inovação Para trás e para frente P or uma estranha coincidência, dessas que só acontecem muito raramente durante toda a nossa vida, encontreime, na última semana de abril, próximo à minha casa, com dois ex-colegas de faculdade. Nada programado, coincidência mesmo. A conversa com cada um me fez refletir muito sobre o papel da escola nas nossas vidas. Composição sob imagem|Sigurd Decroos Estudei praticamente todo o Ensino Fundamental numa instituição confessional, transferindo-me, posteriormente, para um colégio militar, onde fiquei Marcelo Freitas* até o final do Ensino Médio. De lá, parti novamente para uma universidade confessional, onde me formei em Administração e em Ciências Contábeis. Esse preâmbulo é apenas para situar os fatos, pois foi lá que conheci os dois colegas de que falei e a quem tratarei aqui pelos nomes fictícios de Alberto e Eugênio. muitas vezes, driblava os “novos” colegas, sentando-se estrategicamente colado ao fundo da sala. Era um cara estudioso e, por isso mesmo, nada bobo. Sempre repetindo seu mantra “vim pra escola pra estudar, e não pra jogar ‘truco’ com os colegas no DA”, o concorrido Diretório Acadêmico. Comecemos pelo primeiro. Aluno dos mais aplicados da turma, estudioso e de hábitos mais discretos, Alberto via sua popularidade aumentar consideravelmente por ocasião das provas. Matemática financeira, conta- Entre aqueles que pernoitavam na porta da sala estava o Eugênio. Aliás, isso para ele era uma façanha, pois sempre chegava à escola no horário do “recreio”, com uma pastinha debaixo do braço e olhos avermelhados. Na pasta, de material didático, só mesmo um surrado caderno que o acompanhou desde o primeiro período até meados do curso. bilidade e outras matérias mais exatas, principalmente, traziam legiões de “amigos”. Nesse período, não havia quem não quisesse sentar-se próximo ao Alberto e fazer parte do seu pequeno círculo de amizades. Durante as provas, as carteiras próximas a ele eram disputadas “a tapa”. Tinha gente que madrugava na escola à espera do Alberto, que, O forte da bagagem eram folhetos para divulgar as festas que empresariava ou os mostruários de produtos que vendia, sempre na direção para onde soprava o vento dos modismos. Ora eram pulseiras e joias em ouro e prata, ora produtos de artesanato ou qualquer coisa que tivesse aparecido na novela das oito e balançado a mulherada. Falante como ninguém, conhecia todo mundo e por todos era conhecido. Alguns o chamavam de “Barriga”, outros de “Genoca”, mas o apelido não importava, desde que o conhecessem. Para resumir a conversa, podese dizer que pelo menos uma boa parte do diploma do Eugênio foi “subsidiada” pelo Alberto. Ainda que o último tentasse se esquivar, os métodos do “Barriga” eram fantásticos. Tinha sempre o que ele chamava de “esquemão”. Até na persiana da sala ele armazenava seus, digamos, “lembretes”, para a hora da prova. Lembro-me perfeitamente de quando nos formamos e olhei para aquela turma. Pensei no e buscava uma recolocação, ainda que não fosse numa posição de chefia. No dia em que nos encontramos, havia acabado de sair de uma entrevista para tentar uma nova colocação, numa empresa próxima à minha casa. Daí o acontecido. entendeu. É que talvez o seu próximo funcionário fosse uma pessoa de quem ele, provavelmente, ainda se lembraria. O mesmo que dividiu com ele os louros do diploma e que, agora, também poderia ajudá-lo como contador. Já com o Eugênio, para meu espanto, a coisa tinha sido completamente diferente do que imaginei. Quando me encontrei com ele, tinha acabado de estacionar o carro, um desses SUV grandões e pretos que vemos por aí. Seus empreendimentos haviam prosperado. Saltou de segmento em segmento, o que lhe deu vasta experiência em Do episódio brotou uma série de reflexões que gostaria de dividir com você, caro leitor: Para os gestores educacionais, é claro o tipo de escola que dirigem? Ela forma técnicos ou empreendedores? Empregados ou empresários? Forjar um empregado é diferente de formar um empreendedor. As competências são diferentes, as aptidões também. quanto Alberto estava preparado para ser profissional. Do outro lado, imaginava como seria difícil para colegas como o Eugênio conseguir um bom emprego. Pois os anos se passaram sem que eu tivesse o menor contato com eles até o dia em que, separadamente, me encontrei com cada um. Soube do Alberto que havia passado por várias empresas, depois de formado, crescendo na carreira até atingir o nível de supervisor. Ao final do último ano, entretanto, seu empregador o havia dispensado. Segundo ele, tornara-se um bom técnico na área contábil ambientes e situações as mais diversas. Hoje, é empresário, dono de uma rede de joalherias e duas imobiliárias. De tudo o que havia vivenciado na escola, segundo ele, o mais importante era a sua convivência com diferentes tipos de pessoa. Da teoria, muito pouco se lembra. Limites, derivadas, cálculos e conceitos de metodologia científica, nada disso lhe restou na lembrança. Perguntei a ele o que fazia por ali, próximo à minha casa. Ele me respondeu, apontando para uma grande casa de dois andares ao final da rua: sou dono daquela imobiliária ali. Quando comecei a rir, ele não Sabem de fato quais as aspirações dos seus alunos e clientes? Ou que tipo de pessoas querem formar e no que elas querem, de fato, ser formadas? Os conteúdos estão realmente alinhados com as demandas de nossa sociedade? Como gestores, onde podem inovar? E se você, caro leitor, é um gestor educacional, certifique-se de que sabe as respostas para essas perguntas, pois elas fazem uma enorme diferença. Forjar um empregado é diferente de formar um empreendedor. As competências são diferentes, as aptidões também. Portanto, o processo já começa na seleção de alunos. Pense nisso! ¢ *Consultor da Linha Direta, diretor da Corporate Gestão Empresarial, coordenador-geral do Movimento Escola Responsável e consultor em Gestão Estratégica e Revitalização Institucional marcelofreitas@linhadireta. com.br