«Pessoas por quem tenho imenso respeito pediram-me que tecesse algumas considerações sobre a potencial dimensão educativa das instituições culturais. Durante alguns dias desejei ter a coragem de que a minha resposta fosse apenas, repetidamente, a palavra AMOR, ou a palavra ARTE, ou a palavra NÓS. Em todas as perguntas que me colocaram ecoavam palavras que em conteúdo, semântica e intenção se aproximam – em denúncia mais do que em disfarce (?) – de uma ideologia vigente. Palavras (re)correntes como: medidas, formas, dimensões, maneiras, práticas, formatos e considerações. Temo que a alegada dimensão educativa das instituições culturais, tomando-a por um conteúdo de excelência, promova a interpretação da obra de arte como primeira (e única?) ação possível do (e com o) espectador. Relembro Sontag (mas poderia lembrar Ranciére, Brook e um sem número de autores atuais) e a sua denúncia da invenção da interpretação quando ela diz: by reducing the work of art to its content and then interpreting that, one tames the work of art. Interpretation makes art manageable, conformable. (…) interpretation is (…) the modern way of understanding something (…). Interpretation, based on the highly dubious theory that a work of art is composed of items of content, violates art. It makes art into an article for use. Ao pensar na promoção e na sublimação do ato interpretativo a partir da dimensão educativa das instituições culturais bem como na ideia de que estas são acreditadas como veículos transmissores de conhecimento não poderei deixar de lembrar Hannah Arendt quando critica a palavra «educação» de adultos, como tendo uma ressonância perversa, acrescentando que há uma pretensão de educação quando, afinal, o propósito real é a coerção sem uso da força. Para a autora, a educação destina-se a receber aqueles que chegam de novo, pela natalidade, ao mundo; um mundo que é colocado “em comum” ao educador e ao educando. Assim, os recém-chegados, uma vez passado o testemunho do mundo (nos seus moldes antigos), reclamarão o mundo para si, transformando-o – sucessivamente – em novo. Na sua grande maioria, os projetos educativos das instituições culturais encarregam-se precisamente dos que são recém-chegados ao mundo (das artes). São responsáveis por lidar com aqueles que se aproximam das artes por serem novos (os recém-chegados ao mundo pela natalidade) ou que tardiamente ganharam um interesse pelas artes e para elas têm uma disponibilidade limitada (eventos de hora de almoço), temporária (reformados) ou instrumental (professores e pais). Sintomático do grau de importância que a instituição cultural atribui a este público (que poderá sem desprimor receber o título de amador) os profissionais responsáveis por este trabalho nem sempre acumulam as funções de programador cultural e a este público raramente lhes é dada a oportunidade de transformar/apropriar-se do mundo (das artes) que, sendo assim, não é tido em comum, nem partilhado, com o educador. O que ensinam então as instituições culturais sobre a relação socialmente aceite com a arte? A dimensão educativa das instituições culturais promove uma verdadeira aprendizagem ou apenas demove o público de ter uma relação diferente com a arte? E regresso então a Susan Sontag ao pensar em diferentes formas de relacionamento com a arte, nas diferentes formas de sentir prazer com a arte: ours is a culture based on excess, on overproduction; the result is a steady loss of sharpness in our sensory experience. (…) In place of a hermeneutics we need an erotics of art. Promovemos o verdadeiro amor pela obra de arte? Ou forjamos um conteúdo alegadamente educativo, passível de ser rapidamente consumido, sem espaço para estranheza, demora, ação ou criação de diferentes significados e apropriações? As instituições culturais amam os seus públicos a ponto de promover a sua liberdade/emancipação e, com isso, correr o risco de ver transformado e apropriado o mundo das artes? Se situarmos a origem da dimensão educativa das instituições culturais no museu dos séculos XVIII e XIX não creio que as atuais instituições, em particular as dedicadas à arte contemporânea, mantenham a urgência educativa que tinha o museu aberto ao público pela primeira vez; nem que estejam dotadas das características intrínsecas que lhes permitam deter uma real dimensão educativa. Mesmo quando alegadamente operam sob a forma de projetos educativos (o famoso educational turn e o subsequente – e não menos polémico – social turn) acredito que o fazem sobretudo à escala discursiva, socorrendo-se do disfarce daquela que é a forma socialmente aceite da autoridade democrática apaziguada e domesticada: a educação. As instituições culturais dificilmente reúnem as condições necessárias à atmosfera educativa. Não dispõem de meios para se suspender nem no tempo (não têm distanciamento), nem no espaço (estão geralmente situados em edifícios de pesadas conotações simbólicas), nem nas lógicas económicas e sociais (são habitualmente instituições comprometidas com financiamentos públicos e políticos). Na origem (e no final) de toda esta inquietação está (como sempre) uma simples resposta acima da educação e de qualquer necessidade de autoridade e/ou de legitimação histórica. As instituições culturais encerram em sim o poder de contaminar (ou relembrar?) os outros, em modo de nós, com o vírus da admiração e da necessidade vital de estarmos rodeados daquela que é a suprema ação humana, talvez a única ação que nos salve do tédio e da loucura dos tempos modernos, a única que nos mantém lúcidos e significantes no potencial da nossa humana existência: a criação artística.» Por Raquel Ribeiro dos Santos, responsável pelo Serviço Educativo da Culturgest