Escola e família: parceiras na educação relação entre a família e a escola vem apresentando, no decorrer dos anos, mudanças significativas. Embora muitos pais ainda vejam a escola como substituta na formação de seus filhos, hoje é possível vislumbrar possibilidades de cooperação mútua para um bom resultado. Cabe à família redefinir seu posicionamento, permitindo que as crianças e os jovens encontrem seu lugar na sociedade e, assim, compreendam seus limites e suas capacidades. À escola cabe determinar suas funções específicas e auxiliar a família nesse entendimento. Em entrevista exclusiva à Atividades & Experiências, Isabel Parolin, pedagoga e mestre em Psicologia da Educação, mostra que, embora tenha como objetivo a formação do cidadão, a atuação de pais e professores jamais deve ser confundida, uma vez “que escola e família são instituições parceiras: complementares distintas, mas distintas complementares”. A&E – Como está o relacionamento da família com a escola? Isabel – Essa é uma pergunta muito complexa. A família tem, na instituição escola, a sua base de apoio. Desde que a mulher deixou de ser dona de casa para ser dona da casa, ela passou a ter uma responsabilidade diferente diante do filho. Antigamente, ela educava o próprio filho, por assim dizer, ela socializava seu próprio filho. Hoje, o filho dessa nova mulher é socializado, na melhor das hipóteses, pela escola. A mãe passou a depender muito mais da escola do que ela dependia antes. Família e escola são instituições distintas, que têm objetivos semelhantes, pautas de desempenho próximas, mas que devem ser vistas de maneira diferente, desempenhando seus papéis sociais de forma diferente. 40 ATIVIDADES & EXPERIÊNCIAS A&E – Qual é a função que os pais, por exemplo, jamais deveriam repassar para a escola? Isabel – Há um trabalho que é da família que se relaciona ao fato de a criança sentir-se pertencente a um grupo. A escola desenvolve esse pertencimento em relação a ela mesma. Há, porém, aspectos lúdicos que somente a família pode desenvolver. Uma coisa é a professora contar uma história para o aluno, outra é essa criança escutá-la do pai, da mãe, da avó. Muitos pais se preocupam com que os filhos tenham um bom encaminhamento acadêmico. Quando os filhos chegam em casa, os pais não falam com eles sobre as coisas do mundo, mas, sim, sobre História, Ciências, Matemática e as tarefas de casa. A escola ensina Geografia, mas o pai deve contar histórias de mundo ou do mundo. A família não tem tido tempo para essas atividades. A&E – Há, também, a questão da disciplina. Os pais cobram da escola uma postura que eles não têm em casa. Isabel – É um movimento muito preocupante, hoje em dia, este fato de que os pais não dão limites para os filhos, mas gostariam que a escola desse. É preciso que fique claro: o limite que a escola dá é o limite que serve para a instituição escola. A criança vai entender certas regras de comportamento de mundo, mas isso irá valer apenas para sua escola ou para determinadas situações. É na convivência, no pertencimento, na relação afetiva e nos vínculos que a criança vai compreender as leis, as regras e o funcionamento do mundo. Os limites estão diretamente relacionados a isso. A&E – Por que os pais tendem a diminuir o acompanhamento edu-cacional dos filhos com o decorrer dos anos? Isabel – Os pais acompanham muito os filhos nas séries iniciais, mas esse acompanhamento está muito voltado à avaliação – desempenho ou notas. Eles se preocupam com o aprendizado do filho, se ele está lendo, se está somando ou subtraindo corretamente. Passado esse obstáculo inicial, a tendência dos pais é acreditar que o resto irá correr normalmente, e sua preocupação passa a ser com o boletim, não percebendo que há todo um aprendizado, um aprofundamento para o qual é necessário um acompanhamento. de aula. Quando você investiga, descobre que a criança brinca, é distraída, justamente porque não tem uma válvula de escape, pois passa a manhã inteira na frente da televisão, sem ter com que ou quem brincar. O adolescente agressivo, quieto, muitas vezes não encontra espaço para colocar o seu imaginário, pois tudo está pronto para ele. Esta é uma geração delivery, de pronta-entrega. Não há espaço de criação, de discussão, de filosofia mesmo, de poder imaginar um mundo diferente e, principalmente, de reconstruílo, pois tudo já está pronto, é só acessar o site certo. A&E – Qual a sua principal preocupação em relação à família? Isabel – Eu fico muito preocupada com a família que não está educando seu filho, não está conseguindo dar limites, passar noções de funcionamento de mundo. Os pais ora são autoritários, numa fronteira relacional que afasta, ora jogam com a emoção da criança, ameaçando o seu afeto. O objetivo dos limites não é limitar a pessoa, mas construí-la, dar-lhe um código de regras para que ela possa viver e conviver com adequação, para que ela possa ampliar seu mundo. A criança que não recebe limites não consegue entender o mundo e relacionar-se com ele. Ela não consegue entrar no mundo adulto. Ela quer viver de acordo com a sua regra, e nem todos irão se submeter a elas, mesmo porque seria inadequada essa postura diante do mundo. “A televisão não é A&E – As crianças estão ficando sem parâmetros de comportamento? Isabel – Muitas vezes, os professores vêm reclamar de comportamentos inadequados em sala um bom interlocutor, nem tampouco os bate-papos virtuais. A televisão, aliás, não é um interlocutor” A&E – Como harmonizar essas questões? Isabel – Estamos construindo isso ainda. Os pais estão tomando consciência de que seus filhos, quando estão em casa, estão se criando solitários, na frente da televisão,, ou diante dos computadores, em salas de bate-papo. A televisão não é um bom interlocutor, nem tampouco os bate-papos virtuais. A televisão, aliás, não é um interlocutor. Eles vêem que seus filhos não estão construindo valores, mas apenas imitando padrões. Assim, são queixas sobre adolescentes violentos ou isolados em seus quartos, sobre crianças que só querem brincar de lutas, de armas, sobre crianças que não sabem argumentar, só sabem querer e pronto. A&E – E o que a escola pode fazer para se aproximar mais dos pais? Isabel – A escola tem feito um trabalho muito interessante, que é trazer os pais de volta como parceiros. É preciso que fique bem claro: a escola e a família são instituições parceiras na tarefa de educar e distintas em sua forma de abordar a educação, mas ambas são importantes na construção de uma pessoa adequada e instrumentalizada para ser feliz. Esse movimento acontece por parte da escola para a família, pois houve um momento em que as escolas se viram numa armadilha. No afã de manter o cliente, a escola acaba acolhendo não o aluno, mas o filho. Quando uma mãe tenta seduzir a professora para que esta cuide do seu filho, a professora deve dizer: eu não quero o seu filho, o filho é seu. Eu quero o meu aluno, e para ele eu tenho um trabalho a desenvolver. A função do professor é provocar o aluno para que ele administre toda a gama de informações que ele recebe do mundo e que ele trabalha na escola. O professor deve saber gerenciar as situações que são comportamentais em relação ao conhecimento. O que a família precisa fazer? A família precisa mostrar ao seu filho que ele tem um histórico, um percurso que é anterior à escola, que também é um percurso de aprendizagem. Não podemos esquecer que o estilo de aprender de uma pessoa está diretamente ligado ao estilo de aprender de sua família, no convívio com seus familiares. A forma como o conhecimento circula dentro da família é que vai caracterizar a forma como a criança vai se apresentar como aprendiz na escola. ATIVIDADES & EXPERIÊNCIAS 41