A Vida Devocional do Líder
INTRODUÇÃO
Uma das crises que enfrenta a igreja atual é exatamente quanto à sua
liderança. Via de regra, parece que os crentes veem o trabalho da igreja como um tipo
de apêndice da vida, um adendo, um “bico” que se faz quando dá. Pior ainda é quando
os líderes da igreja agem da mesma forma: a igreja é aquilo que sempre pode ficar
para depois. Se a igreja é reflexo de seus líderes, da mesma forma, os líderes refletem
a própria igreja, sendo impossível determinar, como se diz no mundo, se foi o ovo ou a
galinha que veio primeiro. Grande parte da crise se dá pela falta de preparo dos
próprios líderes. Não me refiro à preparação específica, como o treinamento para
executar determinada função, mas aquele requisito básico para a vida do cristão, a
saber, a séria leitura e meditação da Palavra e os períodos de oração, ambos, em
cadência diária. Há nas Escrituras exemplos impressionantes de irmãos nossos do
passado que foram utilizados por Deus à frente do povo. Vejamos alguns deles.
1. A IMPORTÂNCIA DA DISCIPLINA DIÁRIA (Dn 6.5, 10)
Daniel é o único personagem em toda a Escritura de quem não se sabe
nenhuma falha. Certamente, isso não significa que ele fosse, de alguma forma,
diferente de nós. Daniel foi pecador exatamente como todo ser humano que existiu
desde Adão. Todavia, percebemos nele uma dedicação toda especial em seu
relacionamento com o Senhor. Daniel foi colocado pelo Senhor em um lugar
estratégico, posição cobiçada por todos aqueles que almejavam prestígio e riqueza no
reino da Babilônia, dos medos e dos persas. Juntamente com Misael, Hananias e
Azarias, foi transportado de Jerusalém para a Babilônia, por ordem expressa de
Nabucodonosor, para compor um parlamento de jovens sábios e estudados,
representantes de todas as nações conquistadas pelo imperador babilônico. Seus
oficiais receberam ordem de alimentá-los com as finas iguarias da mesa real,
alimentos que jamais seriam concedidos a cativos. Os crentes da atualidade,
possivelmente, olhariam para tal oferecimento como uma bênção do Senhor para
diminuir os seus sofrimentos. Todavia, a postura de Daniel e seus companheiros foi de
não se contaminar com as iguarias da mesa do rei. Havia três problemas com isso: 1)
Comer de alimentos considerados imundos segundo a lei de Moisés, 2) a forma de
prepará-los, e, ainda 3) associar-se a incircuncisos. A vida de Daniel nos aponta duas
práticas importantes na vida de um líder levantado por Deus.
1.1 Apego à Palavra e Não às Riquezas
Aparentemente, Daniel foi considerado o assessor especial, o mais sábio em
quatro reinados distintos: três reis babilônicos – Nabucodonosor, Nabonido e Belsazar
– e o rei persa – Dario. Sua atuação no reino da Babilônia se destacou no período de
Nabucodonosor e seu neto Belsazar. Nabonido parece não ter dado o mesmo crédito
a Daniel que seu pai havia dado. Esse fato, que passa despercebido em uma leitura
superficial, mostra algo muito importante: Daniel teve que ser reconhecido em cada
reinado que assessorou. Em outras palavras, as interrupções causadas entre
Nabucodonosor e Belsazar, por Nabonido não ter dado a devida importância a Daniel,
e entre Belsazar e Dario, por este ser persa, exigiu que Daniel fosse, em cada reino,
reconhecido como um sábio muito acima dos outros. Ele se destacava naturalmente,
por causa da presença de Deus nele, vista em sua vida ilibada. Sua fidelidade,
lealdade e dedicação ao Senhor eram tamanhas, a ponto de seus inimigos, invejados
de sua projeção e influência no império, reconhecerem que era necessário corromper
a lei, pois aquele homem Daniel era incorruptível. Perceberam que não encontrariam
erro nele, a menos que levassem o rei a promulgar alguma lei que afrontasse,
visivelmente, a lei do seu Deus.
É notável o exemplo desse nosso irmão do passado. A leitura que faz das
riquezas que lhe são oferecidas é sempre a mesma: não tirar proveito material ou
financeiro de nenhuma situação que possa, de alguma forma, diminuir a distância que
separa o seu procedimento daquele visto nos homens sem Cristo. Ao declarar que
poderia solucionar o enigma da escritura na parede, algo que deixou Belsazar
assombrado, o rei quis cumulá-lo de riquezas, descritas na forma de ricas vestes,
cadeias de ouro no pescoço e ser o terceiro em seu reino (5.16). A reação de Daniel é
assim descrita: “Então, respondeu Daniel e disse na presença do rei: Os teus
presentes fiquem contigo, e dá os teus prêmios a outrem; todavia, lerei ao rei a
escritura e lhe farei saber a interpretação” (5.17). O apego a Deus é inversamente
proporcionou ao apego às riquezas deste mundo. Receber qualquer donativo, como
forma de gratidão por algo realizado por Deus, poderia soar como alguma forma de
pagamento. O líder cristão deve amar e almejar, acima de tudo, o reino dos céus,
“porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21). Jamais
se negocia qualquer princípio das Escrituras. Às vezes, em nome da praticidade, da
modernidade, do “amor” a alguém, deixa-se a obediência a Deus de lado. Sem a
obediência, não há comunhão com Deus. O que vemos atualmente, é que todo crente
tem o seu preço. Ele assume postura fiel até o momento em que não lhe é oferecido
algo que ele muito queira. O líder cristão, por reconhecer como único tesouro o reino
de Deus, não poderá ser confrontado com qualquer coisa que o faça colocar, em
segundo lugar, o Senhor.
1.2 Vida de Oração Diária
Daniel era um homem de oração. Seguindo aquilo que havia predito o rei
Salomão na consagração do templo, prevendo que o povo se viria a se desviar e seria
desterrado, mesmo no cativeiro, ao orar voltado para aquela casa, o Senhor ouviria as
suas súplicas (2Cr 6.36-39). Sabedor dessa promessa, sendo homem fiel, três vezes
ao dia, colocava-se de joelhos, janelas abertas em direção à Jerusalém, e derrama
seu coração em gratidão e súplicas a Deus (Dn 6.10). É impressionante constatar a
serenidade e a firmeza com as quais Daniel, simplesmente, continua sua vida piedosa,
mesmo afrontando contrariamente aquilo que a lei dos homens lhe exigia. Sem
nenhum abalo, ou mesmo, precauções covardes, sem se omitir, de janelas abertas,
como costumava fazer, orava Àquele que é muito maior do que os homens. Daniel não
permitia que nada viesse a se interpor entre ele e seu Deus: nada era mais importante
do que estar concentrado durante longos momentos na presença do seu Senhor. Era
exatamente esse apego à comunhão bendita da oração que levava aquele homem a
olhar para a morte como sendo algo secundário. Em outras palavras, a verdadeira vida
só poderia ser experimentada na presença contínua de Deus; morte era estar afastado
do Senhor. Prolongar a vida física sem poder buscar a presença de Deus era, para
Daniel, prolongar o estado de morte. Era melhor morrer e viver, do que viver e morrer.
Daniel sabia que a vida de oração era vital e imprescindível. Reservava três
momentos diários para a busca da face do seu Senhor. Os judeus procuravam
associar suas orações aos sacrifícios diários no templo, à terceira, sexta e nona horas
(9h, 12h, 15h), acreditando que as orações subiam ao trono de Deus junto com a
fumaça das vítimas queimadas. Daniel atribuía tempo diário à oração por saber que,
juntamente com a meditação nas Escrituras, constituem-se nas práticas mais
importantes da vida do homem. O crente verdadeiro sabe que, se tivesse que optar
entre alimentar o corpo ou a alma, optaria por alimentar a alma. A obesidade tem se
constituído em um dos maiores problemas de saúde de nossos dias, mas a vida
espiritual dos crentes mostra-se raquítica pela falta do maná diário na comunhão do
Senhor. Falta ao líder hodierno entender que ele pode deixar de fazer qualquer coisa
por falta de tempo, menos buscar a comunhão com Deus em, ao menos, um período
diário de oração. Não há momentos determinados para isso. Talvez, haja algum mais
próprio. A experiência de Davi parece ter sido buscar a face do Senhor pela manhã,
com especialidade (Sl 5.3). Contudo, o que se espera do líder é a busca da comunhão
íntima com Cristo em caráter diário, um período de tempo que atribua,
especificamente, a isso. Um líder que não ora não está preparado para estar à frente
do povo de Deus. É um oficial que não recebe instrução do general.
2. UMA VIDA CONSISTENTE
Outro ícone da fidelidade nas páginas do Antigo Testamento é o profeta Elias.
Era reconhecido pelos judeus como o maior dos profetas de Israel, possivelmente, por
sua fidelidade, os sinais que realizou, e o fato de ter sido arrebatado ao céu. Na
transfiguração, Elias representa o apoio de todos os profetas a Cristo (Mt 17.3). Deus
o chama e o responsabiliza por profetizar contra a casa de Acabe. Este foi,
possivelmente, o rei mais ímpio que já passou por Israel. Casou-se com Jezabel, uma
adoradora de Baal, filha de Etbaal, rei de Sidom, uma das principais cidades da antiga
Fenícia. O casal é sinônimo de impiedade, imoralidade e paganismo nas Escrituras.
2.1 Sintonia Conjugal
Sem nenhuma intenção de diminuir a culpa do rei em tropeçar e fazer desviar a
Israel, é notório que seu casamento com Jezabel foi decisivo para a total corrupção de
Acabe. Como adoradora de Baal, ela praticava sexo como forma de culto ao seu deus,
envolvendo na sensualidade, de tal forma, o marido, que este se viu completamente
dominado. Aquele que estava à frente do povo que tinha uma aliança com o Deus
verdadeiro, acabou por estabelecer, como religião do reino, a adoração a Baal. O
exemplo negativo de Acabe destaca, para todos nós, a importância do casamento na
vida daqueles que são chamados para estar à frente do povo de Deus. É condição
sine qua non que haja uma sintonia entre o casal, para que andem juntos na mesma
direção, na fidelidade e no progresso do reino. Embora de forma inversa no propósito
e no modelo, a unidade entre Jezabel e Acabe cimentou a liderança deles no reino. No
modelo cristão, o marido lidera o lar, tendo a esposa como assessora, e, as Escrituras,
como única regra de fé e prática. Daí a importância da vida devocional do casal.
Diariamente, marido e mulher devem orar juntos, buscando a face de Deus. A
comunhão sincera com Cristo, juntos, será o fator decisivo para que todas as
barreiras, rusgas e atritos acumulados durante o dia, caiam por terra. O líder que vive
um casamento dividido estará sempre em metade à frente do povo. Sentir-se-á só,
desconfortável, enfraquecido, às vezes, hipócrita, por pregar o evangelho que ele não
está vivendo.
2.2 Vive a Comunhão com Deus
A vida de Elias nos chama a atenção para um fato importante. Parece que os
crentes têm uma noção errada do que seja vida devocional. Conquanto seja
incontestável a necessidade de estabelecer tempo diário para regrar a vida com
momentos específicos de devoção a Deus, a comunhão não se limita àquele tempo.
Aparentemente, a igreja busca experimentar comunhão com Cristo apenas nos
momentos especificamente destinados a isso. Entretanto, ao olhar a vida do profeta,
percebemos o quanto desfrutava de comunhão com Deus em todos os momentos.
Certamente, foi obediente à ordem de Deus de vaticinar contra Acabe. Todavia, o que
lhe conferia total confiança no cumprimento de sua tarefa, não foi coragem humana,
mas saber que o Senhor se fazia presente. O Deus verdadeiro era a base da vida do
profeta. São três coisas importantíssimas que vemos na declaração de Elias (1 Rs
17.1):
a) Deus é vivo e atuante: o profeta declara sua fé no Senhor invisível que atua
de forma irresistível, distinguindo-O dos ídolos visíveis, mas que nada fazem. Tal
certeza levou o profeta a comparecer perante aquele que abominava ao Deus
verdadeiro para declarar-lhe punições por causa da quebra da aliança.
b) Descanso no favor pactual de Deus: Elias sabia que estava sendo fiel a um
pacto que Deus havia estabelecido com o povo. A fidelidade do Senhor é vista na vida
daqueles que vivem de forma obediente. O profeta também sabia que a obra não era
sua, mas de Deus. Longe de utilizar isso como forma de desculpar a própria
negligência e desinteresse como fazem muitos em nossos dias, Elias via nisso motivo
dobrado para uma dedicação contínua, com temor e tremor, descansando no fato de
que Deus faz a obra e ninguém pode deter ou retardar a Sua mão. A mesma
consciência tinha Paulo, ao declarar que seu apostolado acontecia “por vontade de
Deus” (Ef 1.1).
c) Certeza da presença pessoal do Senhor – comunhão contínua e
inquebrável: Muito nos impressiona a fé inabalável de Elias em se ver plenamente na
presença pessoal do Senhor. Diante do rei, sabia que a presença mais importante ali
era Deus e não Acabe; o temor naquela situação não era o mal que Acabe poderia
fazer, mas o Deus santo que acompanhava o profeta. A expressão “cuja face estou”
demonstra o grau de intimidade e proximidade que Elias reconhecia desfrutar com o
Senhor. A comunhão que começamos em casa, na vida devocional diária, é o motor
de tudo o que fazemos, como líderes cristãos, à frente do povo e no dia-a-dia, em
nossos afazeres. É vital que nos sintamos, constantemente, na presença de Deus, em
todos os momentos. Só assim nos sentiremos conduzidos e orientados pelo Senhor,
tendo segurança para viver, decidir e liderar dentro da vontade revelada por Deus.
CONCLUSÃO:
O cristianismo está em franca decadência, mas não a igreja de Cristo. Esta
segue o caminho predeterminado de afastamento e apostasia, sinais do retorno do
Senhor. Todavia, não somos chamados ao fatalismo, ou seja, a assistirmos a
derrocada de todos os princípios cristãos e de denominações evangélicas inteiras. O
que Deus quer de nós é que façamos a nossa parte no mundo em que vivemos. Tudo
começa com a vida devocional diária com Deus. Ainda mais, como líderes, somos
modelo de piedade, assim como Daniel, reconhecido como homem que conhece a
vontade revelada de seu Deus, fiel e dedicado à oração. Só seremos bênção para a
igreja e autênticos líderes se desfrutarmos de intimidade com o Senhor. Como Josué
deixa claro, é importante que o povo veja a presença de Deus em seu líder para que
sinta segurança em sua liderança. O próprio Deus mostrou isso aos israelitas,
dividindo o Jordão sob a liderança de Josué, repetindo o sinal que havia realizado
através de Moisés, no Mar Vermelho. Deus cumpriu aquilo que havia sito a Josué:
“Ninguém te poderá resistir todos os dias de tua vida; como fui com Moisés, assim
serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei... Tão somente sê forte e mui
corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te
ordenou... Não cesses de falar deste Livro da Lei, antes, medita nele dia e noite...
então, farás prosperar o teu caminho e serás bem sucedido” (Js 1.5, 7, 8). Sigamos
estas recomendações dadas por Deus a Josué.
Rev. Jair de Almeida Júnior
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