PROCESSO CONSULTA CRM-PB Nº 14/2013 PARECER CRM PB Nº 14/2013
Interessado: Dr. B. B. T., Dr. J. B.G. e Dr. I. G.
Relator: Roberto Magliano de Morais
Assunto: Impedimento de participar de escala de plantão diferente de sua especialidade médica.
EMENTA: Um médico pode, de acordo com os ditames da sua
consciência, se recusar a praticar Ato Médico para qual não se julgue
capacitado.
HISTÓRICO
Em 20/09/2013, foi protocolado neste CRM-PB, sob o número 4286/2013, o pedido
de consulta assinado pelos médicos Dr. Dr. B. B. Terceiro, Dr. J. B. e Dr. I. G
No dia 22/09/2013, fui designado para emitir parecer, tendo recebido os autos na
mesma data.
Em sua petição, os consulentes alegam justo impedimento de participar de escala de
plantão do Pronto atendimento adulto do Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC)
de Campina Grande, pois, “se assim o fizessem, estariam expondo ao risco vidas humanas”.
Acrescentam que, de repente, sem qualquer consulta prévia, inclusive ao Chefe do Setor,
Dr. Mirabeau Maranhão Leite, foram surpreendidos por memorando transferindo-os da
hemodinâmica para o pronto atendimento adulto.
Informam que não aceitaram exercer as funções de clínica médica nem em plantões
de urgência e emergência adulto do HUAC, primeiro porque foram designados
arbitrariamente e à revelia, sem sequer serem consultados e, ademais, não se julgam com
experiência e competência para exercer tais funções. Reforçam que sempre trabalharam
como médicos hemodinamicista- Dr. Bernadinho, e cirurgiões cardíacos- Drs. I. e J. B.
nunca faltaram ao seu serviço e que poderiam colocar em risco a vida de pacientes e,
portanto, serem considerados imprudentes, caso aceitassem exercer irresponsavelmente
funções para as quais não se julgam treinados.
Em sua defesa por escrito, os consulentes ainda fazem denúncias de que em vários
plantões do pronto atendimento (12/07/2013; 15/07/2013; 06/08/2013), não havia médico e
que o Diretor Técnico Alberto Ramos tinha conhecimento disto. Alertam que o Alvará de
Corpo de Bombeiros do Hospital inexiste ou está vencido, que faltam dosímetros e Alvarás
sanitários.
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De acordo com a Dra. Berenice Ramos, Diretora Geral do HUAC, o setor de
Hemodinâmica do HUAC iniciou as suas atividades em abril 2009, na certeza de logo ser
habilitado e credenciado para realizar todos os procedimentos, mas, lamentavelmente, até
hoje, não se encontra habilitado, portanto não autorizado.
Na área de cardiologia, “os procedimentos hemodinâmicos foram realizados com
certa frequência”: em 2010, na área de cardiologia, foram realizados 90 cateterismos, em
2011 fora 39, em 2012 apenas 11 e este ano nenhum procedimento foi realizado muito
embora, no setor, continuem a ser realizados procedimentos de neurologia e angiologia
intervencionista.
“As cirurgias cardíacas foram realizadas no Centro cirúrgico do HUAC de 2009 a
2011, sendo a última no dia 17 de fevereiro”.
Depõe que o Dr. Dr. B. B. é servidor com carga horária de 40 horas semanais “atuou
no setor de hemodinâmica enquanto realizavam-se procedimentos em cardiologia e que
depois não se propôs a exercer outra atividade a exemplo de seu colega Mirabeau
Maranhão, que aceitou fazer atendimento ambulatorial em cardiologia. Em seus outros
vínculos empregatícios ele atua como cardiologista, portanto poderia fazer atendimento
ambulatorial nesta especialidade, ou acompanhar pacientes internados nos leitos de
cardiologia. No Doctoralia Brasil, o Dr. Dr. B. B. é apresentado como médico nas áreas de
cardiologia e clínica médica e, portanto estaria apto a realizar atividades em um pronto
atendimento adulto”.
De acordo com a Dra. Berenice, O Dr. I.G “é servidor com carga horária de 40 horas
semanais, tem vínculo temporário com o HUAC e CNES para atuar como cardiologista e
cirurgião cardiovascular. Uma vez que cirurgias cardíacas não estão sendo realizadas desde
2011, este servidor também não se propôs a realizar outras atividades relacionadas à
especialidade, no hospital. Recentemente, foi aprovado em concurso público para Professor
de Clínica Médica da UFCG e, portanto, poderia trabalhar em plantões do pronto
atendimento adulto”.
Continua Dra. Berenice informando que o Dr. J. B. é servidor com carga horária de
40 horas semanais, tem vínculo efetivo com o HUAC e CNES para atuar como angiologista
e cirurgião cardiovascular funções que não vem exercendo por não estarem sendo realizadas
cirurgias cardíacas no hospital. Está inscrito em outros estabelecimentos como cirurgião
torácico e geral e, mesmo com esta aptidão, se nega a realizar outras atividades e encontrase ocioso no HUAC.
Esclarece a Diretora Geral do HUAC que, juntamente com o Dr. Alberto Ramos, e
antes de emitir as portarias, consideradas arbitrárias, reuniu-se por duas vezes com todos os
médicos do setor de cardiologia cirúrgica e hemodinâmica, inclusive com o Chefe do
Serviço, Dr. Mirabeau, a fim de discutirem sobre o setor e seus cronogramas de trabalho.
Nesta ocasião, foi explicado que os servidores em questão não poderiam continuar sem
cumprir a carga horária e foi solicitado que apresentassem propostas de trabalho que
poderiam desenvolver no hospital. Como não apresentaram propostas, foram designados à
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revelia. Ressalta que os servidores Bernadinho e Isaac continuam sem acatar as
determinações, e lhes foram imputadas faltas e também advertência disciplinar.
Salienta ainda que o processo de liberação do setor de hemodinâmica se arrasta desde
2009 e que não depende dela, mas da liberação de alvará de funcionamento do Hospital,
item obrigatório para que a Secretaria Municipal de Saúde possa encaminhar o Processo
para a Secretaria Estadual de Saúde.
MÉRITO
A própria Diretoria do CRM PB, ao se debruçar sobre o caso, ponderou se a instância
ética seria a mais adequada para apreciar esse caso, se não seria mais apropriado discutir
administrativamente a questão. Casos de servidores que são remanejados à revelia, com o
sem justa causa, merecem ser discutidos à luz da justiça, mas obviamente não num tribunal
de ética médica.
Acontece que este caso tem as suas peculiaridades e dentro deste arrazoado de
circunstâncias, documentos, ofícios e depoimentos, às justificativas de parte da Direção do
Hospital Universitário Alcides Carneiro são bastante pertinentes. Os gestores têm
responsabilidade para com o serviço público e podem até mesmo ser culpabilizados, caso o
hospital que dirigem, por omissão ou inépcia, não funcione a contento.
À respeito, o nosso Código de Ética Médica, em seu Artigo 19 é claro: “é vedado ao
médico deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos
dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético- profissional da
medicina”.
Acrescente-se O PARECER Nº 2230/2010 CRM-PR, PROCESSO CONSULTA N. º
115/2010 – PROTOCOLO N. º 12937/2010, da lavra do cons. Joachim Graf, datado de 09
de agosto de 2010, sobre as atribuições do diretor técnico e clínico, em que assinala;
“(...) A legislação consultada que atende aos questionamentos acima se compõe
das Resoluções do CFM n.º 1124/1983, CFM n.º 1342/1991 e CFM n.º 1352/1992,
dos Pareceres do CRMCE n.º 19/2003, CRMPR n.º 1351/2001 e CRMPR n.º
1065/1998.
Depreende-se
da
consulta
destas
fontes
as
seguintes
informações
e
esclarecimentos:
1) (...) omissis
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2) (...) omissis
3) Qualquer organização hospitalar ou de assistência medica, publica ou privada,
obrigatoriamente tem que funcionar com um Diretor Técnico, habilitado para o
exercício da medicina, como principal responsável pelos atos médicos ali realizados
.
4)
O
Diretor
Técnico,
principal
responsável
pelo
funcionamento
dos
estabelecimentos de Saúde terá obrigatoriamente sob sua responsabilidade a
supervisão e coordenação de todos os serviços técnicos do estabelecimento, que a
ele ficam subordinados hierarquicamente (grifo nosso).
5) Ao Diretor Técnico compete assegurar condições adequadas de trabalho e meios
imprescindíveis ao exercício da boa prática médica, zelando ao mesmo tempo pelo
fiel cumprimento dos princípios éticos.
6) A prestação de assistência médica nas instituições públicas e privadas é de
responsabilidade de Diretor Técnico e do diretor Clinico, os quais no âmbito de suas
respectivas atribuições responderão perante o Conselho Regional de Medicina pelo
descumprimento dos princípios éticos ou por deixar de assegura condições técnicas
de atendimento, sem prejuízo da apuração penal ou civil.
Está claro e patente, a justa e legal competência da Diretoria do HUAC, ao procurar
sanar problemas em sua escala de plantão médico, até porque, não é concebível, é
mesmo inadmissível para um Hospital Universitário, de alta complexidade, e que
atende à numerosa população da segunda maior cidade da Paraíba deixar brechas,
furos em sua escala de atendimento médico de emergência. Cabe pois, à Diretoria,
dentre outras competências, providenciar o que está faltando.
E se existem médicos ociosos, se profissionais médicos estão sem cumprir a sua
carga horária num setor que não funciona, é lícito que a diretoria os transfira para
um outro setor carente de médicos.
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Por outro lado, examinando as perorações dos consulentes, os médicos servidores
concursados do HUAC, Drs. Dr. B. B, I. e J. B., não se pode deixar de colocar em relevo a
seguinte consideração: Um médico com diploma e registro regular no Conselho Regional de
Medicina pode praticar qualquer ato médico, desde o mais simples, como uma consulta, até
o mais complexo, como uma cirurgia neurológica por exemplo. Desde que se julgue apto e
não faça propaganda, caso não seja especialista. Evidentemente os seus atos e
consequências são da sua inteira responsabilidade.
Todavia, o contrário não se aplica, ou seja, um médico pode, de acordo com os
ditames da sua consciência, com o seu arbítrio, se julgar incompetente para desempenhar
determinado ato médico que possa prejudicar o paciente. Ele pode, pois, se recusar a
praticar atos para os quais não se julgue capacitado. O CEM em seu Artigo 1º alerta que é
vedado “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia,
imprudência ou negligência”.
Está claro e óbvio, que existe uma desarmonia, um desentendimento, uma desavença
entre profissionais médicos servidores do HUAC e a sua Diretoria.
Considerando que devem ser asseguradas as condições de relacionamento
harmonioso entre instituições e profissionais visando à melhoria da assistência prestada à
saúde da população, o CFM aprovou a RESOLUÇÃO CFM nº 1.481/97 que estabelece
diretrizes gerais para a elaboração de Regimentos Internos dos estabelecimentos de
assistência médica do País.
Consoante a Referida resolução “nesses Regimentos devem estar claramente
expressos os deveres e direitos dos médicos e dos dirigentes das instituições prestadoras de
assistência médica, visando garantir o exercício ético da Medicina” e ainda, “ser obrigatório
o registro e aprovação desses Regimentos nos Conselhos Regionais de Medicina, conforme
dispõe a Resolução CFM 1.124/83;
Extraí, desta referida norma jurídica o que segue, ressaltando que a íntegra está
anexada a este parecer:
Art. 1º: determina que as instituições prestadoras de serviços de assistência médica
no País deverão adotar nos seus Regimentos Internos do Corpo Clínico as diretrizes
gerais abaixo relacionadas.(...)
Na parte que fala sobre os direitos e deveres do corpo clínico destaca-se que:
O Regimento Interno deverá prever os direitos dos seus integrantes, respeitando
como fundamentais:
-a autonomia profissional;
-comunicar falhas observadas na assistência prestada pela Instituição e reivindicar
melhorias que resultem em aprimoramento da assistência aos pacientes.
- obediência ao Código de Ética Médica, ao Estatuto e ao Regimento Interno da
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Instituição;
- assistir os pacientes sob seu cuidado com respeito, consideração, e dentro da melhor
técnica, em seu benefício;
- colaborar com seus colegas na assistência aos seus pacientes, quando solicitado;
- participar de atos médicos em sua especialidade ou auxiliar colegas, quando
necessário. Para a prática, em outra área diferente da que foi admitido deve o médico
interessado cumprir as formalidades previstas para o ingresso no Corpo Clínico.
- cumprir as normas técnicas e administrativas da Instituição;
- elaborar prontuário dos pacientes com registros indispensáveis à elucidação do caso
em qualquer momento;
- colaborar com as Comissões específicas da Instituição.
- deverá também o médico restringir sua prática à(s) área(s) para a(s) qual(is) foi
admitido, exceto em situações de emergência (grifo nosso).
Diante de tudo que foi aqui apresentado, entendo que a Diretoria do HUAC, à bem
do serviço público, têm o legítimo direito de transferir profissionais médicos para setores
carentes, inclusive urgência e emergência, sempre que os interesses, e a própria vida dos
pacientes estiverem em risco. Não pode, porém, agir de maneira arbitrária, sem discutir com
o corpo clínico, ferindo a autonomia médica, e sem avaliar a capacitação e habilidade dos
profissionais que pretende transferir.
CONCLUSÃO
Assim, examinando o caso de cada um dos consulentes entendo que:
O Dr. Dr. B. B. prestou concurso público e foi aprovado em primeiro lugar, para
trabalhar como hemodinamicista no HUAC, função que vinha exercendo com regularidade,
sem problemas de qualquer ordem. Foi comunicado que seria transferido para atender como
plantonista plantão de urgência
O Dr. Dr. B. B., médico concursado para cardiologia e hemodinâmica, declara que
não está apto para atender na urgência e emergência adulta do HUAC. Pondera que,
trabalhar num setor que recebe pacientes para o qual não está apto para atender expõe à sua
profissão ao risco e, por consequência, aos pacientes.
O meu entendimento é o de que a Direção do Hospital não pode, neste caso
específico, expor o referido profissional, e eventuais futuros pacientes, ao risco. O setor de
hemodinâmica cardiológica está desativado por razões outras que independem do
consulente. Cabe à Direção do Hospital providenciar para o Dr. Dr. B. B. um local de
trabalho na área para o qual realmente esteja apto para trabalhar. O Dr. Dr. B. B. está
inscrito no CRM PB como médico cardiologista com especialidade em Hemodinâmica e,
portanto, deve ser providenciado dentro dos serviços do HUAC, um local de trabalho em
cardiologia, como por exemplo, foi ofertado ao Dr. M. M.
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O Dr. J. B. está inscrito no CRM PB como cirurgião cardiovascular e também não se
considera apto a trabalhar em plantão de urgência adulto. Deve, pois ser colocado em um
setor onde possa exercer a medicina com segurança e, neste caso, o setor de cirurgia do
hospital.
O Dr I. N é inscrito neste CRM como cirurgião geral e cardíaco e prestou concurso
recente para Clínica médica e, portanto, entendo que pode atuar no setor de urgência adulto
do HUAC.
É importante ainda acrescentar, que caso os Diretores do HUAC consigam
comprovar que os consulentes exercem em outros estabelecimentos de saúde funções
semelhantes às que se recusam, por se julgarem incompetentes, que encaminhem ao CRM
PB para que providências sejam tomadas. Enquanto isso, visando salvaguardar o exercício
ético da profissão médica, fica mantido este entendimento.
Com relação às denúncias de falta de dosímetros no hospital, da ausência de médicos
plantonistas em determinados dias e da falta de alvarás, será dado conhecimento ao
Departamento de fiscalização do CRM PB para as devidas providências.
Este é o parecer salvo melhor juízo.
João Pessoa, 11 de outubro de 2013
Roberto Magliano de Morais
1º Secretário CRM PB
Aprovado “ad referendum”
Em reunião de Diretoria de 14/10/2013
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Um médico pode, de acordo com os ditames da sua consciência, se