GOVERNANÇA E LEGALIDADE Junho de 2008 12 POR MILTON NASSAU RIBEIRO Professor da Pós-Graduação da FGV, mestre em Direito Empresarial e advogado. Autor do livro “Aspectos jurídicos da governança corporativa” ([email protected]). QUANTO MAIS GOVERNANÇA CORPORATIVA, MELHOR? Nos últimos 30 anos, a cada década novas modalidades de fraudes corporativas são descobertas. E a cada escândalo, uma nova lei ou um novo código de princípios de governança corporativa emerge. A idéia é simples: quanto mais governança melhor. Mas essa sobreposição de princípios e regras de governança corporativa implica, necessariamente, melhoria para os investidores? Em um plano nacional, quanto mais regulação, melhor para o mercado de capitais? Haveria efeitos colaterais na adoção indiscriminada de princípios e normas de governança corporativa? Estas ainda são perguntas sem resposta. Mas a análise de casos recentes indica, ao menos, desconforto na análise dessas questões. A revista Latin Lawyer de abril de 2008, em matéria intitulada London calling (título que parece referir-se ao antológico disco da banda punk londrina The clash), faz-nos refletir sobre os efeitos que a regulação jurídica da governança corporativa (ou o excesso dela) pode trazer para os mercados de capitais nacionais. A revista entrevista a executiva responsável pelo desenvolvimento da bolsa londrina, a London Stock Exchange - LSE para a América Latina, Anne Moulier. De forma aberta, a representante da bolsa londrina oferece, como grande vantagem da LSE em relação à sua congênere nova-iorquina, uma regulação mais inteligente. Além das exigências do Patriotic Act1, a executiva aponta como grande vilã do mercado americano a Lei Sarbannes-Oxley (SOX), criada justamente para aumentar o grau de transparência e eqüidade das empresas que emitem títulos nos Estados Unidos. Em outras palavras, algumas companhias vêem as regras de governança corporativa da SOX como um inconveniente dispendioso, a ponto de preferirem a listagem em outros mercados. Esta seria uma das razões pela qual a Sra. Moulier se gaba do sucesso da LSE na atração de empresas russas e do leste europeu e anuncia como seu novo alvo as empresas da América Latina, grandes emissoras de American Depositary Receipts - ADRs - no mercado dos Estados Unidos. Contudo, ela nega que as regras londrinas protejam menos os investidores ou tenham regras de governança corporativa menos rigorosas; afirma que os padrões são altos e mais inteligentes. Por exemplo, em Londres, adota-se o princípio segundo o qual se deve explicar o motivo da não adesão a alguma regra sugerida e, nesse caso, propor uma compensação que acomode os interesses tanto da companhia quanto dos investidores. A exemplo da BOVESPA, a LSE também estabelece padrões diferenciados de listagem, conforme o nível de governança corporativa adotado pela companhia, além de permitir que sejam listados tanto recibos quanto ações (ao contrário dos Estados Unidos, que permite apenas ADRs). 1 Tal legislação surgiu após 11 de setembro e visa evitar as companhias listadas façam negócios com inimigos dos Estados Unidos. A fim de comprovar tal condição, Lei exige uma série de compromissos e abertura de documentos por parte das companhias. Página 1 de 2 GOVERNANÇA E LEGALIDADE Junho de 2008 12 Confessamos não conhecer de perto as regras londrinas. Porém, somos muito simpáticos à idéia de uma governança corporativa mais analítica (ou inteligente, nas palavras da executiva). No caso do Brasil, compreende-se que na década de 90 a discussão das regras de governança corporativa tenha se dado sem muita reflexão, pois era necessária a atração de investidores estrangeiros, especialmente os institucionais. Felizmente, o momento atual apresenta outro cenário. O mercado de capitais brasileiro cresceu e o discurso da governança corporativa foi adotado pelas companhias brasileiras como mantra, muito repetido e pouco refletido. É chegada a hora da maturidade. Deve-se analisar a aplicabilidade e a conveniência das regras de governança propostas à companhia específica, analisando-se a sua estrutura de capital, os mercados em que atua, seu estatuto, normas internas etc. Se isso, de um lado, dá mais flexibilidade às companhias, de outro exige que os investidores façam o dever de casa e verifiquem qual regra de governança corporativa faz sentido para o caso concreto. O investimento, em conseqüência, ganha qualidade, premiando as companhias realmente mais transparentes. Como bom mineiro, aprendemos cedo que chá de limão com mel cura várias coisas: dor de barriga, garganta, febre, coriza, ressaca e, segundo alguns, até dor de cotovelo. Mas, as práticas de governança corporativa não são remédio caseiro. Não servem indiscriminadamente para tudo e todos. A governança corporativa não é uma questão de quanto mais, melhor, mas de quanto mais adequada, melhor. Página 2 de 2