Extract from Todos os cachorros são azuis by Rodrigo Souza Leão (published 2008) Engoli um chip ontem. Danei-me a falar sobre o sistema que me cerca. Havia um eletrodo em minha testa, não sei se engoli o eletrodo também junto com o chip. Os cavalos estavam galopando. Menos o cavalo-marinho que nadava no aquário. Ele tem um problema mental. Será que tem alguma seqüela? No fundo deste meu mundo, lá no quarto escurecido por doses de Litrisan, veio um psiquiatra e baionetou uma química na minha celha esquerda. Enquanto outro puxava a minha banha, esticando e esticando para que não sentisse a injeção de Benzetacil. Benzeta. Benzeta. Uma dor imensa na bunda. Tudo girando ao meu redor e eu girando também. Tiro uma meleca e coloco na mesa do canto, bem longe da escuridão no quarto. A escuridão é asséptica. Só o pessoal de branco pode freqüentar aquela linha impura. Seguram-me de novo. Recebo o beijo de minha mãe. Deve ser dia de visita. Acordo e como uma lasca de goiabada com o sanduíche de atum que mamãe trouxe para mim. Escuto uma música tão alta que não entro nos meus pensamentos e estou fora, agora a cocaína não vai chegar. A conexão foi interrompida. Mamãe mal chega, mal vai. Ele continua achando que engoliu um chip. Ela diz que tudo começou há uns dez anos, quando eu achei que havia engolido um grilo. Quantos grilos você me fez engolir, fi lho. Minha mãe disse isso afagando meus lábios e me dando um beijo na bochecha. Por alguns segundos lembreime de algo que havia acontecido no dia anterior. Eu havia quebrado toda a casa com uma fúria gigantesca. Nunca mais tomo Haldol na minha vida. Foi por você não ter tomado o Haldol que você fi cou assim, diz o chip. E eu começo a falar: Só no Anhembi é tupi. Só no Anhembi é tupi. O engolidor de espadas engole uma nesga de fogo por vez. Tá todo mundo engolindo alguma coisa neste exato momento. É hora do jantar. Mamãe se foi. A música volta a me colocar fora de mim.