18/09/2011
A República da Hora Extra
"Horinha" a mais que custa caro
União gastou R$ 270 milhões este ano com horas extras de servidores dos Três
Poderes, o suficiente para bancar o programa de erradicação do trabalho infantil
Josie Jeronimo
Vinicius Sassine
Júnia Gama
A Câmara estava cheia e o painel registrava que 464 deputados apareceram em
plenário na última terça-feira. Às 19h, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), que
presidia a Mesa Diretora naquele momento, prorrogou a sessão por mais uma hora.
É a partir desse horário que se forma uma fila de servidores no térreo do Anexo IV,
um prédio a 500m do plenário, afastado das dependências reservadas à rotina
legislativa da Casa — ali, as luzes já estão apagadas e as salas fechadas. Esses
funcionários têm único objetivo: faturar horas extras mesmo sem ter trabalhado.
Os servidores, que já encerraram o expediente e estão longe da Câmara, monitoram
se a Presidência da Mesa vai prorrogar a sessão. Prorrogada, deslocam-se para o
térreo do Anexo IV para registrar a presença nos dois pontos de controle biométrico
próximos aos balcões das companhias aéreas — há outros desses pontos próximos
ao plenário, esses sim utilizados por quem de fato está em atividade. Eles têm até as
19h20 para concretizar a fraude. Depois, precisam aguardar até as 20h30 para
marcar a saída e garantir o pagamento no contracheque. Alguns aguardam o relógio
marcar 20h30 dentro do carro, acompanhados das famílias.
Uma hora extra custa entre R$ 90 e R$ 134, conforme o cargo. Apesar de a Câmara
ter investido R$ 2,8 milhões no sistema biométrico de registro de ponto para acabar
com as fraudes, o Correio esteve no térreo do Anexo IV na noite de terça-feira e
flagrou o drible dos servidores na norma. Eles chegam pela garagem — muitos com
roupas informais, destoantes do vestuário habitual da Câmara —, registram o ponto
e aguardam o horário da saída. A Casa já desembolsou, somente neste ano, R$ 33
milhões com o pagamento de horas extras. A assessoria de imprensa da Câmara diz
que há dois tipos de adicionais: as horas extras propriamente ditas, com um custo
de R$ 2,3 milhões, e as sessões noturnas, principalmente às terças e às quartas, que
já custaram R$ 31,1 milhões. No primeiro grupo, estão seguranças e técnicos que
estendem a jornada de trabalho, inclusive no fim de semana. No outro estão os
servidores flagrados pelo Correio. "Historicamente, o valor registrado neste ano
está na média dos dois anos anteriores", justifica a assessoria.
A irregularidade flagrada na Câmara é uma das razões para os gastos com horas
extras no Legislativo serem tão altos. Mas o dispêndio com serviços extraordinários
faz parte da rotina administrativa nos Três Poderes, independentemente das fraudes
detectadas. Um levantamento dos pagamentos extraordinários do Executivo,do
Legislativo e do Judiciário mostra que a União tem desembolsado em acréscimos
salariais valores semelhantes a todo o montante gasto em 2010 na erradicação do
trabalho infantil. Em 2011, as horas extras dos Três Poderes custaram R$ 270
milhões, segundo informações da execução orçamentária obtidas até a primeira
quinzena de setembro. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do
Ministério do Desenvolvimento Social, recebeu durante todo o ano passado R$ 290
milhões para a proteção de crianças.
A cifra das despesas com serviços extraordinários é uma prévia. Histórico de gastos
da União com horas extras mostra que o governo tem desembolsado uma média de
R$ 500 milhões anuais com a rubrica. O valor é duas vezes maior do que o
orçamento do Ministério da Pesca e equivale aos recursos direcionados a grandes
programas, como o assentamento de trabalhadores rurais, proteção aos povos
indígenas e segurança de voo e controle do espaço aéreo.
Regidos pela CLT
Os recursos milionários, no entanto, não abrangem todo o universo do
funcionalismo público. Apenas servidores contratados pelo regime celetista, em
autarquias ou empresas públicas, são beneficiados com as horas extras. Os
servidores estatutários têm remuneração fixa, independentemente do número de
horas trabalhadas.
Dois exemplos dessa situação são a Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), autarquia do Ministério da Agricultura, e a Valec Ferrovias, estatal do
Ministério dos Transportes. A primeira desembolsou R$ 1,8 milhão em horas
extras. De acordo com a assessoria da companhia, o pagamento extra foi
concentrado em "áreas essenciais" de transporte, recursos humanos e tecnologia da
informação.
Já a Valec gastou R$ 1,47 milhão neste ano. O órgão, que tem 811 funcionários,
informa que os valores correspondem a pagamento de extras atrasados de
funcionários da extinta Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA) transferidos para a
Valec.
Redução
O Senado gastava mais do que a Câmara em horas extras. Em 2009, desembolsou
R$ 87,6 milhões em serviços extraordinários, valor 54% superior aos gastos da
Câmara. A partir de 2010, esse tipo de despesa começou a cair, chegando a R$ 3,5
milhões este ano. A Casa atribui a redução a critérios mais rígidos para a
autorização das horas extras e à adoção de um banco de horas. Dentre os órgãos do
Judiciário, o campeão em horas extras é a Justiça Eleitoral, que desembolsou R$
4,2 milhões este ano. Em seguida, aparece a Justiça Federal com gastos de R$ 3,2
milhões. No Supremo Tribunal Federal (STF) as horas extras custaram R$ 931,6
mil aos cofres públicos.
adicionada no sistema em: 18/09/2011 02:27
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