V DOMINGO DA QUARESMA
«Havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a
festa. A1proximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e disseram: “Senhor,
gostaríamos de ver Jesus”. Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus.
Jesus respondeu-lhes: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em
verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre, ele continua só
um grão de trigo; mas, se morre, então produz muito fruto. Quem se apega à sua vida,
perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida
eterna. Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se
alguém me serve, meu Pai o honrará. Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me
desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!”
Então veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e glorificarei de novo!”. A multidão, que aí
estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão. Outros afirmavam: “Foi um anjo que falou
com ele”. Jesus respondeu e disse: “Essa voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas
por causa de vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser
expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a mim”. Jesus falava assim para
indicar de que morte iria morrer » (Jo. 12,20-33).
Para os hebreus, convergir para Jerusalém era um dos sinais mais fortes que serviam
a manter viva a própria identidade; era também um sinal simbólico com o qual se antecipava
ritualmente, assim como faziam os profetas, o triunfo de Jahvé sobre os outros povos com
as suas divindades. Era questão de honra poder ir a Jerusalém na “casa do Senhor”. Os que
moravam na terra de Israel costumavam ir todo ano, os hebreus da diáspora, isto é, aqueles
espalhados em outros Países, pelo menos uma vez na vida iam a Jerusalém. Tal
peregrinação era uma grande festa. De algum modo recordava também a ação libertadora
de Jahvé tanto em relação à saída do Egito, quanto ao regresso dos Hebreus na palestina
com o Edito de Ciro do ano 538 a.C. Tais sentimentos são bem expressos na invocação de
Jeremias: «Se dirá naqueles dias: “O Senhor é nossa Justiça!' Eis que chegarão dias oráculo do Senhor - em que já não dirão: 'Viva o Senhor que tirou do Egito os filhos de
Israel'; mas sim: 'Viva o Senhor que tirou e reconduziu a linhagem de Israel do país do Norte
e de todos os países, para onde os dispersara, e os fez habitar na sua própria terra» (Jer.
23,7).
A peregrinação a Jerusalém deveria também antecipar ritualmente o julgamento final
da história que aconteceria em Jerusalém. Todo hebreu fazia própria a convicção expressa
pelo Profeta Isaías: «Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do Senhor será
estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os
povos. Virão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e à casa do
Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas;
porque de Sião sairá a lei, e a palavra do Senhor de Jerusalém» (Is. 2,2). Como todo
hebreu, também Jesus tinha ido à Cidade Santa e aclamado com hinos e ramos de
palmeira.
No meio de tanta confusão, no meio de uma tensão latente que nos prepara para os
últimos dias da paixão e morte de Jesus, o Evangelista aponta a sua atenção para um
pequeno episódio no qual viu, como que antecipado, o exordio final da vida e morte do
Senhor. Trata-se de “gregos”, a leitura mais apropriada nos faz entender que se trata
realmente de estrangeiros que vieram para a festa dos hebreus, mas, na verdade o que
desejavam era “ver Jesus”. Eis, então, uma constatação que ressalta de imediato: os últimos
dias de Jesus em Jerusalém correspondem também aos “últimos dias” prenunciados pelos
Profetas, isto é , manifestam desde agora o julgamento final de Deus sobre a história dos
homens. O centro da atenção são os “gregos”, a indicar os povos que não conhecem a
Jesus por tradição mas que, de algum modo entram em contato com Ele. É o prelúdio da
Evangelização, que se expandirá no mundo pagão à partir da vida da comunidade cristã. O
Evangelho não alcançará todas as nações pela força da propaganda, pelo poder e número
de seus adeptos, mas sim pela “curiosidade”; sim, uma curiosidade que manifesta o desejo
ínsito na pessoa humana de superar sempre a si mesmo, de conhecer o que não conhece,
de transcender o próprio limite questionando o próprio limite. Foi a “curiosidade” que moveu
Moisés em direção da sarça. Aqui Felipe, que outrora havia suscitado curiosidade em
Natanael quando lhe disse: «Encontramos o Messias!... Vem e vê!» (Jo. 1,46), agora estava
outra vez envolvido pela curiosidade de estrangeiros. Ele deverá dar-lhes uma resposta.
Sim, a leitura nos mostra claramente que Jesus não fala diretamente com os gregos,
mas caberá à Sua comunidade responder quanto a Jesus. A Igreja é, assim, a intermediária
pela qual o Senhor transmite a experiência autêntica da Sua pessoa. Ao longo três anos,
Jesus falou poucas vezes sobre si mesmo, na grande parte usou comparações e outras
imagens; Ele fez com que os discípulos fizessem uma profunda experiência sobre “quem é”
o Filho do Homem, essa experiencia se tornaria o patrimônio a ser oferecido pelos séculos a
todos os “estrangeiros”,isto é, àqueles que não eram considerados dignos de salvação por
“direito natural” como, do contrário, consideravam-se os Hebreus.
Temos mais uma indicação importante que abre a leitura desse trecho. Notamos uma
sequência de três momentos que indicam de algum modo um dos caminhos pelos quais se
vem à fé. Num primeiro tempo os gregos vão para a “festa dos judeus”, essa é o centro da
atenção m,as aos poucos a “festa” se esgota, não diz mais nada, não consegue satisfazer a
“curiosidade” que está em pessoas abertas à vida. O objetivo se torna Jesus. O verbo
usado: «Ver» não indica uma visão ótica, a cultura grega e a linguagem de João distinguem
perfeitamente entre o que se vê aparentemente e o que se vê além das aparências. Esse
modo de entender é ligado à filosofia Platônica pela qual a aparência não corresponde
plenamente à realidade eterna. Então: é isso que os gregos queriam ver. O que há de
eterno, de verdadeiro, que não é destinado a terminar. Algo pelo qual vale a pena envolver a
existência.
O terceiro momento desse processo pelo qual se chega “conhecer Jesus”, a «Ver
Jesus» está na resposta que o Senhor dá aos seus discípulos, a mesma que eles deverão
dar a todos os estrangeiros até o fim dos tempos. Jesus não dá uma solução “simplória”,
“barata”, fácil e idealista. Jesus fala de vida e de como viver a vida. De algum modo Ele
indica o “preço” que é preciso pagar para conhecer realmente quem é Jesus e “ver” de fato,
realmente o que está Nele. Ao contrário de qualquer ideologia, até ideologia religiosa, a fé
em Cristo é “visível”, isto é, irradia-se por si própria e contagia as pessoas que veem o
cristão autêntico. Logo o apelo que Jesus faz aos discípulos pode-se resumir em poucas
palavras: “Não digam nada sobre mim, me sigam e isso falará por si próprio”. Assim como
Jesus é a glória do Pai, também na vida dos discípulos o Senhor será glorificado, isto é,
manifestado em toda a sua beleza aos homens: «Chegou a hora em que o Filho do Homem
vai ser glorificado». Glorificado pelo Pai, que reconhece o Seu amor fiel até o fim e
glorificado pelos cristãos que, com as suas atitudes de fidelidade (seguir), dirão ao mundo
qual é o verdadeiro rosto de Jesus, dirão “quem” Ele é.
Seguir a Jesus é “servir a Jesus”; é com esse amor que Ele deseja ser amado, porque
o amor real é fiel e irreversível; a cruz mostrará a irreversibilidade do amor o qual não volta
atrás, não abandona, não desiste porque é regido por um laço que é mais que humano, é
divino, já que o Amor é a essência de Deus. Mas como conhecer a Jesus se não formos
capazes de seguir o caminho que Ele escolheu?
O Evangelista nos mostra um lado profundamente humano de Jesus; ele não é um
exaltado estoico, que desdenha o medo e o sufoca com um alucinado fervor religioso (como
acontece com aqueles que se iludem de agradar a Deus provocando a morte com o próprio
suicídio...). Jesus é um homem que ama a vida. Ele mesmo é a Vida. Por isso confessa a
sua apreensão diante da morte, pois nenhum homem é feito para a morte; ela é tolerada,
sim, mas não consegue ser integrada com os impulsos vitais que nos movem a cada dia.
Neo o homem é feito para a morte nem a morte é para o homem.
Por outro lado Jesus se compara com o grão de trigo. Isso obviamente não é para
enaltecer a “morte”, mas para indicar que, muitas vezes, é quando morremos a várias coisas
da nossa vida, dos nossos projetos; quando morremos ao nosso “eu” que deseja sempre
triunfo e sucesso... É então que, de dentro de nós, se libera toda a potencialidade de vida,
assim como acontece com a semente. Quando aprendemos a perder coisas, convicções,
certezas, veem à tona recursos que sequer imaginaríamos de ter na nossa vida. Quando
deixamos “morrer” aquilo que nos deixaria “sozinhos” («resta só...» diz Jesus), nos deixaria
“apenas o que somos agora”... pois então, será naquele mesmo momento que toda a vida
que Deus colocou em nós encontrará a sua explosão.
«Onde eu estou, estareis também vós...»; o caminho da profunda comunhão com
Jesus não passa pelo triunfo e sucesso, passa pela perda, perda em nome do amor, perda
que se transforma em riqueza de vida para muitos, para «todos» dirá Jesus.
Será ainda necessário nos perguntar: “onde está Jesus?”. Ainda que fosse
necessário, a resposta que pode convencer “gregos” que buscam a verdade definitiva, é
apenas uma: onde se ama sem condições, de modo visível e objetivo. O discípulo poderá
“servir” a Jesus oferecendo a si mesmo como o “lugar” onde poderá tornar-se visível a
qualidade do amor do Filho do homem.
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