ele já sabia dessa viagem? E qual é a verdadeira
história entre ele e Cam? Será que ele ainda está zangado comigo por causa
do beijo? E será que está errado Miles vir também? E também quais são as
chances de Daniel aparecer amanhã na casa de meus pais, embora ele
dissesse que não podia me ver?
Arriane limpou a garganta.
- Sim, o que dizer de Daniel? – Ela repetiu em voz baixa. – O tempo dirá.
- Então, nós temos bilhetes de avião ou algo assim? – Shelby perguntou. –
Porque se formos voando, preciso colocar na mala meu serenity kit, óleos
essenciais e a bolsa térmica. Você não quer me ver a dez quilômetros de altura
sem eles.
Roland estalou os dedos.
Perto dos pés deles, uma sombra vinda da porta aberta se desgarrou das
tábuas de madeira, levantando um alçapão com um caminho que podia levar
até um porão. Uma rajada de frio se arrastou no chão, seguida por uma
explosão gélida de trevas. Cheirava a feno molhado enquanto encolhia em uma
esfera pequena e compacta. Mas então, num aceno de Roland, se inchou em
um portal negro e alto. Parecia o tipo de porta que conduziria a uma cozinha de
restaurante, aquele do tipo vai-e-vem com uma janela de vidro redondo no
topo. Só que, esta era feita da névoa de um Anunciador negro e tudo o que era
visível através da janela era uma negritude ainda mais escura.
- Isso parece exatamente com o que eu li no livro. – Miles disse claramente
impressionado. – Tudo com que pude lidar foi uma espécie estranha de janela
trapezoidal. – Sorriu para Luce. – Mas nós ainda fizemos funcionar.
- Fecha comigo, garoto. – Disse Roland. – E você verá como é viajar em
grande estilo.
Arriane revirou os olhos.
- Ele é tão exibido.
Luce ergueu a cabeça para Arriane.
- Mas eu pensei que você tinha dito que...
- Eu sei. – Arriane levantou a mão. – Eu sei que repeti todo aquele sermão
sobre o quão perigoso é viajar em um Anunciador. E não quero ser daqueles
terríveis anjos faz-o-que-digo-e-não-o-que-faço. Mas nós todos concordamos,
Francesca, Steven, Sr. Cole, todos...
Todos? Luce não conseguia agrupá-los juntos sem ver um pedaço gritante
faltando. Onde está Daniel nisso tudo?
- Além disso, – Arriane sorriu orgulhosamente. – estamos na presença de um
mestre. Ro é um dos melhores viajantes de Anunciador. – E então, sussurrou
de lado para Roland. – Não deixe que suba à cabeça.
Roland abriu a porta do Anunciador. As dobradiças da sombra gemeram,
rangeram e se abriram mostrando um úmido poço vazio.
- Hum... O que é mesmo, mais uma vez, que torna as viagens pelo Anunciador
tão perigosas? – Miles perguntou.
Arriane mostrou ao redor do quarto uma sombra sob a lâmpada da mesa, atrás
da esteira de ioga de Shelby. Todas as sombras estavam tremendo.
- Um leigo pode não saber qual Anunciador transpassar. E acreditem em mim,
há sempre espreitadores não convidados à espera que alguém acidentalmente
os abra.
Luce se lembrou da sombra marrom doentia que tinha tropeçado. O espreitador
não convidado tinha dado a ela um vislumbre do pesadelo de Cam e Daniel na
praia.
- Se você pegar o Anunciador errado, é muito fácil se perder. – Explicou
Roland. – Por não ter qualquer ideia de onde ou quando você vai transpassar.
Mas enquanto vocês ficarem com a gente, não têm nada com que se
preocupar.
Nervosa, Luce apontou para a saliência no Anunciador. Ela não se lembrava
das outras sombras que tinham transpassado parecerem tão sombrias e
escurar. Ou talvez só não soubesse as consequências até agora.
- Nós não vamos simplesmente aparecer no meio da cozinha de meus pais,
vamos? Porque eu acho que minha mãe poderia desmaiar por causa do
choque.
- Por favor. – Arriane estalou a língua, guiando Luce, em seguida Miles e, em
seguida Shelby a ficarem de frente ao Anunciador. – Tenha um pouco de fé.
Era como atravessar uma névoa escura e molhada, úmida e desagradável. Ela
escorregava, se enrolava na pele de Luce e prendia em seus pulmões quando
respirava. Um eco de um ruído puro e incessante encheu o túnel como uma
cachoeira. Nas duas outras vezes que Luce tinha viajado no Anunciador, se
sentiu pesada e apressada, se arremessando na escuridão para sair em algum
lugar com luz. Desta vez foi diferente. Perdeu a noção de quando e onde ela
estava até mesmo de quem ela era e onde estava indo. Em seguida, uma mão
forte a puxou para fora.
Quando Roland a soltou, uma cachoeira estava gotejando e o cheiro de cloro
enchia o nariz. Uma prancha familiar, debaixo de um alto teto curvado revestido
com vitrais quebrados. O sol já tinha passado por cima das janelas altas, mas a
luz ainda lançada fraca pelos prismas coloridos sobre a superfície de uma
piscina olímpica. Ao longo das paredes, velas tremeluziam nas reentrâncias de
pedra, lançando uma luz fraca e inútil. Era reconheceria esta igreja-ginásio em
qualquer lugar.
- Oh, meu Deus. – Sussurrou Luce. – Estamos de volta a Sword & Cross.
Arriane esquadrinhou o lugar rapidamente e sem afeto.
- No que diz respeito a seus pais quando nos pegar amanhã de manhã, você
esteve aqui o tempo todo. Entendeu?
Arriane agia como se voltar para Sword & Cross por uma noite não era
diferente do que se registrar em um motel sem graça. Voltar a esta parte de
sua vida, entretanto, era para Luce como receber um tapa na cara.
Ela não tinha gostado daqui. Sword & Cross era um lugar miserável, mas era
um lugar onde coisas tinham acontecido com ela. Tinha se apaixonado aqui,
tinha visto uma amiga morrer.
Mais do que em qualquer outro lugar, este era um lugar onde ela havia
mudado.
Fechou os olhos e riu amargamente. Ela não sabia de nada naquela época
comparado com o que sabia agora. E ainda assim se sentia mais segura de si
mesma e de suas emoções do que jamais imaginaria sentir novamente.
- Que diabos é esse lugar? – Shelby perguntou.
- Minha última escola. – Disse Luce, olhando para Miles. Ele parecia
desconfortável, se aconchegando ao lado de Shelby contra a parede. Luce se
lembrou: Eram boas pessoas – e mesmo que ela nunca tivesse falado muito
sobre seu tempo aqui, a fábrica de boatos dos Nephilim poderia facilmente ter
preenchido suas mentes com bastante detalhes vívidos para descrever uma
noite assustadora em Sword & Cross.
- Aham. – Arriane disse, olhando para Shelby e Miles. – E quando os pais de
Luce perguntarem, vocês estudam aqui também.
- Explique para mim como isso é uma escola. – Disse Shelby. – Tipo, vocês
nadam e rezam ao mesmo tempo? Isso é um nível de eficiência em bizarrice
que você nunca vê na Costa Oeste. Acho que eu só estou com saudades de
casa.
- Você acha que isso é ruim, - Disse Luce. – você deve ver o resto do campus.
Shelby apertou deu rosto e Luce não podia culpá-la. Comparado a Shoreline,
este lugar era uma espécie de purgatório horrível. Pelo menos, ao contrário do
resto das crianças aqui, eles só ficam até esta noite.
- Vocês estão exaustos. – Disse Arriane. – O que é bom, porque eu prometi a
Cole que vocês dormiriam.
Roland tinha se encostado na prancha de saltos, esfregando os têmporas, os
cacos do Anunciador tremendo em seus pés. Agora ele se levantou e começou
a tomar o controle.
- Miles, você vai para a cama no meu antigo quarto comigo. E Luce, seu quarto
ainda está vazio. Nós vamos chegar com uma cama para Shelby. Vamos todos
deixar nossas malas e se encontrar de volta em meu quarto. Vou usar a velha
rede do mercado negro para pedir uma pizza.
A menção de pizza era o suficiente para Arrancar Miles e Shelby do coma, mas
Luce estava levando mais tempo para se adaptar. Não era tão estranho para
ela que se quarto ainda estivesse vazio. Contando nos dedos, percebeu que
tinha saído deste lugar a menos de três semanas atrás. Parecia muito mais
tempo, como se todos os dias tivessem sido um mês e era impossível Luce
imaginar Sword & Cross sem qualquer daquelas pessoas – ou anjos, ou
demônios – que tinham construído sua vida aqui.
- Não se preocupe. – Arriane estava ao lado de Luce. – Este lugar é como uma
porta giratória marginalizada. As pessoas vêm e vão o tempo todo por causa
de algum problema com liberdade condicional, pais loucos, sei lá. Randy saiu
hoje à noite. Ninguém mais dá a mínima. Se alguém lhe der um olhar estranho,
mande o olhar de volta também. Ou os mande para mim. – Ela fez um punho
com a mão. – Vocês estão prontos para sair daqui? – Apontou para os outros
já seguindo Roland para fora da porta.
- Eu acompanho vocês. – Disse Luce. – Há algo que preciso fazer primeiro.
No extremo leste do cemitério, próximo ao canteiro do pai, o túmulo de Penn
era modesto, mas limpo.
A última vez que Luce tinha visto este cemitério, ele tinha sido revestido de um
espesso feltro de poeira. O resultado de casa batalha de anjo, Daniel a havia
dito. Luce não sabia se o vento tinha levado a poeira para longe por agora ou
se a poeira de anjo desaparecera ao longo do tempo, mas o cemitério parecia
estar de volta a sua natureza antiga e negligenciada. Ainda cercado por uma
floresta de carvalhos, sempre em avanço. Ainda sem graça e escasso, sob o
céu sem cor. Só que estava faltando alguma coisa, algo vital que Luce não
conseguia colocar o dedo, mas que a ainda a fazia se sentir solitária.
Uma camada esparsa de grama verde maçante havia crescido ao redor do
túmulo de Penn, por isso não perecia tão novo assim em comparação aos
túmulos centenários que o rodeiam. Um buquê de lírios frescos estava em
frente da lápide simples e cinza que Luce abaixara para ler:
Pennyweather Van Syckle-Lockwood
Uma querida amiga
1991 – 2009
Luce inalou uma respiração irregular e as lágrimas saltaram aos olhos. Deixou
Sword & Cross antes que tivesse tempo para enterrar Penn, mas Daniel tinha
tomado conta de tudo. Foi a primeira vez em vários dias que seu coração doeu
por causa dele. Porque ele conhecia, melhor do que ela teria se conhecido,
exatamente o que deveria escrever na lápide de Penn.
Luce se ajoelhou sobre a grama, as lágrimas fluíam livremente agora, com as
mãos penteando a grama inutilmente.
- Estou aqui, Penn. – Ela sussurrou. – Me desculpe por ter de deixado.
Lamento que você tenha se misturado comigo para começar. Você merecia
mais do que isso. Uma amiga melhor do que eu.
Desejou que sua amiga ainda estivesse aqui. Desejava que pudesse falar com
ela. Sabia que a morte de Penn tinha sido sua culpa o que quase partiu seu
coração
- Eu não sei mais o que estou fazendo, e estou com medo.
Queria dizer que sentia falta de Penn o tempo todo, mas o que ela realmente
sentia falta era da ideia de uma amiga que poderia ter conhecido melhor se a
morte não a tivesse levado cedo demais. Nada disso estava certo.
- Olá, Luce.
Ela teve que enxugar as lágrimas antes que pudesse ver o Sr. Cole de pé do
outro lado do túmulo de Penn. Ela estava tão acostumada à seus professores
ríspidos e elegantes em Shoreline que o Sr. Cole quase parecia antiquado em
seu terno vinho remendado, com seu bigode e seu cabelo castanho partido reto
com uma régua vem acima da orelha esquerda. Luce mexeu seus pés,
fungando contra o punho.
- Olá, Sr. Cole.
Ele sorriu gentilmente.
- Você está indo bem lá, eu ouço falar. Todo mundo diz que você está indo
muito bem.
- Ah... N-não. – Balbuciou. – Eu não sei disso não.
- Bem, eu sei. Sei também que seus pais estão muito felizes por te ver. É bom
quando essas coisas podem acontecer.
- Obrigada. – Disse ela, esperando que ele entendesse o quando estava grata.
- Eu só vou detê-la apenas para uma pergunta.
Luce esperou ele perguntar sobre algo profundo e escuro e por cima da cabeça
dela sobre Daniel e Cam, o bem e o mal, o certo e o errado, a confiança e a
fraude. Mas tudo o que ele disse foi:
- O que você fez com seu cabelo?
A cabeça de Luce estava de cabeça para baixo na pia do banheiro das
meninas no corredor da cafeteria da Sword & Cross. Shelby trouxe as últimas
duas fatias de pizza de queijo empilhadas em um prato de papel para Luce.
Arriane estendeu um fraco barato de tintura de cabelo preto – o melhor que
Roland podia fazer em tão pouco tempo, mas quase correspondia com a cor
natural de Luce.
Nem Arriane nem Shelby haviam questionado Luce sobre sua súbita
necessidade de mudança. Ela tinha ficado grata por isso. Agora, viu que elas
só tinham a esperado ficar em uma posição vulnerável com o cabelo meiotingido para começar a inquisição delas.
- Acho que Daniel ficará satisfeito. – Arriane disse em seu tom mais modesto
de voz. – Não que você esteja fazendo isso por Daniel. Está?
- Arriane. – Luce a advertiu. Ela não ia começar aquilo. Hoje não. Mas Shelby
parecia querer.
- Você sabe que sempre gostei de Miles? Que ele gosta de você pelo o que
você é e não pelo o que você faz com seu cabelo.
- Se vocês duas vão ser óbvias em relação a isso, por que vocês não começam
a preparar uma camisa Team Daniel e Team Miles?
- Devemos fazer a encomenda delas. – Disse Shelby.
- A minha está na lavanderia. – Disse Arriane.
Luce parou de ouvi-las, se concentrando na água quente e na confluência de
coisas estranhas que fluíam sobre sua cabeça, em seu couro cabeludo e pelo
ralo: Os dedos grossos de Shelby a ajudaram na primeira lavagem de tinta,
bem quando Luce pensava que era a única maneira de começar novamente. O
primeiro ato de amizade de Arriane em relação a Luce foi a de exigir cortar seu
cabelo preto para se tornar parecida com Luce. Agora suas mãos trabalhavam
no couro cabeludo de Luce no mesmo banheiro onde Penn tinha a limpado do
naco de carne que Molly tinha despejado em sua cabeça em seu primeiro dia
em Sword & Cross.
Foi amargo e bonito, e Luce não conseguia descobrir o que aquilo significava.
Só que ela não queria mais se esconder, não de si mesma, nem de seus pais,
nem de Daniel ou nem mesmo daqueles que a tentavam prejudicar. Buscava
uma transformação pequena quando saiu para Califórnia. Agora, percebeu que
a única maneira de fazer uma mudança que valesse a pena era ganhando uma
verdade. Tingir seu cabelo de preto também não era a resposta, sabia que não
havia chegado lá ainda, mas pelo menos era um passo na direção certa.
Arriane e Shelby pararam de discutir sobre qual cara era a alma-gêmea de
Luce. Olharam para ela em silêncio e balançaram a cabeça. Ela sentiu antes
mesmo de ver seu reflexo no espelho: O grande peso de melancolia, que nem
sabia que estava carregando, tinha saído de seu corpo.
Estava de volta às suas raízes. Estava pronta para ir para casa.
Capítulo 18 – Dia de Ação de Graças
Quando Luce entrou pela porta da frente da casa de seus pais em Thunderbolt,
tudo estava exatamente o mesmo: O cabide no saguão ainda parecia estar
prestes a cair sob o peso dos muitos casacos. O cheiro de amaciante de roupa
e de desodorizador ainda faziam a casa parecer mais limpa do que era. O sofá
floral na sala estava desbotado pelo sol da manhã que entrava pelas persianas.
Várias revistas de decoração sulista manchadas de chá cobriam a mesa de
centro, as páginas favoritas marcadas com recibos de compras, para o tempo
distante quando o sonho de seus pais de liquidar a hipoteca se tornou
realidade e eles finalmente terem um pouco de dinheiro extra para a reforma.
Andrew o poodle histérico de brinquedo da mamãe, trotou até cheirar os
convidados e dar na parte de trás do tornozelo de Luce uma familiar mordida.
O pai de Luce largou a mochila no saguão, colocando um braço em torno do
ombro dela. Luce viu o reflexo deles no espelho na porta de entrada estreita:
Pai e filha. Seus óculos sem aro escorregaram no nariz enquanto beijava o
topo de sua cabeça com o cabelo recém-tingido de preto.
- Bem vinda, Luce. – Disse ele. – Nós sentimos sua falta por aqui.
Luce fechou os olhos.
- Eu senti a de vocês também. – Foi a primeira vez em semanas que não tinha
mentido para os pais.
A casa estava quente e cheia de aromas inebriantes de Ação de Graças. Ela
inalou e pôde instantaneamente imaginar casa prato embrulhado em papel
laminado aquecendo no forno. Peru bem assado com recheio de cogumelos –
especialidade de seu pai. Molho de maçã com amora, levemente enchia o ar, e
tantas tortas de abóbora com noz pecã que sua mãe fizera para alimentar todo
o estado. Devia ter sido cozinhado durante toda a semana.
A mãe de Luce tomou seus pulsos. Seus olhos cor de avelã estavam um pouco
úmidos em torno das bordas.
- Como você está, Luce? – Perguntou ela. – Você está bem?
Era um alívio estar em casa. Luce podia sentir seus olhos lacrimejarem
também. Assentiu com a cabeça, se inclinando na mãe para um abraço. Os
cabelos escuros da mãe na altura do queixo estavam esculpidos com laquê,
como se tivesse acabado de sair do salão de beleza no dia anterior. O que,
conhecendo ela, provavelmente tinha. Parecia mais jovem e mais bonita do
que Luce se lembrava. Comparado com os pais idosos que tinha tentado visitar
em Monte Shasta, mesmo em comparação com Vera – a mãe de Luce parecia
feliz e viva, não contaminada pela tristeza.
Talvez fosse porque ela nunca tinha sentido o que os outros sentiram, perder
uma filha. Perder Luce. Seus pais tinham feito toda a vida deles ao redor dela.
Ficariam destruídos se ela morresse. Não podia morrer do jeito que morria no
passado. Não poderia destruir a vida de seus pais neste momento, agora que
sabia mais sobre seu passado. Faria qualquer coisa para mantê-los felizes.
Sua mãe reuniu os casacos e chapéus dos outros quatro adolescentes que
estavam no saguão.
- Espero que seus amigos tenham trago o apetite junto.
Shelby sacudiu o polegar na direção de Miles.
- Cuidado com o que você deseja.
Era exatamente como os pais de Luce para não se importarem com um carro
cheio de convidados de última hora na mesa de Ação de Graças.
Quando o Chrysler New Yorker de seu pai tinha entrado pelos altos portões
forjados de ferro de Sword & Cross pouco antes do meio-dia, Luce o estava
esperando. Não tinha conseguido dormir a noite toda.
Entre a estranheza de estar de volta em Sword & Cross e seus nervos em se
misturar nesse grupo estranho para a Ação de Graças no dia seguinte – sua
mente não se acalmaria.
Felizmente, a manhã passou sem incidentes, depois de dar em seu pai o mais
longo abraço apertado que já tinha dado em alguém, mencionou que tinha
poucos amigos sem lugares para ir para o feriado.
Cinco minutos depois, estavam todos dentro do carro.
Agora, andavam em volta da casa da infância de Luce, pegando fotos
emolduradas dela em diferentes idades embaraçosas, olhando as mesmas
janelas francesas que ela ficava olhando para fora sobre as tigelas de cereal
por mais de uma década. Era meio surreal.
Enquanto Arriane tinha ido para a cozinha para ajudar sua mãe no creme,
Miles apimentava seu pai com perguntas sobre o enorme telescópio “pedaço
de lixo” no escritório dele. Luce sentiu uma onda de orgulho de seus pais por
fazerem todos se sentirem bem vindos.
O som de uma buzina lá fora a fez saltar.
Pousou-se no sofá flácido e ergueu uma das ripas da veneziana na janela. Lá
fora, um táxi vermelho e branco estava parado na frente da casa, jogando
fumaça no ar frio. As janelas estavam com filme, mas o passageiro poderia ser
apenas uma pessoa.
Callie.
Uma das botas de couro vermelho na altura do joelho de Callie se estendeu
para fora da porta de trás, se plantando no concreto da calçada. Um segundo
depois, o rosto em forma de coração da melhor amiga de Luce entrou em vista.
A pele porcelana de Callie foi ruborizada, os cabelos ruivos curtos, cortados em
um ângulo elegante próximo ao queixo. Seus olhos azul-pálido brilhavam. Por
alguma razão, olhava para trás, para dentro do táxi.
- O que você está olhando? – Shelby perguntou, puxando para cima outra tira
para que pudesse ver. Roland desabou no outro lado de Luce e olhou para fora
também. Apenas a tempo de ver Daniel deslizar para fora do táxi. Seguido por
Cam, no assento da frente.
Luce prendeu a respiração ao vê-los.
Ambos os rapazes usavam longos casacos escuros, iguais aos casacos que
tinham usado na praia na cena que tinha vislumbrado. Seus cabelos brilhavam
ao sol. E por um momento, apenas um momento, Luce se lembrou do porquê
tinha estado, no começo, intrigada com os dois em Sword & Cross. Eles
estavam lindos. Não havia nada parecido com aquilo. Surrealista e
extraordinariamente maravilhosos. Mas o que diabos estavam fazendo aqui?
- Bem na hora. – Disse Roland murmurando.
Em seu outro lado, Shelby perguntou:
- Quem os convidou.
- Eu digo o mesmo. – Disse Luce, mas não conseguia evitar se extasiar um
pouco com a visão de Daniel. Mesmo que as coisas entre eles estivessem uma
bagunça.
- Luce, – Roland estava rindo de sua expressão enquanto olhava Daniel. –
você não acha que devia atender a porta?
A campainha tocou.
- Será que é Callie? – A mãe de Luce chamou da cozinha sobre o zumbido da
batedeira.
- Eu atendo! – Luce gritou de volta, sentindo uma dor fria se espalhando em
seu peito. É claro que ela queria ver Callie. Mas o mais impressionante do que
a alegria de ver sua melhor amiga, percebeu, era sua fome para ver Daniel.
Para tocá-lo, abraçá-lo e cheirá-lo. Para apresentá-lo aos seus pais.
Eles seriam capazes de perceber, não seriam? Seriam capazes de dizer que
Luce tinha encontrado a pessoa que tinha mudado sua vida para sempre.
Abriu a porta.
- Feliz dia de Ação de Graças! – Uma voz alta sulista se arrastou ao falar. Luce
teve que piscar algumas vezes antes que seu cérebro pudesse manter contato
com a visão diante de seus olhos.
Gabbe, a mais bela e o anjo mais perfeitamente educado em Sword & Cross,
estava de pé na varanda de Luce em um vestido-suéter de pelo de cabra rosa.
Seu cabelo loiro estada num lindo frenesi de tranças, fixado em redemoinhos
em cima de sua cabeça. A pele tinha uma luz clara linda não muito diferente da
de Francesca. Segurava um buquê de gladíolos brancos em uma mão e um
pote gelado de plástico branco com sorvete em outra.
Ao seu lado, de cabelos descoloridos com um tom marrom nas raízes, estava o
demônio da Molly Zane. Seu jeans preto rasgado combinava com seu casaco
preto desgastado, como se ainda estivesse seguindo as regras de vestimenta
da Sword & Cross. Seus piercings no rosto se multiplicaram desde a última vez
que Luce a tinha visto. Tinha uma chaleira de ferro fundido preta equilibrada na
dobra do braço. Estava olhando para Luce.
Luce podia ver os outros subindo pela longa calçada em curvas. Daniel estava
com a mala de Callie içada por cima do ombro, mas era Cam que estava
encostado, sorrindo, com a mão no antebraço de direito de Callie enquanto
conversava com ela. ela não parecia saber bem se ficava nervosa ou
absolutamente encantada.
- Nós estávamos na vizinhança. – Gabbe sorriu, segurando as flores para Luce.
– Eu fiz meu sorvete caseiro de baunilha e Molly trouxe uns aperitivos.
- Camarão El Diablo. – Molly levantou a tampa de sua chaleira e Luce respirou
um caldo picante de alho. – Receita de família. – Molly fechou a tampe, em
seguida, passou empurrando Luce para dentro do saguão de entrada,
tropeçando em Shelby no caminho.
- Dá licença. – Disseram rispidamente, ao mesmo tempo, olhando uma para a
outra, desconfiadas.
- Ah, que bom. – Gabbe se inclinou para dar um abraço em Luce. – Molly fez
uma amiga.
Roland levou Gabbe até a cozinha e Luce teve sua primeira visão clara de
Callie. Quando trocaram olhares, não conseguiram se aguentar: Ambas as
meninas abriram sorrisos involuntários e correram para se encontrar.
O impacto do corpo de Callie tirou o fôlego de Luce, mas isso não importava.
Os braços delas se arremessaram em um abraço, o rosto de cada menina
estava enterrado no cabelo da outra, pois estavam rindo do jeito que você riria
somente depois de uma longa separação de um amigo muito bom.
Relutantemente, Luce se afastou e se voltou para os dois rapazes de pé a
poucos metros atrás. Cam parecia o mesmo: Controlado e à vontade,
pretensioso e bonito. Daniel, porém, parecia desconfortável e tinha um bom
motivo para estar. Eles não se falavam desde que ele vira o beijo em Miles e
agora estavam de pé com a melhor amiga de Luce e o inimigo de Daniel, ou sei
lá o que Cam era para ele. Mas – Daniel estava em sua casa. Com os gritos de
seus pais à distância. Será que ficariam atônitos se soubessem quem ele
realmente era? Como ela apresentaria o cara que era responsável por milhares
de suas mortes, a quem ela era magneticamente atraída por quase todo o
tempo, que era impossível, indescritível, secreto e por vezes até egoísta, cujo
amor ela não entendia, que estava trabalhando com o diabo, para não falar
demais, e que, se ele pensava que aparecendo aqui sem ser convidado, com
um demônio era uma boa ideia, talvez não a conhecesse mesmo muito bem.
- O que vocês estão fazendo aqui? – Sua voz estava completamente seca,
porque não podia falar com Daniel sem falar com Cam também e não
conseguia falar com Cam sem querer jogar algo pesado nele. Cam falou
primeiro.
- Feliz dia de Ação de Graças para você também. Ouvimos que sua casa era o
lugar para se estar hoje.
- Nós demos de cara com sua amiga aqui no aeroporto. – Acrescentou Daniel,
usando o tom baixo que falava quando ele e Luce estavam em público. Era
mais formal, a fazendo ansiar ficar a sós com ele para que ele pudesse apenas
ser o normal. E para que pudesse agarrá-lo pela lapela do casaco estúpido e
sacudi-lo até que ele explicasse tudo. Isso tinha ido longe demais.
- Conversamos, dividimos um táxi. – Cam acrescentou, piscando para Callie.
Callie sorriu para Luce.
- Eu estava imaginando algum encontro íntimo com a família Price, mas isso é
muito melhor. Agora eu consigo me dar bem.
Luce podia sentir sua amiga buscando pistas em seu rosto sobre que negócio
ela tinha com esses dois caras. A Ação de Graças estava prestes a ficar muito
embaraçosa rapidamente. Este não era o jeito que as coisas deviam estar.
- Hora do peru! – Sua mãe chamou da porta. O sorriso dela se transformou em
uma careta confusa quando viu a multidão do lado de fora. – Luce? O que está
acontecendo? – Seu velho avental verde e branco listrado estava amarrado na
cintura.
- Mãe, - Luce disse, gesticulando com a mão. – está é Callie, Cam e... – Ela
queria colocar a mão em Daniel, algo do tipo, qualquer coisa para deixar sua
mãe saber que ele era especial, que ele era seu escolhido. Para deixá-lo saber,
também, que ela ainda o amava e que tudo entre eles iria ficar bem. Mas não
podia. Ela só ficou lá. – Daniel.
- Tudo bem. – Sua mãe olhou de soslaio para cada um dos recém-chegados. –
Bem, hum, bem vindos. Luce, querida, posso ter uma palavrinha?
Luce foi até sua mãe na porta da frente, levantando um dedo para deixar que
Callie soubesse que voltaria logo. Seguiu sua mãe através do saguão de
entrada, através do corredor escuro com fotos emolduradas penduradas desde
a infância de Luce para dentro do quarto acolhedor e iluminado de seus pais.
Sua mãe se sentiu na colcha branca e cruzou os braços.
- Gostaria de me contar alguma coisa?
- Eu sinto muito, mamãe. – Disse Luce, se afundando na cama.
- Eu não quero deixar ninguém de fora de uma refeição de Ação de Graças,
mas você não acha que é preciso impor limites por aqui? Um carro inesperado
cheio de pessoas já não foi o suficiente?
- Sim, claro que você está certa. – Disse Luce. – Eu não convidei todas essas
pessoas. Estou tão surpresa quanto você que todos eles apareceram.
- É que nós temos tão pouco tempo com você. Nós gostamos de conhecer
seus amigos, - A mãe de Luce disse, acariciando seus cabelos. – mas nós
apreciamos o tempo que temos com você.
- Eu sei que está é uma imposição enorme, mas mãe... – Luce virou o rosto
para sua mãe, abrindo as palmas das mãos. – Ele é especial. Daniel. Eu não
sabia que ele viria, mas agora que ele está aqui, eu preciso desse tempo com
ele, tanto quanto eu preciso com você e papai. Isso faz algum sentido?
- Daniel? – Sua mãe repetiu. – Esse rapaz lindo e loiro? Vocês dois estão...
- Nós estamos apaixonados.
Por alguma razão, Luce estava tremendo. Mesmo que ela tivesse dúvidas
quanto a seu relacionamento, dizendo em voz alta para sua mãe, que amava
Daniel, fazia parecer verdade – a fez lembrar que ela, apesar de tudo, o ama
de verdade.
- Eu vejo. – Quando sua mãe concordou, os cachos castanhos permaneceram
no lugar. Ela sorriu. – Bem, nós não podemos expulsar todos os outros exceto
ele, podemos?
- Obrigada, mãe.
- Agradeça ao seu pai também. E querida? Da próxima vez, avise com mais
antecedência, por favor. Se eu soubesse que você estava trazendo o
escolhido, teria pegado seu álbum de bebê do sótão. – Ela piscou, plantando
um beijo na bochecha de Luce.
De volta à sala, Luce correu para Daniel primeiro.
- Estou feliz que você possa estar com sua família depois de tudo. – Disse ele.
- Espero que você não esteja brava com Daniel por me trazer. – Cam
acrescentou e Luce procurou por altivez em sua voz, mas não encontrou
nenhuma. – Tenho certeza que vocês preferiam que eu não estivesse aqui,
mas... – Olhou para Daniel. – Negócio é negócio.
- Tenho certeza. – Disse Luce friamente.
O rosto de Daniel não demonstrava nada. Até que escureceu. Miles tinha saído
da sala de jantar.
- Hum, ei, seu pai está prestes a propor um brinde. – Os olhos de Miles
estavam fixos em Luce de uma forma que a fez achar que ele estava se
esforçando para não olhar para Daniel. – Sua mãe me pediu para perguntar
onde você quer se sentar.
- Ah, tanto faz. Talvez ao lado de Callie? – Um leve pânico golpeou Luce
quando pensou em todos os outros convidados e a necessidade de mantê-los
o mais longe possível um do outro. E Molly longe de quase todo mundo. – Eu
deveria ter feito um mapa dos lugares.
Roland e Arriane tinham feito um trabalho rápido colocando um jogo de mesa
no fim da mesa da sala de jantar, então o banquete agora esticava até a sala.
Alguém tinha colocado uma toalha de mesa branca e dourada e seus pais
ainda tinham botado para fora a louça de casamento. Velas foram acesas e
taças foram cheias. E prontamente Shelby e Miles estavam transportando
recipientes quentes com vagem e purê de batatas enquanto Luce tomava seu
lugar entre Callie e Arriane.
O íntimo jantar de Ação de Graças agora estava sendo servido para doze:
Quatro pessoas, dois Nephilim, seis anjos caídos (três no lado do bem e três
no do mal) e um cão vestido de peru, com sua tigela de migalhas debaixo da
mesa.
Miles foi para a cadeira em frente de Luce, até que Daniel lhe lançou um olhar
ameaçador. Miles recuou e Daniel estava prestes a se sentar quando Shelby
deslizou para a direita se sentando na cadeira. Sorrindo um pouco com olhar
de vitória, Miles se sentou na esquerda de Shelby, em frente à Callie, enquanto
Daniel, olhando vagamente irritado, se sentou a direita, em frente à Arriane.
Alguém estava chutando Luce debaixo da mesa, tentando conseguir sua
atenção, mas ele manteve os olhos no prato.
Uma vez que todos estavam sentados, o pai de Luce se levantou na cabeceira
da mesa, de frente para a mãe no outro lado. Bateu o garfo contra o copo de
vinho tinto.
- Eu sou conhecido por fazer um discurso cansativo ou dois nesta época do
ano. – Ele riu. – Mas nós nunca servimos tantas crianças com aparência de
famintos antes, por isso vou direto ao ponto. Eu sou grato a minha querida
esposa Doreen, a minha melhor filha, Luce, e a todos vocês por se juntarem a
nós. – Fixou-se em Luce, fazendo um rosto que fazia quando estava
especialmente orgulhoso. – É maravilhoso te ver prosperando, crescendo em
uma bela jovem com tantos amigos maravilhosos. Esperamos que eles
retornem novamente. Saúde, pessoal. Aos amigos.
Luce forçou um sorriso, evitando os olhares esquivos que todos os seus
“amigos” estavam compartilhando.
- Ouçam, ouçam! – Daniel quebrou o silêncio estranhamente desajeitado,
levantando a taça. – Quão boa é a vida sem confiança, amigos fiéis?
Miles mal olhou para ele, mergulhando uma colher de servir profundamente no
purê de batatas.
- Vindo dele mesmo, o Sr. Fidelidade.
Os Prices estavam muito ocupados passando travessas de uma extremidade a
outra da mesa para perceber o olhar desprezível que Daniel dirigiu a Miles.
Molly estava pegando o aperitivo Camarão El Diablo que ninguém ainda havia
tocado, pondo um montão no prato de Miles.
- Basta dizer, tio, quando for suficiente.
- Whoa, Mo. Guarde um pouco do aperitivo para mim. – Cam se esticou para
pegar o recipiente com o camarão. – Me diga, Miles. Roland me disse que você
mostrou algumas habilidades loucas em esgrima um dia desses. Aposto que as
meninas enlouqueceram. – Ele se inclinou para frente. – Você estava lá, né,
Luce?
Miles estava com o garfo suspenso no ar. Seus grandes olhos azuis pareciam
confusos em relação as intenções de Cam e como se estivesse esperando
ouvir Luce dizer que sim, as meninas, inclusive ele, tinham realmente
enlouquecido.
- Roland também disse que Miles perdeu. – Disse Daniel tranquilamente e
espetou um pedaço de recheio.
Na outra ponta da mesa, Gabbe cortou a tensão com um ronronar alto e
satisfeito.
- Oh, meu Deus, Senhora Price. Estas coisas de Bruxelas estão com um
gostinho do céu. Não estão, Roland?
- Mmm. – Roland acordou. – Elas realmente me trazem de volta a um tempo
mais puro.
A mãe de Luce começou a recitar a receita, enquanto o pai de Luce passou a
falar da produção local. Luce estava tentando aproveitar esse tempo raro com
sua família e Callie, se inclinando para sussurrar que todos pareciam muito
legais, especialmente Arriane e Miles, mas havia muitas outras situações para
ficar de olho. Luce se sentiu como se pudesse ter que neutralizar uma bomba a
qualquer momento. Poucos minutos depois, passado o recheio por toda a
mesa pela segunda vez, a mãe de Luce disse:
- Bem, seu pai e eu nos conhecemos quando estávamos bem na idade de
vocês. – Luce já tinha ouvido a história umas três mil e quinhentas vezes. – Ele
era o quarterback em Athens High. – Sua mãe piscou para Miles. – Os atletas
levavam as meninas à loucura naquela época também.
- Sim, os Trojans eram muito loucos na época de colégio. – O pai de Luce riu e
ela esperou pela fala memorável. – Eu só tinha que mostrar à Doreen que eu
não era um cara tão valentão assim fora do campo.
- Eu acho ótimo esse casamento forte que vocês dois têm. – Disse Miles,
agarrando outro dos famosos pãezinhos de levedura que a mãe de Luce fizera.
– Luce tem sorte de ter pais que são tão honestos e abertos com ela e entre si.
A mãe de Luce riu, mas antes que pudesse responder, Daniel fez uma objeção:
- Há muito mais para se amar do que isso, Miles. Você não acha, Sr. Price, que
um relacionamento de verdade é muito mais do que apenas diversão e jogos?
Que é preciso um esforço?
- Claro, claro. – O pai de Luce limpou a boca com o guardanapo. – Por que
mais chamariam casamento de compromisso? Claro, o amor tem seus altos e
baixos. Assim é a vida.
- Bem falado, Sr. P. – Disse Roland, com uma emoção além da aparência de
seus bons dezessete anos de idade. – Deus sabe, eu já vi tantos altos e
baixos.
- Ah, fala sério. – Opinou Callie, para a surpresa de Luce. Pobre Callie,
aceitando todos sem ao menos conhecê-los. – Vocês fazem parecer tão sério.
- Callie está certa. – Disse a mãe de Luce. – Vocês são jovens e esperançosos
e vocês realmente deveriam só se divertir.
Diversão. Então esse era o assunto agora? A diversão era mesmo possível
para Luce? Ela olhou para Miles. Ele estava sorrindo.
- Estou me divertindo. – Ele murmurou.
Isso fez toda a diferença para Luce, que olhou em volta da mesa de novo e
percebeu que, apesar de tudo, ela estava se divertindo muito. Roland estava
fazendo um show abrindo a boca com camarão para Molly, que ria, por quiçá,
pela primeira vez na história. Cam tentou flertar com Callie, até mesmo
oferecendo passar manteiga nos pãezinhos dela, o que ela recusou com as
sobrancelhas levantadas e com uma tímida sacudida de cabeça. Shelby comia
como se fosse treinar para uma competição. E alguém ainda estava cutucando
Luce com o pé debaixo da mesa.
Ela encontrou os olhos violetas de Daniel. Ele piscou, tirando seu fôlego.
Havia algo de notável sobre esta reunião. Era o jantar de Ação de Graças mais
animado que tinha tido desde que sua avó morreu e os Prices pararam de ir à
baía de Louisiana para o feriado.
Então esta era sua família agora: Todas essas pessoas, anjos, demônios e
tudo aquilo que eles fossem. Bem ou mal, complicada, traiçoeira, cheia de altos
e baixos e até mesmo divertida. Assim como o pai dela tinha dito: Aquilo era a
vida. E para uma menina que teve alguma experiência com a morte, a vida –
ponto – era a coisa pela qual Luce era, de repente, esmagadoramente
agradecida.
- Bem, eu já tive quase o suficiente. – Shelby anunciou após mais alguns
minutos. – Você sabe. Comida. Alguém mais acabou? Vamos terminar com
isto. – Ela assobiou e fez um gesto de laço com o dedo. – Estou ansiosa para
voltar para aquela escola de reformatório que todos nós vamos para – hum.
- Eu vou ajudar a limpar a mesa. – Gabbe saltou e começou a empilhar os
pratos, arrastando uma Molly relutante para a cozinha com ela.
A mãe de Luce ainda estava atirando seus olhares furtivos, tentando ver o
recolhimento através dos olhos da filha. O que era impossível. Era se agarrou à
ideia de Daniel muito rapidamente e ficava olhando para frente e para trás
entre os dois. Luce queria uma chance para mostrar para sua mãe que o que
ela e Daniel tinham era sólido e era maravilhoso e diferente do que qualquer
outra coisa no mundo, mas havia também muitas outras pessoas ao redor.
Tudo o que devia ter sido fácil parecia difícil. Então Andrew parou de mastigar
as penas de feltro no pescoço e começou a latir na porta. O pai de Luce se
levantou e pegou a coleira. Que alívio.
- Alguém quer uma caminhada pós-jantar? – Anunciou ele.
Sua mãe se levantou também, Luce a seguiu até a porta e a ajudou com seu
sobretudo. Luce entregou a seu pai o cachecol.
- Obrigada pessoal por ser tão legal esta noite. Vamos lavar a louça quando se
forem.
Sua mãe sorriu.
- Você nos deixa orgulhosos, Luce. Não importa com o quê. Lembre-se disso.
- Eu gostei daquele Miles. – Disse o pai de Luce, prendendo a corrente na
coleira de Andrew.
- E Daniel é... Simplesmente extraordinário. – Sua mãe disse ao pai em um tom
de voz de liderança.
As bochechas de Luce coraram e ela olhou para trás na mesa. Deu a seus pais
um olhar de por-favor-não-me-envergonhem.
- Ok! Tenham uma caminhada longa e agradável!
Luce abriu a porta e os assistiu sair na noite com o cão ansioso praticamente
se asfixiando na coleira. O ar frio entrando pela porta aberta era refrescante. A
casa estava quente com tantas pessoas dentro dela. Pouco antes de seus pais
desaparecerem no fim da rua, Luce pensou ter visto um clarão de algo no lado
de fora.
Algo que parecia uma asa.
- Você viu isso? – Disse ela, não sabendo com quem estava falando.
- O quê? – Seu pai gritou de volta. Ele parecia tão satisfeito e feliz que quase
partiu o coração de Luce.
- Nada. – Luce forçou um sorriso quando fechou a porta. Podia sentir alguém
atrás dela.
Daniel. O calor que afez balançar onde estava.
- O que você viu?
Sua voz estava gelada, não com raiva, mas com medo. Ela olhou para ele,
pegando suas mãos, mas ele se virou para o outro lado.
- Cam. – Ele chamou. – Pegue seu arco.
Do outro lado da sala, a cabeça de Cam disparou.
- Já?
Um som zunindo fora da casa o silenciou. Ele se afastou da janela e entrou em
seu blazer. Luce viu o brilho prata e se lembrou: As flechas que havia coletado
com a menina Exilada.
- Conte aos outros. – Disse Daniel antes de se virar para encarar Luce. Seus
lábios se separaram e o olhar desesperado em seu rosto a fez pensar que ele
poderia a beijar, mas tudo o que ele fez foi dizer: - Você tem um porão para
furacões?
- Diga-me o que está acontecendo. – Disse Luce. Podia ouvir a água correndo
na cozinha, e Arriane e Gabbe harmoniosamente cantando Heart and Soul com
Callie enquanto lavavam a louça. Podia ver as expressões nervosas de Molly e
Roland enquanto limpavam a mesa. E de repente, Luce percebeu que este
jantar de Ação de Graças tinha sido uma simulação. Um disfarce. Só que ela
não sabia o porquê. Miles apareceu ao lado de Luce.
- O que está acontecendo?
- Nada do que você precise se preocupar. – Cam disse. Não foi rude, apenas
disso os fatos. – Molly. Roland. – Molly largou sua pilha de pratos.
- O que vocês precisam que nós façamos?
Foi Daniel quem respondeu, falando com Molly como se fossem, de repente,
do mesmo lado.
- Conte aos outros. E encontre escudos. Eles estarão armados.
- Quem? – Luce perguntou. – Os Exilados?
Daniel pousou os olhos sobre ela e seu rosto desmoronou.
- Eles não deviam ter nos encontrado hoje à noite. Sabíamos que havia uma
chance, mas eu realmente não queria trazer isso aqui. Sinto muito.
- Daniel, – Cam interrompeu. – tudo o que importa agora é lutar contra eles.
Um barulho forte golpeou a casa. Cam e Daniel se moveram instintivamente
para frente da porta, mas Luce sacudiu a cabeça.
- A porta de trás. – Ela sussurrou. – Pela cozinha.
Todos eles pararam por um momento e ouviram o rangido da porta de trás se
abrindo. Depois veio um longo e perfurante grito.
- Callie! – Luce saiu correndo pela sala, estremecendo ao imaginar que cena
sua amiga estaria enfrentando. Se Luce soubesse que os Exilados iriam
aparecer, ela não teria deixado Callie vir. Nunca teria vindo para casa. Se algo
ruim acontecesse, Luce jamais se perdoaria.
Entrando pela porta da cozinha de seus pais, Luce viu Callie, protegida pelo
corpo esguio de Gabbe. Ela estava segura, pelo menos por agora. Luce
exalou, quase desmaiando para trás na parede de músculos que Daniel, Cam,
Miles e Roland formaram atrás dela. Arriane estava na porta caiada, com uma
mesinha de madeira erguida em suas mãos. Parecia pronta para golpear
alguém que Luce quase não conseguir ver ainda.
- Boa noite. – A voz de um homem, firme com formalidade.
Quando Arriane abaixou a mesinha de madeira, lá na porta estava um rapaz
alto e magro em um sobretudo marrom. Ele estava muito pálido, com um rosto
estreito e um nariz forte. Ele parecia familiar. Cabelos loiros cortados. Olhos
brancos.
Um Exilado.
Mas Luce o tinha visto em outro lugar antes.
- Phil? – Shelby chorou. – Que diabos você está fazendo aqui? E o que
aconteceu com seus olhos? Eles estão muito...
Daniel se virou para Shelby:
- Você conhece este Exilado?
- Exilado? – A voz de Shelby tremeu. – Ele não é um – ele é o idiota do meu
ex-namorado – ele é...
- Ele tem usado você. – Disse Roland como se soubesse de algo que o resto
deles não sabia. – Eu deveria ter percebido. Deveria tê-lo reconhecido pelo o
que ele era.
- Mas você não o fez. – Disse o Exilado, sua voz estava estranhamente calma.
Colocou as mãos no casaco, no bolso interno, e puxou um arco de prata. Do
outro bolso veio uma flecha de prata, que ele encaixou no arco rapidamente.
Apontou para Roland, em seguida, se moveu contra a multidão, mirando em
cada um deles por vez. – Por favor, me desculpem por entrar sem pedir
licença. Vim para buscar Lucinda.
Daniel avançou na direção do Exilado.
- Você não vai buscar ninguém e nada. – Disse ele. – Exceto uma morte rápida
a menos que você saia agora.
- Desculpe, não, não posso fazer isso. – Respondeu o menino, seus braços
musculosos, ainda segurando a flecha de prata, tensos. – Nós tivemos tempo
para se preparar para esta noite de restituição abençoada. Não vamos sair de
mãos vazias.
- Como você pôde, Phil? – Shelby gemeu, se virando para Luce. – Eu não
sabia... Sinceramente, Luce, não sabia. Eu só pensava que ele era um
canalha.
Os lábios do menino formaram um sorriso. Os olhos brancos horríveis e sem
profundidade pareciam saídos de um pesadelo.
- Me deem ela sem uma luta, ou nenhum de vocês será poupado.
Então Cam explodiu uma gargalhada longa e profunda. Isso balançou a
cozinha e fez o garoto na porta se contorcer desconfortavelmente.
- Você e que exército? – Cam disse. – Sabe, acho que você é o primeiro
Exilado que eu já encontrei com um senso de humor. – Olhou em torno da
cozinha apertada. – Por que você e eu não resolvemos isso lá fora? Acabamos
com isso, vamos?
- Com prazer. – Respondeu o menino com um sorriso simplório em seus lábios
pálidos.
Cam revirou os ombros para trás como se estivesse trabalhando num nó, e lá,
exatamente onde os ombros ficavam, um enorme par de asas douradas se
abriu atrás de seu suéter de cashmere cinza. Elas se desfraldaram por trás
dele, tomando quase toda a cozinha. As asas de Cam eram tão brilhantes que
quase cegavam enquanto vibravam.
- Meu Deus do Céu. – Callie sussurrou, piscando.
- Quase isso. – Disse Arriane quando Cam arqueou as asas para trás e varou o
menino Exilado pela porta em direção ao quintal. – Luce vai explicar, eu tenho
certeza.
As asas de Roland se desfraldaram com um som de um grande bando de
pássaros voando. A luz da lâmpada na cozinha iluminou as marmóreas asas
douradas e pretas quando ele se espremeu para fora da porta, atrás de Cam.
Molly e Arriane foram logo atrás dele, se estranhando, Arriane pressionando
suas brilhantes asas iridescentes na frente da nebulosa e bronzeada de Molly,
saindo o que parecia pequenas faíscas elétricas quando elas se arrastaram
para fora da porta. Em seguida foi Gabbe, cujas asas brancas e macias se
abriram com uma normalidade de uma borboleta, mas com uma velocidade
que jogaram uma rajada de vento com um aroma floral na cozinha.
Daniel pegou as mãos de Luce na dele. Ele fechou os olhos, inalou e deixou
suas enormes asas brancas desfraldarem.
Totalmente estendida, teria preenchido a cozinha inteira, mas Daniel as freou
perto do corpo. Elas brilhavam e irradiavam, pareciam no todo muito bonitas.
Luce estendeu as mãos e as tocou. Quentes e lisas como cetim por fora, mas
por dentro, cheias de energia. Podia senti-la percorrendo Daniel, dentro dela.
Sentia-se tão perto dele, o compreendendo completamente. Como se eles se
tornassem um.
Não se preocupe. Tudo vai ficar bem. Eu sempre vou cuidar de você.
Mas o que ele disse em voz alta foi:
- Fique segura. Fique aqui.
- Não. – Ela implorou. – Daniel.
- Eu já volto. – Então ele arqueou as asas para trás e voou para fora da porta.
Deixados sozinhos lá dentro, os não-angelicais se reuniram. Miles se
pressionou contra a porta de trás, pasmado com a janela. Shelby tinha a
cabeça nas mãos. O rosto de Callie parecia tão branco quanto a geladeira.
Luce escorregou uma mão para dentro da de Callie.
- Eu acho que tenho algumas coisas a explicar.
- Quem é esse menino com o arco e flecha? – Callie sussurrou, recuando, mas
ainda segurando firme na mão de Luce. – Quem é você?
- Eu? Eu sou apenas... Eu. – Luce encolheu os ombros, sentindo um frio se
espalhar sobre ela. – Eu não sei.
- Luce, – Disse Shelby, claramente tentando não chorar. – eu me sinto como
uma idiota. Eu juro que não tinha ideia. As coisas que eu disse a ele, eu estava
apenas desabafando. Ele estava sempre perguntando sobre você e ele era um
bom ouvinte, então eu... Eu... Quer dizer que eu não tinha ideia do que ele
realmente era... Eu nunca, nunca...
- Eu acredito em você. – Disse Luce. Moveu-se até a janela, ao lado de Miles,
com vista para uma pequena varanda de madeira que seu pai tinha construído
há alguns anos atrás. – O que você acha que ele quer?
No quintal, folhas de carvalho caídas foram juntadas em pilhas. O ar cheirava a
fogueira. Em algum lugar ao longe, uma sirene começou a soar. Ao pé dos três
degraus da varanda, Daniel, Cam, Arriane, Roland e Gabbe ficaram lado a
lado, de frente para o muro.
Não era o muro, Luce percebeu. Eles enfrentavam uma multidão de Exilados
em posição de sentido com flechas de prata apontadas para alinha de anjos. O
menino Exilado não estava sozinho. Ele formou um exército.
Luce teve que se equilibrar sobre o balcão. Além de Cam, os anjos estavam
desarmados. E ela já tinha visto o que as fechas podiam fazer.
- Luce, para! – Miles chamou por ela, mas ela já estava correndo para fora da
porta.
Mesmo na escuridão, Luce podia ver que todos os Exilados tinham
semelhantes aparências sem expressões. Havia tanto meninas quanto
meninos, todos eles pálidos e vestidos com o mesmo sobretudo marrom, com
cabelos curto loiro-descoloridos para os meninos e rabos de cavalo apertados,
quase brancos, para as meninas. As asas dos Exilados desfraldadas em suas
costas. Elas estavam em péssima, péssima forma – esfarrapadas, desgastadas
e revoltantemente imundas, praticamente cobertas de sujeira. Nada parecido
mesmo com as asas gloriosas de Daniel ou Cam, ou de qualquer um dos anjos
e demônios que Luce conhecia. Permanecendo em unidade, com seus
estranhos olhos vazios encarando, suas cabeças inclinavam em direções
diferentes. Os Exilados faziam um pesadelo horrível de exército. Só que Luce
não podia acordar.
Quando Daniel a notou parada com os outros na varanda, ele dobrou para trás
e agarrou suas mãos. Seu rosto perfeito parecia selvagem e com medo.
- Eu disse para você ficar lá dentro.
- Não. – Ela sussurrou. – Eu não vou ficar presa enquanto o resto de vocês
luta. Eu não posso simplesmente continuar assistindo pessoas que me rodeiam
morrendo sem nenhum motivo.
- Nenhum motivo? Íamos ter essa briga outra hora, Luce. – Seus olhos
continuavam lançados na direção da linha escura de Exilados, perto do muro.
Ela colocou os punhos na cintura.
- Daniel...
- Sua vida é preciosa demais para desperdiçar em um acesso de raiva. Fique lá
dentro. Agora.
Um grito forte ecoou no meio do quintal. A linha de frente com dez Exilados
levantou suas armas para os anjos e soltaram suas flechas. A cabeça de Luce
levantou apenas a tempo de pegar a visão de algo ou alguém se arremessando
do telhado.
Molly.
Ela voou para baixo, uma massa negra manejando dois ancinhos de jardim, os
girando como bastões em casa uma de suas mãos.
Os Exilados ouviram, mas não conseguiram vê-la chegando. Mas os ancinhos
de Molly giraram, pegando as flechas no ar como se fosse uma colheita no
campo. Ela aterrissou com suas botas de combate pretas, as flechas prata com
a ponta cega bateram e rolaram no chão, parecendo tão inofensivas quanto
galhos, mas Luce esperou o melhor.
- Não haverá misericórdia agora! – Um exilado – Phil – gritou do outro lado do
quintal.
- Bote-a para dentro e pegue as starshots! – Cam gritou para Daniel, subindo
na balaustrada da varanda e colocando para fora seu próprio arco de prata.
Repetidamente ele encaixou as flechas e soltou três raios de luz. Os Exilados
se contorceram quando três de sua fileira desapareceram numa lufada de
poeira. Com velocidade de um relâmpago, Arriane e Roland dispararam pelo
quintal, varrendo as flechas com as asas.
Uma segunda linha de Exilados estava avançando, preparando uma nova
saraivada de flechas. Quando eles estavam na beira de um tiroteio, Gabbe
saltou sobre a balaustrada da varanda.
- Hmmm, vamos ver. – Com um olhar feroz nos olhos, ela apontou a ponta de
sua asa direita para a terra abaixo dos Exilados.
O gramado estremeceu e, em seguida, uma fenda regular na terra – do
comprimento do quintal e alguns metros de largura – se abriu. Jogando pelo
menos vinte Exilados no profundo abismo negro. Eles gritaram no vazio, choros
solitários no caminho para baixo. Para Deus sabe onde.
Os Exilados atrás deles derraparam, parando em frente do desfiladeiro terrível
que Gabbe tinha aberto do nada. Suas cabeças moviam da esquerda para a
direita, como se para ajudar seus olhos cegos ver sentido no que aconteceu.
Uns poucos Exilados oscilaram na beira e caíram. Seus gemidos
enfraqueciam, até que nenhum som podia ser ouvido. Um instante depois, a
terra estalou como uma dobradiça enferrujada e fechou de volta.
Gabbe puxou sua asa felpuda de volta para seu lado com a maior elegância.
Limpou a testa.
- Bem, isso deve ajudar.
Mas, em seguida, outra chuva brilhante de fragmentos pratas correu pelo céu.
Um deles se enfincou no degrau mais alto da varanda aos pés de Luce. Daniel
puxou a flecha do degrau de madeira, tencionou os braços e a arremessou
bruscamente, como um dardo letal, em linha reta na testa de um Exilado que
avançava. Houve um flash de luz, como um flash de câmera e, em seguida: O
menino de olhos brancos nem sequer teve tempo de gritar com o impacto, ele
simplesmente desapareceu no ar.
Daniel correu os olhos sobre o corpo de Luce e ele a acariciou, como na
descrença de que ela ainda estivesse vida. Ao seu lado, Callie engoliu em
seco.
- Ele acabou... Será que aquele garoto realmente...
- Sim. – Disse Luce.
- Não faça isso, Luce. – Disse Daniel. – Não me faça te arrastar para dentro.
Eu tenho que lutar. Você tem que ficar o mais longe daqui. Agora.
Luce tinha visto o suficiente para concordar. Virou-se de volta para casa,
pegando Callie, mas então, na porta aberta da cozinha, ela teve um vislumbre
brutal dos Exilados. Três deles. de pé dentro de sua casa. Com arcos de prata
prontos para atirar.
- Não! – Daniel gritou, correndo para blindar Luce.
Shelby cambaleou para fora da cozinha, indo para a varanda, batendo a porta
atrás dela. Três golpes diferentes de flechas atingiram o outro lado da porta.
- Ei, ela se livrou! – Cam chamou do gramado, balançando a cabeça para
Shelby rapidamente antes de atirar uma flecha no crânio de uma menina
Exilada.
- Ok, novo plano. – Murmurou Daniel. – Encontre um lugar para se esconder
em algum lugar próximo. Todos vocês.
Ele se dirigiu a Callie e Shelby e, pela primeira vez em toda a noite, a Miles. ele
agarrou Luce pelos braços.
- Fique longe das starshots. – Suplicou. – Prometa-me. – Beijou-a rapidamente
e, em seguida, os enxotou contra a parede de trás da varanda.
O brilho das asas de tantos anjos era brilhante o suficiente para que Luce,
Callie, Shelby e Miles tivessem que fazer sombra nos olhos. Eles se
agacharam e se arrastaram ao longo da varanda, a sombra da balaustrada
dançava diante deles, enquanto Luce dirigia todos para o lado do quintal.
Procurando abrigo. Tinha que haver algum, em algum lugar.
Mais Exilados saíram das sombras. Apareceram nos ramos altos das árvores
distantes, vindo a passos lentos dos canteiros levantados e do antigo balanço
comido de cupins que Luce utilizava quando criança. Seus aros de prata
brilhavam ao luar.
Cam era o único do outro lado com um arco. Ele nunca parara para contar
quantos Exilados ele já tinha apanhado. Apenas soltava flecha após flecha com
precisão mortal nos corações deles. Mas para cada um que desaparecia,
parecia que outro aparecia.
Quando ele ficou sem flechas, arrancou a mesa de piquenique de madeira do
chão e a segurou em sua frente com um braço como um escudo. Saraivadas
após saraivadas de flechas saltavam no topo da mesa e caíam no chão a seus
pés. Ele só se abaixava, pegava uma e disparava; se abaixava, pegava uma e
disparava.
Os outros tinham que ser mais criativos.
Roland batia suas asas de ouro com tanta força que o ar ao redor delas
enviava as flechas de volta na direção em que tinham vindo, pegando em
vários Exilados cegos de uma vez. Molly recarregava as flechas repetidamente
com seu ancinho girando como uma espada de samurai. Arriane arrancou o
balanço de pneu velho de Luce da árvore e girou como um laço, desviando as
flechas para o muro, enquanto Gabbe corria para pegá-las. Ela girava e
golpeava como um dervixe, atacando qualquer Exilado que chegasse muito
perto, sorrindo docemente enquanto as flechas pegavam na pele deles. Daniel
tinha confiscado as ferraduras enferrujadas dos Prices debaixo do alpendre.
Lançava-as nos Exilados, às vezes deixando três deles sem sentido com uma
ferradura, uma vez que ricocheteou em seus crânios. Então ele se lançava
sobre eles, pegava as starshots dos arcos e as enfiava nos corações deles
com as mãos nuas.
Na beirada da varanda, Luce avistou o galpão de armazenamento de seu pai e
fez sinal para os outros três a seguirem. Rolaram sobre a balaustrada, indo
para a grama abaixo e, abaixados, correram para o galpão. Estavam quase na
entrada quando Luce ouviu um zumbido rápido no ar. Callie gritou de dor.
- Callie! – Luce rodopiou.
Mas sua amiga ainda estava lá. Ela estava esfregando seu ombro onde a
flecha tinha passado, mas por outro lado, saiu ilesa.
- Isso dói demais!
Luce estendeu a mão para tocá-la.
- Como você... ?
Callie abanou a cabeça.
- Abaixem-se. – Shelby gritou.
Luce caiu de joelhos, puxando os outros para baixo com ela e os puxando para
dentro do galpão. Entre as sombras das ferramentas sujas, do cortador de
grama e dos equipamentos esportivos antigos do pai de Luce, Shelby se
arrastou até ela. Seus olhos brilhavam e seus lábios estavam tremendo.
- Eu não posso acreditar que isso está acontecendo. – Murmurou, agarrando o
braço de Luce. – Você não sabe como estou arrependida. É tudo culpa minha.
- Não é culpa sua. – Disse Luce rapidamente. Claro que Shelby não sabia
quem realmente era Phil. O que ele realmente queria com ela. O que esta noite
poderia trazer. Luce sabia o que era carregar culpa por fazer algo que você não
entendia. Ela não desejaria a ninguém. Muito menos a Shelby.
- Onde ele está? – Shelby perguntou. – Eu poderia matar aquele doido idiota.
- Não. – Luce segurou Shelby. – Você não vai lá fora. Você poderia ser morta.
- Eu não entendo. – Disse Callie. – Por que alguém iria querer machucá-la?
Foi quando Miles avançou para a entrada do galpão, como um relâmpago.
Estava carregando um dos caiaques do pai de Luce sobre a cabeça.
- Ninguém vai machucar Luce. – Disse enquanto saía. Direto para a batalha.
- Miles! – Luce gritou. – Volte.
Então ela se levantou para correr atrás dele, então congelou, atordoada com a
visão dele arremessando o caiaque bem em cima de um dos Exilados.
Era Phil.
Seus olhos brancos se abriram e ele gritou, caindo na grama quando o caiaque
o feriu. Imobilizado e desamparado, suas asas sujas se contorciam no chão.
Por um instante, Miles parecia orgulhoso de si mesmo e Luce sentiu um pouco
de orgulho também. Mas, então, uma pequena menina Exilada se adiantou,
inclinou a cabeça como um cão ouvindo um assobio no silêncio, levantou o
arco de prata e apontou à queima-roupa no peito de Miles.
- Sem misericórdia. – Ela disse sem emoção.
Miles estava indefeso contra essa menina estranha que parecia que não tinha
conhecimento da misericórdia, nem mesmo pela criança mais bonita e mais
inocente do mundo.
- Pare! – Luce gritou, o coração batendo forte em seus ouvidos enquanto corria
para fora do galpão.
Podia sentir a batalha acontecer ao seu redor, mas tudo que podia ver era
aquela flecha, prestes a entrar no peito de Miles.
Preparada para matar mais um de seus amigos.
A cabeça da menina Exilada virou-se no pescoço. Seus olhos vagos ligados
em Luce, em seguida, abriram-se ligeiramente, assim como Arriane havia dito,
ela realmente podia ver a queima da alma de Luce.
- Não atire nele. – Luce estendeu as mãos em sinal de rendição. – Eu sou o
que você quer.
Capítulo 19 – A Trégua se Quebrou
A menina Exilada abaixou o arco. Quando a seta relaxou ao longo da corda,
esta rangeu, como se abrindo uma porta de sótão. Seu rosto estava calmo
como um lago tranquilo, num dia sem vento. Ela era da altura de Luce, com
pele clara e úmida, lábios pálidos e covinhas mesmo na ausência de um
sorriso.
- Se você quer o menino vivo. – Ela disse, com uma voz monótona. – Eu
entregarei a você.
Ao redor deles, os outros tinham parado de lutar. O balanço de pneu rolou até
parar, batendo contra o canto da cerca. As asas de Roland desaceleraram até
uma batida suave e que o levou para a terra. Todos estavam parados, mas o ar
estava carregado com um silêncio elétrico. Luce podia sentir o peso de tantos
olhares caírem sobre ela: Callie, Miles e Shelby. Daniel, Arriane e Gabbe. Cam,
Roland e Molly. Os olhares cegos dos Exilados. Mas ela não podia se deslocar
para longe da garota de olhos brancos.
- Você não vai matá-lo... Se eu não mandar? – Luce estava tão confusa, ela riu.
– Eu pensei que você queria me matar.
- Matá-la? – A voz mecânica da menina se agitou, registrando surpresa. – De
jeito nenhum. Nós morreríamos por você. Nós queremos que você venha
conosco. Você é a última esperança. Nossa entrada.
- Entrada? – Miles falou o que Luce estava surpresa demais para dizer. – Para
o quê?
- Para o Céu, é claro. – A menina olhou para Luce com seus olhos mortos. –
Você é o preço.
- Não. – Luce sacudiu a cabeça, mas as palavras da menina bateram na porta
de sua mente, ecoando de um modo que a fez se sentir tão vazia que mal
podia suportar.
Entrada no Céu. O preço.
Luce não entendeu. Os Exilados iriam levá-la e fazer o quê? Usá-la como uma
espécie de barganha? Esta menina nem sequer podia ver Luce para saber
quem ela era. Se Luce havia aprendido uma coisa em Shoreline, era que
ninguém podia manter os mitos no lugar. Estavam muito velhos, muito
envolvidos. Todo mundo sabia que havia uma história, uma que Luce tinha sido
envolvida há um longo tempo, mas ninguém parecia saber o porquê.
- Não dê ouvidos a ela, Luce. Ela é um monstro. – As asas de Daniel estavam
tremendo. Como se ele achasse que ela fosse sentir vontade de cair na
história.
Os ombros de Luce começaram a coçar, um formigamento quente, que deixou
o resto de seu corpo frio.
- Lucinda? – A menina Exilada chamou.
- Ok, espere um minuto. – Luce disse para a garota. Ela se virou para Daniel. –
Eu quero saber: O que é essa trégua? E não me diga que não é nada e não me
diga que você não pode explicar. Diga-me a verdade. Você deve isso a mim.
- Você está certa. – Disse Daniel, surpreendendo Luce. Ele continuava olhando
furtivamente para a Exilada, como se ela pudesse desaparecer com Luce a
qualquer momento. – Cam e eu que o estabelecemos. Nós concordamos em
deixar de lado nossas diferenças por dezoito dias. Todos os anjos e demônios.
Nós nos unimos para caçar os outros inimigos. Como eles – Apontou para a
Exilada.
- Mas por quê?
- Por causa de você. Porque você precisava de tempo. Nossos objetivos finais
podem ser diferentes, mas agora, Cam e eu – e todos de nossa espécie –
trabalhamos como aliados. Nós temos uma prioridade em comum.
O vislumbre que Luce tinha visto no Anunciador, aquela cena repugnante com
Daniel e Cam trabalhando juntos... Era para aceitar na boa porque tinham
concordado por uma trégua? Para dar tempo a ela?
- Não se você nem mesmo se mantém na trégua. – Cam cuspiu na direção de
Daniel. – Quão boa é uma trégua se você não a honra?
- Você também não se manteve nela. – Disse Luce a Cam. – Você estava na
floresta no lado de fora de Shoreline.
- Protegendo você! – Disse Cam. – Não a levando para sair para uma passeata
ao luar!
Luce se virou para Arriane.
- O que quer que seja essa trégua ou que não seja, uma vez que esteja
acabada, significa que... Cam de repente é o inimigo novamente? E Roland
também? Isso não faz nenhum sentido.
- Diga a palavra, Lucinda. – Disse a Exilada. – Vou te levar pra longe de tudo
isso.
- Para o quê? Para onde? – Luce perguntou. Havia algo de atraente em apenas
fugir. De toda a mágoa, da luta e da confusão.
- Não faça algo que você vai se arrepender, Luce. – Cam advertiu. Era
estranho o jeito como ele soava como a voz da razão, em relação a Daniel, que
parecia praticamente paralisado.
Luce olhou à sua volta, pela primeira vez desde que saiu do galpão. Os
combates cessaram. O mesmo feltro de poeira que havia revestido o cemitério
de Sword & Cross agora endurecia a grama do quintal.
Enquanto o grupo de anjos parecia totalmente intacto e contabilizado, os
Exilados haviam perdido a maioria de seu exército. Cerca de dez estavam à
distância, observando. Seus arcos de prata estavam abaixados.
A menina Exilada ainda estava esperando pela resposta de Luce. Seus olhos
brilhavam no meio da noite e os pés avançavam para trás quando os anjos se
pressionavam mais perto dela. Quando se aproximou de Cam, a menina
levantou o arco de prata de novo, lentamente, e o apontou no coração dele.
Luce o assistiu endurecer.
- Você não quer ir com os Exilados. – Ele disse à Luce. – Ainda mais nesta
noite.
- Não diga a ela o que querer ou não querer. – Shelby se intrometeu. – Eu não
estou dizendo que ela deveria ir com os retardados albinos ou qualquer coisa
assim. Apenas parem de tratá-la como bebê e a deixe fazer as coisas sozinhas
por uma vez. Já chega disso.
A voz dela explodiu em todo o quintal, fazendo a menina Exilada saltar. Ela
virou-se para apontar sua flecha para Shelby.
Luce prendeu a respiração. A seta de prata tremia nas mãos da Exilada. Ela
puxou a corda. Luce prendeu a respiração, mas antes que a menina pudesse
disparar, os olhos brilhantes se abriram. O arco caiu de suas mãos e seu corpo
desapareceu em um clarão ofuscante de luz cinzenta.
Dois pés atrás de onde a menina Exilada tinha estado, Molly abaixou o arco de
prata. Ela atirou habilmente na menina pelas costas.
- O quê? – Molly latiu quando todo o grupo se voltou para se embasbacar com
ela. – Eu gosto da Nephilim. Ela me lembra de alguém que conheço.
Ela puxou o braço para dar um aceno a Shelby, que disse:
- Obrigada. Sério mesmo. Isso foi legal.
Molly deu de ombros, ignorando a gigantesca presença negra subindo por trás
dela. O menino Exilado que Miles tinha jogado no chão com o caiaque. Phil.
Ele lançou o caiaque para trás do corpo, como se fosse um bastão de beisebol
e golpeou Molly, a jogando no gramado. Ela caiu com um grunhido na grama.
Jogando o caiaque de lado, o Exilado enfiou a mão no bolso do sobretudo para
pegar uma última flecha que brilhava. Seus olhos mortos eram a única parte
sem expressão de seu rosto. O resto dele, o seu rugido, sua testa, até as
maçãs do rosto, pareciam totalmente ferozes. Sua pele branca parecia esticada
no crânio. Suas mãos se pareciam mais com garras. A raiva e o desespero
tinham mudado de um cara pálido e estranho para o que mais parecia com um
monstro de verdade. Ele ergueu seu arco de prata e mirou em Luce.
- Estive esperando pacientemente a minha chance com você por semanas.
Agora eu não me importo de ser um pouco mais forte do que minha irmã. – Ele
rosnou. – Você irá conosco.
Em ambos os lados de Luce, arcos de prata estavam levantados. Cam pegou a
dele de volta de dentro do casaco outra vez e Daniel mexeu no chão para
pegar o arco que a menina Exilada tinha acabado de deixar cair. Phil parecia
esperar por isso. Seu rosto em um sorriso torcido e escuro.
- Eu preciso matar seu amado para fazê-la vir comigo? – Perguntou ele,
apontando sua flecha, agora para Daniel. – Ou eu preciso matar todos eles?
Luce olhou para a ponta estranha e plana da flecha de prata, menos de dez
metros do peito de Daniel. Sem chance de Phil errar a essa distância. Viu as
flechas extinguirem uma dúzia de anjos esta noite com aquele flash
insignificante de luz, mas também tinha visto a flecha se desviar da pele de
Callie, como se não fosse nada mais do que um graveto cego. De repente
percebeu que as flechas de prata matavam anjos, não humanos.
Ela pulou na frente de Daniel.
- Eu não vou te deixar machucá-lo. E as suas flechas não podem me
machucar.
Um som escapou de Daniel, um som estranho, meio riso, meio soluço. Ela se
virou para ele, de olhos arregalados. Ele olhou com medo, mas mais do que
isso, olhou culpado.
Ela pensou na conversa que tiveram debaixo do pessegueiro retorcido em
Sword & Cross na primeira vez que ele tinha contado a ela sobre suas
reencarnações. Lembrou-se de estar com ele na praia em Mendocino quando
ele falou do seu lugar no Céu antes dela. Que luta que foi fazer com que ele se
abrisse sobre aqueles dias antigos. Ainda sentia como se houvesse mais.
Tinha que haver mais.
O ranger da corda trouxe sua atenção de volta para o Exilado, que estava
puxando para trás a flecha de prata. Agora se destinando a Miles.
- Chega de conversa. – Disse ele. – Eu vou matar seus amigos um a um até
que você se entregue a mim.
Em sua mente, Luce viu uma luz brilhante piscar, um redemoinho de cores e
um rodopio de imagens de suas vidas passando como flash diante de seus
olhos, sua mãe, seu pai e Andrew. Os pais que tinha visto em Monte Shasta.
Vera esquiando sobre o lago congelado. A menina que tinha sido, nadando na
cachoeira em um maiô amarelo de alças. Outras cidades, casas, e os tempos
que ela ainda não conseguia reconhecer. O rosto de Daniel em milhares de
ângulos diferentes, sob mil luzes diferentes. E incêndio após incêndio. Então
piscou os olhos e estava de volta ao quintal. Os Exilados estavam se
aproximando, se juntando e sussurrando para Phil. Ele estava os mandando se
afastarem com as mãos, agitado, tentando se concentrar em Luce. Todo
mundo esta tenso.
Viu Miles a olhando. Ele deve ter ficado apavorado. Mas não, não apavorado.
Ele se fixava nela com tanta intensidade que seu olhar parecia vibrar em seu
interior. Luce ficou tonta e sua visão ficou turva. O que se seguiu foi uma
sensação estranha de algo sendo tirado dela. Como um revestimento a ser
removido de sua pele. E ela ouviu sua voz dizer.
- Não disparem. Eu me rendo.
Só que estava ecoando e desencarnando, e Luce não tinha realmente dito
essas palavras. Ela o seguiu com os olhos e seu corpo ficou rígido com o que
viu. Outra Luce de pé atrás do Exilado, batendo-lhe no ombro. Mas esta não
era nenhum vislumbre de uma vida anterior. Esta era ela, em sua calça jeans
skinny preta e camisa xadrez com um botão faltando. Com seu cabelo preto
cortado e recém-tingido. Com os olhos cor de avelã provocando o Exilado.
Com a queima da mesma alma claramente visível para ele. Claramente visível
para todos os outros anjos também. Isto era uma imagem de espelho dela. Isto
era – Miles está fazendo isso.
O dom dele. Ele tinha fragmentado Luce numa outra ela, assim como ele disse
a ela que podia fazer em seu primeiro dia em Shoreline. Dizem que é fácil de
fazer com as pessoas que meio que ama, ele disse.
Ele a amava.
Ela não podia pensar nisso agora. Enquanto todos os olhos estavam atraídos
para a reflexão, a Luce de verdade recuou dois passos e se escondeu dentro
do galpão.
- O que está acontecendo? – Cam gritou para Daniel.
- Eu não sei! – Daniel sussurrou com a voz rouca.
Só Shelby parecia entender.
- Ele fez isso. – Disse ela baixinho.
O Exilado girou seu arco para mirar esta nova Luce. Como se ele não
confiasse muito na vitória.
- Vamos fazer assim. – Luce ouviu sua própria voz dizendo no meio do quintal.
– Eu não posso ficar aqui com eles. Muitos segredos. Muitas mentiras.
Uma parte dela se sentia dessa forma. Que ela não podia continuar assim. Que
algo tinha que mudar.
- Você vai vir comigo e se juntar aos meus irmãos e minhas irmãs? – O Exilado
disse, soando esperançoso. Seus olhos lhe causaram náuseas. Ele estendeu a
mão fantasmagoricamente branca.
- Luce, não. – Daniel prendeu a respiração. – Você não pode.
Agora, os Exilados restantes levantaram seus arcos contra Daniel, Cam e o
resto deles para que não interferissem. O espelho de Luce avançou. Enfiou a
mão dentro das de Phil.
- Sim, eu posso.
O monstro Exilado a embalou em seus rígidos braços brancos. Houve um
grande retalho de asas sujas. Uma nuvem de poeira saiu do solo. Dentro do
galpão, Luce prendeu a respiração.
Ouviu o suspiro de Daniel quando o espelho de Luce e os Exilados dispararam
para fora do quintal. O resto deles olhou incrédulo. Exceto Shelby e Miles.
- O que diabos aconteceu? – Arriane disse. – Será que ela realmente.
- Não! – Daniel chorou. – Não, não, não!
O coração de Luce doeu quando ele puxou o cabelo, girou em um círculo e
deixou suas asas floresceram para fora, para seu real tamanho.
Imediatamente, a frota dos Exilados restantes abriram suas próprias asas
marrons sujas e levantaram voo. Suas asas eram tão finas que eles tinham que
bater freneticamente só para ficarem no ar. Eles estavam se aproximando de
Phil. Tentando formar um escudo em torno dele para que ele pudesse levar
Luce para onde quer que ele pense que a estava levando.
Mas Cam foi mais rápido. Os Exilados estavam, provavelmente, a vinte metros
no ar quando Luce ouviu uma última flecha solta de seu arco. A flecha de Cam
não era para Phil. Era para Luce.
E sua mira perfeita.
Luce congelou quando sua imagem de espelho desapareceu em um grande
brilho de luz branca. No céu, as asas esfarrapadas de Phil estremeceram
abertas. Vazias. Um rugido horrível escapou de sua boca. Ele começou a girar
de volta na direção de Cam, seguido por seu exército de Exilados, mas então
parou no meio do caminho. Como se ele tivesse percebido que não havia mais
motivo para voltar.
- Então começa de novo. – Ele falou para Cam. Para todos eles. – Poderia ter
terminado de forma pacífica, mas esta noite você fez uma nova seita de
inimigos mortais. Da próxima vez não vamos negociar.
Em seguida, os Exilados desapareceram na noite.
De volta ao quintal, Daniel se lançou em Cam, o jogando ao chão.
- O que há de errado com você? – Ele gritou, seus punhos chorosos se
debatendo no rosto de Cam. – Como você pôde?
Cam se esticou para detê-lo. Eles rolaram um sobre o outro na grama.
- Foi um fim melhor para ela, Daniel.
Daniel estava perturbado, atacando Cam, batendo a cabeça dele no chão. Os
olhos de Daniel brilhavam.
- Eu vou te matar!
- Você sabe que eu tenho razão! – Cam gritou, sem nem lutar de volta.
Daniel congelou. Fechou os olhos.
- Eu não sei de nada agora. – Sua voz era áspera. Tinha agarrado Cam pela
lapela, mas agora ele apenas se deixou cair no chão, enterrando seu rosto na
grama.
Luce queria ir até ele. Para cair em cima dele e lhe dizer que tudo ia ficar bem.
Só que não ia.
O que tinha visto esta noite foi demais. Sentiu-se mal ao ver – sua imagem de
espelho de Miles – morrer por uma starshot.
Miles tinha salvado sua vida. Não conseguia se recuperar disso. E o resto
deles pensou que Cam tinha terminado com isso.
Sua cabeça estava tonta quando avançou das sombras do galpão, planejando
contar aos outros para não se preocupar, que ela ainda estava viva, mas então
percebeu a presença de outra coisa.
Um Anunciador estava tremendo na porta. Luce saiu do galpão e se aproximou
dele. Lentamente, se libertou de uma sombra projetada pela lua. Ele deslizou
ao longo da relva em direção a ela por uns metros, pegando uma camada suja
de poeira deixada pela guerra. Quando chegou em Luce, estremeceu e subiu
ao longo de seu corpo, até que pairou sombriamente sobre sua cabeça. Ela
fechou os olhos e se sentiu levantar a mão para encontrá-lo. A escuridão caiu
descansando na palma de sua mão. Ele fez um som frio escaldante.
- O que é isso? – A cabeça de Daniel girou rapidamente por causa do barulho.
Ele se levantou do chão. – Luce!
Ela ficou parada enquanto os outros engasgavam ao vê-la de pé em frente ao
galpão. Ela não queria vislumbrar o Anunciador. Tinha visto o suficiente por
uma noite. Nem sabia por que estava fazendo isso.
Até que ela vislumbrou.
Não estava procurando por uma visão, estava procurando por uma saída. Algo
distante o suficiente para se transpassar. Tinha passado muito tempo desde
que ela tinha tido um momento para pensar por conta própria. O que ela
precisava era de um tempo. De tudo.
- Hora de ir. – Disse ela para si mesma.
A porta-sombra que se apresentava à sua frente não era perfeita, estava
recortada em torno das bordas e fedia a esgoto, mas Luce rompeu a superfície
dele mesmo assim.
- Você não sabe o que está fazendo, Luce! – A voz de Roland chegou a ela na
beira da porta. – Isso pode a levar para qualquer lugar!
Daniel estava em pé, correndo em sua direção.
- O que você está fazendo?
Podia ouvir o profundo alívio em sua voz porque ela ainda estava viva e o puro
cântico por ela poder manipular o Anunciador. A ansiedade dele só a
impulsionou para dentro.
Queria olhar para trás para se desculpar com Callie, para agradecer Miles pelo
o que tinha feito, parar dizer a Arriane e Gabbe para não se preocuparem da
maneira que sabia que elas iriam de qualquer maneira, para deixar uma
palavra para os pais. Para dizer a Daniel que não a seguisse, que precisava
fazer isso por si própria, mas sua chance de se libertar estava se fechando.
Então deu um passo à frente e chamou por cima do ombro por Roland.
- Acho que vou ter que descobrir.
Com o canto do olho, viu Daniel correndo em sua direção. Como se não tivesse
acreditado até agora que ela faria isso. Ela sentiu as palavras subindo na
garganta. Eu te amo. Ela amava. Ela amava para sempre. Mas se ela e Daniel
sofreram desde sempre, o amor deles podia esperar até que ela descobrisse
algumas coisas importantes sobre si mesma. Sobre suas vidas e a vida que
tinha à sua frente. Esta noite só tinha tempo de dar adeus, dar uma respiração
profunda e saltar para a sombra triste.
Para dentro da escuridão.
Para dentro de seu passado.
Epílogo – Pandemônio
- O que aconteceu?
- Para onde ela foi?
- Quem lhe ensinou como fazer isso?
As vozes frenéticas no quintal pareciam vacilantes e distantes para Daniel. Ele
sabia que os outros anjos caídos estavam discutindo, procurando por
Anunciadores nas sombras do pátio. Daniel era uma ilha, fechado para tudo,
exceto para sua própria agonia.
Ele havia fracassado com ela. Ele havia fracassado.
Como pode ser? Durante semanas, ele tinha se esforçado tanto, seu único
objetivo de mantê-la segura até o momento quando ele já não pudesse mais
lhe oferecer proteção. Agora aquele momento tinha chegado e acabado – o
mesmo aconteceu com Luce.
Qualquer coisa podia acontecer com ela. E ela poderia estar em qualquer
lugar. Ele nunca se sentira tão vazio e com vergonha.
- Por que não podemos achar o Anunciador que ela transpassou, recompor os
pedaços e ir atrás dela? – O menino Nephilim. Miles. Estava de joelhos,
penteando a grama com os dedos. Como um idiota.
- Eles não trabalham dessa forma. – Daniel rosnou para ele. – Quando você
pisa no tempo, você leva o Anunciador com você. É por isso que nunca dá para
fazer, a menos que...
Cam olhou para Miles, quase com pena.
- Por favor, diz para mim que Luce sabe mais sobre viagens no Anunciador do
que você.
- Cale a boca. – Disse Shelby, que repousava sobre Miles de forma protetora. –
Se ele não tivesse criado a reflexão de Luce, Phil a teria levado.
Shelby parecia guardada e com medo, se sentindo deslocada entre os anjos
caídos. Anos atrás ela tinha tido uma paixão por Daniel, que nunca retribuiu, é
claro. Mas até hoje, ele sempre tinha gostado da menina. Agora ela estava
apenas no caminho.
- Você mesmo disse que Luce estaria melhor morta do que com os Exilados. –
Disse ela, ainda defendendo Miles.
- Os Exilados que todos vocês convidaram até aqui. – Arriane entrou na
conversa, se virando para Shelby, cujo rosto ficou vermelho.
- Por que você assumiria que alguma criança Nephilim consegue detectar os
Exilados? – Molly desafiou Arriane.
- Você estava naquela escola. Você deve ter notado alguma coisa.
- Todos vocês: Quietos. – Daniel não conseguia pensar direito. O quintal estava
cheio de anjos, mas a ausência de Luce o fez parecer totalmente vazio.
Ele mal conseguia ficar ali olhando para os outros. Shelby, por andar bem na
direção da fácil dos Exilados. Miles, por pensar que ele tinha algum interesse
no futuro de Luce. Cam, pelo o tentara fazer...
Ah, aquele momento em que Daniel pensou que ele a tinha perdido para a
starshot de Cam! Suas asas pareciam muito pesadas para se levantar. Mais
frias que a morte. Nesse instante, havia perdido toda a esperança.
Mas era apenas uma ilusão. Uma reflexão criada, nada de especial em
circunstâncias normais, mas esta noite era a última coisa que Daniel tinha
esperado. Tinha lhe dado um choque horrível. Um que tinha quase o matado.
Até a alegria da ressurreição dela.
Ainda havia esperança.
Contanto que ele pudesse a encontrar.
Ele havia ficado atordoado vendo Luce abrir a sombra. Aterrorizado,
impressionado e dolorosamente atraído por ela, mas mais do que tudo isso,
chocado. Quantas vezes ela tinha feito isso antes, sem mesmo ele saber?
- O que você acha? – Cam perguntou, chegando ao seu lado. Suas asas se
fecharam uma em direção a outra, aquela antiga força magnética, e Daniel
estava muito esgotado para se afastar.
- Estou indo atrás dela. – Disse ele.
- Bom plano. – Cam zombou. – Apenas vá atrás dela. Qualquer lugar no tempo
e no espaço através dos muitos milhares de anos. Por que você precisaria de
uma estratégia, hein?
Seu sarcasmo fez com que Daniel quisesse o atacar pela segunda vez.
- Eu não estou pedindo sua ajuda e seus conselhos, Cam.
Apenas duas starshots permaneceram no quintal: A que ele pegara da Exilada
que Molly matara e a que Cam tinha encontrado na praia no começo da trégua.
Teria havido uma boa simetria se Cam e Daniel viessem trabalhando como
inimigos até agora, dois arcos, duas starshots, dois inimigos imortais.
Mas não. Ainda não. Eles tinham que eliminar tantos outros antes que
pudessem se voltar um contra o outro mais uma vez.
- O que Cam quer dizer é... – Roland ficou entre eles, falando com Daniel em
voz baixa. – É que isto pode precisar algum esforço de equipe. Eu já vi a forma
como estas crianças atravessam os Anunciadores. Ela não sabe o que está
fazendo, Daniel. Ela vai se meter em problemas muito rapidamente.
- Eu sei.
- Não é um sinal de fraqueza nos deixar ajudar. – Disse Roland.
- Eu posso ajudar. – Shelby falou. Estava sussurrando com Miles. – Eu acho
que sei onde ela está.
- Você? – Daniel perguntou. – Você já ajudou bastante. Vocês dois.
- Daniel...
- Eu conheço Luce melhor do que ninguém no mundo. – Daniel se afastou de
todos eles, em direção ao espaço escuro e vazio no quintal onde ela tinha
transpassado. – Muito melhor que qualquer um de vocês jamais conheceria. Eu
não preciso da ajuda de vocês.
- Você conhece o passado dela. – Disse Shelby, entrando na frente dele para
que ele tivesse que olhar para ela. – Você não sabe o que ela passou nas
últimas semanas. Eu sou aquela que tem estado por perto enquanto ela
vislumbrava suas vidas passadas. Eu sou a única que viu seu rosto quando ela
encontrou a irmã que perdeu quando você a beijou e ela... – A voz de Shelby
morreu. – Eu sei que vocês todos me odeiam agora, mas eu juro por – Ah, o
que quer que seja que vocês acreditam. Vocês podem confiar em mim daqui
para frente. Em Miles também. Nós queremos ajudar. Nós vamos ajudar. Por
favor. – Ela estendeu as mãos até Daniel. – Confiem em nós.
Daniel se livrou dela. Confiança como uma atividade sempre o incomodava. O
que ele tinha com Luce era inabalável. Nunca houve nenhuma necessidade
ainda de trabalhar por confiança. O amor deles apenas era a confiança. Mas
por toda a eternidade, Daniel nunca tinha sido capaz de encontrar fé em
ninguém ou nada. E ele não queria começar a encontrar agora.
Descendo a rua, um cão latiu. Então, novamente, mais alto. Mais perto.
Os pais de Luce, voltando do passeio.
No quintal escuro, os olhos de Daniel se encontraram com os de Gabbe. Ela
estava em pé perto de Callie, provavelmente a consolando. Ela já tinha
recolhido as asas.
- Apenas vá. – Gabbe falou afetadamente com ele no quintal desolado e
poeirento.
O que ela quis dizer era vão buscá-la. Ela iria lidar com os pais de Luce. Iria
cuidar para que Callie chegasse em casa. Cobririam todas as bases a fim de
que Daniel pudesse ir atrás do que importava. Nós vamos encontrá-lo e ajudálo o mais rapidamente possível.
A lua se escondeu por trás de uma névoa de nuvem. A sombra de Daniel se
alongou na relva em seus pés. Ele a observou inchar um pouco, depois
começou a formar o Anunciador dentro dela. Quando a fria e úmida escuridão
se encostou nele, Daniel percebeu que não tinha atravessado no tempo em
anos.
Olhar para trás não era normalmente seu estilo.
Mas os gestos ainda estavam nele, enterrados em suas asas, em sua alma ou
em seu coração. Moveu-se rapidamente, desgarrando o Anunciador para fora
de sua própria sombra, dando-lhe um rápido beliscão para soltá-lo no chão.
Então ele a lançou, como um pedaço de barro, no ar diretamente na sua frente.
Ela formou um portal limpo e finito.
Tinha feito parte de cada uma das vidas passadas de Luce. Não havia razão
para ele não ser capaz de encontrá-la. Abriu a porta. Não há tempo a perder.
Seu coração ia o levar até ela. tinha um senso natural de que algo ruim estava
para acontecer, mas uma esperança de que algo incrível estava esperando à
distância.
Tinha que estar.
Seu amor ardente por ela percorria por ele até que sentiu tão cheio que não
sabia se iria caber através do portal. Colocou suas asas perto, contra seu corpo
e saltou para o Anunciador.
Atrás dele, no quintal, uma comoção distante. Sussurros, cochichos e gritos.
Ele não se importava. Ele não se importava com nenhum deles, de verdade.
Somente ela.
Então gritou quando rompeu.
- Daniel.
Vozes. Atrás dele, seguindo, ficando mais perto. Chamando seu nome
enquanto entrava num túnel profundo e mais profundo para o passado.
Será que a encontraria?
Sem sombra de dúvida.
Será que ele a salvaria?
Sempre.
Fim.
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Lauren Kate – Fallen vol.2 Tormenta