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e Historiografia Religiosa no Brasil
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ATRIBUINDO AO CÉU O QUE É HUMANO: A SOLUÇÃO DO
NEOPENTECOSTALISMO PARA OS PROBLEMAS NO ÂMBITO
DA SITUAÇÃO HUMANA EMPIRICAMENTE DADA
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Flávia Luiza Gomes Costa
Mestranda em Ciências da Religião pela PUC-Minas
[email protected]
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1- Introdução
O pentecostalismo brasileiro é compreendido, por Freston (1994), como uma história de “três ondas” ou fases de implantação. O neopentecostalismo, denominação
utilizada por Ricardo Mariano (1999) para se referir à terceira fase, teve início em
1970 evidenciando um surto de crescimento nos anos 80, tendo como público majoritário indivíduos pertencentes às classes economicamente menos favorecidas. O
Rio de Janeiro, economicamente decadente, é onde a terceira fase pentecostal brasileira começa e se firma.
O neopentecostalismo é responsável por mudanças no estereótipo, crenças e
comportamentos dos pentecostais, configurados pelas igrejas correspondentes às
duas primeiras fases, nas quais tanto o sectarismo quando o asceticismo contracultural eram fortemente acentuados. O pentecostalismo é assim configurado com um
forte caráter sectário criando uma prática religiosa típica com regras de vida que
distinguem visualmente e socialmente o grupo. Mesmo que sejam inegáveis as
transformações pelas quais essas igrejas têm passado, fato é que, sãos os
neopentecostais que realizam as mais profundas acomodações à sociedade, abandonando vários traços sectários, hábitos ascéticos e o velho estereótipo pelo qual os crentes eram
reconhecidos e, implacavelmente, estigmatizados. (MARIANO, 1999, p. 8).
Além de ter abolido marcas distintivas e tradicionais do pentecostalismo, os neopentecostais também inauguraram novos ritos, crenças e práticas, onde os costumes e
comportamentos foram relaxados, estabelecendo novas formas de relacionamento
com a sociedade. Para Passos (2005), o seguimento neopentecostal é expressão da
adaptação do paradigma pentecostal ao capitalismo tardio, respondendo, paradoxalmente, às suas promessas falidas e também adotando seus valores e estratégias.
2- Oferta de soluções para os males terrenos
As transformações realizadas pelo neopentecostalismo geraram profundas
acomodações à sociedade ocasionando uma nova postura diante da escatologia
pentecostal tradicional. Relega-se tal escatologia a um segundo plano devido à prioridade concedida à vida aqui e agora “ao invés de enfatizar, como insistiam seus
irmãos de fé, o abrupto fim apocalíptico deste mundo, ao qual prontamente se seguiria a bem-aventurança dos eleitos no Paraíso celestial”. (MARIANO, 1999, p. 8).
Isso não significa um rompimento com o desejo pelo Paraíso, mas somente uma
troca de prioridades expressa na concepção de que, antes de irem viver eternamente com Deus, desejam gozar tudo o que têm direito nesta vida com tudo que julgam
haver de bom neste mundo. Dessa forma, a velha mensagem da cruz expressa num
discurso teológico que pregava o sofrimento do cristão foi abandonada.
Insta ressaltar que a ênfase da primeira fase de implantação do pentecostalismo no Brasil foi o batismo com o Espírito Santo e o conseqüente falar em línguas,
enquanto a segunda fase teve como ponto central a cura divina. De maneira que, a
terceira fase dá ênfase ao exorcismo e à mensagem da prosperidade, o que visa
explicitamente enfatizar uma vida feliz aqui e agora. Desse modo observa-se que o
neopentecostalismo surge como uma opção, no sentido de que os mais sofridos o
consideram como uma proposta de vida, uma alternativa para os que procuram
sobreviver em meio às contradições violentas do sistema capitalista. É indisfarçável,
assim, o apego dos neopentecostais ao mundo.
A maior expressão do neopentecostalismo é a Igreja Universal do Reino de
Deus (IURD) apresentando crescimento concentrado nos estratos mais pobres da
população. Como nos informa Mariano (1999), de acordo com pesquisas feitas em
meados dos anos 90, 63% dos fiéis da Universal ganham menos de dois salários
mínimos e 28% entre dois a cinco salários mínimos. Salienta-se, ainda, que 50%
têm menos de quatro anos de escolaridade e 85% não foram além do primário.
São pessoas extremamente carentes, sofridas e marginalizadas, pois
por piores que sejam os indicadores sociais brasileiros, os
membros da Universal têm renda e escolaridade bem inferiores às da população. São, portanto, os muito pobres e marginalizados que fazem a fortuna da Universal. (MARIANO,
1999, p. 59).
A IURD promete a solução para todos os males terrenos e assim funciona
como um verdadeiro “pronto-socorro”, no dizer de Mariano (1999, p. 59). Para
tanto, a resistência à pobreza, marginalidade e toda espécie de ameaça à vida é
oferecida na mensagem neopentecostal que se resume na crença de que Deus tem
um plano grandioso para todos, pois Jesus quer libertar do mal e conceder vida em
abundância, saúde, prosperidade material e felicidade. Freston (1994, p. 139) en-
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tende que “a IURD é uma atualização das possibilidades teológicas, litúrgicas, éticas e estéticas do pentecostalismo”.
A ênfase principal da sua mensagem, assim, não é o batismo no Espírito
Santo e a glossolalia, mas uma resposta aos problemas e necessidades, como fica
explícita em seu slogan “Pare de sofrer; venha para a IURD”. Em conexão com essa
mensagem, pratica o exorcismo e rompe com a pobreza simbólica do protestantismo brasileiro. Nos cultos da Universal
a força da palavra está na resposta imediata às aflições do
cotidiano: saúde, prosperidade, trabalho, solução de problemas familiares; enfim, libertação do vício, do pecado; enfim, uma vida exemplar, o domínio sobre o demônio, a certeza da salvação total. (CÉSAR, 1999, p. 75).
Para tanto pregam a Teologia da Prosperidade que defende a crença de que
ao crente está destinado ser próspero, saudável e feliz neste mundo, e também a
Teologia do Domínio, consubstanciada na guerra espiritual, a qual concebe que há
uma guerra entre Deus e o Diabo, que é exterminador da riqueza e causador de
todos os males.
Presos ao literalismo bíblico, os fiéis estão firmados na crença da personificação do mal enxergando nos acontecimentos mais cotidianos da vida a ação de
Deus e do Diabo. Dessa forma, os neopentecostais acreditam que tudo o que acontece decorre da guerra travada entre as forças divinas e demoníacas. Fica evidente
o dualismo expresso pela distinção entre mundo material e mundo espiritual, atribuindo-se todo o mal no “mundo material” ao demônio, como declara Edir Macedo
(apud MARIANO, 1999, p. 114), líder da IURD, que “os demônios são responsáveis
por todos os males que afligem a humanidade”. Para a obtenção de prosperidade
material, cura e sucesso, faz-se, portanto, necessário a libertação do Diabo.
Imbuídos pela convicção do poder do mal, sintonizados na guerra espiritual,
a expressão “tá amarrado” é usada na intenção de bloquear a ação do demônio.
Esse grito de guerra complementado pela expressão “em nome de Jesus” é liberado
em qualquer situação de dificuldade pela certeza de um poder protetor, que, segundo Mariano (1999, p. 145), funciona como um verdadeiro “amuleto verbal”.
Outra declaração detentora de poder é a famosa frase neopentecostal “eu
tomo posse”, também complementada pelas palavras “em nome de Jesus”. Assim,
a Teologia da Prosperidade declara que pela fé o crente pode possuir tudo o que
determinar verbalmente em nome de Jesus. Segundo Freston (1994, p. 147), “a
mola propulsora da Teologia da Prosperidade é a confissão positiva”. O segredo
para o sucesso é a confissão correta, a qual não pode ser permeada por dúvidas ou
temores, pois isso seria abrir-se para os poderes do maligno colocando em risco a
bênção desejada.
Dessa maneira, a resistência oferecida pelo neopentecostalismo aos seus
majoritariamente menos favorecidos adeptos é evidenciada por meio da Teologia
da Prosperidade e da Teologia do Domínio, as quais, por sua vez, ao dedicarem-se
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totalmente à “resolução” de problemas deste mundo e desta vida manifestam o distanciamento da escatologia pré-milenista. Essa escatologia, fundamentada na espera resignada da vinda de Cristo que tem como conseqüência uma tendência de
auto-exclusão da vida social, dá, então, lugar a uma concepção que prioriza o bem
estar aqui e agora. As ofertas neopentecostais expressam que “não há o que esperar para um futuro pós-histórico; espera-se, a qualquer momento, a manifestação
de Deus”. (PASSOS, 2005, p.69).
Diante da exposição de uma espécie de articulações para conformarem uma
resistência à pobreza e a todo tipo de ameaça à vida, passando por um processo
de transformações relevantes de comportamentos, crenças e ritos, faz-se, no entanto, necessário investigar um instigante dado. Será que podemos concluir que o relegar a escatologia tradicional, que dissemina um automático afastamento do mundo
como resistência às mazelas que assolam a vida, a um segundo plano pelo apego
ao mundo e a convicção de uma vida feliz no mesmo, significa um posicionamento
crítico e um protesto concreto diante das concretas causas da situação amarga de
subcondição de vida de tantos brasileiros?
3- Soluções mágicas e alienantes
A condição econômica desfavorável e a posição social marginalizada fazem
com que os fiéis busquem soluções imediatas neste mundo, pois desejam se livrar
de seus sofrimentos terrenos. Entretanto, de acordo com as crenças neopentecostais,
pode-se perceber que as soluções abarcam uma natureza mágica, suprindo a demanda por soluções dos problemas que ameaçam à vida de maneira simbólica e
emblemática.
Essas teologias que constituem a base da resistência à pobreza e ao sofrimento enfocam uma espécie de solução mágica para todos os sofrimentos terrenos
dos fiéis, “pois pregam e acreditam firmemente que, por meio de fé, oração e exorcismo, podem libertar os indivíduos de quaisquer problemas ou de quaisquer demônios” (MARIANO, 1999, p. 59).
A Teologia da Prosperidade afirma que a vida desejada e planejada por
Deus para os seus filhos é a vida feliz, ou seja, satisfeita de todos os bens. Mas, para tanto, faz-se necessária a compreensão de que doar é tomar posse dos bens que
Deus destinou a seus filhos. Mariano (2004) explica que os pastores ensinam que
quem não paga o dízimo rouba a Deus, que, na condição de dono de todas as
riquezas existentes, exige de volta 10% dos recursos que concede aos seres humanos. Essa concepção se alia à crença de que só alcança bênçãos quem tem fé. No
caso, ter fé significa crer piamente no que os pastores pregam e agir conforme os
ditames dessa pregação. Para provar sua fé os fiéis são induzidos a realizar sacrifícios ou desafios financeiros.
Na condição de dizimistas e ofertantes, os fiéis almejam adquirir e exercer o direito de cobrar do próprio Deus o pronto
cumprimento de Suas promessas bíblicas: vida saudável,
próspera, feliz e vitoriosa (MARIANO, 2004).
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Tem-se, assim, a convicção de que tudo que perturba a ordem original deve
ser desfeito pelos rituais da cura e do exorcismo, para que a bênção possa fluir.
Portanto, há esperança para todos, haja vista que para ser bem sucedido não há
grandes obstáculos a transpor, “basta aceitar a Cristo, declarar verbalmente já ter
recebido suas promessas bíblicas, ser fiel nos dízimos, generoso nas ofertas e ter fé
no Deus vivo que tudo pode”. (MARIANO, 1999, p. 59). A solução para prosperar,
ser feliz e saudável está em ter uma fé inabalável e em observar regras bíblicas,
sendo que o sacrifício que Deus exige do fiel, segundo a Teologia da Prosperidade,
é a fidelidade nos dízimos e a generosidade nas ofertas. Dízimos que, segundo R. R.
Soares (apud. MARIANO, 1999, p. 161), “existe desde a criação do homem”, os
quais constituem um meio para refazer o relacionamento com Deus, tornando o fiel
apto para desfrutar das promessas bíblicas. Acredita-se, desse modo, que são capazes de mudar a realidade indesejável por meio do vínculo de fé com as forças
divinas.
Logo, só não é próspero, saudável e feliz nessa vida quem não tem fé, não
cumpre o que a Bíblia diz e quem está envolvido com o Diabo. A posse de bens,
saúde e boas condições de vida são apresentadas como prova de espiritualidade
do fiel. Dessa forma, de acordo com Freston (1994, p. 149), “no contexto do capitalismo selvagem, a IURD proclama a sobrevivência dos mais fiéis. Quem tiver fé,
progredirá”. Esse autor considera que há múltiplas explicações para o fracasso que
legitimam a continuação de uma classe que não tenha alcançado a prosperidade.
Assim, muitos dos mais sofridos, mais escuros e menos escolarizados da população, que buscam a superação de suas miseráveis condições de existências, vêem nessas teologias uma resistência à pobreza, um sentido, uma esperança. Mas,
além de carregarem o peso do sofrimento, ainda acrescenta-se a esse o peso da
culpa pela crença de que os males significam falta de fé ou de algum ato de desobediência a Deus ficando, dessa forma, vulneráveis à maldade do Diabo.
Ao ser colocado no diabo a responsabilidade de todos os males, considerando-o como o exterminador da riqueza, tira-se os olhos sofridos do alvo concreto
de sua luta para levá-los a uma alienação que concentra sua resistência na crença
de que o único obstáculo a ser superado é a antítese divina, para que, assim, as
bênçãos de Deus sejam liberadas satisfazendo os interesses mundanos.
As igrejas neopentecostais especializaram-se em prover soluções simbólicas para todo tipo de problema. Seu discurso
procura fornecer sentido, orientar e ajudar as pessoas a superar as aflições cotidianas. Tenta dar-lhes esperança e fomentar sua autoconfiança. Ao mesclarem o social com o espiritual, não propõem militância política, mas sim militância religiosa, engajando o fiel ora num processo de santificação, ora
num combate espiritual, às vezes nos dois, visando à libertação do mal (MARIANO, 1999, p. 146).
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Azevedo (apud MARIANO, 1999) define que a característica do neopentecostalismo é a ênfase no Diabo e na guerra espiritual contra os demônios, chamando, assim, a atenção para a agressividade de sua militância e para a crença de que
a palavra humana associada à fé é que faz acontecer coisas nesse mundo.
Os entraves à prosperidade são eliminados, nessa teologia, por meios que
ultrapassam o discurso de legitimação do gesto de doar, lançando mão de rituais
que modifiquem o estado de vida do fiel impedido de viver a prosperidade. Esses
rituais oferecem em suas execuções uma espécie de crítica utópica da realidade
vivenciada, revelando e fazendo com que os fiéis sejam cúmplices com o mundo
novo possível. Os neopentecostais ao recriarem um mundo de sentido dentro das
grandes crises que afetam as populações, sobretudo nas grandes cidades, oferecem
as utopias do bem estar social prometido pela sociedade moderna, mas negados
em suas instituições. (PASSOS, 2005).
O neopentecostalismo pretende a transformação da sociedade por meio da
conversão individual e, para tanto, ingressam na mídia como estratégia para o proselitismo e também na política, sendo essa partidária, para expandir seu crescimento e defender interesses corporativos, entre os quais enfatiza o da liberdade religiosa. Oro (1990) ressalta que o uso da mídia pela Universal tem significado econômico, porquanto é utilizada como instrumento de arrecadação e de sustentação da
estratégia expansionista.
Segundo Mariano (1999), a perspectiva teológica da guerra espiritual ostenta concepções de recristianização da sociedade “pelo alto”, por meio da política
partidária e também pela mídia eletrônica. Um ideal utópico ao não se converter
em posicionamentos críticos diante do sistema econômico que promove a injustiça.
Seu engajamento na esfera política, como se vê, não é desinteressado nem
nobre, pois visa, basicamente, à conquista de poder e à satisfação dos interesses
corporativos com justificativas de mandatos sempre pautadas em privilégios fiscais
para as igrejas e do combate para que as mesmas não sofram penalidades pela
desobediência de leis referentes à poluição sonora e às edificações. (MARIANO,
1999). César (1999, p. 103) questiona se “tal tipo de relação social será libertadora – entendida como participação responsável na sociedade e em particular na representação política?”.
A adequação à sociedade não é, desse modo, percebida como meio concreto de resistência aos sofrimentos do povo que demanda essa mensagem de solução
dos problemas emergentes, mas parece apenas demonstrar a busca de interesses
das instituições, sejam esses econômicos, corporativos ou proselitistas.
Não se evidencia, portanto, uma atitude crítica ao sistema econômico e político como um todo ao pregar a crença da resolução dos problemas no âmbito da
situação humana empiricamente dada à transcendência, gerando um comportamento passivo e alienado com opressão acrescentada pela culpa no momento de
infortúnio, apresentado como prova da falta de espiritualidade do fiel. Apesar da
ênfase dada aos problemas cotidianos que ameaçam a vida humana, a maneira de
lidar com referidos problemas parecem sem sentido, pois se observa pouca ou ne-
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nhuma atenção à análise do que ocorre no mundo, sejam realidades sociais, políticas ou econômicas causadoras dessa destruição da vida. (CÉSAR, 1999).
Isso porque se propõe resolver todos os males por meio de uma teologia limitada por ser individualista e espiritualista. E, mesmo com a presença de boas ações de serviços, por mais necessárias que sejam para alguns em sua luta diária
pela sobrevivência, não levam às mudanças estruturais necessárias no momento
atual.
O neopentecostalismo precisa aprofundar sua leitura da Bíblia em termos de uma visão que ultrapasse uma espiritualidade centrada na piedade individualista que o tem caracterizado. Somente assim poderá enfrentar mais adequadamente
os desafios das estruturas sociais que produzem a miséria e a
pobreza, complementando, por exemplo, meras campanhas
de distribuição de alimentos ou uma participação política limitada a cargos políticos no Congresso Nacional. (CÉSAR,
1999, p. 145).
Mesmo que a Teologia da Prosperidade promulgue uma vida bem sucedida aqui e agora é relevante salientar que a mesma
não tece uma única crítica sequer ao capitalismo, nem à injustiça e desigualdade sociais, nem aos desequilíbrios econômicos do mundo globalizado. Na melhor das hipóteses, o
que ela proporciona, ao indivíduo, não ao coletivo, resumese a elementos de natureza psicológica: melhora da autoestima, aumento da autoconfiança, vontade de prosperar,
esperança no futuro. (MARIANO, 1999, p. 185).
Mariano (2004) diz que os cultos da Universal se constituem em ofertas sob
medida para atender às demandas de quem crê que pode ser bem sucedido nesta
vida e neste mundo, recorrendo às instituições intermediárias de forças sobrenaturais. Baseiam na oferta especializada de serviços mágico-religiosos, as quais esse
pesquisador caracteriza serem de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em
promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e
de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade.
Em sua análise sobre a resposta ao sofrimento dos pobres dada pelo pentecostalismo, enfatizando sua última fase, César (1999, p. 30) questiona a contribuição deste “para a criação de uma sociedade que supere as estruturas injustas, a
fome, a violência, etc”. César (1999) pergunta, em sua análise, se essa oferta de
esperança que transfigura em vitória situações normalmente associadas à frustração
e ao desespero não seria alienação, fanatismo ou ingenuidade.
A marca central dessas teologias que oferecem soluções para os problemas
da vida é o mundo transcendente da fé e da espiritualidade e, “paradoxalmente, é
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nessa dimensão, muitas vezes tachada de alienante, que se manifesta a resistência,
o protesto, o grito, da criatura oprimida”. (CÉSAR, 1999, p. 58).
4- Considerações finais
O neopentecostalismo realizou transformações com relação às tradicionais
concepções pentecostais acerca da conduta, do modo de ser do cristão, nas quais
ser cristão tornou-se um meio para ser liberto do Diabo e obter prosperidade financeira, saúde e ser bem sucedido nos empreendimentos terrenos. Esse crescente interesse pelas “coisas do mundo” relegou a um segundo plano a tradicional concepção escatológica pentecostal, a qual se processa numa fuga e afastamento do
mundo. Os crentes neopentecostais, no entanto, enfrentam o mundo com a disposição de tomar posse para Deus por meio da guerra espiritual.
Consoante se depreende do ensinamento de Mariano (1999), apesar da percepção de que tal abertura para o mundo possa descortinar novas possibilidades de
participação social não fica evidente mais do que poucos escassos exemplos, os
quais se mostram alardeados estrondosamente em indisfarçáveis estratégias de
marketing. Entretanto, averigua-se a ocorrência de uma mudança relevante nos fiéis
dessa mensagem menos restritiva, uma vez que os mesmos estão se tornando mais
individualistas, consumistas, e, portanto, cada vez mais afinados com o que passa a
sua volta. Para Mariano (1999, p. 237) “o que cresce e se firma entre nós é uma
religião que cada vez mais deita raízes em nossa sociedade e é por ela influenciada
num processo de assimilação mútua”.
Em sua análise sobre o pentecostalismo, enfocando sua última fase, Matos
(2008) ressalta suas vicissitudes entre as quais salienta a tendência de atribuir todo
mal às influências diabólicas, o que minimiza a responsabilidade humana, pendendo, assim, para a alienação quanto aos problemas da sociedade e quanto à atuação questionável na esfera política.
Diante de tal abordagem não se pode deixar de mencionar as considerações
de alguns pesquisadores que destacam aspectos positivos da Teologia da Prosperidade tais como: “rejeição da teodicéia da redenção pela pobreza e sofrimento
(Freston, 1993; Mariano, 1996; Mariz, 1996) e a ruptura de uma tradição de resignação arraigada e imobilizadora (Pierucci e Prandi, 1996)”. (apud MARIANO,
2004).
Matos (2008) afirma que diante das realidades de sofrimento que caracterizam a sociedade moderna, principalmente nos grandes centros urbanos, essas igrejas, neopentecostais, oferecem espaços de solidariedade e acolhimento, “gerando
um forte senso de dignidade entre os seus participantes”.
Torna-se plausível considerar que tais benesses se limitam a um processo de
valorização individual, não ultrapassando formas de funções terapêuticas, agindo
na auto-estima do indivíduo. Contudo, daí a se evidenciar uma crítica concreta às
raízes dessa vida subalterna da maioria de seus fiéis, seria utopia tanto quanto suas
promessas espiritualizantes, imediatistas e mágicas de reversão da marginalização
econômica.
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Demonstra-se, assim, considerações sobre essa forma paradoxal, por se
pautar na fé e na espiritualidade, da resistência oferecida aos marginalizados pelo
neopentecostalismo. Pois, os gritos de um povo oprimido se fazem ressoar nos rituais embebidos em promessas de vida melhor, os quais, ainda longe da tão sonhada
libertação, continuam ciclicamente em correntes que ofuscam a consciência da luta
real pela sobrevivência na espera da campanha do exorcismo ter fim. A oferta de
esperança parece constituir numa alienação, num ópio, porquanto não se desdobra
em contribuições para a criação de uma sociedade que supere as estruturas injustas, a fome e a violência.
Conclui-se, evitando a alienação também nas considerações, chamando a
atenção para uma crítica não apenas às ofertas anestésicas e alienadas que muitos
entabulam com ardor e indignação, mas sim para a condição que leva à demanda
dessas ofertas, pois, dessa forma, a pesquisa ultrapassará as limitações das respostas neopentecostais às aflições dos marginalizados, alçando vôos para além do
mundo “transcendente” das idéias para o “imanente céu” de ruas que não são de
ouro nem cristal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS JÚNIOR, Luís de Castro. Pentecostalismo: sentidos da palavra divina. São
Paulo: Ática, 1995.
CESAR, Waldo; SHAULL, Millard Richard. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs: promessas e desafios. Petrópolis: Vozes, 1999.
FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos, nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 67-72.
MARIANO, Ricardo. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 52, 2004. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?pid=S010340142004000300010&script=sci_arttext&tlng=en.
Acesso em: 15 jun. 2008.
MARIANO, Ricardo. Os neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no
Brasil. São Paulo: Loyola, 1999.
MATOS, Alderi Souza. O movimento pentecostal: reflexões a propósito do seu primeiro centenário. Disponível em: < http://www4.mackenzie.br/6982.html>. Acesso
em: 15 jun. 2008.
ORO, Ari Pedro. Religiões Pentecostais e Meios de Comunicação de Massa no Sul
do Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira, Rio de Janeiro, Vozes, v. 50, n. 198, p.
304-334, jun. 1990.
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PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005.
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