FOLHA DE APROVAÇÃO Cristiano Batista dos Santos Missão Plena: Teoria e Prática Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de bacharel em Teologia, com habilitação em Missiológia da Faculdade de Teologia Sola Scriptura, São Paulo/SP, para obtenção do grau de Bacharel, sob a orientação do Prof. Pr. Altemar Oliveira. A Banca Examinadora em sua análise teológico-acadêmica considerou a pesquisa: ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ e atribui o conceito: ________________________________ São Paulo/SP, ____ de ________________ de 20_____ ALTEMAR OLIVEIRA Orientador Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado em cumprimento parcial às exigências do Curso de bacharel em Teologia, com habilitação em Missiológia da Faculdade de Teologia Sola Scriptura, São Paulo/SP, para obtenção do grau de Bacharel, sob a orientação do Prof. Pr. Altemar Oliveira. SANTOS, Cristiano Batista dos. Missão Plena: Teoria e Prática. Aracaju/SE, dez/2012. 10 folhas. TCC de Bacharel em Teologia, com habilitação em Missiológia – Faculdade de Teologia Sola Scriptura, São Paulo/SP, dez/2012. I Palavras Introdutórias Muito já se escreveu sobre a contextualização missionária. Perfazendo uma boa síntese do que se entendeu teologicamente até hoje por missão plena, e os problemas desse construto teórico, bem como de sua aplicabilidade na vida das igrejas evangélicas e dos movimentos evangélico e/ou evangelical. Proponho um exercício de reflexão teológica conjunta a partir de um texto que servirá meramente como ponto de partida, que não se pretende original ou inovador, mas sim esclarecedor. Não sei, entretanto, se eu entendo bem o que quer dizer “missão plena” ou o que é a “teologia da contextualização missionária”. Vejo discursos e práticas desalinhadas sob esse mesmo rótulo, e fico com a sensação de que há desinformação e dissonância cognitiva, o que pode e deve ser resolvido, além de uma salutar discordância e variação nuançada, o que é positivo, mas convida ao diálogo. Este texto busca, portanto, ainda que modestamente, auxiliar na caminhada em direção a uma resposta acerca do significado do construto teórico teológico “missão plena”, tão importante na história da Teologia Latino-Americana. Estou convencido que há dois estudos propedêuticos que se fazem necessários antes que exploremos o conceito de missão plena propriamente, tentando uma aproximação mais acurada de definição ou de identificação. Passo agora, portanto, a essas duas excursões breves em teologia filosófica ou teologia cultural ou ainda teologia apologética, como se dizia antigamente. Estas duas excursões lidam com as relações entre evangelho e cultura, primeiro e, depois, entre evangelho e política. II Evangelho, Cultura e Política: Duas Excursões Teóricas 1 Evangelho e Cultura Essa sempre foi uma relação de grande tensão na história do cristianismo. Hoje compreendemos que não poderia deixar de ser. Evangelho e cultura se distinguem, mas não é fácil distingui-los. O Evangelho não existe a não ser enculturado, isto é, contextualizado. Há quem queira separar o Evangelho da cultura, mas isso nunca existiu, e não pode ser feito. É da natureza do Evangelho, ser cultural. O Evangelho já nasce inserido numa cultura; a cultura judaica, mas não se confunde com ela. Essa é a tensão infinitamente elástica que nos causa tantos transtornos. O Evangelho não é a cultura, nem mesmo a cultura judaica. Mas só existe imiscuído e misturado com a cultura, de tal forma que não é possível extraí-lo e limpá-lo da cultura, sem causar dano à natureza intrínseca do Evangelho e também à cultura. Se tentarmos distinguir cultura de Evangelho, fica um pouco de cultura, perde-se um pouco de Evangelho, e não se obtém um bom resultado. A primeira transposição cultural sofrida pelo Evangelho, foi para a cultura helenista dos tempos da chamada igreja primitiva. Essa transposição foi feita com razoável sucesso, mas não sem fortes traumas. É uma transposição que começa com Paulo, e é, portanto, sancionada pelo próprio Evangelho, pelas Escrituras Sagradas. Mas o Novo Testamento também já dá testemunho dos traumas e aflições causados pela transposição. O relativo sucesso do empreendimento, deve nos fazer perceber as tremendas transformações sofridas pelo Evangelho no mundo helenista. E em particular, a leitura de tendências neoplatônicas e semi-gnósticas que acabaram por preponderar no período patrístico, e acabaram por servir de base para a construção da teologia. Uma segunda transposição acontece no período medieval, e posteriormente no período moderno, e sempre sofreu o Evangelho transformações, assim como transformou às culturas. Com o surgimento das nações-estado modernas, e com o crescimento econômico e populacional, advindo das revoluções científica e industrial, surge um grande número de culturas ocidentais distintas promovendo novas tensões com o Evangelho herdado, e o trabalho missionário leva o Evangelho para culturas não-européias, que iriam absorver o evangelho misturado à cultura dos próprios missionários. Os missionários das igrejas protestantes históricas trouxeram ao Brasil um Evangelho marcado pelos traços culturais de onde eles haviam partido. Foi só no século XX que a relação Evangelho e cultura, passaram a ser mais estudada e compreendida. Começou-se a perceber a enorme complexidade do processo enculturação do Evangelho, e se começou a falar, no fim do século XX, em contextualização. O grande cientista da religião Helmut Richard Niebuhr, irmão do célebre teólogo Reinhold Niebuhr, foi um dos pioneiros nesse estudo, com o clássico Cristo e Cultura, onde distingue cinco diferentes possibilidades compreensão do relacionamento entre Evangelho e Cultura, que ele denomina: (i) Cristo contra a cultura; (ii) Cristo da Cultura; (iii) Cristo acima da cultura; (iv) Cristo e Cultura em Paradoxo; e (v) Cristo transformador da cultura. Niebuhr nos mostra como todos os cinco “tipos” (“tipos ideais”, como ele diz) foram praticados e implicitamente ensinados através dos tempos. No entanto, sugere que os primeiros dois são enganosos, distorções: o primeiro pela rejeição da cultura, o segundo pela sua adoção não criteriosa ou sem qualificações necessárias. Eles representariam, grosso modo, os pólos fundamentalista e liberal. Os três outros tipos estariam, segundo o autor, mais de acordo com aquilo que o Novo Testamento propõe. O terceiro representando a posição tomista, o quarto a posição existencial-dialética, e o quinto a visão mais comum na teologia contemporânea. Ao que me parece, a teologia da missão plena se propõe partidária, acima de tudo, da quinta possibilidade, de ver Cristo como transformador da cultura, sem negar a importância e o valor da cultura, como no caso principalmente do primeiro tipo niebuhriano, mas também do terceiro, típico do mundo evangélico conservador (que é em grande grau tomista sem saber disso). Trata-se, portanto, de trazer o Evangelho à cultura para redimi-la, não para alterá-la. Isso está de acordo com o que dissemos a princípio: o Evangelho só é verdadeiramente o Evangelho, quando está enculturado, inserido na cultura e contextualizado, e só assim não é distorção. Em suma, Cristo é mais, muito mais do que normalmente pensamos. Cristo significa uma vida melhor não só para o indivíduo, mas para a nação. O Evangelho propõe um mundo melhor, e nos convida a promover esta plenitude do Evangelho às culturas humanas em particular, e aos nossos projetos de civilização. Qualquer outra possibilidade é uma distorção alienante que retira do Evangelho seu escopo e seu poder transformador. 2 Evangelho e Política Há quem diga abertamente que o Evangelho nada tem a ver com política. Há quem deplore que se discuta o que se chama vulgarmente de “questões políticas” na igreja. Quando vemos o péssimo exemplo dos políticos evangélicos, até entendemos a razão desse tipo de repugnância à política. Mas em geral, é fruto de uma pregação evangélica distorcida que, aliena as pessoas, fazendo-as pensar que as questões políticas e sociais nada tem a ver com espiritualidade. A relação entre cristianismo e política não deve ser confundida com a relação entre igreja e estado. A separação entre igreja e estado foi uma preciosa conquista da democracia. Ela garante a liberdade de culto e garante que, na ausência de uma religião oficial do estado, nenhuma instituição religiosa será privilegiada pelas leis do país. Isso nada tem a ver, no entanto, com a relação entre cristianismo e política. O verdadeiro cristianismo, me parece, está envolvido nas questões sociopolíticas até o pescoço. Ou talvez deveríamos dizer: até a cabeça, que é Cristo. Sabemos que a Bíblia Sagrada e o Evangelho Pleno nos convidam a um sério engajamento com os problemas sociais, econômicos e políticos. O quietismo supostamente presente em Romanos 13 empalidece ante as inúmeras passagens bíblicas, nos convidando à denúncia e ao combate das injustiças sociais e os desmandos políticos. Os estudos contemporâneos sobre os tempos de Jesus e sobre sua pessoa e ministério, tornam patente o fundamental elemento sociopolítico de sua missão. Isso nos convida a entender o que é a ação política que tem lugar na contextualização do Evangelho. Não estamos falando de política partidária, que visa à obtenção e manutenção do poder. A ação cristã na política partidária é, em geral, fisiológica e clientelista, em benefício de igrejas, inclusive, é em suma, má política e mau cristianismo. Estamos falando de cidadania e consciência política do cidadão que, leva a envolver-se nas questões sociopolíticas que o afetam diretamente e particularmente a formulação e promulgação de leis que, o beneficiam ou não, enquanto cidadão. Esse é o problema da ação social assistencialista, que é o que os evangélicos praticam em geral, e que às vezes se confunde com Missão Plena e com consciência cidadã e sociopolítica, quando não é. O assistencialismo não resolve os problemas sociais e políticos porque não atinge o cerne das questões, não desce às estruturas, não ameaça os poderosos. Pelo contrário, o assistencialismo se encaixa perfeitamente no modelo dos poderes opressores de uma sociedade. Por isso, as igrejas não são combatidas, porque não ameaçam esses poderes políticos e econômicos. Se a fizessem, seria perseguida. O que seria então uma igreja engajada numa luta pela cidadania, e pela conscientização sociopolítica? Seria uma igreja que estimulasse a sua membrasia a protestar, por meios legítimos e não violentos, como passeatas e abaixo-assinados, reivindicar ante as autoridades, e por fim exigir leis mais justas e ação governamental voltada para a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos. Não é isso que acontece nas igrejas evangélicas. Eu tendo a pensar e a entender que a missão plena implica em uma restauração da plenitude do Evangelho de Cristo, hoje obliterado nas igrejas evangélicas, por meio de uma compreensão da relação tensa e paradoxal entre Evangelho e Cultura que, nos desafia com o poder de Cristo para a transformação da cultura, e por meio de uma compreensão da relação entre Evangelho e Política que nos faça perceber as dimensões políticas e socioeconômicas da pregação de Cristo. III. Via Negativa Estamos prontos agora para iniciar nossa busca pelo sentido da expressão contextualização missionária e/ou missão plena. Para fazermos esta busca juntos, proponho partirmos de uma ponderação invertida ou negativa. Em vez de nos perguntarmos “o que é missão plena”? Perguntemo-nos antes “o que não é missão plena”? Faremos algumas sugestões que certamente auxiliarão na limpeza do terreno para uma edificação positiva mais adequada a seguir. Então, comecemos. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que: 1 Missão Plena não é “estratégia de evangelização”. Iniciamos esta parte com algo aparentemente tão banal, mas também tão fundamental. Vale dizer que eu mesmo já ouvi pessoas, em reuniões de liderança eclesiástica, manifestar em suas falas sem ser corrigidos, estarem sob a sombra deste terrível equívoco. Não há equívoco mais contrário ao espírito da teologia da missão plena, em minha opinião, do que pensá-la como uma estratégia para a evangelização. É evidente que os adeptos da teologia da missão plena, logo dirão que o próprio conceito de evangelização ganha novas cores a partir da adoção da noção da missão plena, que, deixa de ser mera conquista de almas para Cristo. Porém, por outro lado, quem comete esse equívoco ainda não está em geral, sob o impacto de uma nova compreensão do evangelho e da missão da igreja que a teologia da missão plena impõe. De qualquer forma, os evangélicos em geral tendem a cair ou recair em fórmulas gnósticas que separam e distinguem o material e o espiritual, o corpo e a alma, num espírito contrário ao do ensino neotestamentário. Vale a pena, portanto, lembrar e alertar que, acima de tudo, missão plena não é uma estratégia ou técnica de evangelização ou, o que seria ainda mais nefasto, de estufamento de igrejas. 2 Missão Plena não é “ministério de ação social”. É possível que este seja o mais comum e mais perigoso engano no que se refere à noção de missão plena: confundi-la com o ministério de ação social de uma igreja local ou uma denominação. Não estamos dizendo que as igrejas não devam ter tal ministério. Muito pelo contrário. Ministérios eclesiásticos ou paraeclesiásticos de ação social pode ser um importante instrumento para a concretização de alguns aspectos do que chamamos de missão plena. Entretanto, esses ministérios não implicam que haja missão plena enquanto construto teórico teológico. Não se pode inferir da presença destas agências que haja missão plena, ou que elas trabalhem sob a égide da missão plena. E pode por outro lado haver missão plena sem que haja ministérios e agências de ação social, que são no geral de caráter meramente assistencialista, e não percebem a necessidade de instituir instrumentos políticos que possam gerar mudanças estruturais na vida sociocultural e políticoeconômica da sociedade. 3 Missão Plena não é uma “teoria missiológica”. Então em um nível mais profundo, alguém poderia supor, ao perceber que este construto teórico afeta diretamente às práticas eclesiais, que se trata de um construto teórico de teologia pastoral, e, mais especificamente, de missiologia. A missão plena seria portanto uma compreensão específica de como a igreja faz missão, ou, numa redação muito melhor, como a igreja cumpre a sua missão. Seria portanto, uma tese missiológica, mais ou menos nas seguintes linhas: a igreja cristã tem a missão de pregar o evangelho, mas esta pregação não se faz apenas com palavras, mas com atos de amor que manifestem o amor de Deus pelas pessoas através de nós, através das ações das comunidades cristãs. É evidente que tal compreensão da noção da missão plena está bem mais próxima do adequado que as concepções equivocadas descritas acima. Percebemos todavia, que ela também tem problemas teóricos, enquanto definição conceitual da endiadys “contextualização missionária”. Em primeiro lugar, essa compreensão pode sugerir que a contextualização missionária é uma teoria missiológica entre outras, que uma igreja ou um cristão pode escolher ou não como sendo a sua missiologia. Tal concepção da endiadys como mera teoria missiológica, portanto, coloca em risco a percepção de sua necessidade, no sentido filosófico do termo, para a presença do evangelho. Em outras palavras, ameaça tornar a noção da missão plena algo extrínseco ao evangelho, e não intrínseco ou essencial no evangelho. E tal minimização da noção é algo que a teologia da missão plena nunca tolerou nem pode tolerar. Em segundo lugar, torná-la meramente uma teoria de teologia pastoral põe em risco a centralidade do conceito na constituição do evangelho, e essa marginalização do conceito é também algo que a teologia da missão plena nunca tolerou nem pode tolerar. 4 Missão Plena não é “diaconia”. Antes de qualquer coisa, vamos esclarecer que o termo “diaconia” não está sendo aqui empregado como sinônimo de ministério de ação social da igreja local, ou com a ideia de uma “junta diaconal” na igreja local, ou coisas semelhantes. O termo está aqui sendo empregado para discernir algo que parece ser essencial no ensino de Cristo, que é servir. Confundir missão plena com ministério de ação social é banal e totalmente equivocado. Confundir missão plena com diaconia é bastante desculpável, pois o que proponho aqui é uma filigrana, uma distinção muito sutil realmente que, já nos lança para o âmbito da teologia bíblica e sistemática, e nos aproxima de nosso ponto de chegada, que é a relação entre missão plena e o próprio evangelho de Cristo. Esclareça-se agora, e desde já, que o evangelho de Cristo não é apenas o perdão de nossos pecados pelo sangue derramado na cruz. É, antes, nossa reconciliação com o trino Deus pela união mística com Cristo. É a presença de Cristo em nós, a presença do Espírito Santo que é o Espírito de Cristo, que determina nossa redenção, nossa justificação e nossa santificação. A presença de Cristo em nós implica necessariamente em discipulado, sob o senhorio de Cristo. Portanto, implica em diaconia, isto é, em serviço, assumir a forma de servo que o próprio Jesus Cristo assumiu. A diaconia é, portanto, aspecto essencial do seguimento de Cristo. Quem está em Cristo, serve ao eterno Deus e ao semelhante. Sem dúvida que a prática diaconal de cada cristão no seu seguimento de Cristo, parece indicar uma percepção maior ou menor, mais ou menos consciente daquilo a teologia da contextualização missionária sugere, acerca da natureza do evangelho, mas não é uma marca inquestionável de que a noção da contextualização missionária tenha sido assimilada, ou que em outras palavras, a missão plena tenha sido adotada. É bem possível que um cristão pense na diaconia como um aspecto da vida cristã que nada tem a ver com missão. 5 Missão Plena não é outro nome para a “teologia da libertação”. Muitos podem pensar que a teologia da missão plena é uma versão evangélica da teologia da libertação, cujos principais nomes são majoritariamente católico-romanos. Há de fato muitos pontos de encontro. Porém, há também pontos divergentes, e isso desde os fundamentos. Enquanto a teologia da libertação tem sido descrita por muitos como uma leitura marxista da Bíblia, e as evidências apontam para a propriedade desta percepção acerca do referencial teórico fundamental da teologia da libertação, o mesmo não se pode dizer da teologia da missão plena, que se propõe, talvez um tanto ingenuamente, como uma teologia que é produzida apenas a partir da Bíblia, sem utilizar nenhum outro referencial teórico como chave hermenêutica. Seja como for, o importante pressuposto por detrás desta comparação é que a teologia da missão plena é uma teologia, assim como a teologia da libertação. O que significa dizer isso? Significa que a teologia da missão plena é uma interpretação geral do que é o cristianismo, do que significa ser um cristão, uma interpretação sobre o significado do próprio evangelho. IV Vórtice Elucidativo Então perguntemos agora, ainda que tentativamente, “o que é missão plena”? Para responder a essa pergunta, temos que aglutinar alguns importantes componentes da equação, e o faremos por meio de um progressivo afunilamento teórico. 1 Missão Plena é uma teologia bíblica do evangelho. Já dissemos que missão plena é uma teologia. Isso é elucidador, mas fica a pergunta: que tipo de teologia? Parece ser uma teologia bíblica, isto é, uma tentativa de configurar esquematicamente a instrução bíblica a partir da própria Bíblia em vez de partir dos loci communes da chamada teologia dogmática ou sistemática. Há, porém, muitos tipos de teologia bíblica, com diferentes ênfases. Parece-me que a teologia da missão plena é uma teologia bíblica que centra toda a reflexão teológica na definição da natureza intrínseca do próprio evangelho, e quero propor mais construtivamente agora, que ela o vê como o cumprimento da grande comissão de Cristo à luz do mandato sociocultural do Gênesis. 2 Missão Plena é uma interpretação da Grande Comissão à luz do mandato sociocultural. O mandato sociocultural surge logo nos primeiros versículos da Bíblia, compondo as primeiras ordenanças do Poderoso Deus ao homem na Criação. Ler a Grande Comissão de Mateus 28 à luz do mandato cultural é vê-lo como resgatado diante da redenção em Cristo em face da queda. Em outras palavras, no esquema Criação-Queda-Redenção, o mandato cultural é recuperado na redenção em Cristo pela chamada Grande Comissão. O mandato sociocultural de Gênesis nos aponta para o projeto do Grande Deus para a espécie humana. O projeto não está explicitamente descrito, mas implícito naquilo que a narrativa bíblica apresenta na forma de comando divino. Ele inclui: (i) apoio à família e à educação; (ii) apoio à pesquisa científica e tecnológica; (iii) promoção da nutrição alimentar, e por inferência, de todas as necessidades básicas para a sobrevivência e saúde de todos, sem exceção de ninguém; (iv) descanso e lazer para todos, e, por inferência, trabalho para todos. Por meio da redenção em Cristo, a sua igreja se torna novamente capaz de fazer valer o mandato sociocultural. Isto é ler a grande comissão como retomada do projeto divino para a humanidade. Isso é para mim, a principal base para a teologia da missão plena. 3 Missão Plena é a Missão da Igreja e a Teologia que serve à Igreja. A missão da igreja é sua razão de existir. Ela existe para cumprir sua missão, sem a qual ela não tem sentido algum. Creio que a teologia da missão plena reconhece isso e propõe que é preciso compreender a missão da igreja em sua inteireza. Mais que isso, implica também que a teologia da igreja só faz sentido se feita à luz da missão da igreja, auxiliando-a no cumprimento da mesma. Se não é assim, é teologia que se impõe sobre a igreja, e que obriga a igreja a servi-la em vez de servir a igreja. É teologia que atrapalha a igreja no cumprimento de sua missão. Toda teologia que se preze, creio eu, deve ser feita a partir de dois motores: o estudo da Bíblia e a missão da igreja. Alguns dizem que a missão da igreja é adorar a Deus. Paulo ensina na carta de Romanos, capitulo doze, que o verdadeiro culto ao eterno Deus é oferecer-se em sacrifício vivo, o que implica em algo mais que a adoração e o louvor na compreensão popular dos conceitos. Alguns dizem em contrapartida que, a missão da igreja é evangelizar o mundo. De fato, mas aqui cabe perguntar o que isso significa? Seria apenas levar os homens a se decidirem por Cristo? A se tornarem membros de igrejas evangélicas? Ou seria a difusão do Reino do trino Deus? Ou seria ainda mais, a infusão dos valores do reino na cultura e na sociedade? 4 Missão plena é o próprio evangelho. Missão plena é talvez, outro nome que se pode dar ao próprio evangelho, como um cognome, ou um aposto. Como aposto, poderíamos dizer, por exemplo: “o evangelho de Cristo, isto é, a missão plena da igreja, deve ser o centro da pregação cristã”, e assim por diante. Evangelho, como todos sabem, significa “as Boas Novas da salvação em Cristo”. Eu quero crer que é isso também que significa a missão plena. Se não fazemos essa identificação, talvez seja porque limitamos, por vício, o escopo do significado do Evangelho. Salvação em Cristo significa união mística com Cristo: Cristo em nós, operando nossa justificação e nossa santificação. Cristo em nós implica em uma transformação espiritual sendo operada; implica na imitação de Cristo; em outras palavras implica em discipulado. Na verdade, creio que é preciso afirmar que não há salvação sem a presença do Espírito de Cristo em nós, e, portanto, sem obediência, sem esvaziamento, sem tomarmos a forma de servo que Cristo tomou. Em suma, não há redenção em Cristo sem seguimento, sem discipulado, porque não há evangelho sem discipulado. Seguir a Cristo e servir a Cristo significa um engajamento naquilo que chamamos de missão plena. Então, não há outro evangelho, a não ser este: a adoção e a participação na missão que só pode ser plena. Em hipótese alguma uma missão parcial ou fragmentária poderá ser chamada de evangelho. Não há missão parcial. E aqui está a grande falácia por detrás desta expressão, desta endiadys: missão plena, pois falar em missão plena pode fazer presumir que há outra missão cristã ou evangélica que seja também válida, e que não seja plena, quando na verdade só há uma missão em Cristo: aquela que inclui a plenitude daquilo que o Evangelho representa. O problema é que isso coloca todos os adeptos da teologia da missão absoluta em franca e direta oposição à larga e vasta maioria das igrejas evangélicas e do mundo evangélico, que jamais compreendeu e jamais aceitou a teologia da missão irrestrita, que certamente não entende a missão da igreja dessa forma, mas antes pregando e praticando aquilo que os adeptos da missão plena seriam obrigados a chamar de “missão parcial”. Só a aceitaram os chamados “evangelicais”, um adjetivo que se usa, em oposição à “evangélico”, para designar um grupo de evangélicos de difícil localização. Uma palavra que é um anglicismo, tradução do inglês “evangelical” que, na verdade, quer dizer “evangélico”, e não “evangelical”. O adjetivo “evangelical” tende a cair no vazio. Quem são os evangelicais? Mas acontece que, se não há missão parcial, isso tem sérias consequências para quem advoga a missão plena. Assim como uma meia-verdade é em geral, uma mentira inteira, também a noção de uma missão parcial é um equívoco. Missão parcial simplesmente não é a missão cristã, pelo contrário, é uma distorção perigosa da missão, uma distorção alienante, aviltante e opressora. Não é a verdadeira missão do corpo místico de Cristo, a Igreja Invisível, que é sempre missão plena, uma vez que essa é a única genuína missão neotestamentária. Uma missão distorcida não só não é missão de Cristo, mas presta desserviço a Cristo, pois é missão feita em nome de Cristo sem ser de Cristo. Isso a caracteriza, a partir de uma perspectiva neotestamentária, como missão do anticristo. Toda igreja que se diz cristã, mas rejeita não por ignorância, mas conscientemente a teologia da missão plena, está, ipso facto, sub judice, como candidata a igreja do anticristo. V Palavras Finais Alguém poderá dizer, agora que desembarcamos no porto final desta caminhada teórica que compõe esta comunicação, que as conclusões a que chegamos são apenas óbvias. Diante desta observação crítica, tudo que tenho a dizer é que concordo inteiramente. Assim já dizia Caetano Veloso que seriam óbvias as palavras que o índio proferiria em um ponto eqüidistante entre atlântico e o pacífico. E que surpreenderiam por ser óbvias, pois o óbvio é bom, é claro e é verdadeiro. É precisamente da obviedade que carecemos, mas não da obviedade tautológica ou repetitiva, a platitude que não passa de um lugar comum. O que se pretendeu foi dizer o óbvio que esclarece, que desobnubila, que desobstaculiza, que ilumina e que tranquiliza o coração. Não proponho, porém, sequer que este trabalho específico de limpar o terreno para futuras edificações esteja completo. Esclareço ainda além, portanto, que este texto pretendeu apenas iniciar uma reflexão que deve continuar em conjunto agora, num espírito fraterno e elucidativo. 5 REFERÊNCIAS D’ ARAUJO FILHO, Caio Fabio. Igreja: Evangelização, Serviço e Transformação Histórica. Vol. 1. Niterói: Editora Vinde e Editora Sepal, 1987. ESCOBAR, Samuel. Desafios da Igreja na America Latina: História, Estratégia e Teologia de Missões. Tradução Hans. Udo Fuchs. Viçosa: Editora Ultimato, 1997. PADILLA, Carlos René. A Evangelização e o Mundo: A Missão da Igreja no Mundo de Hoje. São Paulo e Belo Horizonte: ABU Editora e Visão Mundial, 1982. ____________. O que é missão integral? Traduzido por Wangos Guimarães. Viçosa: Editora Ultimato, 2009. STEUERNAGEL, Valdir Raul. A Missão da Igreja: Uma visão panorâmica sobre os desafios e propostas de missão para a Igreja na antevéspera do terceiro mil. Belo Horizonte: Missão Editora, 1994. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Traduzida por Odayr Olivetti. 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