MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA ECONÔMICA COORDENAÇÃO-GERAL DE ANÁLISE DE INFRAÇÕES NOS SETORES DE AGRICULTURA E DE INDÚSTRIA Autos nº: 08012.002820/2000-17 Natureza: Averiguação Preliminar Representante: SDE “ex officio” Representadas: Messer S/A Senhor Coordenador-Geral, I. DO OBJETO DA NOTA TÉCNICA 1. Com fulcro no art. 14, inc. IV, da Lei 8.884/94 c/c o art. 3° da Portaria MJ 04/06, a CGAI encaminha a presente Nota Técnica com o intuito de sugerir o arquivamento da presente Averiguação Preliminar por não se inferir do quanto consta nos presentes autos, a priori, indícios de infração à ordem econômica aptos a gerar, efetiva ou potencialmente, os efeitos previstos no art. 20 da Lei nº 8.884/94 1 . 1 Esta nota técnica contou com a participação do Técnico à época David Paes Norgren. Esplanada dos Ministérios – Bloco T – Sala 538 – Brasília – DF Tel. (61) 321.7800 – Fax (61) 321.7604 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO II. DA IDENTIFICAÇÃO DA REPRESENTADA 2. Figura nesta Averiguação Preliminar como Representada a Messer Griesheim do Brasil Ltda., pessoa jurídica de direito privado, constituída segundo as leis brasileiras, com sede na Rua Gomes de Carvalho, nº 1356, 14º andar, na cidade de São Paulo-SP, inscrita no CNPJ/MF n° 00.331.778/0001-19, atualmente Air Liquide Brasil Ltda, pessoa jurídica de direito privado, constituída segundo as leis brasileiras, com sede na Avenida das Nações Unidas, nº 11.541, 19º andar, na cidade de São Paulo-SP, inscrita no CNPJ/MF n° 00.31.788/0001-19, em virtude de operação realizada em outubro de 2001. II. RESUMO DOS FATOS IMPUTADOS DISPOSITIVOS LEGAIS INVOCADOS COM INDICAÇÃO DOS 3. Trata-se de Averiguação Preliminar decorrente de informações prestadas por White Martins S.A., em 22.07.99, nos autos do Ato de Concentração nº 78/96. Na petição da White Martins, imputava-se à Representada a imposição de cláusulas restritivas em seus contratos de fornecimento celebrados com terceiros, tais como: a. Cláusula de exclusividade de fornecimento; b. Reserva de direito de fornecimento em novas localidades, caso as compradoras altere o local de sua atividade; c. Prazo de vigência do contrato de 7 (sete) anos; d. Renovação automática do contrato caso não houvesse manifestação por escrito nos 18 (dezoito) meses anteriores ao fim do contrato; e. Início de novo período de 7 (sete) anos se houvesse troca ou instalação de novos equipamentos; f. Penalidade no montante dos produtos não utilizados, mais frete e serviços, no caso de compra de outros fornecedores; g. Direito de preferência de contratação caso não houvesse renovação do contrato, devendo o comprador apresentar a proposta dos outros fornecedores; Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 2/7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO h. Assunção dos riscos pelo comprador nos bens dados em aluguel, mesmo em hipótese de caso fortuito e força maior. i. Dever de contratar seguro para Representada como beneficiária; tanto, indicando a j. O comprador deveria arcar com os gastos extraordinários de entrega; k. Extensão do contrato por mais 7 (sete) anos caso o comprador não cumprisse preços e reajustes estabelecidos no contrato; l. No caso de atraso no pagamento a Representada poderia ressarcir-se de juros e despesas até limite praticado no mercado financeiro; m. A Representada alteraria os preços dos produtos caso houvesse aumentos extraordinários de custos, como impostos e desvalorização da moeda. 4. Esta Secretaria, de posse das informações prestadas, determinou em 06.07.00 a instauração de Averiguação Preliminar, com base no art. 20, incisos I, II e IV c/c art. 21, incisos IV, V, VI e XV da Lei 8.884/94. III. SUMÁRIO DOS ESCLARECIMENTOS DA REPRESENTADA 5. Sumariamente, a Representada alega que: a. Possui pequena capacidade instalada no mercado de CO2 e sua participação no mercado de CO2 é pequena, pois responde por cerca de 7% das vendas e 2% no mercado de gases do ar, não possuindo poder de mercado; b. As cláusulas apontadas pela White Martins seriam prejudiciais se estipuladas por empresa com poder de mercado, mas se estipuladas por empresas com pequena participação, que acabaram de entrar no mercado, poderiam ter efeitos benéficos e compensar vantagens competitivas auferidas por empresas já estabelecidas; c. Não poderia afetar a concorrência, dada sua diminuta participação no mercado em questão. Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 3/7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO IV. REGISTRO DAS PRINCIPAIS OCORRÊNCIAS HAVIDAS NAS AVERIGUAÇÕES PRELIMINARES 6. Por intermédio de despacho datado de 06.07.00, o Secretário de Direito Econômico determinou a promoção de averiguações preliminares (fl. 21) para investigação de cláusulas anticoncorrencias nos contratos da Representada. 7. Em 23.10.00, a Representada apresentou esclarecimentos (versão confidencial), apresentando a versão pública da petição em 07.02.01 (fls. 66/73). 8. Às fls. 38/48, a White Martins manifestou-se nos autos e reiterou as informações prestadas no Ato de Concentração nº 78/96. Além disso, pediu a instauração de processo administrativo e a concessão de medida preventiva, para que a Representada excluísse de seus contratos as cláusulas imputadas anticoncorrenciais. 9. Ambos pedidos da White Martins foram indeferidos pela CGAI, em nota técnica exarada em 22.01.01, conforme fls. 55/58. 10. A fls. 83 a White Martins afirma que a participação da Representada no mercado de CO2 é de 8% no total das vendas. 11. As fls. 137/141 a Representada peticionou e apresentou o padrão de contrato para fornecimento de CO2 e o contrato firmado com Refrigerantes Triângulo. V. DA ANÁLISE. 12. Os fatos a serem analisados dizem respeito a eventual estipulação, pela Representada, em seus contratos, de cláusulas restritivas que teriam efeitos anticoncorrenciais. Tais cláusulas estabeleceriam direitos de exclusividade, prazo excessivo do contrato, renovação automática deste, entre outros. 13. Como conseqüência haveria limitação da concorrência, pois tais cláusulas seriam barreiras artificiais (contratuais) à entrada no mercado e serviriam à criação “artificial de mercado cativo em favor da Representada” (fls. 77). 14. A Representante White Martins sustenta a tese de que cada contrato constituiria um mercado relevante distinto, pois os consumidores, presos por cláusulas contratuais, não disporiam de possibilidade de escolha. Isso justificaria o poder de mercado da Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 4/7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO Representante em cada mercado relevante nos quais essas condições se fazem presentes, i.e., em cada contrato da Representada. 15. Em que pese a inventividade dos argumentos apresentados, essa definição por demasiado estreita do mercado relevante não pode prosperar, pelos motivos esposados abaixo. V.1 ASPECTOS TEÓRICOS: DIREITO. 16. A conduta imputada à Representada, qual seja, impor cláusulas restritivas com efeitos nocivos à concorrência, enquadra-se em conduta denominada pela doutrina jurídica de negociação compulsória. 17. A negociação compulsória é modalidade de conduta anticoncorrencial pela qual uma parte é constrangida a praticar determinado ato. Para que a negociação compulsória gere efeitos danosos à livre concorrência, a liberdade de escolha da parte deverá estar de tal maneira limitada que ela não terá alternativa a não ser aceitar a negociação, mesmo que essa lhe seja desfavorável. Assim, dois são os requisitos essenciais para a negociação compulsória: (i) a dependência e (ii) a coerção. 18. Ainda segundo a mesma doutrina, a dependência traduz-se pela ausência de opções para a parte sujeita à negociação. Não havendo alternativas razoáveis e suficientes, à parte não será possível outra conduta que não a de contratar, mesmo em condições desfavoráveis. Isso porque, em virtude da dependência, a liberdade de escolha da parte está de tal maneira tolhida que ela aceitará negociar, não importando os termos do acordo serem-lhe danosos. 19. A coerção decorre da dependência, pois “leva o consumidor a praticar ato jurídico que em outras situações não praticaria” 2 . Logo, se não há dependência, i.e., subordinação de uma parte a outra, a imposição coercitiva e a negociação compulsória não são viáveis. V.2 DA NECESSICIDADE DE PODER DE MERCADO. 20. O poder de mercado permite ao agente impor a outra parte condições abusivas. Caso o agente não possua poder de mercado (seja porque possui pequeno market share, seja porque o mercado é competitivo), uma tentativa de constranger a outra parte a 2 SALOMÃO FILHO, Calixto. DIREITO CONCORRENCIAL – AS CONDUTAS, São Paulo: Malheiros, 2003, p. 204 e ss. Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 5/7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO aceitar cláusulas restritivas será frustrada, pois inexistindo dependência, a coerção torna-se impossível, vez que a outra parte terá plena liberdade de escolha e poderá contratar o mesmo ato com agente diverso, em condições mais favoráveis. 21. Logo, onde não há poder de mercado suficiente para fazer com que uma parte seja constrangida a contratar em condições que lhe sejam desfavoráveis, não há dependência nem negociação compulsória, mas sim liberdade de escolha da parte e possibilidade de contratar com outros agentes. O efeito disto é que nesta hipótese a “mão invisível” do mercado age de maneira eficaz, pois uma parte não contratará em condições adversas se tiver escolha que a permita contratar em melhores termos. VI. DA APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO. 22. O mercado em questão é de comercialização gás carbônico no período de 1997 a 2001, período este anterior à aquisição da Messer pela Air Liquide. A oferta de gás carbônico no Brasil era feita por cinco empresas, como noticia a White Martins a fls. 83. Entre estas se encontrava a Representada, com market share de 8% do mercado brasileiro (e de 10.3% na Região Sudeste, onde atua). 23. O mercado de gás carbônico era dominado por um player, a White Martins, que detinha 59% do mercado brasileiro. O mercado era, portanto, concentrado em mãos da White Martins. Esses dados apontam que a Representada, com meros 8% de market share, não possuiria poder de mercado suficiente para impor cláusulas onerosas a seus consumidores. 24. Não haveria, destarte, dependência entre os consumidores de gás carbônico, que poderiam contratar com outras quatro empresas que representavam 92% da oferta de gás carbônico, e a Representada. Logo, se esta tentasse constranger seus clientes a contratarem em condições desfavoráveis, os clientes poderiam simplesmente buscar um melhor negócio e contratar com as outras empresas fornecedoras de gás carbônico. 25. Não há na conduta imputada à Representada a possibilidade de efeito nocivo à livre concorrência em virtude das características do mercado, pois a liberdade de contratar dos consumidores efetivamente existia, vez que, caso optassem em não contratar com a Representada, subsistiria a possibilidade de contratar com outras empresas que representavam nada menos que 92% do mercado. Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 6/7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO 26. O momento em que se dá a liberdade de escolha no mercado em questão é anterior ao que pretende a White Martins. Se há liberdade de escolha no momento da contratação, não há que se falar em criação de barreiras artificiais à entrada, muito menos quando se tem em vista que a Representada possui pequena participação no mercado. Não se vislumbra quais são as barreiras que poderiam impedir o acesso ao mercado de uma empresa que detinha mais de metade do market share. Por outro lado, a finalidade do direito concorrencial é proteger a concorrência não os competidores, não sendo esse o foro adequado para a solução de disputas privadas. VI. SUGESTÃO DE DISPOSITIVO COM CONCLUSÃO ARQUIVAMENTO E ENCAMINHAMENTO AO CADE. DE 27. Por todo o exposto, em face da insubsistência dos indícios existentes nos autos e a ausência de poder de mercado da representada à época da infração, sugere-se, com fulcro nos art. 31 e art. 14, inc. IV, da Lei 8.884/94 c/c o art. 3° da Portaria MJ 04/06, o arquivamento da presente Averiguação Preliminar e o encaminhamento de recurso de ofício ao egrégio CADE. À consideração do Senhor Coordenador-Geral. Brasília, de de 2006. Bárbara Fátima de Abreu Mesquita Coordenadora da CGAI De acordo. À consideração do Sr. Diretor Substituto. Brasília, de de 2006. ERIC HADMANN JASPER Coordenador-Geral da CGAI De acordo. À consideração do Sr. Secretário. Brasília, de de 2006. MARCEL MEDON SANTOS Diretor do DPDE, Substituto Departamento de Proteção e Defesa Econômica Autos n.º 08012.002820/2000-17 Página 7/7