Cristina e o peronismo Na eleição de hoje, que a presidente deve ganhar fácil, se renova o movimento iniciado por Perón e impregnado na cultura política argentina Wagner Sarmento, Jornal do Commercio, Recife, 23/10/2011 [email protected] O peronismo é um movimento baseado no pensamento do ex-presidente Juan Domingo Perón. Há meio século, a palavra exerce fascínio entre os argentinos e tem servido de muleta política para postulantes ao governo. É um termo pulverizado pelo tempo, que abarca tendências diversas. A iminente vitória da presidente Cristina Kirchner nas eleições de hoje, que garantirá o terceiro mandato kichnerista consecutivo no país, ratifica a linha peronista de centro-esquerda encampada por Néstor, marido da mandatária morto por um infarto fulminante quase um ano atrás. Os dois últimos presidentes argentinos que não eram peronistas, Raúl Alfonsín (1983-1989) e Fernando de La Rua (1999-2001), se viram obrigados a renunciar ante forte pressão popular. A bandeira do peronismo é um fator fundamental na Argentina. Alfonsín e De La Rúa, que não eram peronistas, não conseguiram chegar ao fim de seus mandatos. Sem o peronismo, você não consegue governar, não faz nada. É algo indispensável para se obter apoio nas mais diversas camadas, do povo ao movimento sindical, observa o historiador argentino Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em entrevista por telefone ao JC. Segundo ele, Néstor e agora Cristina adotam um peronismo de centro-esquerda, mais identificado com a lendária figura de Evita Perón, a mãe dos pobres argentina. A vitória dela nestas eleições é uma consolidação do ramo peronista que ela representa, aquele mais voltado para os setores populares. Isso não quer dizer que a maioria dos argentinos se identifica com o peronismo de centro-esquerda, mas que ela vem tendo respaldo porque, apesar de alguns problemas, seu governo vem obtendo relativo sucesso. O peronismo é pragmático, avalia. Outros três ex-presidentes argentinos dos últimos 20 anos eram peronistas: Adolfo Rodríguez Saá e Eduardo Alberto Duhalde, que governaram por pouco tempo, e Carlos Menem, também do Partido Justicialista, bastião de uma linha peronista mais liberal. A reeleição de Cristina pode resultar em uma unificação do Partido Justicialista, pontua Ayerbe. Duhalde é candidato na eleição de hoje assim como o irmão de Rodríguez Saá, Alfredo. Cristina encerrou sua campanha na última quarta-feira com amplo favoritismo. A consultoria OPSM a coloca com 51% das intenções de voto. A Equis aponta 55% e a Romer e Associados estimam que ela pode chegar a 57% dos votos. A menos otimista é a Ceop, que dá a Cristina 49% da preferência. Os números pintam um triunfo ainda no primeiro turno. O socialista Hermes Binner aparece em segundo lugar e suas intenções de voto variam entre 12% e 16%. Em seguida está Ricardo Alfonsín, filho do expresidente Raúl e representante da União Cívica Radical (UCR), que tem entre 8% e 11%. A oposição ainda ajudou Cristina, pois não foi capaz de gerar uma alternativa conjunta e está se digladiando, comenta. Caso confirme sua reeleição, Cristina terá pela frente quatro anos de mandato sem a presença de Néstor. No amor e na política, foram um só. Quando ele morreu, choveram comentários de que Cristina era mera figurante na Casa Rosada e que quem governava de fato era seu marido. Ayerbe discorda. Eles eram uma equipe. Não existe isso de que era Néstor que mandava. Cristina tem uma trajetória política própria, já foi senadora e, após o falecimento dele, ela tem mostrado uma postura mais conciliadora que a adotada por seu companheiro, diz o especialista argentino. A lacuna deixada por Néstor tem sido preenchida por jovens peronistas. O movimento juvenil La Cámpora, fundado e liderado por Máximo Kirchner, filho do casal K, é uma das principais bases de apoio de Cristina. Integrantes do grupo já ocupam inclusive cargos estatais. A reeleição de Cristina também interessa ao Brasil. A afinidade entre os governos resultou na criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, entidade da qual Néstor Kirchner foi secretário-geral até o dia em que morreu. A manutenção de Cristina no poder significa que este laço entre os dois países continuará sendo fortalecido. Há uma convergência que, para o governo brasileiro, é importante que seja mantida, pondera Ayerbe. http://jconlinedigital.ne10.uol.com.br/assinantes/restrito/