PROMOÇÃO DA SAÚDE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: ANÁLISE DAS LIMITAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO Andréia KaoriSasaki – Enfermeira Residente. Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Casa de Saúde Santa Marcelina. Rua AngeloBravini, nº300– Jardim Sul- São Jose dos Campos, SP 12236-063 (11)9-64509017 [email protected] Maressa Priscila de Souza Daga Ribeiro-Mestre em Saúde. Assessora em Gestão da Atenção Primária Santa Marcelina. 2 PROMOÇÃO DA SAÚDE NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: ANÁLISE DAS LIMITAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO HEALTH PROMOTION IN FAMILY HEALTHSTRATEGY: LIMITATIONSOFANALYSISOF THE ORGANIZATIONOFWORK PROCESS PROMOCIÓN DE LA SALUDEN LA ESTRATEGIA DESALUD DE LA FAMILIA: LIMITACIONES DELANÁLISISDE LA ORGANIZACIÓNDEL PROCESO DETRABAJO RESUMO: A Atenção Primaria a Saúde tem na Estratégia Saúde da Família uma proposta de reorganização dos serviços de saúde, para isso aposta em uma mudança de paradigma através dos preceitos da promoção da saúde. Considerando este complexo cenário de transformação, o presente estudo objetivou explorar e entender as dificuldades relacionadas ao processo de trabalho sentido pelos profissionais para a realização de atividades de promoção da saúde. Pesquisa descritiva, exploratória, com abordagem qualitativa, utilizando-se a técnica de análise temática. Os sujeitos foram os profissionais que compõem as equipes de ESF de uma Unidade de Saúde no extremo leste da cidade de São Paulo.Após análise dos dados, o conteúdo das falas foi agrupado dando origem à três categorias: Entendimento do Conceito de Promoção da Saúde, Ações Realizadas pelas Equipes e Dificuldades Relacionadas a Organização do Trabalho. Conclui-se que existe a necessidade de politicas públicas potentes e transversais, que consigam mudar a formação profissional e a organização dos serviços sob a ótica da promoção da saúde. ABSTRACT: The Primary Health Care have in the Family Health Program a proposedreorganizationof health services, for thatbetona paradigm shiftthrough thepreceptsof health promotion. Considering this complex scenarioof transformation, this study aimed to exploreand ofworkingtowardsprofessionalsto understandthe difficulties relatedto the process conducthealth promotionactivities.Descriptive and exploratory research, with a qualitative approach, using the technique ofthematic analysis.The subjects were theprofessionals who composesthe family health teams in the fareasterncity ofSãoPaulo.After analyzing the data, the content of the speecheswas groupedgivingrise tothree categories: Understandingthe Concept ofHealth Promotion, ActionsUndertakenbyTeamsDifficultiesandRelatedWork Organization. We conclude thatthere 3 isa need forcross and potent public policies ,they canchange thetraining andorganization of servicesfrom the perspectiveof health promotion. RESUMEN: La EstrategiaSalud de laFamília es una propuesta de reorganización de los servicios de laAtención Primaria, para que apueste por un cambio de paradigma através de los preceptos de la promoción de la salud. Teniendo en cuenta este complejo escenario de transformación, este estudio pretendiócomprenderlas dificultades relacionadas con el proceso de trabajo a profesionales para llevar a cabo actividades de promoción de la salud. Enfoque descriptivo, exploratorio qualitativo, utilizando la técnica de análisis temático. Los sujetos fueron los profesionales que componen los equipos de una Unidad de Salud en el extremo de la ciudad de São Paulo. Después de analizarlos datos, el contenido de los discursos sea grupan dando lugar a tres categorías: Entender el concepto de promoción de la salud, las acciones emprendidas e las dificultades en la Organización de lo trabajo. Legamos a la conclusión de que hay una necesidad de políticas públicas transversales y potente, se puede cambiar la formación y organización de los servicios desde la perspectiva de la promoción dela salud. PALAVRAS-CHAVES: Programa Saúde da Família, Promoção da Saúde e Atenção Primaria a Saúde. KEY-WORDS: Family Health Program ,health promotion and Primary Health Care. PALABRAS CLAVE:La EstrategiaSalud de laFamilia, promoción de lasalud; Atención Primaria. 4 INTRODUÇÃO O Movimento da Reforma Sanitária impulsionado pela VIII Conferência Nacional de Saúde apontou para a necessidade de uma mudança no arcabouço jurídico-institucional do país mobilizando discussões que acarretaram na Constituição de 1988. Dando origem ao Sistema Único de Saúde (SUS) que garante a saúde como direito de todos e dever do Estado(ANDRADE, PONTES e MARTINS, 2000; BRASIL, 1988). Dentro desta reforma do sistema de saúde a Atenção Primária à Saúde (APS) tem ganhado grande relevância dentro do SUS, como primeiro nível de atenção, caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, que devem resolver os problemas de saúde de maior relevância e frequência dentro de um território bem delimitado (BRASIL, 2006). E como modelo substitutivo da rede básica tradicional, surge em 1994 a Estratégia Saúde da Família (ESF) objetivando reorientar a prática assistencial em direção a uma assistência à saúde centrada na família, entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social (COSTA e RODRIGUES, 2010). Analisando as atribuições das equipes de ESF, evidencia-se a importância da promoção da saúde para o enfrentamento dos determinantes do processo saúde-doença da população, abrangendo a concepção de saúde de forma ampla. FREITAS e MANDÚ (2010) refletem que a promoção da saúde deve capitalizar processos sociais e políticos que potencializem formas amplas de intervir em saúde. E que a Saúde da Família como estratégia prioritária de reorganização da atenção básica, deve produzir qualidade de vida dos usuários, a partir do fortalecimento da participação popular e da cidadania. HORTA et. al. (2009) conclui que as ações de promoção da saúde tornam-se fundamentais para a concretização da proposta da ESF como uma estratégia de reforma do modelo assistencial, pela sua contribuição na construção de ações que respondem as necessidades sociais em saúde. O entendimento dentro do campo da promoção da saúde assim como em outros campos mudou ao longo do tempo. Podendo ser divididas em dois grandes grupos, o primeiro entendido como atividades dirigidas à transformação do comportamento de risco, onde a estratégia é a divulgação da informação e recomendações normativas de mudanças de hábitos. E o segundo conceito moderno, entendida como um amplo espectro de determinantes que incluem moradia, saneamento, nutrição, boas condições de trabalho, educação, etc. (BUSS, 2003). Segundo BUSS (2003), o conceito atual de promoção da saúde se desenvolveu nos últimos vinte anos, sendo três conferências internacionais sobre o tema, em Otawa (1986), Adelaide (1988) e Sandsval (1991), responsáveis pela base conceitual contemporânea. Secundo a Carta de Otawa (1986), marco fundador do conceito da Promoção da Saúde, 5 esta é o nome dado ao processo de fortalecimento da comunidade para que atuem na melhoria de sua qualidade de vida e saúde. BUSS (2003) define que a promoção da saúde pressupõe o reconhecimento da saúde como direito de cidadania, expresso em melhores condições de vida, serviços mais resolutivos e ações integrais, com foco na intersetorialidade e no estímulo à organização da comunidade para o efetivo exercício do controle social. Desta forma, o entendimento de promoção da saúde transitou entre um “nível de prevenção” para um enfoque “político e técnico” do processo saúde doença. Porém esse avanço no campo teórico da promoção da saúde não foi o suficiente para concretizar ações que privilegiem a promoção da saúde em seu conceito moderno. O que vivenciamos na realidade é uma organização do serviço e o fazer cotidiano das equipes de SF ainda é fortemente pautado no modelo biomédico, refletindo em práticas curativistas e com poucas ações produtoras de saúde (O`DWYER, TAVARES e SETA, 2007). HORTA et. al. (2009) contextualiza que existe uma rotina voltada para a execução de tarefas dos profissionais com o intuito de atender uma demanda de necessidades imediatas, fazendo com que eles se concentrem nas práticas assistenciais com baixo potencial de inovação para se promover saúde. Para O`DWYER, TAVARES e SETA, (2007) nota-se a urgência de se emergir reflexões capazes de propiciar a implementação de práticas de promoção da saúde no cotidiano dos serviços de saúde envolvendo seus diferentes atores. Tendo em vista o complexo cenário atual da saúde com grandes mudanças e transformações, que tem na ESF uma forma de vislumbrar uma mudança de paradigma através da promoção da saúde, o objetivo deste estudo foi identificar e compreender os fatores que limitam a execução das atividades de promoção da saúde dentro do processo de trabalho dos profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF), discutindo as percepções e as ações realizadas à luz do referencial teórico da promoção da saúde. MATERIAIS E TÉCNICAS Realizou-se uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa. Foi escolhida esta abordagem pela complexidade e subjetividade do objeto de estudo. Segundo MINAYO (2007), a pesquisa qualitativa trabalha com questões particulares de uma realidade, ou seja, seus significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes. A coleta dos dados se deu através de entrevistada semi-estruturada que combina questões abertas e fechadas, com flexibilidade ao entrevistado para discorrer sobre o tema (MINAYO, 2007). 6 Para o tratamento dos dados utilizou-se a Análise Temática, onde se constroem núcleos de sentido que compõem uma comunicação, em que a presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto (MINAYO, 1993). O cenário da pesquisa foi uma unidade de saúde do extremo leste da cidade de São Paulo, gerenciada pela Organização Social Santa Marcelina através de contratualização com a Secretaria Municipal de São Paulo. Os sujeitos de pesquisa foram os profissionais que compõem as equipes de ESF: enfermeiro, auxiliar de enfermagem, médico e agentes comunitários de saúde, vinculados a Unidade de Saúde, que aceitaram participar da pesquisa, sendo entrevistados dois profissionais de cada categoria profissional. O estudo foi submetido à apreciação da Coordenadoria Regional Leste e do Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura da cidade de São Paulo. RESULTADOS E DISCUSSÃO 1. ENTENDIMENTO DO CONCEITO DE PROMOÇÃO DA SAÚDE Esta categoria temática discute o sentido do termo promoção da saúde para os profissionais da saúde. Para ir de encontro com os objetivos da ESF, é necessário que a concepção da promoção da saúde avance em direção a seu conceito moderno. Este se sustenta na dimensão social da saúde, envolvendo amplos aspectos relacionados com a qualidade de vida, incluindo-se estilos de vida responsável, oportunidades de educação ao longo da vida e apoio social (BUSS, 2003). Entretanto a análise das falas revela uma percepção restrita do conceito, em que os termos de promoção e prevenção se confundem. Tais elementos estão contidos nas falas: “Promoção da saúde é tudo aquilo que você pode prevenir, que você trabalha com a prevenção, tudo que você pode promover para o paciente, evitando uma...uma diabetes, é isso que eu entendo por promover a saúde, é prevenir, trabalhar com a prevenção”.(P4) “Promoção da saúde, é sempre você ta antecipando uma doença, é...você tá avaliando a alimentação do paciente, [...] evitar na verdade a doença, exercício físico, alimentação saudável, fazer a prevenção de possíveis doenças como o câncer de colo de útero como mamografia, câncer de mama [...] ”(P5). 7 “[...]prevenir essas doenças, diabetes, hipertensão, e outros tipos de doenças [...]” (P7). Tais achados são reforçados por HORTA (2009) que mostra que os profissionais tem um entendimento ligado a uma visão restrita de saúde, centrada basicamente na doença, sendo o termo reconhecido como prevenção de agravos. Apesar da maioria dos sujeitos evidenciarem um conceito restrito de promoção da saúde, alguns entrevistados a formularam de forma mais abrangente, extrapolando o campo dos determinantes biológicos e incluindo determinantes sociais no conceito. Como evidenciado nas falas: “Promoção da saúde é você trabalhar com [...] aspectos demográficos, trabalhar com essa conscientização da problemática social em si.” (P5). “A gente sabe que a saúde não é só o bem estar físico tem a questão social, tem a questão cultural [...]”(P3). Tais concepções apontam para uma mudança no entendimento de promoção da saúde que podem impulsionar transformações nas práticas cotidianas. Porém é importante destacar o fato de que não foram expressos elementos essenciais à promoção da saúde. RODRIGUES e RIBEIRO (2012) verificam que embora os profissionais avancem em seu discurso na visão acerca da saúde, ainda revelam limites, na medida em que não incorporam as noções de autonomia e empoderamento, fundamentais para o desenvolvimento dessas ações. 2. AÇÕES REALIZADAS PELAS EQUIPES Quando questionados em relação ao desenvolvimento de atividades de promoção da saúde, os sujeitos acreditam que conseguem realizar tais ações. Citam as atividades de grupos, visitas domiciliares e consultas médicas e de enfermagem como principais estratégias promotoras de saúde. REIS (2007) pontua que na ESFas ações de promoção da saúde geralmente estão voltadas para grupos de usuários relacionados à ações programáticas, como hipertensos, diabéticos, idosos e gestantes. E isso se evidencia nas falas a seguir: “[...] através de orientações, em grupos realizados na unidade, em visitas domiciliares[...]” (P6) 8 “ [...]ela pode ser feita através de orientações, ações educativas, e até mesmo consultas, realização de algum exame[...]” (P7) “Sim, agente até consegue, como é consulta agendada, na criança agente consegue promove saúde, por exemplo, facilitando alimentação, não facilitando, no pré-natal, você vai orientar que a mãe tem que fazer o aleitamento, isso ajuda na promoção da saúde da criança[...]” (P5) “A gente faz grupo de crianças, grupo de idosos, saúde da mulher, saúde do homem, vários outros né, grupo de fumo, de tabaco, vários outros grupos também” (P8). Relacionadaà concepção de promoção da saúde já evidenciada, a análise sobre as ações apontadas pelos profissionais associa-se a um modelo de prevenção de doenças. Que segundo ROUQUAYROL (2003), tem o objetivo de evitar a doença e responsabiliza o individuo pelo seu estado de saúde, atribuindo a ele os fatores de risco para determinada doença. Nesta perspectiva, o foco das medidas de proteção é voltado a patologias específicas e impostas a grupos-alvo, chamados de grupo de riscos (GURGEL,2011). A educação em saúde é eleita como principal estratégia, sendo evidenciada na maioria das falas dos profissionais, que exemplificam suas ações como palestras educativas e orientações dadas em consultas e visitas, com foco em mudança de comportamento. “Acho que tudo né, promoção da saúde é você ta orientando... é orientação, é isso” (P8). “[...] grupo referente a cada tema, pé-diabetico, hipertensão, alimentação, o que que é uma alimentação saudável, que pode evitar você evitar de ter uma hipertensão com menos sal, menos gordura, uma comida hipossódica, hipocalórica, nós trabalhamos na saúde muita orientação [...]”. (P4) “Mais basicamente, grupo de orientação, por exemplo, adolescente, já orienta o sexo seguro que ter que usar preservativo, tem que fazer Papanicolau, [...] sobre atividade física, sobre uma caminhada, sobre como você tá se alimentando, e o básico é isso, é mais orientação nos grupos.” (P5) 9 O modelo de educação em saúde presente nas falas se aproxima da descrição de ALVES (2004) como àquela que toma os usuários como desprovidos de informação e que através de informações verticalizadas prescrevem comportamentos a serem adotados para a manutenção da saúde. Assim, parece haver nos serviços de saúde, uma prática marcada por normatizações e racionalidades no controle dos corpos, que não promovem a autonomia do sujeito (SILVA, 2009). Para ser coerente com os preceitos da promoção da saúde a educação em saúde necessita ser entendida com prática social, centrada na problematização do dia-dia, na valorização da experiência de indivíduos e grupos sociais e na compreensão das diferentes realidades (ALVES e AERTS 2011). Avançando neste sentido, apenas uma fala emerge, citando educação, lazer e cultura como importantes para a promoção da saúde. Evidencia, entretanto, certo sentimento de impotência frente aos aspectos sociais: “Olha promover a saúde na verdade acho que o que falta só são aquelas ações que fogem do nosso limite [...] isso já vai mais a nível de governo, do que a gente dispõe aqui na comunidade que é carente. Ainda falta muita infraestrutura pra se chegar a suprir essas necessidades ,então aqui ao lado a gente tem um CEU que deu uma melhora significativa, onde a gente tem a questão do teatro, de escola, de musica, de dança, de aula de violão, temos a questão da piscina, praticar natação, [...]”(P3) Esses achados são importantes, pois avançam em relação às ações consideradas de promoção da saúde, se aproximando de um conceito ampliado, que inclui aspectos psicosocioculturais e extrapola o campo da prevenção das doenças. O fato de considerarem que são ações que fogem do limite de atuação, pode estar relacionado a falta de dois elementos ausentes na maioria dos discursos: o apoio matricial do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF) e a intersetorialidade. Esses foram apontados por apenas dois entrevistados: “Então a gente tem varias redes no PSF, então a gente tem o CRAS, o ação família, a gente tem no NASF, pra ajudar nesta parte social ...a minha área é uma área bem complicadinha em relação a social mesmo, [...] acho que promoção da saúde também engloba isso, dando orientações e dando caminhos, ne... através das redes mesmo [...]”.(P8) 10 “[...] com o apoio da equipe multiprofissional, que é a equipe do NASF, que acolhe esses pacientes do dia a dia”. (P6) Quanto às ações intersetoriaisdevem ser um processo de construção integrada de saberes, linguagens e práticas entre diferentes instituições e sujeitos, objetivando atuar sobre situações sociais desfavoráveis à saúde. Onde a ESF deve ocupar um posto central articulador de projetos, equipes, e ações. Para isso a ESF deve pautar se em trabalho em equipe e implementação de processos integrados e sistemáticos de planejamento e avaliação (FREITAS E MANDÚ, 2010). Referente ao apoio matricial, esta é uma nova ferramenta de saúde que a partir da troca de saberes de diferentes profissionais, busca a interdisciplinaridade. Na ESF, esse apoio matricial é atribuído ao NASF, criado em 2008, pelo Ministério da Saúde, com vistas a apoiar as Equipes da ESF compartilhando as práticas em saúde (BRASIL, 2008). A principal metodologia do NASF é o matriciamento, que pode acontecer de duas formas: a primeira se dá a partir da oferta de assistência especializada ao usuário nas situações de maior complexidade, e a segunda se dá pela oferta de suporte técnico pedagógico. (CAMPOS; DOMITTI, 2007; BRASIL, 2008, 2009b). Por se uma composição recente à ESF, poucos estudos relatam a relação entre ESF, NASF e apoio matricial. Neste estudo, esta relação, parece ser ainda frágil considerando que, mesmo sendo apontado como algo positivo, apenas doisprofissionais citaram o NASF como importante para realização de ações promoção da saúde. LANCMAN, e BARROS (2011) ao pesquisarem essa relação discutem como pontos de conflito: a implantação irregular dos NASFs, a falta de capacitação para sua atuação, a má definição de papéis e atribuições, anão aceitação da população da proposta e aos processos de trabalho conflituosos com as ESF. Tais aspectos devem considerados para a análise desta fragilidade na atuação conjunta entre ESF e NASF evidenciada nas falas. 3. DIFICULDADES RELACIONADAS À ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO Esta unidade temática contextualiza a visão dos profissionais quanto às dificuldades relacionadas à organização do trabalho para a efetivação das ações de promoção da saúde. A organização do trabalho em saúde esta vinculada ao modelo tecnoassistencial adotado, este, cria missões diferenciadas para estabelecimentos de saúde, as quais se traduzem em diretrizes operacionais bem definidas (MERHY, 1999). Considerando que a ESF propõe uma reorganização da APS visando uma mudança no modelo assistencial vigente, propõe também uma mudança na organização dos serviços de saúde. REIS (2007)anuncia que não se pode conceber, de forma simplista, que apenas a 11 implantação da estrutura do PSF consiga mudar o modelo assistencial proposto pelo SUS, pois tal ação demanda alterações dos processos de trabalho, de gestão e de formação. Porém na prática, parece que estas alterações não ocorreram efetivamente. Os profissionais apontam que o espaço para as ações de promoção da saúde é limitado, sendo o trabalho organizado de forma a priorizar ações curativas. Tal fato é evidenciado nas falas: “[...] porque a lógica é cuidar de quem já ta doente, ou que tem uma situação especial, ou é criancinha menor de um ano ou ta numa situação especial de gestante, saiu desse foco essa não consegue mais ter acesso[...]”.(P7) “[...] porque tem aqueles pacientes que você tem que atender né, o hipertenso, o diabético e aquela outra parte de população que seria de... de promover mesmo a saúde, daquela que não tem a doença, fica mais limitado, mesmo nosso atendimento a maioria das pessoas é pra quem já tem a doença [...]”.(P5) “[...] eu acho que da forma que está organizado a estratégia saúde da família a gente consegue realizar pouco de promoção, a gente realiza promoção, mas naquelas faixas etárias que já tem algum tipo de agravo[...] mas tem umas faixas etárias que não entram nas nossas prioridades, que acabam ficando bem... bem defasadas...da nossa atuação[...] (P5). RODRIGUES e ARAÚJO (2001) relacionam a estruturação do trabalho com o modelo técnico assistencial existente, onde a organização e a divisão do processo de trabalho definem-se pelo objetivo que se quer atingir. Nesse sentido, a lógica da produção dos serviços centrada na concepção médico-curativa tem como finalidade a cura, orientada pela fragmentação dos procedimentos, pela tecnificação da assistência e pela mecanização do ato em saúde. Essa lógica foi evidenciada nas falas dos profissionais, que acreditam que a demanda excessiva, a cobrança por produtividade e a burocratização do trabalho limitam a realização da promoção da saúde. “[...] o psf ultimamente ele tá, não sei se por nossa população ser muito, não ter AMA próximo, as pessoas vem muito aqui nesse posto, então muitas vezes você tem muita gente pra atende aqui, você acaba que limitando as orientações que você gostaria de dar naquele momento, mas o básico você tem que fazer, né [...]”.(P4) 12 “No meu cotidiano, eu acredito assim, é muito exigido, muita exigências muita burocracia [...]”(P1) “[...]porquetava sendo cobrado muito, número, número, número, se for indo só por questão de número pra mostrar que ta vendo todo mundo vai ter mais pessoas doente[...]”(P2) Um ponto importante quanto a organização dos serviços de saúde são as políticas públicas de saúde. FREITAS e MANDÚ, (2009) definem que estas orientam o trabalho cotidiano em saúde, sendo formas de intervenção do Estado sobre a organização das práticas em saúde. Assim, este espaço limitado para ações de promoção da saúde em grande parte esta relacionada às políticas públicas que orientam a ESF, que estruturam o serviço com ênfase às ações assistenciais de caráter individual e ao controle clínico-epidemiológico dos riscos (FREITAS e MANDÚ, 2009). Contraditoriamente à compreensão de que a promoção da saúde coloca a saúde e não a doença na agenda de prioridades políticas em todos os níveis e setores inclusive o setor saúde (BRASIL, 2001). Outro ponto fundamental para esta discussão é a formação profissional na área da saúde. REIS (2007) verifica a necessidade de mudança na formação dos trabalhadores da saúde instrumentalizando-os para utilizar ferramentas como educação popular, assim como o desenvolvimento da responsabilização, escuta, vínculo e autonomização. Esta dificuldade foi apontada por um profissional: “Acho que uma coisa sobre a promoção já começa com a nossa formação, a nossa formação já é muito voltada pra doença [...]”(P7) OLIVEIRA et al (2011) demonstra que a formação biologista não da conta de preparar os futuros profissionais para a realidade de famílias e comunidades de maneira a transformá-la para promover a saúde. Assim, os profissionais de saúde necessitam de novas bases teóricas para nortear suas intervenções. Emergindo a necessidade de refletira produção do conhecimento em saúde para que extrapole a racionalidade do discurso que enfoca somente a prevenção e a cura das doenças (HORTA, 2009). 13 CONSIDERAÇÕES FINAIS A reflexão sobre as categorias encontradas aponta para alguns avanços em relação à promoção da saúde, porém mostra que persistem limitações a serem enfrentadas quanto sua efetivação na prática da ESF. As formulações e práticas sobre promoção da saúde parecem estar ligadas ao seu conceito mais restrito, reconhecida como prevenção de doenças pela maioria dos profissionais. Isso evidencia a necessidade de se rever a lógica de formação profissional em saúde, para que essa propicie maior articulação entre educação e saúde, universidade e serviços de saúde, teoria e prática, visando mudar tais concepções, atendendo assim a complexidade do trabalho da ESF. Em relação à organização do trabalho, os profissionais apontam para um serviço estruturado em torno de “pacotes fechados” destinados aos grupos de risco, objetivando principalmente à cura e à prevenção, destacando o lugar secundário à promoção de saúde. Considera-se necessário repensar esta estruturação do trabalho, deslocando o objetivo do trabalho da doença para a saúde e dos grupos de risco para as necessidades da população. Considerando também que para o alcance desta mudança, os serviços devem ser pautados em politicas públicas intersetoriais e inovadoras, que priorizem a promoção da saúde e consolidem ferramentas fundamentais para sua efetivação como: trabalho interdisciplinar, apoio matricial, escuta qualificada, intersetorialidade, entre outras. Para finalizar, entendendo a complexidade do trabalho em saúde é preciso um olhar sobre o trabalhador, que às vezes tem a missão de “cuidar”, “mudar”, “transformar” sem o apoio necessário e sem as mudanças estruturais para tal. REIS (2007) aponta que trabalho na ESF leva à necessidade de se criar espaços de apoio e suporte também para os trabalhadores, para que estes possam falarde suas dificuldades e angústias. REFERÊNCIAS Andrade LOM; Pontes RJS; Martins Junior, T. A descentralização no marco da Reforma Sanitária no Brasil. Ver. Panam Salud Publica. 2000; (8): 1-2. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 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