OPINIÃO
O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem
JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
15/07/2014 - 01:51
Se a FCT considerasse que a avaliação tinha sido bem feita deveria ter ficado em estado de
alerta vermelho.
Nuno Crato sempre foi um crente no poder dos exames. Para Crato, basta colocar um exame
no final de um ciclo de ensino para se obter uma melhoria automática na qualidade desse ciclo
de ensino. Porquê? Porque o sistema se ajusta automaticamente a esse obstáculo e se
reorganiza de forma a superar essa prova.
Vem isto a propósito da avaliação das unidades de investigação, que está a ser levada a cabo
pela European Science Foundation (ESF) por encomenda da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT), instituição sob tutela de Nuno Crato, e onde os resultados da primeira fase
foram desastrosos para as unidades avaliadas. Das 322 unidades avaliadas, apenas 168
passaram à segunda fase de avaliação e, das restantes, 83 tiveram a classificação de “Bom”,
uma classificação fraca, que se traduzirá num financiamento residual, e 71 unidades foram já
excluídas de qualquer financiamento futuro. Esta avaliação deu origem a um clamor nacional
que não se limitou a contestar os resultados. Unidades de investigação e investigadores vieram
denunciar irregularidades várias nesta avaliação, como o facto de certas unidades terem tido
más avaliações apesar de os indicadores em que essa avaliação se baseou serem excelentes,
o facto de unidades avaliadas como excelentes nas avaliações anteriores terem sem
explicação passado a ser classificadas como fracas, o facto de muitos avaliadores fazerem
afirmações factualmente falsas sobre as unidades que avaliaram, o facto de as comissões não
possuírem especialistas de muitas das áreas que avaliaram, o facto de muitas das unidades
terem sido avaliadas por uma maioria de não-especialistas da área avaliada, o facto de ser
evidente um enviesamento ideológico em algumas das avaliações feitas, etc..
Se o objectivo da FCT e de Nuno Crato fosse fazer uma avaliação honesta das unidades de
investigação, qualquer uma destas reclamações deveria ter acendido uma luz vermelha e dado
origem a uma fiscalização rigorosa do processo. Mas não deu. Em resposta à chuva de críticas
documentadas que recebeu, a FCT veio apenas dizer que reitera “a sua total confiança na
robustez do exercício de avaliação das Unidades de Investigação” e que os critérios de
avaliação definidos “foram escrupulosamente cumpridos”.
Paremos para respirar.
Se a FCT considerasse, de facto, que a avaliação tinha sido bem feita, deveria ter ficado em
estado de alerta vermelho antes mesmo de receber as reclamações, no exacto momento em
que recebeu os resultados da primeira fase da avaliação. E deveria ter ficado alarmadíssima
porque estes resultados significam que metade das unidades de investigação do país são
medíocres, que um quarto deve ser objecto de execução sumária e que outro quarto vai ser
condenada a uma morte lenta – o que, seja qual for a razão, constitui um cataclismo de
proporções gigantescas, com impactos em todos os sectores da vida nacional. E deveria
também ter ficado alarmadíssima porque estes resultados contrariam frontalmente resultados
de avaliações anteriores, feitas sob a sua responsabilidade, que desenhavam uma panorama
muito diferente, o que significava que ela própria, FCT, tinha sido clamorosamente
incompetente. Mas não. A FCT parece considerar estes resultados como normais e esperados,
defende a avaliação e os avaliadores com unhas e dentes e não faz sequer nenhum
comentário sobre a substância da avaliação. E o mesmo faz aliás Crato, que desde a sua
tomada de posse parece ter tanto a ver com a investigação portuguesa como o pato Donald.
Imaginemos, por um momento, que o presidente da FCT, Miguel Seabra, está de boa-fé e
considera que a ESF fez bem o seu trabalho e que, por conseguinte, metade da investigação
portuguesa deve ir para o lixo. O que seria normal que a FCT fizesse? Miguel Seabra parece
esquecer-se de que a FCT é responsável pela investigação nacional e que lhe compete
garantir a gestão e o desenvolvimento do sistema. Se Miguel Seabra acha que metade do
sistema está podre, deveria lançar uma operação de emergência para o recuperar e tentar
envolver nela todos os parceiros necessários – em vez de o deitar para o lixo de uma penada.
Trata-se de organizações, de pessoas, de investimentos e de saber acumulado que constitui
um património nacional. Mas é possível que, tal como Crato, Seabra pense que, para melhorar
um sistema, basta colocar um exame no fim, chumbar o máximo de avaliados e esperar a
resposta automática. Dá certamente menos trabalho e uma grande quantidade de chumbos
pode dar uma ideia de exigência.
De uma coisa podemos ter a certeza: a contratação de uma grande organização internacional
não é garantia de qualidade. Mas é natural que, também quanto a isto, Miguel Seabra tenha
uma opinião diferente, já que foi recentemente eleito presidente da Science Europe, a
organização que vai suceder à European Science Foundation que ele contratou.
[email protected]
Download

O prédio está a cair, mas a FCT diz que está tudo bem