CONSCIÊNCIA VERDE E QUALIDADE DE VIDA URBANA: PERCEPÇÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO INTENSIFICADA DO TRANSPORTE INDIVIDUAL Zuleide Oliveira Feitosa Diego Rosa Mota Juan Pablo Espana Gomez Fabiana Serra de Arruda Augusto Cesar de Mendonça Brasil CONSCIÊNCIA VERDE E QUALIDADE DE VIDA URBANA: PERCEPÇÃO ACERCA DA UTILIZAÇÃO INTENSIFICADA DO TRANSPORTE INDIVIDUAL Zuleide Feitosa Diego Rosa Mota Juan Pablo España Fabiana Serra de Arruda Augusto César de Mendonça Brasil Universidade de Brasília-UnB Programa de Pós Graduação em Transportes-PPGT RESUMO Esta pesquisa objetivou verificar a percepção ambiental de um grupo de brasileiros e colombianos sobre o uso intensificado do Transporte Individual (TI) e de sua influência na Qualidade de Vida (QdV). Para coleta de dados, aplicou-se um questionário que contemplou as variáveis QdV e Consciência Verde em Transporte (CVT), o que viabilizou analisar a influência de uma medida de restrição ao TI na percepção da QdV além de mensurar a CVT através da consciência das consequências e de normas pessoais. A análise dos resultados mostrou que para a QdV, as percepções sobre o ambiente foram diferentes. Observou-se que a qualidade ambiental aumentaria frente a uma medida de restrição ao uso do TI, no entanto, o sentimento de obrigação de se reduzir seu uso é pequeno ou inexistente, principalmente para os brasileiros. Conclui-se que, mesmo que as pessoas tenham declarada consciência ambiental, ainda assim pagariam mais para continuar usando o TI. ABSTRACT This research aimed to verify the Brazilians and Colombians group environmental perception of the intensified car use and its influence on quality of life (QoL). To the data collect it was used a questionnaire including QoL and Green Transportation Consciousness (GTC) variables. The results enable the analysis of the influence of a car use restriction measure in the perception of QoL and show indicators of GTC through awareness of consequences and personal norms. We find that the perceptions of the environment were different for the QoL. One of the main conclusion was that environmental quality would increase if a measure barring the car use was applied, however, the sense of obligation to reduce car use are little or nonexistent, especially for Brazilians. Finally, even if people have declared concern for the environment, they would pay more to keep car use. 1. INTRODUÇÃO O uso intensificado do transporte individual é um problema para o ambiente urbano. Alguns pesquisadores europeus afirmam que o uso do carro produz poluição, barulho, congestionamento, provoca acidente, doenças pulmonares e cardíacas (Steg, 2003), mas ao mesmo tempo facilita a locomoção, fornece conforto e viabiliza as tarefas do cotidiano (Gatersleben, 2007; Jakobsson et al. 2011; Steg et al. 2001; Steg, 2005). Entretanto, Jensen (1999) diz que o transporte público de má qualidade é frequentemente percebido como justificativa para o uso do automóvel. Para Garling & Loukopoulos (2002) o automóvel é avaliado mais positivamente do que o transporte público. Na literatura muitos termos são usados como sinônimo de qualidade de vida tais como bemestar, felicidade, condições de vida, moralidade e satisfação com a vida (Dissart e Deller 2000). A multidimensionalidade da qualidade de vida refere-se à cobertura de uma ampla gama de conteúdo, incluindo o físico, o funcional, o emocional e o bem-estar social (Kaplan, 2007). O conceito de qualidade é frequentemente estudado por sociólogos, que olham para o impacto de certas condições sobre a qualidade de vida (por exemplo, as condições de habitação sobre a qualidade de vida), muitas vezes referidas ao bem-estar (Meeberg, 1993). Já para Dissart e Deller (2000) a qualidade de vida de uma pessoa depende dos fatores exógenos 1 (objetivo) de fatos de sua vida, e endógenos (subjetivo) das percepções que ele ou ela tem um desses fatores e de si mesmo. A partir da revisão da literatura, verificou-se que as variáveis “consciência das consequências” e as “normas pessoais” acerca do comportamento pró-ambiental na área de transporte foram estudadas por Groot & Steg (2007) e adotadas neste trabalho. A Consciência das Consequências se refere ao conhecimento dos problemas ambientais associados a um determinado comportamento, como o uso do transporte individual (Groot & Steg, 2007) e as Normas Pessoais se referem a sentimentos de obrigação moral para se comportar de forma pró-ambiental (Garling et al. 2003; Stern, 2000). As duas variáveis foram nomeadas neste estudo de Consciência Verde em Transportes (CVT). Nessa perspectiva, Banister et al. (2012) argumentam que para entender os impactos da qualidade de vida com relação à redução do consumo energético e de emissões no setor de transporte, é necessário entender o comportamento dos indivíduos e pensar em como alterá-lo. Nesse contexto, este estudo objetivou verificar a Consciência Verde em Transportes (CVT) e a percepção dos indivíduos acerca do uso do Transporte Individual (TI), bem como de sua influência na Qualidade de Vida (QdV). Como até o momento, não foram encontrados trabalhos com essa perspectiva em países da América do Sul, a pesquisa foi realizada com indivíduos brasileiros e estrangeiros, particularmente colombianos. De forma mais específica, foram feitos: (a) Aplicação da escala de Qualidade de Vida (QdV) urbana, adaptada de Poortinga, et al. (2004) e Steg (2006); (b) Verificação da política de restrição do uso do TI sobre a percepção da QdV; (c) Verificação da CVT (Steg, 2007) entre as diferentes nacionalidades, respectivamente. A seguir será apresentado o referencial teórico, a descrição do método para coletar os dados, e as análises realizadas, bem como os resultados, a discussão e as devidas considerações finais. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. O uso do Transporte Individual e seu impacto no Ambiente Urbano A poluição produzida pelos vários tipos de veículo automotivo é atualmente um dos fatores ambientais mais discutidos (Jakobsson et al. 2011; Steg, 2003; Steg, et al. 2001). O impacto ambiental produzido pelos diversos tipos de transporte depende de fatores como o volume de veículos, das tecnologias, da maneira que os veículos são utilizados, da distribuição do volume de veículos no espaço e no tempo, da localização em que uma pessoa se encontra, bem como da maneira que o motorista dirige (El-Shawarby, Ahn & Rakha, 2005), e da distribuição do solo (construção de prédios, praças e preservação de áreas verdes) (Meurs & Haaijer, 2001). O efeito da poluição na saúde das pessoas é nocivo e resulta da exposição a altas concentrações de gases tóxicos como, por exemplo, o dióxido de enxofre (SO2), Óxidos de Nitrogênio (NOx), Monóxido de Carbono (CO), Hidrocarbonetos (HC) e Dióxido de Carbono (CO2). A intensificação do uso de veículos motorizados é apontada como um dos grandes responsáveis por problemas ambientais globais e humanos (Gärling, Gärling, & Loukopoulos, 2002). A Tabela 1 apresenta algumas destas externalidades. 2 Tabela 1: Externalidades Físicas e Humanas do uso intensificado do Transporte Individual Físicas Danos ambientais Poluição atmosférica e processo de acidificação e degradação de edifícios históricos e monumentos Redução da qualidade restauradora dos ambientes Aumento das externalidades Congestionamentos e elevados índices de acidentes, enfatizando-se a importância de avaliar os custos gerados por essas externalidades e gerenciar os impactos do sistema de tráfego no ambiente. Humanas Danos à saúde Alergias, irritações do sistema respiratório e mortes decorrentes de doenças cardíacas e pulmonares. Redução da possibilidade dos indivíduos renovarem suas capacidades psicofisiológicas, desgastadas com as demandas cotidianas; Redução da qualidade de vida Perturbação da comunicação, da atenção e do sono, e emissão de respostas afetivas e emocionais exacerbadas, como medo e raiva. Dificuldade para representar cognitivamente o espaço urbano- déficit na localização, espacialidade e compreensão da estrutura e da forma urbana. Fonte: Elaboração dos autores baseando-se em G. Tommy e Steg, L. (2007) e Neto et al. (2014). A intensificação do uso do automóvel vem produzindo também vítimas. Em média, 1,2 milhões de pessoas em todo o mundo morrem de acidente de automóvel (Steg, 2003). No Brasil, até 2008, o número de mortes era de 36.666 (Bacchieri & Barros, 2011). Sockza (2005) afirma que o congestionamento nas cidades tem aumentado de modo assustador. Na Europa, o congestionamento tem custo estimado em torno de 100 bilhões de euros ao ano. A literatura sugere que a utilização constante de veículos e, especialmente, o uso extremo de veículos particulares tem impactado mais negativamente do que positivamente a qualidade de vida urbana (Gifford & Steg, 2007). Para Vilhelmson (2007), o automóvel pode ser interpretado como mais vantajoso em função do uso do tempo, da facilidade de deslocamento e acessibilidade, pode levar à mudança do comportamento de viagem frente à ineficiência do transporte público e a escassez de modos alternativos de transporte. Além disso, o uso do automóvel está associado a sentimento de autonomia, liberdade, prazer, segurança, independência (Gatersleben, 2007; Jakobsson et al. 2011; Steg et al. 2001; Steg, 2005). Frente às diferentes percepções acerca do uso do automóvel, tem-se procurado compreender seu uso intensificado, o comportamento de viagem, o consequente consumo de combustível fóssil, (Naess, 2003), o modo de escolha e tipo de viagem, bem como os impactos que o automóvel produz sobre a mobilidade (Cervero, 1997). Nesse sentido, as políticas públicas de redução do uso do automóvel precisam ser questionadas, pois é preciso entender porque o transporte individual tem seu uso tão expressivo e é bem aceito mesmo sendo prejudicial do ponto de vista ambiental. 2.2. Políticas de Redução do Transporte Individual A diversidade de medidas que podem ser adotadas para gerenciar a demanda pelo uso do automóvel está registrada na literatura (Neto et al. 2012). Gärling (2004) propõe uma categorização mais ampla dessas medidas: (a) coercitivas, que envolvem a proibição do uso do carro; (b) intermediárias, que envolvem a fixação de taxas para a utilização das vias (tarifação); (c) não coercitivas, que compreendem ações individuais de marketing, tais como ações de incentivo ao uso do transporte coletivo ou as chamadas caronas solidárias. 3 De modo similar, Amim et al. (2006) propõe três categorias para medidas de gerenciamento ambiental que influenciam o comportamento das viagens: medidas econômicas e financeiras (taxação de congestionamento, esquema de licenciamento de áreas, taxação de combustível, bonificação para aquisição de carros sustentáveis); medidas regulatórias (sistema de quotas para aquisição de veículos, controle das emissões dos veículos); e medidas persuasivas (promoção do dia sem carro, dia do pedestre, carro compartilhado). 2.3. Qualidade de Vida e Transportes Segundo Dissart e Deller (2000), a qualidade de vida abrange a compreensão do crescimento humano e do processo de desenvolvimento, a média de vida dos indivíduos dentro de suas comunidades, e na medida em que esses processos psicológicos são influenciados por fatores ambientais e sistemas de valores individuais. A pesquisa feita por Steg & Groot (2006) sobre transporte e qualidade de vida conclui que as pessoas percebem que medidas econômicas de restrição ao uso do automóvel individual influenciam negativamente na qualidade da vida, principalmente em aspectos tais como conforto, dinheiro e liberdade. Por outro lado, Kolodinsky et al. (2013) afirmam que enquanto as políticas buscam melhorar a qualidade de vida, reduzindo a demanda não atendida, deveriam incidir também em proporcionar experiências de viagem agradáveis e previsíveis. Para o uso do transporte individual, a qualidade de vida pode ser facilitada, segundo Steg & Groot (2006), pela descrição de medidas de política mais detalhadas, por exemplo, calcular os aumentos exatos em custos de viagem estudando as mudanças na qualidade de vida e aceitabilidade na mudança do uso do carro em relação a outras políticas para analisar se os resultados podem ser generalizados em outras políticas de transporte. 2.4. Consciência Verde em Transporte (CVT) O comportamento pró-ambiental, aqui chamado de Consciência Verde em Transporte, é definido por Corral-Verdugo & Pinheiro (1999) como “o conjunto de ações dirigidas, deliberadas e efetivas que respondem a requerimentos sociais e individuais e que resultam na proteção do meio”. O comportamento pró-ambiental na área de transporte foi estudado por Groot & Steg (2007) que analisaram a influência dos valores pessoais nas crenças específicas de comportamentos, atitudes e normas relacionadas ao uso do TI. As autoras usaram a escala de Normas Pessoais, que se refere a sentimentos de obrigação moral para se comportar de forma pró-ambiental e media os efeitos dos valores no desejo de se reduzir o uso do carro. A escala capta, ainda, a Consciência das Consequências (CdC), que se refere ao conhecimento dos problemas ambientais associados a um determinado comportamento, como o uso do transporte individual (Garling et al. 2003; Stern, 2000; Nordlund & Garvill, 2003; Groot & Steg, 2007). 3. MÉTODO DE AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA E DA CONSCIÊNCIA VERDE EM TRANSPORTES O método utilizado neste estudo baseou-se na adaptação do questionário (survey) proposto por Groot & Steg (2006, 2007, 2008) e Gifford & Steg (2007). De forma geral, o instrumento possibilita a análise da influência de uma política restritiva econômica do uso do transporte individual na QdV urbana e a verificação da CVT relacionada ao uso do automóvel. O 4 procedimento de análise dos dados obtidos pelo questionário baseou-se na quantificação das respostas através de uma escala de 5 níveis. 3.1. Procedimento de Coleta de dados A coleta de dados foi feita através de um questionário dividido em quatro partes: a primeira está relacionada à escala de QdV, a segunda parte relaciona a QdV com uma medida econômica restritiva ao uso do automóvel, a terceira parte se relaciona à CVT e a quarta relaciona-se às características individuais do respondente, conforme Tabela 2. Tabela 2: Descrição do procedimento de coleta de dados Parte 1: Qualidade de vida (QdV) Alvo da situação: Identificar dentre uma lista de vinte indicadores (Tabela 3), quais são os mais relevantes para a Qualidade de Vida. Situação: Pediu-se ao respondente para avaliar o indicador de QdV Escala de medida (cinco níveis): De “sem importância” até “extremamente importante”. Parte 2: Qualidade de Vida e transportes Alvo da situação: Avaliar o impacto de uma política de restrição econômica do uso do automóvel individual na qualidade de vida. Situação: Pediu-se que o respondente idealizasse a situação: “Imagine que para cada carro que você usa você vai pagar o dobro do que paga hoje, ou seja o valor dos pedágios, impostos, estacionamento e combustível vão dobrar”. Apresentaram-se os 20 indicadores de QdV (Tabela 3) para o participante avaliar o impacto da política restritiva em cada um e também globalmente. Escala de medida (cinco níveis): De “cai drasticamente” até “aumenta muito”. Parte 3: Consciência Verde em Transporte (CVT) Alvo da situação: Avaliar a Consciência Ambiental em transportes através das Normas Pessoais e da Consciência das Consequências. Situação: Apresentaram-se as proposições mostradas nas Figuras 2 e 3. Escala de medida (cinco níveis): De “discordo totalmente” até “concordo totalmente”. Parte 4: características individuais Alvo da situação: Definir o perfil sociodemográfico e caracterizar a amostra pesquisada. Situação: Idade, gênero, renda mensal, nacionalidade, modo de transporte frequentemente usado, número de carros na residência e frequência em que utiliza o carro semanalmente. Escala de medida: Não se aplica Fonte: Elaboração dos autores baseando-se em G. Tommy e Steg, L. (2007) e Neto et al. (2014). 3.2. Definição da amostra O questionário foi aplicado via internet e seu link foi divulgado principalmente entre estudantes e outros residentes no Brasil e na Colômbia. A divulgação do link foi feita através de e-mail, redes sociais e aplicativos de mensagens para smartphones. Na mensagem era feito o pedido para que a pessoa respondesse e repasse o link para outras pessoas. 3.3. Procedimento de análise dos dados O procedimento de análise dos dados divide-se em duas partes definidas pelas duas variáveis estudadas: QdV e CVT. A variável QdV, composta pelos 20 indicadores apresentados na Tabela 3, foi avaliada independentemente a fim de se determinar os indicadores de QdV mais relevantes para os indivíduos. A medida da relevância do indicador foi obtida através das médias aritméticas simples das respostas dos grupos de brasileiros e colombianos, onde se atribui o valor 1 para “sem importância” e 5 para “extremamente importante”. A QdV também foi avaliada frente a proposta de uma medida econômica de restrição do uso do TI (política de redução), a fim de se verificar a percepção que os indivíduos têm da influência exercida na QdV pela medida restritiva. Esta influência foi quantificada para cada 5 um dos indicadores através das médias aritméticas simples das respostas dos grupos de respondentes, de forma que a escala que variava de “cai drasticamente” até “aumenta muito” foi traduzida no intervalo de -10 a 10. Da mesma forma foi quantificada a avaliação global de todos os itens. Também foi feita uma avaliação global da influência da medida restritiva na QdV por meio da média aritmética da influência da medida nos indicadores ponderada pela relevância atribuída ao indicador. Por sua vez, a análise da variável CVT consistiu na verificação da Consciência das Consequências e das Normas Pessoais relacionadas ao uso do TI, baseando nas proposições descritas nas Figuras 2 e 3. A quantificação também foi feita através das médias aritméticas simples das respostas às proposições dadas, onde a escala que variava de “discordo totalmente” até “concordo totalmente” foi traduzida para o intervalo de -2 a 2. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Caracterização da Amostra Foram coletados 406 questionários, dos quais 206 foram efetivamente aproveitados. Entre os respondentes 105 (51%) eram colombianos e 101 brasileiros (49%). Da amostra, 82 indivíduos (40%) apresentaram renda entre 4 e 10 salários mínimos e 73 (35%) apresentaram renda maior que dez salários, tendo como referencia no Brasil um salário mínimo de R$724 e na Colômbia de aproximadamente R$616, na data atual (Julho de 2014). Quanto à idade, a amostra foi predominantemente jovem com 97 respondentes (47%) na faixa etária entre 18 e 30 anos. Os adultos entre 31 e 40 anos somaram 82 (40%) respondentes. Identificou-se que o automóvel foi o meio de transporte usado predominante 87 (42%); o transporte coletivo foi utilizado por 50 participantes da pesquisa (24%) e meios não motorizados por 45 respondentes (22%). Destaca-se que 67 brasileiros (66%) usam o transporte individual diariamente dentre outros modais. Notou-se que o número de carros por residência entre brasileiros e colombianos foi diferente: 54 colombianos (51%) não possuem nenhum carro, enquanto (80) brasileiros (79%) possuem um ou dois carros. 4.2. Resultados do Questionário 4.2.1 Qualidade de Vida (QdV) Na Tabela 3, são apresentados os resultados encontrados para a importância do indicador de QdV para brasileiros e colombianos. A média aritmética simples apresentada varia numa escala de 1 a 5, onde 5 significa extremamente importante. Para os indicadores ambientais (Qualidade Ambiental, Natureza e Biodiversidade), notou-se que para brasileiros e colombianos, estes indicadores obtiveram médias próximas de 4,00. Esta evidência mostra que os entrevistados atribuem forte importância à Qualidade Ambiental, Natureza e Biodiversidade. Para ilustrar a situação pesquisada verificou-se que, a partir de um estudo feito na Holanda por um grupo de pesquisadores (Poortinga et al. 2004), brasileiros e colombianos percebem a QdV de modos diferentes. Contatou-se que Brasileiros dão mais importância à Educação, enquanto colombianos priorizam a família e holandeses priorizam a Família e a Justiça Social. 6 Tabela 3: Relevância do indicador para a Qualidade de Vida (QdV) Brasileiros Colombianos Educação: ter a oportunidade de ter uma boa educação 4,76 4,62 Justiça social: ser tratado de forma justa 4,70 4,57 Família: ter uma vida familiar estável 4,66 4,64 Segurança pública: sentir-se seguro em casa e nas ruas 4,62 4,48 Liberdade: liberdade e controle sobre o curso da vida 4,46 4,50 Lazer: ter tempo suficiente depois do trabalho 4,36 4,09 Identidade e respeito próprio: ter autoestima suficiente Trabalho: ter ou ser capaz de encontrar um emprego e ser capaz de cumpri-lo tão agradavelmente quanto possível Qualidade ambiental: ter e manter uma boa qualidade ambiental Dinheiro: ter dinheiro suficiente para comprar e para fazer as coisas que são necessárias e agradáveis Natureza e biodiversidade: ser capaz de desfrutar de paisagens naturais 4,25 4,43 4,22 4,26 4,20 4,26 4,09 3,66 4,00 4,10 Relacionamentos sociais: ter boas relações 3,94 3,84 Prazer de apreciar: ser capaz de apreciar a beleza da natureza e da cultura 3,94 3,88 Seguridade: sentir-se atendido e cuidado por outros 3,88 3,62 Conforto: ter uma vida diária confortável e fácil 3,82 3,61 Desafios: experimentar coisas agradáveis e emocionantes 3,56 3,57 Espiritualidade: ser capaz de dar ênfase a uma vida de espiritualidade 3,42 3,88 Novidades: experimentar tantas coisas novas quanto possíveis 3,28 3,51 Status e reconhecimento: ser apreciado e respeitado pelos outros 3,26 3,52 Bens Materiais: Possuir bens materiais que proporcionem conforto 3,16 3,13 Fonte: Elaboração dos autores baseando-se nos indicadores de QdV de Poortinga et al. 2004 4.2.2. Transporte e QdV Para avaliar a relação da política de restrição do uso do transporte individual e dos indicadores de QdV, deu-se a condição: “Imagine que para cada carro que você usa, vai pagar o dobro do que paga hoje, ou seja o valor dos pedágios, impostos, estacionamento e combustível vão dobrar”. As médias obtidas, para toda a amostra pesquisada, estão apresentadas na Figura 1, onde se considerou uma escala variando de -10 (cai drasticamente) até 10 (aumenta muito). A Figura 1 mostra que, frente à condição dada (política de restrição econômica: dobrar o valor do uso do carro), de forma geral, os indivíduos esperaram uma queda na maior parte dos 20 indicadores de QdV. De Goot e Steg (2006) obtiveram resultados semelhantes ao aplicar o mesmo questionário em cinco países europeus. Assim como em De Goot e Steg (2006), este estudo mostrou que os respondentes perceberam que dentre os indicadores de QdV, o indicador Qualidade Ambiental aumentaria, enquanto os indicadores Dinheiro e Conforto teriam uma queda expressiva frente à medida restritiva proposta. Neste estudo, a percepção dos respondentes sobre a influência da medida restritiva no indicador qualidade ambiental teriam um aumento de (10%) e os indicadores dinheiro, bens materiais e conforto teriam uma queda de cerca de 48%, 42% e 40% respectivamente. Ou seja, no contexto desta pesquisa, os indivíduos interpretaram que quanto mais caro o 7 automóvel, menos dinheiro, bens materiais e conforto eles terão. Este aspecto indica que, mesmo se a política de restrição – pagar mais para usar o carro – do uso do transporte individual for efetivada, ainda sim, os indivíduos pagariam mais para continuar usando o transporte individual. Figura 1: Influência da medida de restrição ao uso do automóvel nos indicadores de QdV para toda a amostra Ao se analisar a influência da política de restrição ao uso do automóvel nos indicadores de QdV separadamente para brasileiros e colombianos, destaca-se que, para os brasileiros, os indicadores lazer e liberdade mostraram uma queda expressiva de 32% e 28% respectivamente. Ou seja, os brasileiros percebem que ao dobrar o valor do uso do transporte individual, o lazer e a sua liberdade também podem ficar restritos. Estes resultados podem ser explicados de duas formas. A primeira, pela relação entre o indivíduo e o automóvel, já estudada por Gatersleben, 2007; Jakobsson et al. (2011); Steg, et al. (2001) e Steg (2005), os quais identificaram que o uso do transporte individual está associado ao sentimento de autonomia, liberdade, prazer, segurança e independência. A segunda explicação pode se fundamentar no fato do indivíduo perceber como negativo o transporte coletivo, que, ao contrário do carro, não promove sensação de liberdade ou possibilidade de acesso ao lazer (Jense, 1999; Garling & Loukopoulos, 2002), já que muitas vezes, a preocupação deste é atender à demanda por deslocamentos casa-trabalho. Ressalta-se que quando foi perguntado aos participantes da pesquisa a influência da política de restrição ao uso do automóvel na QdV, considerando globalmente os 20 indicadores, foi obtido como média, para toda a amostra o valor de -4,5, que numa escala de -10 até 10, representa queda de 45% na QdV. Entretanto, quando se verificou a influência da política na QdV através da média dos 20 indicadores ponderados pela sua relevância (Tabela 3) o resultado obtido foi -1,5, indicando uma queda de 15% na QdV. 8 4.2.3. Consciência Verde em Transportes (CVT) A Figura 2 mostra a percepção do indivíduo sobre a consciência das consequências (CdC) do uso intensificado do TI numa escala variando de -2 a 2 (discordo totalmente a concordo totalmente). As médias resultantes da pesquisa indicam que os respondentes concordam totalmente com a ideia de que se reduzido o uso do transporte individual, a poluição do ar, os ruídos do trafego e os acidentes de trânsito também serão reduzidos, a utilização do espaço urbano será melhorado e o uso de recurso escasso (combustíveis fósseis), será otimizado. Figura 2: Consciência das Consequências do transporte individual Na Figura 3 são apresentados os resultados referentes às normas pessoais relacionadas ao uso intensificado transporte individual, numa escala de -2 a 2 (discordo totalmente a concordo totalmente). As médias resultantes da pesquisa indicaram que os respondentes brasileiros não se sentem culpados por usar o automóvel em detrimento de alternativas de transportes; e também não se sentem pessoalmente obrigados a viajar de formas mais sustentáveis. Os brasileiros, assim como os colombianos concordam um pouco que se sentiriam uma pessoa melhor se usassem outro modo de transporte ao invés do automóvel. Figura 3: Normas Pessoais relacionadas ao comportamento Verde em Transportes 9 Infere-se que o brasileiro percebe-se pouco culpado por usar o carro, ao mesmo tempo em que diz sentir-se uma pessoa melhor se usasse outros modos de transporte. Essa ambiguidade demostra que há desejabilidade social (Nordlund & Garvill, 2003) no que diz respeito ao uso do transporte coletivo, ou seja, as pessoas avaliam o uso do automóvel e percebem o transporte coletivo como deficiente. Analisando-se conjuntamente a Figura 2 e a Figura 3, percebe-se que os respondentes apresentaram CdC do uso intensivo do TI, porém o sentimento de obrigação de se reduzir seu uso é inexpressivo ou inexistente, principalmente para o grupo de respondentes brasileiros. Isso evidencia o distanciamento entre a percepção de um fato e o comportamento em si (Nordlund & Garvill, 2003). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da importância de cada um dos vinte indicadores de QdV avaliados, inferiu-se que os brasileiros podem ser receptivos às políticas educativas (medidas persuasivas e não coercitivas) de redução do uso do automóvel à medida que atribuem forte importância ao indicador de QdV Educação. Sobre a QdV e as Políticas de redução do uso do TI, os indicadores dinheiro, bens materiais e conforto, foram os mais influenciados negativamente diante da proposta da condição de dobrar o custo do uso do transporte individual, pois a percepção foi que a qualidade de vida das pessoas cairia. Particularmente, para o grupo de respondentes brasileiros, percebeu-se que o encarecimento do uso do TI poderia levar a restrição de lazer devido a que seu uso está ligado diretamente à diversão. Para a variável CVT ouve um distanciamento entre a CdC e normas pessoais. Este distanciamento sugere que há uma falha entre a percepção e o comportamento da pessoa quando ela avalia que, apesar de uma medida mitigadora positiva para o ambiente, venha ser negativa para ela, seu comportamento contradiz a percepção. Ela age em prol dos seus interesses. Este estudo traz como limitação os seguintes aspectos: não foram investigadas a influência da orientação de valores do indivíduo sobre consciência ambiental e sobre a percepção da QdV urbana relativa ao TI, bem como outras medidas de restrição do uso que possam ser significativas neste contexto. A amostra pesquisada foi também um fator limitador já que a pesquisa refletiu as percepções de QdV e a CVT de um grupo predominantemente jovem e de alta renda. Sugere-se replicar a pesquisa incluindo-se outras faixas etárias e de renda. Outras sugestões para investigações futuras são: (a) usar a escala de QdV para comparar efeitos de várias políticas de redução de uso do TI; (b) aplicar a escala de QdV para avaliar impacto de implantação de novas infraestruturas e modificações no sistema de transporte; (c) realizar análises correlacionais de QdV e CVT com variáveis socioeconômicas; (d) pesquisar a Orientação de Valores e analisá-la frente à QdV e à CVT e (e) expandir a pesquisa para outras regiões do Brasil e para outros países da América Latina. 10 Agradecimentos Os autores agradem ao Grupo de Pesquisa Comportamento em Transportes e Novas Tecnologias (CTNT) do Programa de Pós Graduação em Transportes da Universidade de Brasília. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amim, A. N. 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Zuleide Feitosa ([email protected]) Diego Rosa Mota ([email protected]) Juan Pablo España ([email protected]) Fabiana Serra de Arruda([email protected]) Augusto César de Mendonça Brasil ([email protected]) Programa de Pós Graduação em Transportes-PPGT, anexo SG-12, 1 andar, UnB – Asa Norte, Brasília-DF. CEP 70910-900. Fone +55(61) 3107-0975. E-mail [email protected] 12