JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO
Políticas Sociais, Dádiva & Gênero:
Uma Etnografia sobre o grupo de Viveiro de Mudas no Alto Sertão
Paraibano
Celly Souza dos Santos1
Aline Myrtes Souza Vieira2
Curso de Ciências Sociais/UFPB
Resumo
Este trabalho está vinculado à pesquisa “Os Fundos Rotativos Solidários na
vida cotidiana e identidade dos pequenos agricultores no Estado da Paraíba” e
“Avaliação dos Fundos Rotativos Solidários do Estado da Paraíba”, realizada no
Alto-Sertão paraibano, o recorte empírico foi realizado nas comunidades rurais
contempladas com os FRS, no entorno do município de Aparecida (Assentamento
Acauã), durante o mês de Fevereiro de 2010. O projeto FRS, que é fundamentado nos
princípios da economia solidária, no município de Aparecida é bastante amplo,
abrangendo o grupo de Viveiro de Mudas, o qual é formando por crianças e
adolescentes. Iremos articular o desenvolvimento desta politica social na comunidade,
relacionando as impressões e impactos observados na pesquisa com o sistema da dádiva
e gênero atuante na região.
Palavras - Chaves: Dádiva; Solidariedade; Finanças Solidárias.
Abstract
This work is linked to research "The Solidarity Revolving Funds and identity in everyday
life of small farmers in the state of Paraiba" and "Evaluation of Solidarity Revolving
Funds of the State of Paraíba" held in Upper Paraíba backwoods, the trimming was done
in the empirical rural communities dealt with the FRS, surrounding the city of
Aparecida (Settlement Acauã) during the month of February 2010. FRS The project,
which is grounded on the principles of solidarity economy in the city of Aparecida is
very broad, encompassing the group of nursery seedlings, which is formed by children
and adolescents. We will coordinate the development of social policy in the community,
relating the impressions and impacts observed in research on the gender system of organ
donation and active in the region.
Keywords – Gift; Gender; Economic Solidarity.
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1. Os Fundos Rotativos Solidários no contexto do Viveiro de Mudas
A política social em questão são os Fundos Rotativos Solidários³, que fazem
parte de uma vertente camponesa, destinada a pequenos agricultores, em forma de
finanças solidárias, a qual é diferenciada em suas dinâmicas de rotatividade e retornos
dos referidos fundos a partir da autogestão a favor das próprias comunidades
beneficiadas.
As comunidades rurais beneficiadas são relacionadas a políticas de cunho de
responsabilidade social e inserção dos indivíduos excluídos do modo de produção
capitalista, e sem acesso ao crédito para destinar suas atividades produtivas. A economia
solidária é justamente a inspiração das práticas agrícolas e organização social das
pessoas que fazem parte desta esfera de mútua reciprocidade e solidariedade dentro dos
grupos. Segundo Eric Sabourin “A lógica do sistema de reciprocidade não considera a
produção exclusiva de valores de uso ou de bens coletivos, mas a criação do ser, da
sociabilidade.” (SABOURIN, 99, p.42).
O grupo do viveiro de mudas é composto por crianças e adolescentes com idades
aproximadamente, de oito a dezenove anos, juntamente com a coordenadora do projeto,
que auxilia o manuseio dos produtos. A comunidade tem um conhecimento muito
amplo no manusear de sementes, adubos, aguar as plantas, eles relataram que esta
experiência advém juntamente com os seus pais, onde participam desde pequenos , ou
seja, quando os mais velhos saem, os mais novos ocupam os seus respectivos lugares,
fortalecendo assim, a tradição e a lógica da identidade, solidariedade e dádiva entre os
próprios. A base do viveiro de mudas está calcada na solidariedade e na ajuda mútua do
grupo. Na visão de Durkheim esta ajuda mútua advém a partir,
“(...) Os indivíduos são ligados uns aos outros, de tal forma que, sem isso,
seriam independentes; em vez de se desenvolverem separadamente, eles
ajustam seus esforços; eles são solidários, por meio de uma solidariedade que
não age somente nos curtos períodos em que se trocam serviços, mas que se
estendem muito além.” (DURKHEIM,
1928, p. 64).
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2. Dádiva e o Viveiro de Mudas
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O grupo do viveiro de mudas faz doações de mudas à escola da comunidade,
pois a escola beneficiada faz um trabalho de educação ambiental com seus alunos,
plantando mudas nas frentes das casas e em áreas escassas de plantas no assentamento.
A base de sustentação do grupo é a solidariedade que envolve todos ao mesmo objetivo,
para que o sistema de reciprocidade seja duradouro e que possa ampliar a comunidades
que não participam desta lógica. Pois a solidariedade que é praticada dentro das
comunidades, é para alguns como um resgate ou até mesmo um espelho das práticas
antigas de solidariedade como a troca de objetos, alimentos e animais.
Para Marcel Mauss (1974), a lógica da dádiva estabelece um tipo de aliança
entre determinados grupos, aliança essa que fortalece a reciprocidade e a solidariedade.
A dádiva tem como três princípios, que são respectivamente, (dar- receber e retribuir),
que se inserem nos diferentes estilo de rotatividade, relacionadas à lógica do viveiro de
mudas. Assim como a dádiva, nas sociedades primitivas, uma vez que não são efetuadas
ou alimentadas, de acordo com os princípios básicos, podem resultar diversos conflitos
entre os grupos. “A finalidade da troca é antes de tudo moral, seu objeto é produzir um
sentimento de amizade entre duas pessoas envolvidas, se uma falhar quebrará esse
sentimento”. (MAUSS, 1974, p.211). Ainda, segundo Marcel Mauss, a dádiva é
espontânea e ao mesmo tempo, obrigatória, porém tem como objetivo em sua essência
de fortalecer o laço social das comunidades e dos indivíduos.
Portanto, as doações feitas no grupo do viveiro de mudas obedecem a um
sistema específico da dádiva, a qual, tem por característica o fortalecimento da
identidade familiar, também com a agricultura e manutenção dos laços sociais ligados a
solidariedade e reciprocidade, a fim de uma realidade não conflituosa no trabalho, nas
dinâmicas de vizinhança e participantes dos fundos rotativos solidários.
3. Gênero e o Viveiro de Mudas
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A organização social e sexual dentro do universo do viveiro de mudas demonstra
ser potencialmente diferenciada. O sexo masculino e feminino representam duas esferas,
as quais, comportam-se e seguem a uma lógica particular da região, relacionadas a
coesão, tradição e identidade da comunidade em questão. O gênero masculino prevalece
em número, pois são aproximadamente seis meninos e somente duas meninas atuantes
no viveiro de mudas.
Neste sentido, nos cabe refletir sobre a divisão sexual no trabalho desta
comunidade, à luz do pensamento de Pierre Clastres4, pois existe uma realidade
segregada nas tarefas entre meninos e meninas, onde, o gênero masculino fica
responsável por tarefas consideradas mais pesadas, tais como: capinar, carregar “carros
de mão”, misturar adubo, entre outros. Já as meninas, fazem tarefas mais leves, tais
como: encher sacos de mudas, colocar sementes, aguar mudas, entre outros.
Semelhante ao pensamento de Clastres (1990), as tarefas executadas pelos
meninos e meninas do viveiro de mudas, tem sua limitação como explicitados
anteriormente, (meninos com tarefas mais pesadas e meninas com tarefas mais leves),
podemos interligar com a organização do trabalho na tribo Guaiaqui, no qual, o “Arco”
é arma somente de uso exclusivo dos homens e as mulheres utilizavam o “Cesto”,
ambos eram proibidos a tocarem nos objetos dos outros, pois se as mulheres tocassem
nos objetos dos homens, os mesmos, iriam ter azar na caça e isso iria prejudicar toda a
tribo, e se os homens tocassem ou carregassem o cesto eles estariam renunciando a sua
masculinidade, no grupo de viveiro de mudas a dinâmica é semelhante, pois cada um
tem sua tarefa a executar para a coesão do grupo.
3.1. A dádiva e divisão sexual do trabalho
A lógica da dádiva na estrutura da divisão do trabalho no viveiro de mudas
corresponde ao fortalecimento da coesão social e do trabalho do grupo, no qual, devido
à limitação dos gêneros masculino e feminino na execução dos trabalhos, são formados
dois grupos e ambos estabelecem uma ajuda mútua, onde os mesmos tem uma
consciência formada sobre a importância da solidariedade no grupo. Novamente,
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segundo Marcel Mauss (1974), a dádiva exprime a reciprocidade e solidariedade e o que
podemos identificar na estrutura de ambos dos grupos, é que essa divisão não se
expressa de forma negativa como a segregação dos gêneros, mas sim, os mesmos atuam
a favor da manutenção das atividades e das relações sociais dentro desses dois
princípios, mesmos estas esferas estando separadas.
Figura 1. Impactos (Viveiro de Mudas)
HOMENS
MULHERES
Novas relações de troca sociais e econômicas
Reciprocidade enfatizada na coesão do grupo
Fortalecimento dos dois gêneros nas atividades agrícolas
Manutenção da identidade camponesa/trabalho
Fonte: Pesquisa “Avaliação dos Fundos Rotativos Solidários”, 2010.
Considerações
A dádiva, nesta comunidade, expressa uma lógica intensificada tradicionalmente
de solidariedade e reciprocidade, porém, sua essência também vem sendo
ressiginificada, devido a práticas anteriores que advêm de avós e pais, com isso, vale
ressaltar que o grupo viveiro de mudas chama a atenção, pois é formando por meninos e
meninas que ainda estão em sua idade escolar, e os mesmos tiram o seu dia de sábado
para fazerem suas tarefas agrícolas. É importante ressaltar que as crianças estão situadas
no âmbito fortemente familiar, que contribuem com a prática de solidariedade e
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reciprocidade, fato que para muitos indivíduos na contemporaneidade não é tão
perceptível, justamente por fazer parte de uma esfera de pequenos atos, que são
particulares e isolados.
Contudo, a dádiva na contemporaneidade não está somente ligada à troca de
presentes, ou visitas, mas podemos encontrar essa lógica enraizada em algumas práticas
no âmbito de trabalho no universo rural, e nesta lógica de “dar receber e retribuir” os
dois grupos, que são divididos em relação à divisão sexual do trabalho, são equivalentes
na igualdade, não de tarefas, mas de respeito e contribuição entre os mesmos.
Notas
___________________
1
Graduanda do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba; Pesquisadora Bolsista do
CNPq vinculada ao Grupo “Avaliação dos FRS no Estado da Paraíba” coordenado pela Professora Alicia
Ferreira Gonçalves. E-mail: [email protected]
² Graduanda do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba; Pesquisadora vinculada
ao Grupo “Avaliação dos FRS no Estado da Paraíba” coordenado pela Professora Alicia Ferreira
Gonçalves. E-mail: [email protected]
³ “Fundos Rotativos Solidários são instrumentos de finanças solidárias direcionadas às comunidades que
em tese praticam a autogestão dos referidos fundos, formando uma poupança e que decidem (re) investir
parte desta em prol da própria comunidade”. (GONÇALVES, 2009, p.5).
4
“A divisão sexual do trabalho no pensamento Guiaqui, exprime claramente a natureza dessa oposição
que, por estar situada na própria raiz da vida social da tribo, comanda a economia de sua existência
quotidiana e confere sentido a todo um conjunto de atitudes na qual se liga a trama das relações sociais.”
(CLASTRES, 1990, p.73).
Referências
CLASTRES, Pierre. Arco e o cesto In: A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1990.
DURKHEIM, Émile, 1858-1917, 2. Sociologia I. Rodrigues, José Albertino, 1928.
GONCALVES, Alícia Ferreira. Experiências em economia solidária. Campinas: Centro
de Memória UNICAMP, Editora Arte Escrita, 2009 a.
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______. Avaliação dos Fundos Rotativos Solidários no Estado da Paraíba. Paraíba,
Convênio BNB/CODISMA, 2009b.
______. Economia da dádiva e os Fundos Rotativos Solidários. Reciprocidade e
Mercado em comunidades camponesas no Estado da Paraíba. Projeto de Pesquisa,
edital Universal, CNPq. 2009 c.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão de troca nas sociedades
arcaicas. IN: Sociologia e Antropologia, vol. II. São Paulo: Edusp, 1974.
SABOURIN, Eric. Práticas de reciprocidade e economia de dádiva em comunidades
rurais do Nordeste brasileiro. Raízes, Ano XVIII, nº 20, Novembro/99. Pág.41-49.
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