DIREITO À QUALIDADE DE VIDA: Uma avaliação jurídica e social.
Aglaé dos Santos Ton¹
Resumo
O tema do presente estudo visa analisar a problemática existente quanto à
efetiva aplicação dos Direitos Fundamentais dispostos na Constituição Federal,
bem como, a relação dessa aplicabilidade com a melhoria da qualidade de vida
do cidadão, a fim de definir as conseqüências no poder de escolha da
população que busca a satisfação de suas necessidades e o bem estar social.
Para tanto, faz-se necessário atingir o equilíbrio entre os valores éticos jurídicos e os princípios fundamentais da dignidade humana, cidadania e
democracia, reafirmando, desta forma, o Estado Democrático de Direito. Foram
abordados os direitos fundamentais e seus princípios norteadores como meios
de assegurar a autonomia ao homem frente ao Poder Público, respeitando,
defendendo e garantindo a liberdade, a justiça social e a dignidade da pessoa.
Nesse sentido, a exploração do tema, buscou enfocar a importância da
presença do cidadão em reclamar ao Estado, como ente político distribuidor e
possibilitador das demandas sociais, a realização dos seus direitos, com o
objetivo de concretizar o disposto na Constituição da República, no que diz
respeito aos direitos fundamentais, assegurando e garantindo a possibilidade
de uma vida saudável.
Palavras- chave: cidadania. gestão estatal. qualidade de vida. dignidade.
1. INTRODUÇÃO
A qualidade intrínseca do ser humano em buscar respeito e
consideração por parte do Estado implica em uma série de direitos e deveres
fundamentais que venham dar segurança ao cidadão em relação a atos que
possam violar a preservação dessa condição que inclui a existência de um
mínimo de bens para uma vida saudável.
A partir da Constituição Federal de 1988, movimentos sociais atuantes
começaram a se intensificar com maior expressão pelo país, demonstrando a
pluralidade de manifestações: do movimento negro, dos ambientalistas, de
defesa dos direitos das crianças, dos adolescentes, dos idosos, entre outros.
¹Prof. Esp. em Educação Física da Prefeitura Municipal de Curitiba, graduada em Direito pela
Unicuritiba, especializanda em Direito Contemporâneo pela Universidade Positivo.
[email protected]
2
Essas manifestações têm como objetivo buscar o exercício dos
direitos, não só civis e políticos, mas também sociais, econômicos e culturais.
Essa é a expressão do cidadão declarando e exigindo o cumprimento dos seus
direitos, a garantia de uma vida digna com qualidade.
Nesse sentido, faz-se relevante a exploração do tema, diante da
importância da presença do cidadão em reclamar ao Estado a realização dos
seus direitos, com o objetivo de concretizar o disposto na Constituição da
República, nos que diz respeito aos direitos fundamentais, assegurando e
garantindo a possibilidade de uma vida saudável.
As pessoas têm capacidades resultantes das escolhas, no âmbito
político e não político, realizadas por cada uma, daquilo que vem a ser uma
boa vida, ou mais precisamente, qualidade de vida. Por isso o dever de agir do
Estado, em garantir os direitos Fundamentais, torna-se essencial, sendo
inadmissível a sua inércia frente à busca da concretização desses direitos. A
Constituição Federal de 1988 aumentou as tarefas do Estado, cabendo a ele
fins econômico-sociais, juntamente com a proteção e defesa dos direitos civis e
políticos. A efetiva aplicação dos direitos fundamentais por parte do Estado
está profundamente relacionada com a possibilidade de uma vida saudável e a
conseqüente melhoria da qualidade de vida.
A busca de estratégias capazes de redefinir a relação entre Estado e
cidadania, com o objetivo de materializar as ações participativas do cidadão
nos processos decisórios da gestão estatal, tendo em vista a reclamação da
realização de direitos em face do Estado, é a defesa da participação do
cidadão na construção da coisa pública, na qual se inserem os direitos
fundamentais vinculados à qualidade de vida. O dever de agir do poder estatal,
em garantir os direitos fundamentais, é essencial para o exercício do Estado
Democrático de Direito, sendo inaceitável a sua inércia, ou mesmo a sua
indiferença.
O presente estudo tem por escopo abordar a problemática existente
quanto à efetiva aplicação dos direitos fundamentais por parte do Estado, a
relação com a melhoria da qualidade de vida, tendo em vista a possibilidade de
uma vida saudável destacando aspectos como a responsabilidade social do
Estado como ente político distribuidor e possibilitador das demandas sociais, os
3
direitos humanos fundamentais e seus princípios norteadores.
O presente
estudo também analisará a questão da qualidade de vida e a participação do
cidadão na gestão pública. O envolvimento da sociedade civil, como poderoso
mecanismo para reforçar a proteção do Estado Social Democrático de Direito,
em que se destacam a cidadania e a dignidade da pessoa humana e servem
de estratégias na busca da redefinição e reconstrução do conceito de
cidadania.
Dessa maneira, mostra-se importante para a exploração do tema, a
valorização do disposto constitucionalmente e, por conseguinte, para o sucesso
da aplicabilidade de políticas sociais com vistas à melhoria da qualidade de
vida das pessoas.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Direitos Fundamentais: conceituação e teoria jurídica.
Podemos conceituar Direitos Humanos Fundamentais como o conjunto
de direitos e garantias do ser humano que buscam, fundamentalmente, o
respeito à dignidade, protegendo-a contra os excessos do poder do Estado ou
de interferências arbitrárias de outras pessoas, através da efetivação de
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
Os direitos fundamentais, historicamente, pertencem ao campo dos
direitos humanos, no entanto, são entendidos como “manifestações positivas
do direito”.
(LINHARES, 2002, p.55). Enquanto os direitos humanos se
revestem de universalidade cunho ético e político, os direitos fundamentais
seguem, por outro lado, as limitações de tempo e espaço, estando ligados
constitucionalmente aos ordenamentos jurídicos nas diversas partes do mundo.
Diante desta consideração, cabe destacar uma observação de Linhares:
Embora assentada essa distinção entre os direitos fundamentais e os
direitos humanos, o fato é que, via de regra, ambos são tratados
como uma só categoria de direitos. Em suma, os direitos
fundamentais podem ser considerados como a denominação
genérica dos direitos humanos universais e dos direitos dos cidadãos
1
nacionais [...].
1 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos Fundamentais e Qualidade de Vida. São Paulo: Iglu, 2002, p.56.
4
O autor explica que as disposições constitucionais ultrapassam os
limites do texto jurídico ou da mera regulamentação normativa, traduzindo-se
em elevada expressão do desenvolvimento cultural, “ meio de auto – retrato
cultural de um povo, espelho de sua herança cultural e fundamento de suas
esperanças” (LINHARES apud HABERLE,2002,p.58).Prossegue LINHARES
em sua explicação:
Não é sem razão, aliás, que os preâmbulos das constituições, são
impregnados com a cultura de cada povo, denominados como
cláusulas de herança cultural, conforme são estabelecidas além do
texto constitucional, as premissas do Estado quanto à sua identidade
e à individualidade de sua cultura. Daí não ser possível escolher
conceituação para os direitos fundamentais que não a fulcrada na
2
ótica científico-cultural.
Os direitos fundamentais constituem a base sobre a qual se assenta o
ordenamento jurídico sendo decorrentes do regime e dos princípios adotados
na Constituição Federal, conforme o art.5º,§2º. Os direitos fundamentais são
considerados universais porque inerentes à condição humana, são atributos do
ser humano, sendo então requeridos em diferentes períodos históricos,
conforme o pensamento da comunidade da época e local. Um mesmo direito
fundamental pode assumir concepções diversas na linha do tempo e do
espaço.
O conteúdo do direito faz referência aos valores supremos do ser
humano tendo preocupação com a conservação da dignidade da pessoa
humana,
expressando-se
no
ordenamento
jurídico
como
normas
da
Constituição, através dos direitos fundamentais os quais estão vinculados a
princípios consagrados como o da dignidade humana, sendo que a previsão
desses direitos apresenta diversas características que vem auxiliar a
interpretação dos mesmos, tais como:
a) Irrenunciabilidade- Não podem ser objeto de renúncia por parte de seus
destinatários.
b)
Inviolabilidade-
Não
podem
ser
desrespeitados.
c)
Universalidade- Abrange todos os indivíduos. d) Imprescritibilidade- Não há
decurso de prazo, podendo ser exigíveis a qualquer tempo. e) HistoricidadeFruto dos momentos históricos, pois nascem, modificam-se, evoluem e
2 (Ibidem, p.58).
5
desaparecem. f) Positividade- Estão positivados no ordenamento jurídico. g)
Indivisibilidade- Em sua realização deve ser dado o respeito à unidade de
conteúdo. h) Harmonização- Conforme o fato pode ser necessário uma
adequação dos direitos fundamentais quando ocorre uma concorrência entre
eles. i) Efetividade - A efetivação dos direitos pelo Poder Público devendo este,
atuar e garantir a efetivação dos Direitos e Garantias Fundamentais. j)
Complementariedade- devem ser interpretados de forma conjunta com os
demais direito fundamentais. k) Interdependência- Os direitos fundamentais
interagem entre si, complementando-se. l) Inalienabilidade- Não é possível a
transferência de direitos. m) Aplicabilidade Imediata- Possui aplicação imediata,
devendo ser alegado pelo interessado assim que desejar sua incidência.
Quanto a Natureza Jurídica das normas de direitos e garantias
fundamentais
pode-se
afirmar
que,
por
estarem
inseridos
no
texto
constitucional são direitos constitucionalmente definidos,que independem de
legislação ulterior a sua aplicabilidade e eficácia. Por serem normas que
agregam direitos fundamentais individuais, em regra, tem a sua aplicabilidade e
eficácia imediata, conforme dispõe a própria Constituição Federal no que diz
respeito às normas que definem os direitos e garantias fundamentais, (CF,
art.5º, §.1º).
2.2. Vínculo com os princípios e fundamentos constitucionais.
Os princípios e fundamentos constitucionais são utilizados como critérios
de interpretação das normas constitucionais, servem como critérios de
interpretação espraiando seu conteúdo, orientando e embasando o mundo
jurídico. Como frisa Bonavides ao se referir aos princípios constitucionais, “são
eles as referências dos valores mais importantes positivados em qualquer
ordenamento jurídico”.3 Cabe-nos citar aqui, os princípios e fundamentos que
se relacionam com os direitos fundamentais. Principio da dignidade humana:
profundamente relacionado com os direitos fundamentais, visto que qualquer
ofensa a um direito fundamental será vinculado a uma ofensa a dignidade da
pessoa. Conforme a lição de Pérez Luño,
3 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros,2004,p.238.
6
“a dignidade da pessoa humana constitui não apenas a
garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou
humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno
4
desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo”.
Apesar de estar descrito na Constituição Federal (art.1º, III), como
princípio fundamental, a doutrina diverge apresentando-o ora como principio,
ora como fundamento, como visto por Bester (2005, p.289). Com fundamento
nesse princípio é que se impõem limites a atuação estatal buscando fazer com
que o poder público promova uma vida saudável e digna, possibilitando a
oportunidade de desenvolvimento ao cidadão. Portanto toda a atividade estatal
está vinculada a este principio, impondo o dever de respeito e proteção ao
individuo. Cabe em especial, ao legislador, a tarefa de construir leis que
busquem a ordem jurídica atendendo ao exigido pelo princípio.
O principio da dignidade tem como exigência, além da proteção e dever
de respeito por parte do Estado, a manutenção de condições que viabilizem as
pessoas o viver condignamente. Este viver de forma digna está estritamente
ligado a uma ordem social, desta forma as entidades públicas e privadas estão
também vinculadas a este principio. A dignidade, por ser uma qualidade
inerente ao ser humano, se revela, na condição de norma, como bem jurídico
inalienável e irrenunciável como dispõe a Sarlet a respeito do assunto.
O autor aponta,“[...] a dignidade, na condição de valor intrínseco da
pessoa humana, evidentemente não poderá ser sacrificada, já que, em si
mesma insubstituível”.5 O principio da dignidade da pessoa humana,
considerado um “megaprincípio”6, pois norteia e abraça o conteúdo de vários
princípios, requer, para que se torne realmente aplicável, o respeito a inúmeros
outros direitos como o direito à vida; a ordem social e econômica; a educação;
a cidadania,etc.; Principio da Isonomia ( Igualdade perante a lei): Considerando
o principio da isonomia no sentido de tratar os desiguais de forma desigual na
medida em que se desigualam, segundo critérios difundidos por lei prévia, está
ele estritamente vinculado ao principio da dignidade e relacionado aos direitos
4 PÉREZ, Luño. Derechos humanos. p.318, arrimado em conhecida obra de Ernst Bloch sobre o Direito natural e a dignidade humana, apud
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do
advogado, 2001, p.108.
5 (ibidem,p.77).
6 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole,2005, p.290.
7
fundamentais. O princípio da isonomia ou da igualdade jurídica foi adotado pela
Constituição Federal de 1988, em seu art.5º, caput, com o objetivo de igualar
os cidadãos quanto ao direito de tratamento jurídico pela lei.
Quando a norma é aplicada a pessoas diversas, de forma arbitrária, as
distinguindo de forma não razoável, essa diferenciação de tratamento pode vir
a acarretar uma discriminação na aplicação normativa. Para que isso não se
configure, é necessária uma razoável justificativa em conformidade com os
direitos garantidos constitucionalmente que dê razão a finalidade perseguida;
Principio da supremacia: Este princípio basilar da nossa Constituição não se
apresenta escrito no texto constitucional, está implícito e interfere diretamente
nas normas constitucionais. São elas que conferem poderes e competências
governamentais; sendo que as normas que integram todo o ordenamento
jurídico só serão válidas se estiverem em conformidade com as normas
constitucionais federais; Principio do Estado democrático de direito: Se baseia
na efetiva participação popular como garantia do Estado Democrático,
contribuindo para uma democracia participativa buscando a realização de
valores de igualdade, liberdade e dignidade humana, expressos ou implícitos
na Constituição Federal de 1988, possibilitando a realização social através da
prática dos direitos sociais nela inscritos.Principio da soberania popular; Este
princípio democrático condiciona a legitimidade constitucional do poder à
participação
política
dos
cidadãos,respeitando
os
direitos
fundamentais,representando uma forma de racionalização do processo político
e de limitação do poder estatal. A aplicação deste princípio denota uma
condição para a democratização efetiva dos direitos do cidadão. Busca garantir
que qualquer exercício de poder estatal se faça após sua prévia legitimação
popular; Cidadania como fundamento: O art. 1º, inciso II da Constituição
Federal, expressa a cidadania como fundamento do Estado brasileiro, o qual
está intimamente ligado aos direitos fundamentais sociais. Conforme explica
Bester,“cidadania é o direito a ter direitos, somado ao direito a conhecer esses
direitos e a forma de exercê-los”7. Com o conhecimento e exercício da
cidadania se alcança a dignidade da pessoa humana, através da expressão da
vontade popular e o exercício dos direitos políticos e sociais de um povo.
7 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole,2005, p.289.
8
2.3. Aplicação dos direitos fundamentais.
A realidade político-social e a efetiva aplicação da Constituição Federal
de 1988, não só ao que se refere aos direitos fundamentais, ponto de análise
desse trabalho, mas a Constituição Federal contemplando todos os direitos
nela descritos, estão ligados intimamente um ao outro, determinando o nível de
aplicação de suas normas.
Os direitos fundamentais constam, no preâmbulo da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, como sendo um fim a ser alcançado, um
objetivo comum a todas as ações, pois ,segundo José Renato Nalini
(1997),todos os povos de uma forma geral necessitam dos mesmos requisitos
de sobrevivência: a água, o ar, a vida com dignidade. Então, os direitos
fundamentais devem ser preservados e defendidos na construção e
desenvolvimento da força normativa da constituição, como “parâmetro da
dignidade humana” 8 (Nalini,1997).
Em seus estudos sobre a força normativa da constituição, Konrad Hesse
afirma:
A norma constitucional não tem existência autônoma em face
da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja, a
situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade.
Essa pretensão de eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser
separadas das condições históricas de sua realização, que estão, de
diferentes formas, numa relação de interdependência, criando regras
próprias que não podem ser desconsideradas. Devem ser
contempladas aqui as condições naturais, técnica, econômicas e
sociais. A pretensão de eficácia da norma jurídica somente será
realizada sem levar em conta essas condições. [...] A Constituição
não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também
de um dever ser, ela significa mais do que o simples reflexo das
condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e
políticas.9
O autor afirma que a relação jurídica da Constituição com a realidade é
que vai determinar as “possibilidades e limites de sua realização” (HESSE,
1991, p.15), com base em parâmetros fundados na sua historicidade que
determinaram o seu desenvolvimento efetivo, dando força as suas normas. ”[...]
8 NALINI, José Renato. Constituição e Estado Democrático. São Paulo:FTD,1997,p.95.
9 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p.14-15.
9
a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode
ser separada da realidade concreta do seu tempo” (ibid,p.24).Ele explica que
somente a existência de um vínculo histórico concreto da constituição com a
realidade social e política permitirá o seu desenvolvimento, a isso ele descreve
como “força vital”:
[...] se as leis culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes
são ignoradas pela Constituição, carece ela de imprescindível germes
de sua força vital.[...] em outras palavras, a força vital e a eficácia da
Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e
as tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu
desenvolvimento e a sua ordenação
objetiva.A Constituição
converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações
da vida.10.
Importante destacar a explicação que Hesse faz da expressão “vontade
de Constituição”, ele se fundamenta no valor de uma ordem, na sua
compreensão e na consciência (fruto da vontade humana). O autor afirma que
não basta apenas a adaptação à realidade para determinar a força normativa
de uma Constituição. Ele cita a “força ativa” (ibid,p.19), da Constituição a qual
descreve como sendo “as tarefas efetivamente realizadas”(ibid,p.19), para
tanto é necessário haver uma conscientização para que se concretizem as
ordens nela determinadas.
Embora a constituição e não possa, por si só, realizar nada, ela pode
impor tarefas. A constituição transforma-se em força ativa se essas
tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de
orientar a própria conduta e segundo a ordem nela estabelecida, se, a
despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos
juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar
essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição
converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência
geral - particularmente, na consciência dos principais responsáveis
pela ordem constitucional – não só a vontade de poder (Wille zur
Macht), mas também a vontade de constituição (Wille zur a
Verfassung).11
Hesse diz que a Constituição “não depende apenas do seu conteúdo,
mas também de sua práxis”(HESSE 1991,p.21), que se apresenta como
pressuposto básico, juntamente com o conteúdo constitucional para o
10 (ibidem, p.18)
11 (ibidem, p.19)
10
desenvolvimento da força normativa da Constituição. Em seus estudos o autor
contrapõe-se as colocações feitas por
Lassale quando este caracteriza a
Constituição jurídica a um simples pedaço de papel (ein stuck papier). Hesse
explica que o “pedaço de papel”, referido por Lassale, não deve deixar-se
sucumbir diante da realidade e da falta de “ vontade de constituição” dos
poderes dominantes no país.
A Constituição jurídica não significa simples pedaço de papel,
tal como caracterizada por Lassale. Ela não se afigura “impotente
para dominar, efetivamente a distribuição de poder’. [...] a
Constituição não esta desvinculada da realidade histórica concreta do
seu tempo. Todavia, ela não está condicionada, simplesmente, por
essa realidade. Em caso de eventual conflito, a Constituição não deve
ser considerada necessariamente, a parte mais fraca. 12
Konrad Hesse (1991), afirma em relação à questão da “preservação e do
fortalecimento da força normativa da constituição”, terem como pressupostos,
não só a práxis e o conteúdo constitucionais, mas, principalmente “a vontade
de Constituição” firmada dentro da consciência de cada cidadão.
Ao que se refere à aplicabilidade das normas que contém os direitos
fundamentais, Bester explica:
Independem elas muito do seu próprio enunciado. Nossa
constituição de 1988 é expressa sobre o assunto, quando estatui que
“as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata” a (art.5º, §1º). Mas certo é que isso não resolve
todas as questões, porque, por outro lado, a Constituição mesma faz
depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas
definidoras de direitos sociais, enquadradas dentre os direitos
fundamentais. Isto porque os direitos fundamentais não se
espartilham todos no artigo 5º, mas se espraiam por alguns outros
artigos da constituição.13
Importante colocar o pensamento de Gilmar Ferreira Mendes, (apud
BESTER, 2005, p.605), a respeito do tema, onde ele explica que, para
tornarem-se efetivas as normas definidoras dos direitos fundamentais, são
previstos na Constituição Federal, mecanismos de proteção judicial e de
controle de constitucionalidade, garantindo e dando efetividade as suas
12 (ibidem, p.25)
13 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005, p.605.
11
normas. É a participação do Poder Judiciário e de seus respectivos órgãos
concretizando a “pretensão de eficácia das normas definidoras de direitos
fundamentais”.
2.4. Qualidade de vida como direito fundamental.
O direito a uma saudável qualidade de vida se insere em uma terceira
geração de direitos, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que
englobam também o direito ao meio ambiente equilibrado, ao progresso, a paz,
a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, explicados por José
Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sem
haver um vínculo jurídico ou fático preciso, entre elas. (MORAES apud
Vigliar,2002,p.45).
A Constituição Federal assegura o direito à vida, sendo que cabe ao
Estado proporcionar a manutenção deste direito em duas acepções, conforme
define Moraes, (ibidem, p.87). A primeira é o direito de continuar vivo e a
segunda é de se ter vida digna quanto à subsistência.
O direito fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível
de vida adequado com a condição humana (direito à alimentação, vestuário,
assistência médico-odontológica, educação, cultura, lazer e demais condições
para uma vida digna).
O Estado deve ser o garantidor desses direitos,
conforme preceituam os princípios fundamentais da cidadania, dignidade e
igualdade com vistas à “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” 14,
reduzindo as desigualdades sociais.
Portanto, é obrigação do Estado o cuidado e proteção a toda pessoa que
não possua meios suficientes de prover suas próprias necessidades, bem
como, a efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, com
permissão legal para efetuarem a prestação de serviços adequados com
objetivo de sanar as deficiências, de forma a promover um nível de vida digna,
justa e com qualidade.
14
MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2002., p.87.
12
2.5. Qualidade de vida transformando paradigmas.
O início de um novo milênio trouxe em sua bagagem as transformações
e os acontecimentos históricos que envolveram desde a queda dos regimes
dos países do leste europeu (as grandes guerras, as revoluções), até a
globalização mundial da economia que ainda encontra-se em construção.
Estes fatos trouxeram mudanças de paradigmas interferindo na evolução das
condutas das pessoas.
Segundo Paulo Afonso Linhares “um desses novos paradigmas e, que
tem muito a ver com presente estudo, é o da qualidade que, numa visão
preliminar, pode ser vista como fenômeno tipicamente de mercado” 15, pois nas
últimas décadas, com os fenômenos do crescimento econômico e da
globalização, enfim da “competição econômica” (ibidem, p.22) criou-se a
oportunidade de uma melhor qualidade de produtos, a preço e custos menores,
a uma maior fatia da população.
O filósofo italiano Antonio Gramsci (apud Linhares, ibidem), entende o
seguinte: “A qualidade deveria ser atribuída aos homens, e não as coisas, e a
qualidade humana elevam-se e torna-se mais refinada na medida em que o
homem satisfaz um número maior de necessidades, tornando-se independe”.
Porém, Gramsci falecido em 1937, não pôde analisar a evolução dos
paradigmas humanos, que se seguiram à segunda guerra mundial, bem como
as inovações, avanços científicos e tecnológicos advindos do capitalismo.
Linhares afirma:
Por isto, inegável é que, embora continue como um importante
elemento da gestão empresarial moderna, a qualidade transpôs
definitivamente os muros das indústrias e as empresas prestadoras
de serviços, para, neste final de milênio, transformassem em
qualidade de vida, conceito mais elástico geral que traduz, para a
maioria dos povos, a aspiração da pós-modernidade e, até porque o
acesso dos cidadãos, enquanto pessoas morais socialmente
cooperativas, a certos bens primários, mesmo que em níveis
16
mínimos, é pressuposto para serem livres e iguais.
A qualidade de vida no período de globalização que vivemos deve ser
vista, não só do ponto de vista econômico, mas também deve ser incorporada
15 LINHARES, Paulo Afonso. Direitos Fundamentais e Qualidade de Vida. São Paulo: Iglu, 2002 p.22.
16 (ibidem,p.25).
13
aos conceitos políticos, jurídicos e culturais. Cabe apresentar uma importante
afirmação de Cristovam Buarque (apud Linhares, p. 27):
[...] talvez nenhum conceito seja mais antigo, antes mesmo de ser
definido, do que qualidade de vida. Talvez nenhum seja mais
moderno do que a busca de qualidade de vida. Ainda mais moderna é
17
a crítica e a redefinição do conceito de qualidade de vida.
A evolução histórica da humanidade passou por vários períodos onde
cada um foi marcado pelo surgimento e até mesmo o desaparecimento, de
valores e conceitos, instituições de paradigmas, que vieram caracterizar o
momento histórico atual, igualmente influenciando seus conceitos e valores,
incluindo aí o entendimento de qualidade de vida.
Este momento atual da civilização demonstra o estilo de vida das
pessoas e as conseqüências advindas deste modo de vida e suas relações,
principalmente no que se relaciona à saúde. Vive-se uma verdadeira epidemia
de doenças crônicas com o crescimento do número de casos de doenças
cardiovasculares e obesidade, conforme demonstra o informe da Organização
Mundial de Saúde (OMS), importante organismo internacional de saúde pública
criado pela ONU que tem por objetivo elevar os padrões de saúde dos povos.
O referido órgão, através de seus relatórios anuais18 vem constatando a
ocorrência crescente de casos de doenças crônicas, inclusive atingindo cada
vez mais crianças e adolescentes, afetando tanto as populações ricas quanto
pobres.
O que impõem destacar é que, segundo a OMS, estas doenças são
evitáveis e a epidemia de doenças crônicas pode ser interrompida. A maior
parte dos casos é provocada por fatores de risco, perfeitamente evitáveis –
alimentação deficiente, inatividade física e uso do tabaco. Embora os riscos
sejam evidentes e reconhecidos pelos estudiosos e profissionais da saúde, o
uso destes argumentos na tentativa de convencer autoridades e comunidades
sobre os problemas resultantes deste estilo de vida não tem sido tão efetivo. É
necessário aumentar a percepção de risco do sedentarismo em nossa
sociedade, procurando conscientizar as pessoas e autoridades em relação à
17 (ibidem, p.27).
18 Os relatórios demonstram também os casos em que milhões de pessoas morrem de forma prematura em consequência de doenças
cardiovasculares, congestão cerebral, cancro e diabetes.
14
gravidade do problema. Espera-se que mobilizações sociais, programas
voltados para o incentivo ao lazer ativo, à atividade física e à boa alimentação,
apresentados na forma de ações integradas do Estado como protagonistas
sociais possibilitem um futuro com mais saúde, mais disposição, melhor autoestima, mais positivo no combate à obesidade, ao sedentarismo e a todos os
seus reflexos na vida das pessoas. Problemas de saúde que eram tidos como
característicos da vida adulta, hoje são evidenciados, precocemente, já na
primeira infância.
No mundo, as estimativas são de que um terço das crianças enfrenta
problemas com a obesidade, um número em torno de 700 milhões. Este
aumento se deve, principalmente, a dois motivos: a ingestão de alimentos com
mais gordura e açúcar e à falta de exercício físico. A obesidade infanto-juvenil
mostra um crescimento preocupante, e se coloca como a grande vilã, pois dela
podem surgir outras doenças como o diabetes, a hipertensão e diversas
doenças cardiovasculares, podendo também levar a obesidade na vida adulta,
conforme demonstram os estudos do Centro de Estudos do Laboratório de
Atividade Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS), em São Paulo:
Nosso centro de pesquisa (CELAFISCS) desde 1978 realiza um
estudo misto-longitudinal em Ilhabela, cidade do Litoral Norte do
Estado de São Paulo. A comparação de valores de adiposidade de
meninas de 11 a 14 anos em 1980 com as de meninas na mesma
idade em 2000 mostrou um aumento de 18,1 %, enquanto que entre
19
os meninos a situação foi ainda pior: 31,8 %.
Muita coisa mudou no país, nos últimos vinte anos, em termos de vida
saudável e com qualidade. Na década de oitenta, não só no Brasil, mas
também em nível mundial, houve uma explosão do culto ao corpo. Esse
fenômeno resistiu ao modismo, permanecendo nos dias atuais e vem se
expandindo de forma a conscientizar as pessoas que o combate ao
sedentarismo é fator fundamental na busca da qualidade de vida, visto que
atividade física é sinônima de bem-estar e saúde, essenciais para a uma vida
com qualidade. O número de adeptos de exercícios físicos com regularidade é
crescente, não só para fins estéticos, mas principalmente, como meio de
19 Revista brasileira de educação
física e esporte. São Paulo, v.20, p.35-36, set.2006, suplemento n.5. Disponível
<http://www.usp.br/eef/xipalops2006/10_Anais_p35.pdf|>. Acesso em: 20 de abril de 2007.
em:
15
preservação da saúde e controle do stress. Muitas pessoas, visando alcançar
este ideal, passaram a programar exercícios físicos em sua rotina e a controlar
os hábitos alimentares. Os estudos científicos há muito vem buscando
esclarecer e confirmar os benefícios advindos do binômio atividade físicasaúde. As pesquisas realizadas nas ultimas décadas, trazem comprovações
acerca dos efeitos benéficos dessa associação, com a redução da incidência
de diversas doenças provocadas pelo sedentarismo, principalmente as
doenças cardiovasculares.
O olhar atual sobre a promoção da saúde deve ser focado com vistas ao
desenvolvimento de estratégias não apenas direcionadas à assistência médica
em decorrência das doenças, mas também sobre a perspectiva da prevenção,
colaborando para que as pessoas mudem comportamentos negativos que
comprometem a promoção da saúde, criando estilos de vida saudáveis.
2.6. Conceituando qualidade de vida.
Com ênfase na análise do estilo de vida de cada individuo os diversos
fatores que a influenciam, a variação do entendimento do que é qualidade de
vida para cada pessoa, bem como, a profunda relação com a dignidade
humana, Nahas conceitua o termo da seguinte forma:
O conceito de qualidade de vida é diferente de pessoa para pessoa e
tende a mudar ao longo da vida de cada um. Existe, porém, consenso
em torno da idéia de que são múltiplos os fatores que determinam a
qualidade de vida de pessoas ou comunidades. A combinação desses
fatores que moldam e diferenciam o cotidiano do ser humano, resulta
numa rede de fenômenos e situações que, abstratamente, pode ser
chamada de qualidade de vida. Em geral, associam-se a essa
expressão fatores como: estado de saúde, longevidade, satisfação no
trabalho, salário, lazer, relações familiares, disposição, prazer e até
espiritualidade. Num sentido mais amplo, qualidade de vida pode ser
uma medida da própria dignidade humana, pois pressupõe o
20
atendimento das necessidades humanas fundamentais.
20. NAHAS, Marcus V. Atividade física, saúde e qualidade de vida. Londrina: Midiograf, 2003, p.13.
16
Esse atendimento das necessidades humanas fundamentais, citado por
Nahas, é que vai gerar ou não o sentimento de bem-estar nos indivíduos,
caracterizando a idéia de qualidade de vida das pessoas.A qualidade de vida
está estreitamente relacionada com os sentimentos de bem-estar, felicidade,
dignidade e cidadania, sendo que esse padrão de felicidade e bem-estar é
variável entre as pessoas, conforme as escolhas que fazem durante o
transcorrer de suas vidas e dentro daquilo que entendem ser a melhor forma de
viver.
Em relação a essas escolhas, importante destacar os estudos de
Amartya
Sen,
consultor
do
Programa
das
Nações
Unidas
para
o
Desenvolvimento. Em suas pesquisas ele disserta sobre a liberdade de agir
como cidadão, levando o indivíduo a ser responsável pelo seu próprio bemestar, quanto
as decisões por ele tomadas. Esse indivíduo
fará escolhas
quanto ao uso ou não das oportunidades proporcionadas socialmente pelo
Estado. Essa é a responsabilidade social a que o autor se refere. Sen entende
que a qualidade de vida das pessoas deve ser medida não pelas riquezas
acumuladas ao longo do tempo, e sim nas liberdades desfrutadas, dando a
elas a possibilidade de escolha e a oportunidade de exercerem a “condição de
agentes”
21
(SEN, 2004, p.11) do desenvolvimento, que leva a diversos outros
tipos de liberdade. Tal liberdade requer a ação pública envolvendo liberdades
econômicas e políticas, bem como as oportunidades sociais (educação;
assistência médica). Desta forma, o indivíduo, participante ativo desse
processo de desenvolvimento e mudança, vem fortemente contribuir para o
crescimento e a garantia das liberdades descritas por Sem, que, última análise,
representa o estado ideal de qualidade de vida, entendida como capacidade
para realizar um projeto de vida que se acredita ser digno de ser vivido.
Nesse sentido, leia-se o seguinte comentário do autor, no qual ele
destaca ser necessário:
[...] uma análise integrada das atividades econômicas, sociais e
políticas, envolvendo uma multiplicidade de instituições e muitas
condições de agente relacionadas de forma interativa. Concentra-se
particularmente nos papéis e inter-relações entre certas liberdades
21
AMARTYA, Sen. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Schwarcz,2000.p.11
17
instrumentais cruciais, incluindo oportunidades econômicas,
liberdades políticas, facilidades sociais, garantias de transparência e
segurança protetora. As disposições sociais, envolvendo muitas
instituições (o Estado, o mercado, o sistema legal, os partidos
políticos, a mídia, os grupos de interesse público e os foros de
discussão pública, entre outras) são investigadas segundo sua
contribuição para expansão e a garantia das liberdades substantivas
dos indivíduos, vistos como agentes ativos de mudança, e não como
22
recebedores passivos de benefícios.
O autor explica que as oportunidades conduzem o indivíduo ao
desenvolvimento
humano
levando
“as
recompensas”
(SEN,
p.
171),
participando mais efetivamente da expansão econômica do país, devido a uma
maior força de trabalho, produtividade e auto-estima.
A criação de propriedade sociais contribui diretamente para a
expansão das capacidades humanas e da qualidade de vida [...]. a
expansão de serviços de saúde, educação, de seguridade social etc.,
contribui diretamente para a qualidade da vida e seu florescimento.
Há evidências até de que, mesmo com renda relativamente baixa, um
país que garante serviços de saúde e educação a todos pode
efetivamente obter resultados notáveis da duração e qualidade de
vida de toda a população. [...] As recompensas do desenvolvimento
humano, como vimos, vão muito além da melhora direta da qualidade
de vida, e inclui também sua influência sobre as habilidades
23
produtivas das pessoas[...].
Essa relação que Sen faz com as escolhas, entendidas aqui como a
expansão das liberdades desfrutadas pelas pessoas, são fundamentais para o
desenvolvimento do indivíduo. . Ele afirma:
[...] o crescimento econômico não pode sensatamente ser
considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar
relacionado, sobretudo com a melhora da vida que levamos e das
24
liberdades que desfrutamos .
O entendimento de qualidade de vida, dado pelo autor, baseia-se no
“modo como as pessoas vivem (talvez até mesmo nas escolhas que têm)”
(SEN,2004,p.39),não ficando restrito apenas, nos recursos financeiros de que
dispõem.
22 AMARTYA, Sen. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Schwarcz,2000.p.11.
23 (ibidem, p.170-171).
24 (ibidem,p.29)
18
Trata-se
da
construção
da
qualidade
de
vida
com
base
no
comprometimento de cada pessoa, juntamente com a valorização da vida e do
modo de viver.
2.7. Longevidade e bem estar social.
A essa melhoria na qualidade de vida das pessoas citada anteriormente,
somam-se uma satisfação e plenitude que resultarão em saúde e longevidade.
Alguns
autores têm considerado que existe um "universal cultural" de qualidade
de vida, isto é, que independente de nação, cultura ou época, entenda-se ser
importante que as pessoas se sintam bem psicologicamente, possuam boas
condições físicas e sintam-se socialmente integradas e funcionalmente
competentes (BULLINGER, 1993) 25.
Apesar de estes termos representarem
situações genéricas, elas podem se encaixar em outro elemento de aferição
objetiva e quem pode servir como forma de mensuração de qualidade de vida.
Trata-se da longevidade que juntamente com a busca de uma melhor
qualidade de vida já se tornou uma questão mundial. Diversos países estão se
conscientizando que o sedentarismo, a obesidade e a má alimentação são
questões de saúde pública que devem ser discutidos e levados a sério. As
principais doenças e causas de morte têm profunda relação com os estilos de
vida das pessoas. As escolhas e comportamentos adotados é que vão
influenciar, fortemente, a maneira e quanto tempo viveremos. O vigor e o
aspecto físico na idade avançada ou também chamada terceira idade (após os
60 anos), serão construídos ao longo do tempo durante o transcorrer da vida
de cada individuo. A busca da longevidade com saúde e autonomia é a grande
preocupação da ciência e a pretensão da maioria da população mundial –
atingir a idade avançada desfrutando de bem-estar e independência nas
tarefas comuns do dia-a-dia.
Bons exemplos são fundamentais para que se transmitam bons hábitos
que venham contribuir com a promoção da saúde e do bem-estar das pessoas.
Está provado que um estilo de vida ativo, além de promover a saúde, leva o
25 VERSÃO EM PORTUGUÊS DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA (WHOQOL) 1998. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol.html>. Acesso em 21abril 2007.
19
indivíduo a um estado de bem-estar físico e psíquico com a conseqüente
melhoria da sua auto-estima e uma maior vitalidade e longevidade. Cabe
destacar as afirmações de Nahas:
Desde o inicio do século XX, os estudos da fisiologia tem
demonstrado que os exercícios físicos regulares podem modificar a
estrutura e o funcionamento orgânico em múltiplos aspectos. De fato,
nenhum outro estímulo pode atuar direta ou indiretamente em tantos
órgãos e sistemas – cardiovascular, muscular, ósseo, endócrino e
nervoso. Prescrito de forma adequada, o exercício pode melhorar a
aptidão física, prevenir e auxiliar no tratamento de diversas doenças,
principalmente as de origem cardiovascular. Entretanto, as pesquisas
populacionais em diversos países mostram que apenas um número
relativamente pequeno (entre 7 e 15% dos adultos) pratica exercícios
físicos com regularidade (três ou mais vezes por semana). Vários são
os motivos alegados pelas pessoas que não conseguem ou não
querem manter um programa de exercícios, destacando-se a falta de
tempo, a falta de recursos e de oportunidades, até simplesmente a
falta de vontade ou por não gostar de realizar esforços mais
rigorosos. [...] Os riscos associados à inatividade física são claros. A
inatividade física deve ser considerada um problema sério de saúde
publica, representando um desafio para os órgãos da saúde e da
educação a promoção de estilos de vida mais ativos para toda a
26
população.
Por se tratar de um problema de saúde pública, a inatividade física ou
sedentarismo, apontado por Nahas, é um fator preocupante que vem
apresentando índices elevados em nossa sociedade devido a vários fatores
que contribuem para o crescimento do problema, conforme pesquisa do Centro
de Estudos do Laboratório
de Atividade Física de São Caetano do Sul
27
(CELAFISCS) , em São Paulo: a) falta de segurança (causando confinamento
das pessoas, principalmente das crianças e jovens; b) falta de transporte ativo
(as pessoas andam menos, seja a pé ou de bicicleta); c) falta de qualidade e
quantidade de aulas de educação física. São esses os principais fatores
apontados pelo Centro de Estudos, que demonstram uma economia de gasto
energético das pessoas até nas pequenas tarefas do dia-a-dia, que em última
análise afetem o elemento “longevidade”. Daí a importância de atuação do
Estado na reversão deste quadro, que repercute diretamente na negativa de
vigência do direito fundamental à qualidade de vida.
26 (Ibidem, p.130-131).
27 Revista brasileira de educação física e esporte. São Paulo, v.20, p.35-36, set.2006, suplemento n.5. Disponível em
<http://www.usp.br/eef/xipalops2006/10_Anais_p35.pdf>. Acesso em: 20 abril 2007.
20
E para se alcançar este objetivo, realizando este direitos, não são
necessários esforços exaustivos, segundo o Centro de Prevenção de Doenças
e o Colégio Americano de Medicina Esportiva dos EUA “todo o adulto deve
acumular 30 minutos ou mais de atividades físicas moderadas na maioria dos
dias da semana, ou diariamente, de preferência” (NAHAS,2003.p.132).
Atividades que devem ser introduzidas de forma gradual, principalmente para
os indivíduos sedentários já há muito tempo e aqueles portadores de
problemas crônicos de saúde, aí se incluem os obesos, diabéticos e
hipertensos.
Conforme dispõe o Relatório do Surgeon General (1996), “o gasto
energético semanal em atividades físicas deve ser superior a 1.000 kcal ou
aproximadamente 150 kcal por dia”
28
.(NAHAS,2003.p.133). Portanto, não são
necessários exercícios intensos para se promover a saúde e o bem-estar do
individuo, como já dito anteriormente. Apenas alguns minutos diários bastam
para se alcançar os benefícios para uma vida com qualidade.
Havendo o apoio social necessário, pode-se então esperar que
mudanças de atitudes e comportamentos sejam estimuladas, o que resultará,
certamente em uma melhor condição geral de bem-estar, saúde e longevidade.
2.8. Responsabilidade do Estado.
2.8.1. Exercício da cidadania.
O respeito ao ser humano passou a ter uma nova visão e maior
importância na esfera jurídica após momentos importantes da nossa historia. A
Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) é fato recente comparado
a toda a evolução histórica por qual passaram e vem passando os direitos
fundamentais e a busca da cidadania. Sem dúvida, é o diploma mais
importante de nível internacional, porque até então, não havia segurança em
dizer que havia preocupação sobre esse tema. Esta declaração veio afirmar
e reconhecer a dignidade humana como qualidade inerente do ser humano,
28
NAHAS, Markus V. Atividade física, saúde e qualidade de vida.Londrina: Midiograf, 2003, p.133.
21
reconhecendo direitos iguais e inalienáveis, fundamentados na justiça, na paz e
na liberdade.
Como aponta Moraes:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada
pela Resolução nº. 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 10-12-1948, reafirmou a crença dos povos das Nações
Unidas nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor
da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher,
visando promoção do progresso social e a melhoria das condições de
29
vida em uma ampla liberdade.
Em seus trinta artigos, a Declaração dispôs sobre os princípios da
igualdade e da dignidade humana, o direito à vida, o direito ao repouso e ao
lazer, direito à instrução e à vida cultural, entre outros direitos não menos
importantes. Não estabeleceu nenhum órgão jurisdicional internacional com a
finalidade de dar garantia aos direitos nela previstos, apenas previu normas de
direito material. O Brasil é país signatário, tendo assinado a Declaração na data
em que esta foi proclamada.
2.8.2. Direitos Sociais e o dever jurídico de ação.
A Constituição Federal em seu artigo 6º dispõe como direitos sociais:
“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº. 26, de 2000)”
O Estado Democrático de Direito se alicerça nos direitos sociais como
normas constitucionais, buscando proporcionar a todas as pessoas a garantia
da igualdade de condições jurídicas e sociais. Esse direitos, conforme o texto
constitucional dispõe, devem ser garantidos pelo Estado com o fim de
proporcionar a justiça e a igualdade social, bases da democracia.
Para se atingir tal objetivo, não basta apenas a existência da Lei Maior.
É fundamental a participação da sociedade, implementando o binômio:
29 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2002.p.36.
22
Constituição - Direitos Fundamentais e Democracia-Participativa, tendo como
salutar o envolvimento do cidadão no processo de concretização da
Constituição.
Assim, de um lado, exige-se a participação efetiva dos cidadãos,
organizados em vários segmentos, dotados de desenvolvida
capacidade e consciência ético-jurídica, para controlar diretamente
não só a atuação, mas também as omissões do Poder Público, no
que concerne a observância dos ditames constitucionais; e, do outro,
um Poder Judiciário,operante, firme e corajoso, com ‘vontade de
30
Constituição’, na feliz expressão de Konrad Hesse.
O esporte e o lazer, como instrumentos de prática da atividade física,
levando ao alcance das pessoas a saúde, essencial para uma vida com
qualidade, foram contemplados como assunto constitucional:
“É dever de o Estado fomentar práticas desportivas formais e não
formais, como direito de todos”.31 O legislador constituinte aqui considerou, de
forma abrangente, ao citar práticas desportivas formais e não formais,
comparando-as a “toda atividade física suscetível de colaborar para a saúde, o
lazer e o equilíbrio físico-psíquico das pessoas” (Nalini,1997,p.264).
“O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social”.32
O constituinte considerou que a prática do lazer deverá ser incentivada pelo
Poder Público por ser entendido como forma de promoção social, conforme
explica Nalini, “lazer, que não se confunde com o esporte, mas que figura a seu
lado como instrumento de realização individual e social dos seres humanos
[...]”. (ibidem, p.265). Incumbe ao Estado promover e incentivar (destinando
áreas específicas) a prática do esporte e do lazer, que são temas distintos.
Dentro dessa vertente, cabe salientar a saúde como, também, direito de
todos e dever do Estado proporcionar o acesso da população a políticas sociais
e econômicas que visem ações concretas, de forma preventiva, com vistas à
promoção e incentivo a uma vida saudável, seguindo as regras do texto
constitucional que, sabiamente, contemplou os pontos que fundamentam o
presente estudo – a saúde e a atividade física, esta última, implicitamente
30 (ibidem, p.43).
31 Art. 217, caput, CF.
32 Art.217,§3º, CF.
23
subentendida, quando se refere o legislador constituinte ao direito ao esporte e
ao lazer.
2.8.3. Relação cidadão- Estado.
A relação cidadão–Estado leva ao conceito de democracia relacionado,
profundamente, com os de cidadania (gozo dos direitos civis e políticos) e
soberania popular (participação efetiva do cidadão). É a conjugação do Estado
e da sociedade com o objetivo de reprimir as desigualdades sociais,
procurando garantir o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a isonomia
dos membros de uma sociedade, propondo a participação ativa dos indivíduos
na busca pela concretização do Estado Democrático de Direito.
Esta relação tem como grande desafio a ampliação do espaço da
sociedade no interior do próprio Estado, para que políticas públicas
indispensáveis obtenham êxito, ganhando institucionalidade, continuidade e
eficácia. O Estado deve propor novas parcerias com a sociedade como meio
de acolher novos mecanismos e formas de descentralização de gerenciamento
da coisa pública. Esta necessidade de promover a descentralização buscando
criar parcerias com setor privado, de caráter não-governamental, porém de
interesse público, não retira do Estado a sua responsabilidade na condução
desses processos.
O preâmbulo da Constituição Federal refere-se aos direitos sociais, bemestar e desenvolvimento como valores supremos da sociedade brasileira.
Nesse sentido, a atual Constituição traz um avanço em seu conceito. Os
direitos sociais devem se fazer acompanhar de diferentes formas de
exigibilidade para serem denominados direitos fundamentais e para que não se
tornem apenas normas programáticas. As obrigações contraídas pelo Estado
devem ser respeitadas devendo este comprovar as ações desenvolvidas para
efetivá-las. Em relação ao tema, Jayme Benvenuto Lima Júnior discorre sobre
a “necessidade de garantir padrões mínimos de vida para todos, para além das
adversidades econômicas,” 33 ele afirma que:
33 LIMA, Benvenuto Jayme.Os direitos humanos, econômicos e sociais.Rio de Janeiro: Renovar,2001, p.96-97
24
A necessidade de garantir padrões mínimos de vida para todos, para
além das adversidades econômicas, é, no entanto, o grande motor da
idéia de exigir a realização prática de direitos humanos e econômicos,
sociais e culturais. Especialmente quando os tempos são difíceis o
esforço por validá-los praticamente é que deve orientar os que
34
pretendem estabelecer a padrões de justiça social aceitável.
O Estado tem obrigação de determinar as prioridades para que se
estabeleça a justiça social respeitando as necessidades da população.
Os direitos políticos e civis dão às pessoas a oportunidade de chamar
a atenção eficazmente para as necessidades gerais e exigir ação
pública apropriada. A resposta do governo ao sofrimento intenso do
povo freqüentemente depende da pressão exercida sobre esse
governo,e é nisso que o exercício dos direitos políticos (o votar,
criticar, protestar) pode realmente fazer diferença. Essa é uma parte
35
do papel “instrumental” da democracia e das liberdades políticas.
Faz-se necessário realizar a distinção entre o público e o estatal. Da
mesma forma que não se pode atribuir unicamente ao Estado à solução das
questões que envolvem as desigualdades sociais, não se pode também, eximilo da responsabilidade de garantir os direitos do cidadão.
Dentro desta visão, Amartya Sen coloca como fundamental a
participação do cidadão na tomada de mudanças sociais:
A política pública tem o papel não só de procurar implementar
as prioridades que emergem de valores e afirmações sociais, como
também a de facilitar e garantir a discussão pública mais completa. O
alcance a qualidade das discussões abertas podem ser melhoradas
por várias políticas públicas e outras mudanças sociais e econômicas
e que ajudam os indivíduos a serem cidadãos participantes. Essencial
nessa abordagem é a idéia do público como um participante ativo da
mudança, em vez de recebedor dócil e passivo de instruções ou de
36
auxílio concedido.
Quanto à decisão das capacidades e individuais, o autor explica que
elas dependem das disposições sociais:
Uma abordagem de justiça desenvolvimento que se concentra em
liberdade substantivas inescapavelmente enfoca a condição de
agente e o juízo dos indivíduos; eles não podem ser vistos
meramente como pacientes a quem o processo de desenvolvimento
34.(ibidem, p.96-97).
35 (ibidem, p.178).
36 AMARTYA, Sem. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Schwarcz,2000, p. 319.
25
concederá benefícios. Adultos responsáveis têm de ser incumbidos
de seu próprio bem-estar; cabe a eles decidir como usar suas
capacidades. Mas as capacidades que uma pessoa realmente possui
(e não apenas desfruta em teoria) dependem da natureza das
disposições sociais, as quais podem ser cruciais para as liberdades
individuais. E dessa responsabilidade o Estado e a sociedade não
37
podem escapar.
Ele afirma que: “As capacidades individuais dependem crucialmente,
entre outras coisas, de disposições econômicas, sociais e políticas. [...] (SEN,
2004, p.71)”. Sendo que o desenvolvimento é influenciado profundamente
pelas relações estabelecidas entre essas disposições.
Existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade
instituições, como sistemas democráticos e, mecanismos legais e,
estruturas de mercado, provisão de serviços de educação e saúde,
facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação etc. Essas
instituições podem incorporar iniciativas privadas além de disposições
públicas, bem como estruturas mais mescladas, como organizações
38
não-governamentais e entidades cooperativas.
É o envolvimento das pessoas, conforme explica a lição de Sen,
contribuindo na configuração do destino de cada uma, não sendo vistas apenas
como indivíduos passivos à espera dos benefícios de “engenhosos programas
de desenvolvimento” (SEN, 2004, p.71). A conjugação do Estado e da
sociedade, ambos com papéis definidos, buscando um bem comum, fortalece e
protege a capacidade de cada cidadão. A realidade social brasileira demanda
respostas urgentes e inovadoras, o maior desafio consiste dar condição de
verdadeiros cidadãos a todos os seus membros. Portanto, ao Estado e à
sociedade cabem papéis importantes que precisam ser logo assumidos.
É nesse contexto que se consolida a noção de terceiro setor,
conceituada por Pinsky como:
Conjunto de atividades, não-governamentais e não lucrativas, de
interesse público, realizadas em benefício geral da sociedade e que
se desenvolvem independentemente dos demais setores (Estado e
39
mercado), embora deles possa, ou deva, receber colaboração.
37 (ibidem, p.327).
38 (ibidem,p.71)
39. PINSKY,Jaime e Carla Bassanezi. Historia da cidadania.São Paulo: Contexto,2003,p.574.
26
O autor explica que são três as fontes originárias do terceiro setor: a
filantropia, os movimentos sociais e as ONGs. Ele afirma:
[...] as instituições partidárias permanecem, bem como os
movimentos populares e sociais de cunho ideológico claro, como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra (MST) e as
cooperativas agrícolas, a exemplo daquela que reúne as catadoras
de babaçu, no Maranhão. Da mesma forma, continuam atuantes os
grupos minoritários agrupados na defesa de seus interesses, desde
militantes do movimento negro e até portadores de HIV. [...] è preciso
destacar também, o trabalho das Pastorais Carcerárias e da Criança,
que são ações sociais da Igreja Católica executadas por leigos. Daí
40
ser o conceito de terceiro setor complexo e heterogêneo.
É importante entender, segundo a lição de Pinsky (2003), como são
articuladas essas esferas da sociedade civil e do poder estatal. Verifica-se que
as atividades de interesse público podem ser executadas fora do governo,
trabalhadas entre sindicatos, associações, movimentos, igrejas, agências,
mídia e empresas.
2.8.4. Bons Exemplos de promoção da atividade física.
a) Projeto Agita São Paulo.
Dentro desse enfoque de terceiro setor e parcerias firmadas entre as
diversas esferas da sociedade civil visando o interesse público, cumpre citar
uma iniciativa importante do governo do estado de São Paulo, relacionada à
promoção da saúde através da atividade física, já que essa é a razão do
presente estudo.
Trata-se do programa lançado oficialmente pela Secretaria
de Estado da Saúde em dezembro de 1996, o Agita São Paulo, que tem por
objetivo estimular a prática de atividades físicas. Com o passar do tempo, o
programa conseguiu reconhecimento nacional, e atualmente serve de modelo
para o Agita Brasil e para o Agita Mundo, da Organização das Nações Unidas
(ONU).
O Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano
do Sul (CELAFISCS),é parceiro da Secretaria na criação do projeto. O objetivo
do programa é estender a população conhecimento sobre os benefícios da
40 (Ibidem, p.574)
27
atividade física para saúde, trazendo uma vida mais ativa às pessoas, seja em
casa, no trabalho e no lazer.
b) Dia do Desafio.
Seguindo o mesmo enfoque de promoção da atividade física em busca
da melhoria da qualidade de vida, podemos também citar o Dia do Desafio que
consiste em mobilizar o maior número de pessoas durante o período de quinze
minutos realizando atividades físicas diversas as quais são promovidas em
diversos pontos da cidade participante. É um verdadeiro combate ao
sedentarismo, com a troca de experiências entre as cidades participantes. O
Dia do Desafio é realizado, simultaneamente, em milhares de cidades no
mundo, após um sorteio que define as duas cidades de porte semelhante para
competirem entre si. Vence a cidade que conseguir mobilizar maior percentual
da sua população. A idéia é fazer com que as pessoas passem a incorporar
em sua rotina, exercícios físicos após a experiência vivida no dia do desafio,
despertando e estimulando o gosto pela atividade física. O último Dia do
Desafio ralizado em maio de 2011 conseguiu mobilizar 63 milhões de pessoas
em 4.023 cidades de 22 países no mundo todo.
O Dia do Desafio foi criado no Canadá e é difundido mundialmente pela
The Association For International Sport for All (TAFISA)41. O convite à atividade
física se estende a todos, envolvendo o poder público de cada cidade, as
instituições da sociedade civil, empresas, voluntários locais e os próprios
participantes. O SESC (Serviço Social do Comércio) das cidades participantes
assume a coordenação desse dia em parceria com as Prefeituras locais.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Os direitos fundamentais, mais especificamente o direito à vida,
assegurado pela Constituição Federal, foi o ponto basilar de avaliação da
presente pesquisa tendo sido descrito, a partir da importante contribuição de
Moraes, em duas acepções: a de continuar vivo e a de se ter vida digna
41 Entidade de promoção do esporte para todos, sediada na Alemanha.
28
adequada com a condição humana. O princípio da dignidade, um dos alicerces
fundamentais da Constituição Federal, garante que todos, sem distinção, têm
direito a uma vida digna justa e com qualidade, tendo o Estado como garantidor
desses direitos. No entanto, este bem, vem sendo, constantemente violado por
parte do Estado, quando este não assume a responsabilidade social como ente
possibilitador de uma vida digna aos seus membros.
O marco inicial dos direitos fundamentais, ocorrido durante meados do
século XVIII, trouxe reflexos importantes para a elaboração da Constituição
Federal de 1988, bem como, a construção da cidadania, principalmente no que
diz respeito aos direitos da segunda geração, nos quais encontramos os
direitos sociais, “abraçados ao princípio da igualdade”, conforme contribuição
de Bonavides no primeiro capítulo
A qualidade de vida foi analisada, no segundo capítulo, sob o enfoque
de novo paradigma da era da globalização, incorporada aos conceitos políticos,
jurídicos
e
sociais,
caracterizando
o
momento
atual
da
civilização,
demonstrando o estilo de vida das pessoas e suas determinantes para uma
vida com ou sem saúde. As estimativas, índices e estudos pesquisados neste
trabalho, evidenciaram a situação de sedentarismo exacerbado como grave
problema de saúde pública, tendo em vista os crescentes casos de doenças
crônicas advindas da má qualidade de vida da população brasileira.
A responsabilidade do Estado em intervir, na promoção da saúde, foi
avaliada no terceiro e último capítulo. Ter este objetivo como meta permanente
para a promoção de uma vida com dignidade para todos foi descrito como
sendo tarefa do Estado, buscando eliminar os fatores que estejam impedindo a
realização deste direito e motivando as pessoas a buscarem o seu próprio
bem-estar, intrinsecamente ligado a vida com qualidade.
O presente estudo verificou a necessidade de sérias intervenções para
que essa situação de sedentarismo e má qualidade de vida sejam revertidas. O
caminho é o investimento em mudanças de hábitos na população de forma a
conscientizar as pessoas da importância de uma boa alimentação associada
aos exercícios físicos, possibilitando uma vida longa e saudável para aquele
que investir nessas mudanças. Isto se dará por meio de um Estado atuante,
interessado, que venha a disponibilizar espaços a população de forma a
estimular a atividade física; promover e incentivar a prática do esporte e do
29
lazer – o convite a atividade física com lançamentos de programas de incentivo
por parte do Estado; propondo parcerias com a iniciativa privada, - o “terceiro
setor”, a grande estratégia do Estado para atender as demandas sociais - como
foi denominado no último capítulo, apoiando esses parceiros na busca de uma
vida com mais qualidade.
4. REFERÊNCIAS.
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Schwarcz,2000.
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como
liberdade.
São
Paulo:
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e
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Disponível
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CAETANO, Valderez. Distribuição menos desigual. Jornal do Brasil, Rio de
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nov.2006.
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http://www.usp.br/eef/xipalops2006/10_Anais_p35.pdf>. Acesso em: 20 abril 2007.
Portal SESC São Paulo. São Paulo. Disponível em:
http://www.sescsp.org.br/diadodesafio> Acesso em 14.01.2012.
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Direito à Qualidade de Vida: Uma avaliação jurídica e social