PRESSÃO E VOLUME EM BALÕES DE PODEMOS CONFIAR EM NOSSA INTUIÇÃO?+* FESTA: Fernando Lang da Silveira Yan Levin Instituto de Física UFRGS Porto Alegre RS Resumo Dois balões, ambos com o mesmo tamanho original e desigualmente inflados, são conectados às extremidades de uma mangueira, na qual uma obstrução impede a passagem de ar. Demonstra-se que, quando a obstrução é removida, o balão menor tanto poderá inflar quanto desinflar ou até mesmo permanecer com o volume inalterado. A possibilidade que se concretizará depende dos volumes iniciais dos dois balões. Palavras-chave: Ensino de Física, pressão, tensão superficial, elasticidade da borracha, termodinâmica, experimentos contraintuitivos. Abstract Two identical rubber balloons are inflated to different size and connected by a hose with a valve. It is shown that when the valve is opened, it is possible for a smaller balloon to grow, shrink, or remain with its size unaltered. Which one of these situations is actually realized depends on the initial volumes of the two balloons. Keywords: Physics education, pressure, surface tension, rubber elasticity, thermodynamics, counter-intuitive experiments. + Pressure and volume in party balloons: How reliable is our intuition? * Recebido: abril de 2004. Aceito: junho de 2004. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 285 I. Introdução A Fig. 1 representa dois balões de festa iguais (de mesma procedência e de mesmo tamanho original), ligados às extremidades de uma mangueira flexível na qual um grampo impede a passagem de ar. O balão da esquerda, que se encontra a uma pressão p1, está menos inflado do que o da direita, que está a uma pressão p2. Quando a mangueira é desobstruída pela remoção do grampo, flui ar da região de pressão maior para a de pressão menor até se estabelecer o equilíbrio. O que irá ocorrer com o volume dos balões depois da retirada do grampo? Qual dos balões diminuirá de volume? Fig. 1 - Dois balões ligados a uma mangueira que está obstruída por um grampo. Para responder tais questões é preciso descobrir em qual dos balões a pressão inicial é maior. II. Pressão no interior de um balão Dentro de um balão de festa inflado, a pressão é levemente maior do que a externa (pressão atmosférica). Como mostraremos adiante, a diferença entre a pressão no interior do balão e a pressão atmosférica é de apenas alguns centímetros de mercúrio1 (cm Hg). Lembremos que a pressão atmosférica corresponde à cerca de 76 cm Hg. A diferença de pressão entre a parte interna e a parte externa do balão (a chamada pressão manométrica) deve-se à membrana de borracha que constitui a parede do balão. A lei de Laplace afirma que a pressão manométrica desenvolvida por uma membrana é diretamente proporcional à tensão superficial da membrana e inversamente proporcional ao raio de curvatura médio da membrana (SAVELIÉV, 1982). 1 Quando sopramos com a boca somos capazes de exercer uma pressão que é apenas alguns cm Hg maior do que a pressão atmosférica, o que é suficiente para encher o balão. 286 Silveira, F. L. E Levin, Y. Da lei de Laplace decorre que, sendo constante a tensão superficial, a pressão manométrica diminui conforme aumenta o raio de curvatura da membrana. Em bolhas de sabão, por exemplo, a tensão superficial da mistura de água com sabão é uma propriedade exclusiva dessa mistura: independe do raio e, portanto, do volume da bolha. Desta forma, quanto maior é o raio da bolha de sabão, tanto menor é a pressão manométrica no seu interior2. Logo que duas bolhas de sabão aderem uma na outra, e se interconectam permitindo a passagem de ar entre elas, a bolha menor se esvazia e a grande infla. A soma dos volumes iniciais das duas bolhas é menor do que o volume da bolha única que se forma no final3. Já uma membrana de borracha como a do balão de festa tem tensão superficial que varia com as deformações que sofre. Assim sendo, o comportamento da pressão manométrica em um balão é mais complexo do que em uma bolha de sabão. O gráfico da Fig. 2 representa dados experimentais sobre a pressão manométrica e o volume de um balão de festa (no Anexo encontra-se uma descrição do procedimento experimental utilizado na obtenção dos dados). Fig. 2 - Resultados experimentais para a pressão manométrica em um balão de festa em função do seu volume. 2 Esse resultado é contra-intuitivo, pois as pessoas costumam pensar que quanto maior for a bolha, tanto maior deveria ser a pressão no interior dela. 3 Quando produzimos espuma em um balde, agitando água com sabão, pode-se notar que, depois de cessada a agitação, o volume da espuma continua crescendo. O crescimento do volume da espuma é explicado pela não-conservação (aumento) do volume total das bolhas que se interconectam. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 287 O experimento foi levado a efeito até a ruptura do balão, o que aconteceu a um volume máximo de aproximadamente 13000 cm3. Observa-se que inicialmente, com um volume muito pequeno (cerca de 20 cm3), a pressão manométrica era 1,9 cm Hg e atingiu o valor máximo de 3,1 cm Hg quano o volume era apenas 60 cm3. Depois, à medida que o volume foi aumentando, a pressão diminuiu4, sendo que um mínimo de pressão igual a 1,6 cm Hg aconteceu quando o volume do balão era cerca 3000 cm3 (cerca de 1/4 do seu volume máximo). Para volumes acima de 3000 cm3, a pressão aumentou, atingindo o valor de aproximadamente 3,1 cm Hg imediatamente antes de o balão arrebentar. III. Os dois balões conectados: a possibilidade contra-intuitiva de passar ar do balão menor para o balão maior Conhecido o comportamento da pressão no interior de um balão, podemos discutir o que acontecerá quando dois balões, com diferentes volumes são conectados por uma mangueira. Inicialmente apresentamos a curva da pressão manométrica contra o volume, indicando estados possíveis para dois balões (Figura 3), ainda com a mangueira obstruída. Fig. 3 - Um exemplo de estados possíveis para dois balões antes da retirada do grampo que obstrui a mangueira de conexão. 4 Quando sopramos um balão com a boca, é notório que temos mais dificuldade de insuflar ar no balão no início do enchimento. Esta constatação é coerente com o que nossos dados revelam. De fato, a pressão manométrica no interior de um balão pouco inflado, com um volume de aproximadamente 60 cm3, é superior às pressões que se verificam para volumes maiores. Note na figura que até cerca de 13000 cm3 de volume, a pressão se mantém inferior a 3,1 cm Hg. 288 Silveira, F. L. E Levin, Y. No caso aqui representado, o balão de menor volume encontra-se inicialmente a uma pressão maior do que o outro. Então, quando é liberada a passagem de ar de um para o outro, flui ar do balão menor para o maior. A concretização dessa possibilidade contra-intuitiva é demonstrada nas fotografias da Fig. 4. Fig. 4 - Notoriamente o ar flui do balão menor para o maior. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 289 IV. Os dois balões conectados: a possibilidade de passar ar do balão maior para o menor A Fig. 5 apresenta, no diagrama da pressão manométrica contra o volume, outros estados possíveis para dois balões antes da retirada do grampo que obstrui a passagem de ar pela mangueira. Fig. 5 - Outro exemplo de estados possíveis para dois balões antes da retirada do grampo que obstrui a mangueira de conexão. Nessa situação, o balão menor (menos inflado) é o que apresenta a mais baixa pressão. Então, sem conflito com nossa intuição, quando se libera a passagem do ar entre os balões, ele flui do balão maior para o menor. A concretização dessa possibilidade é demonstrada nas fotografias da Fig. 6. Note que na situação particular da Fig. 6, os dois balões não evoluem para um estado de equilíbrio com o mesmo volume. A razão para esse comportamento está em que as borrachas sofrem, além das deformações elásticas, deformações plásticas5 (YAVORSKI; DETLAF, 1972). A existência de deformações plásticas é constatada quando um balão cheio é completamente desinflado: ele não retorna a sua forma original. 5 Uma deformação é plástica quando, ao se variar a tensão deformadora de tal forma que ela retome o seu valor inicial, ocorrem deformações residuais. Em outras palavras, as deformações não são completamente revertidas quando se reverte a tensão deformadora para o seu valor original. 290 Silveira, F. L. E Levin, Y. Fig. 6 - Notoriamente o ar flui do balão maior para o menor. A Fig. 7 representa a trajetória, no diagrama pressão contra volume, que o balão maior segue ao ser inflado e a seguir desinflado, transferindo ar para o balão menor. Devido às deformações plásticas, a pressão varia mais rapidamente com o volume no processo de esvaziamento do que no de enchimento do balão. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 291 Fig. 7 - Deformações plásticas no balão levam a que a trajetória no diagrama pressão versus volume ao inflá-lo seja diferente do que ao desinflá-lo. Na Fig. 8 estão representadas, em linha contínua, as trajetórias que os dois balões seguem após a mangueira ser desobstruída. Os estados de equilíbrio dos dois balões correspondem à mesma pressão, mas como as curvas para inflar e desinflar um balão são diferentes, devido às deformações plásticas, eles atingem o equilíbrio com volumes desiguais um em relação ao outro. Fig. 8 - Trajetórias no diagrama pressão versus volume levam a que os dois balões atinjam o estado final de equilíbrio com volumes diferentes entre si. 292 Silveira, F. L. E Levin, Y. V. Conclusão Prever como varia o volume dos dois balões conectados entre si não é um desafio tão trivial quanto parece. As propriedades elásticas da borracha e os volumes iniciais desses balões determinam em que sentido ocorrerá a troca de ar entre eles. Demonstramos que a possibilidade contra-intuitiva de passar ar do balão menor para o maior pode ser facilmente concretizada na prática. Igualmente provamos que pode passar ar do balão maior para o menor e que quando isto ocorre, os volumes finais dos dois balões não costumam ser iguais, aliás, geralmente não são. Pode ainda acontecer que dois balões com volumes diferentes, ao serem conectados, não troquem ar entre si e, portanto, permaneçam com volumes inalterados. Essa possibilidade ocorre quando, ainda com a mangueira obstruída, as pressões no interior dos dois balões são iguais (o leitor facilmente imaginará nos diagramas pressão contra volume uma infinidade de estados iniciais para os dois balões, que apesar de possuírem volumes diferentes, estão à mesma pressão). O objetivo de utilizarmos em nossas aulas a demonstração experimental do comportamento do sistema constituído pelos dois balões, principalmente no que tange à possibilidade contra-intuitiva de fluir ar do balão menor para o maior, é de motivar os alunos para uma análise mais aprofundada dos conceitos termodinâmicos e dos mecanismos envolvidos nesse sistema. Para o leitor interessado em uma abordagem mais rigorosa do problema dos dois balões, sugerimos consultar outro trabalho nosso sobre esse tema (LEVIN; SILVEIRA, 2004). Agradecimentos Agradecemos à Profa Maria Cristina Varriale, do IM-UFRGS, e ao Prof. Rolando Axt, do DEFEM/UNIJUÍ, pela leitura crítica deste artigo e pelas sugestões apresentadas. Referências bibliográficas LEVIN, Y.; SILVEIRA, F. L. Two rubber ballons: phase diagram of air transfer. Physical Review E, 69, 051108, 2004. SAVELIÉV, I. V. Curso de Física Geral 1. Moscou: MIR, 1984. YAVORSKI, B. M.; DETLAF, A. A. Manual de Física. Moscou: MIR, 1972. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 293 Anexo Procedimento experimental para a determinar a pressão e o volume em um balão de festa Para determinar a pressão manométrica no interior de um balão de festa utilizamos um manômetro de tubo aberto, que consiste em um tubo em U contendo água (vide a Fig. 9). Conforme se observa nessa figura, um dos ramos do manômetro está conectado ao balão, o qual também se encontra ligado ora a uma seringa, ora a uma pequena bomba de ar, por intermédio de uma derivação da mangueira. O balão foi inflado, inicialmente, injetando-se ar em doses de 20 cm3 com o auxílio da seringa. Posteriormente, com a pequena bomba, doses de aproximadamente 50 cm3 de ar foram introduzidas no balão. A cada dose de ar injetado com a seringa, era feita a leitura da pressão manométrica. Por outro lado, a bomba foi bombeada várias vezes entre uma leitura e outra; portanto os acréscimos de volume6 são bem maiores do que no trecho inicial. Note que a sucessão dos primeiros pontos experimentais representados na Fig. 2 indica que a pressão atingiu um máximo de cerca de 3,1 cm Hg (cerca de 42 cm H2O) quando o volume era de apenas 60 cm3. Nessa faixa da curva, a variação de pressão é muito sensível a pequenas variações no volume, e por isso utilizamos a seringa. A fotografia 1 da Fig. 9 mostra o sistema experimental no estágio em que a pressão no balão atingiu o valor máximo de aproximadamente 3,1 cm Hg (cerca de 42 cm H2O); as setas brancas indicam os níveis da água no manômetro de tubo aberto. A foto 3 da Fig. 9 mostra o balão em um estado no qual a pressão manométrica voltou a crescer quando se aumentava o volume do balão. Por último, o gráfico da Fig. 10 representa os pontos experimentais da pressão manométrica no balão, em função da raiz cúbica do volume deste. Podemos observar, melhor do que na Fig. 2, a rápida elevação inicial da pressão. A raiz cúbica do volume do balão é uma variável diretamente proporcional ao seu raio médio e, portanto, este último gráfico representa a maneira como a pressão manométrica varia em função do raio médio do balão. 6 Os volumes de ar injetados no balão e medidos ora com a seringa, ora com a bomba, são conhecidos à pressão atmosférica. Quando o ar é bombeado para dentro do balão, acaba ocupando um volume um pouco menor do que no interior da seringa e da bomba, pois a pressão no interior do balão é levemente maior do que a pressão atmosférica (no máximo cerca de 4% superior à pressão atmosférica). O volume que o ar bombeado para dentro do balão efetivamente ocupou no interior dele foi corrigido através da lei de Boyle, levando em consideração esse acréscimo de pressão. 294 Silveira, F. L. E Levin, Y. Fig. 9 - Dispositivo experimental para determinar a pressão e o volume em um balão de festa. Fig. 10 - Resultados experimentais para a pressão manométrica em um balão de festa em função da raiz cúbica do volume do próprio balão. Cad. Bras. Ens. Fís., v. 21, n. 3: p. 285-295, dez. 2004 295