REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® Por nossas cidades sustentáveis? O caso da instituição da Região Metropolitana da Baixada Santista Resumo: Este trabalho apresenta reflexões sobre o federalismo brasileiro, o direito ambiental, o direito urbanístico. Trata da autonomia municipal e a sua persistência quando das instituições de regiões metropolitanas. Refere dados históricos da instituição jurídica da Região Metropolitana da Baixada Santista e conclui pela pertinência da criação das regiões metropolitanas como fator facilitador para a constituição das cidades sustentáveis. Palavras-chave: federalismo - direito ambiental - direito urbanístico - regiões metropolitanas - autonomia municipal – cidades sustentáveis. Abstract: This paper presents reflections on Brazilian federalism, environmental law, urban law. This municipal autonomy and its persistence when the institutions of metropolitan areas. Refers historical data of the institution's legal metropolitan area of Santos and concludes the relevance of the creation of metropolitan regions as a facilitating factor for the creation of sustainable cities. Keywords: federalism - environmental law - urban law - metropolitan areas - municipal autonomy - sustainable cities. INTRODUÇÃO As considerações aqui apresentadas se baseiam na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 – CRFB/ 88; na Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 1989 – CESP/ 89; na doutrina jurídica pátria majoritária, concernente aos temas afeitos aos ramos do direito referidos como Direito Ambiental e Direito Urbanístico, e nos seus princípios. Outrossim, apresenta, após sucinto panorama jurídico, reflexões sobre a autonomia municipal nas regiões metropolitanas e dados históricos do estabelecimento da região metropolitana da baixada santista, a jeito de, por derradeiro, entender a sua importância para a concretização das cidades sustentáveis. 1. O FEDERALISMO BRASILEIRO O federalismo como forma de organização político-administrativa descentralizada de governo que prevê a autonomia e a auto-organização dos entes federados, tem sua previsão no art. 1º da CRFB/ 88: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”...[1] e tem garantida sua estabilidade, constitucionalmente, no art. 60, parágrafo 4º: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;”(...)[2] Nos dizeres do mestre José Geraldo Brito Filomeno: “Federação é a união permanente e indissolúvel de Estados autônomos, mas não soberanos, sob a égide de uma Constituição, sendo certo que, entre eles, já há uma repartição interna de atribuições governamentais, sendo-lhe vedada, porém, a secessão.” ([3]– p. 87) “Caracteriza-se a federação... pela coexistência de poderes de esferas diversas, e na qual se observa uma descentralização política e administrativa.” ([4] – 89) “... nas federações pressupõe-se a desconcentração do poder político, o que significa que em cada unidade federada ... as funções governamentais tripartem-se em legislativas, executivas e judiciárias...” ([5] – 89) A experiência histórica de divisão do território em departamentos, com poderes administrativos, sob a orientação de delegados do poder central já fora intentada por Napoleão Bonaparte, na França; mas o Estado Federal, como hoje o conhecemos, adveio da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, de 1787. Registre-se, porém, que o modelo norte americano de Estado Federal expressou a união das 13 Colônias inglesas, independentes; ou seja, originou-se de um movimento concêntrico, pois buscaram unir-se para lutar por objetivos comuns. Em festejada obra do doutrinador Dalmo de Abreu Dallari, tem-se que consistem características fundamentais do federalismo: “- a base jurídica do Estado Federal é uma Constituição, não um tratado; - não há direito de secessão[6]; - só o Estado Federal tem soberania; - as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas pela Constituição, por meio de uma distribuição de competências; - a cada esfera de competências se atribui renda própria; - a cada competência atribui-se um encargo; - a autonomia política se concretiza na disposição de recursos próprios; - cidadania única a todos sob um mesmo Estado Federal” (IN : Elementos de Teoria Geral do Estado. 26ª Ed. São Paulo: Saraiva.2007) Embora o federalismo brasileiro tenha nesse federalismo sua inspiração, historicamente o movimento deu-se de modo contrário, ou seja, o poder central buscou atrair as várias províncias, depois estados-membros, que configuravam um movimento excêntrico. Embora instituído desde a primeira Constituição da República, no Brasil, o federalismo passou por momentos distintos ao longo da história, oscilando momentos de maior ou de menor grau de descentralização. Em 1985, após o longo período da vigência do governo militar – implantado a partir do golpe militar de 1964 – foi convocada nova Assembléia Nacional Constituinte, responsável pelo texto da CRFB/ 88, vigente, que manteve o princípio federativo como norteador da forma do Estado Brasileiro, com seus ideais de descentralização político-administrativa, inovando ao incluir, entre os entes federados, os municípios. Assim, as competências repartem-se entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme referido art. 1º da CRFB/ 88. Deste modo, não mais os Estados têm o poder de criar e organizar os Municípios. Esses também assumem as características dos demais entes federados, a saber: auto-organização, autogoverno e autoadministração. Conforme ensinamento de Alexandre de Moraes, tem-se que: “Dessa forma, o município auto-organiza-se através de sua Lei Orgânica Municipal e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos Federal e Estadual; e, finalmente, auto-administra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal”[7] Ressalvadas as divergências doutrinárias sobre a condição de entre federativo do município, notadamente entre José Afonso da Silva[8] e Luiz Alberto David Araujo / Vidal Serrano Nunes Junior[9], conclui-se, em consonância com Pedro Estevam Alves Pinto Serrano[10], estar o município incluso no rol dos entes federados pela CRFB/ 88, uma “singularidade substancial”, a aparecer como membro efetivo da ordem federal, com autonomia administrativa e legislativa. A autonomia das unidades federativas é pedra basilar da noção de Estado Federal e pressupõe a repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. As competências, na definição de José Afonso da Silva (7), são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções. A geração do equilíbrio fundamental para o sistema federativo é garantida, pela CRFB/ 88, quando fixa um sistema que combina competências exclusivas e privativas com competências comuns e concorrentes. A repartição de competências entre os entes federativos, adotada pela CRFB/ 88, alicerça-se no princípio da predominância do interesse, sendo que concerne à União as competências de predominância de interesse geral (arts. 21 e 22, CRFB/ 88), aos Estados, as de predominante interesse regional (art. 25, parágrafo 1º, CRFB/ 88) e aos municípios, as de predominante interesse local (art. 30, CRFB/ 88) com diferenciação apenas quanto ao Distrito Federal, a acumular as competências regidas pelas predominâncias dos interesses regionais e locais ( art. 22, XVII da CRFB/ 88). Note-se que a distribuição das competências busca a realização efetiva dos objetivos do federalismo, quais sejam: manutenção do equilíbrio entre os entes federados; autonomia de cada um deles e eficiente prestação de serviços por parte do Estado. 2. O FEDERALISMO BRASILEIRO E A AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS “Etimologicamente, o termo Município deriva da palavra latina municipium, resultado da combinação de capere (tomar, manter) e múnus (encargos, ônus)”, nos dizeres de Aderson de Menezes[11] O município, local em que vivem as pessoas, consistente na organização primária e nuclear, historicamente vivenciou momentos de maior ou de menor autonomia, notando-se que em momentos de maior democracia teve sua autonomia aumentada. A CRFB/ 88, nas palavras de Paulo Bonavides[12], inovou, garantindo plena autonomia ao município, não sendo conhecida nenhuma forma de união federativa contemporânea em que o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alta e expressiva. A esta altura, José Afonso da Silva[13], ao comentar sobre a autonomia municipal, a define como a “capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, e estaria a ser resumida em quatro capacidades: - capacidade de auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; - capacidade de autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores; - capacidade normativa própria, ou capacidade de autolegislação, mediante a elaboração de leis municipais sobre áreas às quais lhes tenham sido reservadas competências exclusiva e suplementar; - capacidade de autoadministração, materializada na administração própria com o propósito de prestar e manter os serviços de interesse local. O legislador constituinte originário garantiu aos municípios a capacidade de se auto-organizar por meio de uma lei orgânica municipal, explicada por Pedro Estevam Alves Pinto, como “o meio pelo qual o município funda seu próprio subsistema jurídico, organizando-se como pessoa política de Direito Público, sendo vetada a produção de normas em seu interior contrárias à Constituição Federal e Estadual e sobre matérias de competência legislativa exclusiva da União ou do Estado-Membro.”[14] 3. A REGIÃO METROPOLITANA DA BAIXADA SANTISTA O constituinte federal originário facultou aos estados-membros a criação de unidades regionais e, embora tenha definido como suas espécies a região metropolitana, a aglomeração urbana e a microrregião, não as conceituou. Portanto, o constituinte estadual paulista adotou como critérios para conceituar a região metropolitana a assumida expressão nacional, em razão de alta densidade demográfica, a significativa conurbação e a existência de funções urbanas e regionais comuns, com alto grau de diversidade, especialização e integração, assim justificando-se o planejamento integrado e a ação conjunta dos entes públicos envolvidos nessa determinada região geográfica. Pela Lei Complementar de Nº 760/ 1994, consoante ao mandamento constitucional, o legislador paulista estabeleceu diretrizes para a ordenação regional do Estado de São Paulo, as funções de interesse comum, passíveis de planejamento integrado como sendo as de planejamento, uso e ocupação do solo; transporte e sistema viário regionais; habitação; saneamento básico; meio ambiente; desenvolvimento econômico e atendimento social. Segundo dados da Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Governo do Estado de São Paulo, em 2008, esse estado-membro já contava com três regiões metropolitanas constituídas, abrangendo 67 municípios, a saber: 1.1. REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO a englobar 39 municípios, inicialmente constituída pela Lei Complementar Federal 14 de 1973, ainda sob a égide da Constituição Federal anterior, a posteriori foi institucionalizada pela Lei Complementar Estadual Nº 94 de 1975. [vide[15]]. 2.2. REGIÃO METROPOLITANA DA BAIXADA SANTISTA, formada por 09 municípios, primeira região metropolitana a ser criada no país após o advento da CRFB/ 88 e os novos modelos adotados pelas constituições estaduais. Foi criada pela Lei Complementar Nº 815 de 1996, que autorizou o poder executivo a criar o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada – CONDESB e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano da Baixada Santista – FUNDESB. Em 1988 a Lei Complementar Nº 853 criou a AGEM – Agência Metropolitana da Baixada Santista. 3.3. REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS, com 19 municípios, criada pela Lei Complementar Estadual Nº 870 de 2000, autorizou o poder executivo a instituir o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas – CONDESC e o Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Campinas – FUNDEC. A Agência Metropolitana de Campinas – AGEMCAMP foi criada em 23 de setembro de 2003, por intermédio da Lei Complementar Nº 846. A Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS – foi a pioneira a não envolver uma capital de estado-membro entre os municípios integrantes do arranjo regional. Embora institucionalizada pela Lei Complementar Nº 815 de 1996, as negociações para a sua criação são antigas, pois desde os anos 60 do século passado a região já apresentava os problemas típicos da conurbação, como a divisão funcional do papel das cidades que integram a aglomeração, a migração pendular entre os municípios e a forte dependência de ações integradas entre os municípios e o Estado para a solução dos empecilhos de infra-estrutura como os de transporte, saneamento básico, meio ambiente, habitação, dentre outros. Até as décadas 60/ 70 do século XX a definição da Baixada Santista como unidade regional de tipo administrativo fora objeto de dois decretos do Executivo Estadual – Decretos Nº 48.162 e Nº 48.163, de 03/07/1967 – quando a região foi incluída no trecho corresponde ao conjunto do Litoral Paulista integrante da unidade regional designada como São Paulo Exterior, que incluía também as regiões de Jundiaí e Bragança Paulista, áreas essas que, da mesma forma que a Baixada Santista, apresentavam fortes vínculos funcionais com a Grande São Paulo. Esse cenário durou até o ano de 1970, quando pelo Decreto Nº 52.576, de 12 de dezembro, a Baixada Santista voltou a integrar a unidade regional do Litoral. Em 1971, foi realizado o primeiro trabalho sistemático na região sobre suas questões específicas, expresso na publicação de um Relatório realizado pela Comissão de Estudos sobre a Metropolização da Baixada Santista – CEMBS. Essa CENBS fora instituída por um Decreto Municipal, em 4 de agosto de 1971, pelo então interventor federal em Santos, General Clóvis Bandeira Brasil. Essa Comissão era formada por um representante indicado pelo Poder Executivo e um outro representante indicado pelo Poder Legislativo de cada um dos municípios integrantes da Baixada Santista, a saber: Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Praia Grande; e um representante dos seguintes organismos: Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - ADESG; Rotary Club de Santos; Secretaria de Economia e Planejamento do Estado e Serviço Federal de Habitação e Urbanismo do Ministério do Interior – SERFHAU. Note-se que dentre os objetivos da CEMBS, já outrora, aparecia a necessidade de estudos sobre um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Baixada Santista, que coordenasse as repercussões, no âmbito metropolitano, das atividades programadas pelo Estado e pela União, de impacto regional, como a Rodovia Rio - Santos (Br 101); a Rodovia dos Imigrantes; a melhoria e ampliação do Porto de Santos; os incentivos fiscais previstos pela EMBRATUR, para citar alguns. Em 1973, a União instituiu por meio da Lei Complementar Nº 14, as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza, sendo que a Região da Baixada Santista, embora nutrisse expectativa nesse sentido, não fora, então, instituída. Os municípios da Região da Baixada Santista continuaram se articulando no sentido da instituição da Região Metropolitana da Baixada Santista e, em 1976, fora realizado o estudo “A instituição de um Órgão Intermunicipal para a Baixada Santista - O Princípio da Metropolização”, pela Prefeitura Municipal de Santos, com o objetivo de oferecer subsídios para a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Integrado de Santos. Surgira a hipótese de criação de um Consórcio Intermunicipal para a resolução dos problemas comuns, através de um convênio entre os Municípios e o Estado, todavia, sem auferir resultados significativos. A partir dos anos 80 teve início um movimento coordenado pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo - CIESP - e pelo Centro de Integração e Desenvolvimento Empresarial da Baixada Santista designado Campanha de Integração Regional – Metropolização da Baixada Santista. Essa Campanha de Integração Regional – Metropolização da Baixada Santista foi desenvolvida em duas frentes: - Gestões junto aos Prefeitos Municipais para que fosse constituída a Associação dos Municípios da Baixada Santista; - Formação da Associação Promotora da Metropolização da Baixada Santista - PRÓ-METRO – que viria a ser a entidade representativa da sociedade civil da região para lutar pela institucionalização da Região Metropolitana. Em 1984 foi elaborado um manifesto das entidades comunitárias, subscrito por 16 entidades, que obteve significativo destaque na imprensa local, que noticiou, por algum tempo, diariamente, as atividades de mobilização, além de publicar entrevistas de expoentes das comunidades locais, a defenderem a necessidade da criação da Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS. Nesse mesmo período o Governo do Estado de São Paulo organizou seu território em “Regiões de Governo”, assumindo a Baixada Santista a delimitação territorial próxima à adotada quando da criação da Região Metropolitana. A primeira iniciativa concreta no sentido da institucionalizar a Região Metropolitana da Baixada Santista sob os novos preceitos constitucionais deu-se entre o segundo semestre de 1989 e o primeiro de 1990. Então, a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S.A. - EMPLASA - preparou proposta completa, incluindo a minuta de Lei Complementar, para a criação da RMBS, ao lado de propostas similares para a criação das Regiões Metropolitanas da Grande São Paulo e Campinas, da Aglomeração Urbana de Jundiaí e da Microrregião Bragantina. Considerando que havia uma lacuna legislativa – ausência de lei-quadro, de caráter complementar à Constituição Estadual - definindo os critérios, procedimentos e bases conceituais e institucionais gerais para a criação de unidades regionais, do acima referido não deram-se os desdobramentos que se esperava. Em dezembro de 1992, os prefeitos eleitos nas cidades que agora compõe a RMBS se reuniram em busca de soluções aos problemas comuns e elegeram como temas prioritários: transporte coletivo, saúde, educação, destinação final do lixo, turismo, balneabilidade das praias, saneamento básico e habitação. Note-se que, dos temas propostos, três guardam relação direta com o meio ambiente natural (destinação final do lixo, balneabilidade das praias e saneamento básico) e ao menos dois, indireta (turismo e habitação). No início dos anos 90 do século passado fora criada a Coordenadoria Regional de Metropolização - COREME - órgão intermunicipal composto por representantes técnicos de cada uma das prefeituras que hoje compõe a RMBS - com o objetivo de assessorar os prefeitos nas questões de âmbito regional e de formalizar uma pauta de prioridades a ser encaminhada ao Governo Estadual. Em 1993 os prefeitos da região corroboraram pela presença do Estado nas discussões temáticas além da criação de um Conselho Extraordinário para construir soluções aos problemas comuns, enquanto tramitava na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de lei que iria institucionalizar novas regiões metropolitanas. A promulgação da Lei Complementar Nº 760, em 1º de agosto de 1994, trouxe as diretrizes para a organização regional do território, criando um Sistema de Planejamento Regional e Urbano, sob a coordenação da Secretaria de Planejamento e Gestão, com as finalidades de incentivar a organização regional. Deu-se a instituição da Região Metropolitana da Baixada Santista como unidade regional do Estado de São Paulo, constituída pelos Municípios de Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente, com a promulgação da Lei Complementar nº 815, de 30 de julho de 1996. Para a viabilização da governança metropolitana na RMBS foram criados o Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista - CONDESB, pelo Decreto Estadual Nº 43.361 de 27/11/96 e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano da Baixada Santista - FUNDO, sob gestão do CONDESB, com caráter normativo e deliberativo, respondendo pelos assuntos inerentes aos interesses comuns da RMBS. As funções públicas de interesse comum da RMBS foram especificadas pelo CONDESB, dentro dos seguintes campos funcionais: “I - planejamento e uso do solo; II - transporte e sistema viário regional; III - habitação; IV - saneamento básico; V - meio ambiente; VI desenvolvimento econômico, e VII - atendimento social.” O CONDESB assumiu as atribuições: “I - definir as funções públicas de interesse comum entre os municípios e o estado; II - especificar os serviços públicos de interesse comum do estado e dos municípios, compreendidos nos campos funcionais referidos no artigo 7º, da Lei Complementar nº 760, de 1º de Agosto de 1994 e no artigo 5º, da Lei Complementar nº 815, de 30 de julho de 1996, bem como, quando for o caso, as correspondentes etapas ou fases e seus respectivos responsáveis; III - aprovar objetivos, metas e prioridades de interesse regional, compatibilizando-os com os objetivos do estado e dos municípios que o integram; IV - aprovar os termos de referência e o subsequente plano territorial elaborado para a respectiva região; V - apreciar planos, programas e projetos, públicos e privados, relativos à realização de obras, empreendimentos e atividades cujo impacto seja regional; VI - aprovar e encaminhar, em tempo útil, propostas regionais relativas ao plano plurianual, à lei de diretrizes orçamentárias e à lei orçamentária anual; VII - propor ao Estado e aos Municípios integrantes da RMBS alterações tributárias com finalidades extrafiscais necessárias ao desenvolvimento regional; VIII- comunicar aos órgãos ou entidades federais que atuem na unidade regional as deliberações acerca de planos relacionados com os serviços por eles realizados; IX - elaborar o seu regimento interno e suas alterações; X - deliberar sobre quaisquer matérias de impacto regional; XI - propor critérios de compensação financeira aos municípios metropolitanos que suportem ônus decorrentes da execução de funções ou serviços públicos metropolitanos; XII - constituir câmaras temáticas para as funções públicas de interesse comum e câmaras temáticas especiais, voltadas a um programa, projeto ou atividade específica, como subfunção entre as funções públicas definidas pelo colegiado, disciplinando o seu funcionamento; XIII - indicar os membros do Conselho para integrar o Conselho de Orientação do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano da Baixada Santista – FUNDO.” Essa Lei Complementar Nº 815/ 96 também autorizou o poder executivo estadual a criar uma autarquia para integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum na região. Advindos, eleição e posse do CONDESB, em 1997, foram constituídas as primeiras câmaras temáticas. Complementando o sistema de planejamento regional, em 23 de dezembro de 1998, através da Lei Complementar Nº 853, foi criada a Agência Metropolitana da Baixada Santista – AGEM, como entidade autárquica do Estado de São Paulo, com sede e foro em município da Região Metropolitana da Baixada Santista, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum na Região Metropolitana da Baixada Santista, desenvolvendo, para tanto, as seguintes atribuições: “I - arrecadar as receitas próprias ou as que lhe sejam delegadas ou transferidas, inclusive multas e tarifas relativas a serviços prestados; II - fiscalizar a execução das leis que dispõem sobre regiões metropolitanas e aplicar as respectivas sanções, no exercício do poder de polícia; III - estabelecer metas, planos, programas e projetos de interesse comum, bem como fiscalizar e avaliar sua execução; IV - promover a desapropriação de bens declarados de utilidade pública, quando necessário à realização de atividades de interesse comum; V - manter atualizadas as informações estatísticas e de qualquer outra natureza, necessárias para o planejamento metropolitano, especialmente as de natureza físico-territorial, demográfica, financeira, urbanística, social, cultural, ambiental, que sejam de relevante interesse público, bem como promover, anualmente, a sua ampla divulgação; VI - exercer outras atribuições que lhe sejam legalmente conferidas.” 4.4.A AUTONOMIA DOS MUNICÍPIOS E AS REGIÕES METROPOLITANAS O enfraquecimento político do regime militar, no Brasil, possibilitou, ao constituinte originário de 1988, que reconhecesse o Federalismo Cooperativo. Exemplo disso, no parágrafo 3º do art. 25 da CRFB/ 88, há a atribuição, aos estados-membros, da competência para criar as regiões metropolitanas, com a seguinte redação: “(...) Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.[16] Essa maneira de redigir trouxe substanciais inovações, como a ampliação do número de figuras correspondentes às unidades regionais, formalizando as categorias das aglomerações urbanas e microrregionais, além da agremiação referida como região metropolitana. O texto constitucional também formulou de modo rigoroso a figura da finalidade a que se destina a organização regional como sendo a de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Observe-se que a outorga do direito de instituição das regiões metropolitanas aos estados-membros por meio de lei complementar estadual não conferiu, a essas, a categorização de ente federativo. Desse modo, a instituição das regiões metropolitanas consiste numa forma de descentralização meramente administrativa; e não descentralização política. A implantação de uma Região Metropolitana tem objetivo funcional – de integrar os municípios na organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum – garantida aos Municípios a participação nas decisões que envolvam essas funções. O entendimento dos Tribunais tem se apresentado no sentido de reconhecimento do interesse metropolitano, comum aos municípios que integram a Região Metropolitana, se sobrepondo aos interesses locais. A ilustrar, refira-se um julgado do TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Licitação referente à linha “4” do metrô – não ocorrência de usurpação da competência municipal, por se tratar de obra que atinge a Região Metropolitana – Estado age por expressa atribuição constitucional – Decisão mantida e agravo improvido” (AI Nº 535.562 -5/9, Relator: Des. João A. de Vincenzo, Órgão Especial, julgado em 28/11/2006). Ressalte-se que a autonomia municipal está prevista nos arts. 29, 30 e 31 da CRFB/ 88 e essa autonomia relaciona-se com a competência do município, sendo que na questão metropolitana, na qual múltiplos governos autônomos estão envolvidos, a questão deverá ser tratada de modo que os interesses regionais e locais se interrelacionem, culminando “... em matéria urbanística e em relação à prestação de serviços de interesse comum, de caráter regional, o Município metropolitano tem, pela atual Constituição, o poder de regulá-los em nível local, supletivamente, naquilo que couber em relação ao interesse local, obedecidas as diretrizes e parâmetros fixados em nível estadual e federal”.[17] Com a criação de uma Região Metropolitana, há o deslocamento, para regular sobre determinadas matérias, do plano local para o plano regional, porque essas matérias deixaram de ser tratadas com racionalidade e objetividade a nível local, somente reencontrando esse modo de tratamento em nível regional. Assim, retomando o princípio da prevalência do interesse, a nortear o texto constitucional, tem-se que preservada está a autonomia do município quanto ao trato dos interesses locais, pois são os interesses afeitos à comunidade regional que têm sua gestão deslocada, mas compartilhada. Relembrando que somente a Constituição Federal pode definir e configurar as competências dos entes federados, conclui-se que a autonomia municipal não esta a ser restringida pela superveniência da instituição de Região Metropolitana. E, por derradeiro, embora compita ao legislador estadual a criação da Região Metropolitana, não lhe cabe formular dispositivos ou diplomas relativos a ela, o que configuraria usurpação, pelo estado-membro, de competências afeitas, constitucionalmente, ao ente município. 5. Conclusão A finalidade do Direito Positivo é a regulação das condutas das pessoas naturais e jurídicas, públicas ou privadas, na busca dos objetivos fundamentais da República, notadamente a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação, conforme CRFB/ 88, nos incisos do art. 3º. Portanto, a compreensão das cidades e das regiões metropolitanas constituídas por elas é de supra importância, pois constituem o locus da vida humana em sociedade, no qual as desigualdades se exacerbam, pois mesmo os centros econômicos mais dinâmicos têm suas periferias abrigadas pelas populações mais pobres e marginalizadas dos processos formais de geração de emprego e de renda. Assim, tendo em vista que a presença do poder público deve sempre objetivar a qualidade de vida das pessoas, há de servir-se das ferramentas do Direito Ambiental e do Direito Urbanístico, em busca da promoção do desenvolvimento sem comprometer o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as atuais e futuras gerações. A instituição das regiões metropolitanas está consoante com o direito constitucional brasileiro, não ferindo a autonomia dos municípios envolvidos, tanto que, como demonstrado nesse estudo, acolhendo em tela o caso da criação da Região Metropolitana da Baixada Santista, encerra estar demonstrado que consistiu numa conquista regional, pois houve pertinência da somatória de esforços para a busca da consecução do bem comum, que envolve a construção da convivência harmônica entre os entes federados e as várias esferas ambientais, a garantir os direitos intergeracionais. As cidades sustentáveis, previstas como direito de todos, tanto na CRFB/ 88, como no Estatuto das Cidades – Lei Nacional Nº 10.257/ 2001 – dependem da integração dos Planos Diretores [obrigatórios para as cidades com mais de 20 mil habitantes ou para as cidades integrantes de regiões metropolitanas (incisos I e II do art. 41 do Estatuto das Cidades)] a criar as condições propícias à gestão regional integrada, assim viabilizando a participação de todos os entes envolvidos e da população no planejamento e na execução das funções públicas de interesse comum. Notas: [1] HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. acessado em: 6 jul. 2011. [2] HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. acessado em: 6 jul. 2011. [3] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1999, p.p. 87; 89. [4] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1999, p.p. 87; 89. [5] FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1999, p.p. 87; 89. [6] Lei Federal Nº 7.170 de 14.12.83, define crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento, estando em seu art. 1º a previsão de crime para condutas que lesem ou exponham a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional, dentre outros. [7] MORAES, Alexandre de. Op. Cit. P. 274 [8] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2008, p.p. 249-250. [9] ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p.p. 255-257 [10] SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu Regime Constitucional. São Paulo: Ed. Verbatim, 2009, p. 39 [11] MENEZES, Aderson de. Teoria Geral do Estado. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, p.3 [12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p.p. 311-314 [13] SILVA, José Afonso. Op. Cit. p.p. 620-621 [14] SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Op. Cit. p. 117 [15] recentemente, em 16 de junho de 2011, foi promulgada a Lei Complementar Nº 1.139, que reorganiza a Região Metropolitana da Grande São Paulo e cria o respectivo Conselho de Desenvolvimento. [16] HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. acessado em: 6 jul. 2011. [17] ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: novas dimensões constitucionais da organização do Estado brasileiro. IN: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (org.). Temas de Direito Ambiental e Urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 29.