De médico e santo popular: a devoção ao
doutor Camilo Salgado em Belém do Pará
Éden Moraes da Costa*
Resumo:
Este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão a respeito da
devoção que muitas pessoas que freqüentam o cemitério de Santa
Isabel, em Belém do Pará, dispensam a pessoas sepultadas neste
local, que quando vivas exerceram a profissão de médicos na cidade
de outrora. Centralizando o olhar na figura do médico Camilo
Salgado, lembrado por sua dedicação à medicina e, sobretudo, por
sua abnegação ao prestar atendimento a pessoas carentes, pretendese discutir também o processo de “canonização” da figura do
médico, elevado à categoria de “santo” pelos que acreditam nas
curas milagrosas praticadas por este médico direto do além.
Palavras-chaves: devoção popular; santos populares; cura, Belém do Pará
Abstract:
This article discusses the devotion to medical doctors who are
buried at the Santa Izabel cemetery in Belém do Pará (Brazil). It
focuses on the personality of Camilo Salgado (1874-1938),
remembered and revered by the population due to his dedication to
medicine and his commitment to the assistance of poor people. It
analyses the process of “canonization” of Dr Salgado, shifted to the
condition of a saint by those who believe in the miraculous cures
operated by him from the hereafter.
Keywords: popular devotion; popular saints; cure; Belém do Pará (Brazil)
Os “campos santos” da devoção popular
O cemitério de Santa Isabel foi fundado em junho de 1876 e é um
dos mais antigos de Belém do Pará. Fica localizado na Avenida José
Bonifácio, entre a Rua dos Mundurucus e Rua Paes de Souza, encravado
no coração do bairro do Guamá.
Revista Estudos Amazônicos • vol. V, nº 2 (2010), pp. 47-73
Se um transeunte mais atento passa em frente a esse cemitério,
principalmente na segunda-feira, não deixará de notar o grande número
de pessoas que entram e saem do local, na maioria das vezes
compenetradas na oração. Perceberá igualmente uma razoável rede de
comércio que se estabeleceu à frente do local, cuja comercialização, em
sua maioria, é de velas e flores. Se o passante perguntar a uma dessas
pessoas que freqüentam o lugar, provavelmente receberá a resposta de
que, nesse dia, se deve rezar pela alma dos mortos, acender velas e
aproveitar para pedir ajuda àqueles que, no imaginário popular, foram
dotados por Deus com o poder de realizar milagres; é também um dia
em que os visitantes aproveitam para ir às sepulturas de seus parentes
que ali estão sepultados.1
Mas, há pessoas que, neste dia, também vão prestar uma homenagem
mais genérica, para “todas as almas”, para as “almas do purgatório”, ou
para as “treze almas”, pois se acredita ser um dever dos vivos não
esquecer aqueles que já morreram. Mas, o que desperta maior interesse
do pesquisador que toma os cemitérios como campo de pesquisa, são os
significados que a população atribui àquelas figuras que, segundo a
crença disseminada na cidade, são capazes de realizar feitos
extraordinários para aqueles que vão até suas sepulturas e, convictos,
pedem graças e fazem promessas. Assim, dentro desse conjunto de
mortos, alguns são considerados pelo povo como “santos”, “espíritos de
luz” ou “almas santas”, e, como se verá mais detalhadamente, são
cultuados por meio de rituais e oferendas.
No cemitério de Santa Isabel, esses santos populares estão espalhados
por sua enorme dimensão. Podem ser citados os mais conhecidos que
são: Josephina Conte, conhecida popularmente como “a moça do táxi”, e
que no seu aniversário costumaria sair da sua sepultura, apanhar um táxi
e passear pela cidade; Severa Romana, que teria morrido degolada e
esfaqueada no útero no dia 2 de julho de 1900, ao “defender sua honra
de mulher casada, da agressão de um soldado”2, estando grávida de 7
meses; Neila Cristina, nascida em 1973 e morta em 1988, vítima de um
acidente automobilístico que a deixou em coma por cerca de seis dias no
CTI de um hospital; o engenheiro Aurélio S. C. Neto, que nasceu em 23
de maio de 1950 e faleceu a 31 de julho de 1975. O que se sabe dele é
que trabalhava no interior do estado do Acre e um dia tentou ajudar uma
criança que estava em perigo de vida. Colocou-a em seu carro e pegou a
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estrada em direção à capital daquele estado. Porém, no meio do
caminho, o acidente: um caminhão entrara na contramão e se chocou
com o carro de Aurélio, vitimando este e todos os passageiros do
veículo.
Podemos falar ainda de um número considerável de pessoas que
exerceram a medicina e que hoje são considerados milagrosos: os
médicos Crasso Barbosa (1886-1819), João Carlos Maciel (1941-1987) e
Camilo Salgado (1874-1938), entre outros. Há ocorrências de culto a
mortos considerados santos em outros espaços da cidade, como por
exemplo, no cemitério Nossa Senhora da Soledade – que só abre as
segundas-feiras e no dia de finados – localizado no bairro de Batista
Campos. Nele, a população cultua Raimundinha Picanço, Preta
Domingas, crianças como Zezinho, Antônio e Cícero, a escrava
Anastácia, etc.; No cemitério São Jorge, no bairro da Marambaia, a
menina Diene Helen e os irmãos Marivaldo e Marinaldo do Nascimento.
Em outras cidades do Pará também são observados esses fatos.
Nesse sentido, os cemitérios adquirem novos significados, pois se
prestam a diferentes papéis no cotidiano da cidade. De meros lugares
destinados a afastar os vivos dos corpos em putrefação, ganham novos
significados: não são apenas depositários de lembranças, ou de corpos
sem vida, mas um espaço miraculoso, por abrigarem verdadeiros
“santuários” que representam seres sagrados e poderosos. Nesses locais,
a morte é reinterpretada, tornando-se sinônimo de vida, proximidade e
santidade, traduzindo o desejo dos vivos de modificar sua condição de
dor, desespero e doença. Convertem-se em espaço de peregrinação,
junto com as igrejas, templos evangélicos e terreiros de religiões de
matriz africana. Porém, isso não é exclusividade nossa.
É vasta a literatura referente ao culto a pessoas consideradas santas e
milagrosas, veneradas em cemitérios em diferentes partes do mundo.
Pode-se dizer que o olhar sobre a morte e a devoção a tais figuras vêm
de longa data. Fustel de Coulanges escreve sua Cidade Antiga em 1864,
sob a perspectiva das relações entre vivos e mortos e as práticas
religiosas direcionadas aqueles que jaziam nos cemitérios daquele
tempo.3
É importante citar também o trabalho do historiador Peter Brown4,
no qual o autor discute as práticas e concepções a respeito do culto aos
santos no século IV D.C., no que ele chama de Antigüidade Tardia. A
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obra de Peter Brown corrobora a concepção de o quanto é recorrente
essa prática de ir aos locais onde pessoas consideradas santas estavam
sepultadas e prestar-lhes culto, só que neste caso em um contexto de
avanço do cristianismo e de crescente culto aos mártires dessa religião.
Essas importantes obras iluminam muitos aspectos que serão abordados
ao longo desse artigo. Por seu turno, no Brasil e na América Latina, o
interesse dos estudiosos pelo tema mostra a força que essas práticas
religiosas adquiriram na religiosidade popular, comprovando a tese do
antropólogo Roberto Da Matta, de que “no Brasil, a morte mata. Mas os
mortos não morrem”.5
Dessa forma, as pesquisas referentes aos mortos que são
transformados em santos e santas pelo povo demonstram as
peculiaridades e também distinções em relação ao que ocorre em Belém.
Frade6 estudou a devoção a menina Odete Vidal de Negreiros
(Odetinha), visitada no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro,
considerada uma criança bondosa, mas que sofria de constantes doenças.
Também é uma criança o santo popular enfocado na pesquisa
desenvolvida por Schineider7 no Cemitério da Consolação em São Paulo:
trata-se de Antoninho da Rocha Marmo, vitimado pela tuberculose. Em
dois cemitérios no Rio Grande do Norte, Freitas8 analisou a devoção
popular a dois bandidos, Jararaca e Baracho, que após serem mortos pela
polícia passaram a ser cultuados como santos. Em três cidades do Rio
Grande do Sul, Fagundes9 pesquisou a devoção a três mulheres – Maria
do Carmo, Maria Isabel e Maria da Conceição – que em vida eram
prostitutas e tiveram morte violenta. Cabe destacar também o trabalho
de Calávia Sáez10 no estudo do culto aos mortos encontrados no
Cemitério da Saudade, em Campinas, São Paulo. Neste local, o autor
verificou vários tipos de culto e cabe ressaltar aqui o dedicado a médicos
como o doutor Vieira Bueno e o doutor Clemente di Toffoli.
É evidente que os estudos citados acima não esgotam o universo de
pesquisas relativas ao tema das relações entre vivos, mortos, espíritos,
santos e santas11, mas permitem estabelecer aproximações com a
realidade local, já que são diversos tipos de pessoas cultuadas e
santificadas sem a palavra “oficial” da igreja católica: desde crianças a
pessoas consideradas perigosas e de baixa categoria social, até aquelas
que alcançaram respeito e prestígio social ainda em vida, como religiosos
e integrantes da medicina, para citar apenas estes casos. Por seu turno, as
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circunstâncias da morte também constituem fatores de “canonização”,
como mostrado acima, desde a violência, o sofrimento causado pela
doença ou acidente, à morte repentina que interrompe um trabalho visto
como de caridade e abnegação. Muitos desses elementos estão presentes
na história e na memória construída sobre o doutor Camilo Salgado.12
O culto e a devoção ao Dr. Camilo Salgado
Apesar do número considerável de mortos elevados pelo povo à
categoria de santos, será dado destaque neste artigo a apenas um deles:
trata-se do Dr. Camilo Salgado, nascido em 22 de maio de 1874 e
falecido em 2 de março de 1938.
Imagem 1
Camilo Henrique Salgado Júnior
Fonte: Pará Médico, vol. 8, nº 1 (2001), p. 50
Em vida, Camilo Salgado exerceu a profissão de médico (médico
generalista, ou seja, tratava de várias doenças) e foi um dos fundadores
da Sociedade Médico-cirúrgica do Pará, em 15 de agosto de 1914 (da
qual foi o primeiro presidente) e da Faculdade de Medicina e Cirurgia do
Pará, em 191913, ocupando a presidência deste órgão, além de ter
exercido mandatos políticos, como vereador e governador interino, além
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de professor, tornando-se, portanto, uma figura pública bastante
conhecida.
Imagem 2
Primeira Diretoria da Sociedade Médico Cirúrgica do Pará; ao centro, Camilo Salgado.
Fonte: Alípio Bordalo. A sociedade médico-cirúrgica.14
Imagem 3
Prédio escolhido para a sede da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, ainda um
Grupo Escolar, em 1922. Atualmente, Núcleo de Medicina Tropical da UFPA.
Fonte: Alípio Bordalo. A sociedade médico-cirúrgica.15
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No entanto, a julgar pelas fontes pesquisadas e relatos da pesquisa de
campo, como veremos, sua fama se fez realmente como médicocirurgião, atuando em hospitais como a Santa Casa de Misericórdia do
Pará, Hospital da Ordem Terceira e Beneficência Portuguesa, que
inclusive o homenageou dando o nome do médico ao seu centro
cirúrgico e colocando uma dedicatória em mármore sobre sua sepultura.
O médico teria sido muito zeloso para com aquelas pessoas que
necessitavam de seus serviços, sobretudo as mais pobres, ganhando
assim a sua admiração e respeito. Esse prestígio ficava já evidenciado na
notícia que registrava sua morte no dia 3 de março de 1938, aos 64 anos,
e que exaltava suas qualidades:
Ao par dessa competência technica, o que seduzia em Camillo
Salgado era, sobretudo, o seu grande e adamantino coração,
propenso sempre ao soffrimento alheio. A medicina, para
esse apóstolo da sciencia, não foi nunca um ganha-pão, um
meio de enriquecimento rápido, ou uma especulação da
afflição humana: foi apenas um pretexto para que a sua
innata e clara bondade melhor e mais puramente se
exercitasse.16
As palavras do jornal já evidenciam a construção da santidade de
Camilo Salgado, por mostrá-lo como uma pessoa de grande coração,
natural bondade, e que foi uma espécie de “salvador” das camadas
pobres da cidade, por atendê-las seja de dia, seja de noite. Aliás, nos dias
que se sucederam à morte do médico, muitas foram as referências a
Camilo Salgado como uma “figura nazarethna”, uma “alma eleita”, “um
carmelita descalço, em busca dos enfermos a quem ia socorrer, como
médico ou como um mago da cirurgia, dando a todos uma palavra de
alento, um sorriso rehabilitante e o balsamo, quasi sempre propinado de
graça, com que lenia as afflições alheias”, ou ainda lamentando a perda,
pois “o dr. Camillo Salgado era um sabio, que passou a vida praticando o
bem…”.17
Não é simples indicar com precisão o momento em que começaram a
ser divulgados os primeiros relatos de cura realizados pelo Dr. Camilo
Salgado após a sua morte, mas é inegável que a bondade atribuída ao
médico e tão exaltada nas fontes consultadas não ia ser apagada da
memória popular, tanto que os jornais, ao cobrir a sua morte,
enfatizavam o seu esmero em cuidar dos doentes que acorriam até ele.
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A bondade e a caridade atribuídas ao médico podem ser
exemplificadas neste relato de uma devota, Alcina Moraes, que conheceu
o médico quando ainda era bastante jovem: “Meu pai era diretor da
Beneficente portuguesa. E Camilo Salgado sempre a ele pedia uma cama
porque a operação sempre fazia de graça…”.18 Assim, essa aura de
santidade já pairava sobre ele, quando ainda estava vivo e se lembrarmos
que o exercício da profissão médica é entendido como uma espécie de
“missão apostólica”.19
Camilo Salgado, assim, foi elevado pela população à categoria de alma
santa e milagrosa pelas circunstâncias de sua vida terrena, por suas ações
e, talvez, pela surpresa de sua morte, já que nesse dia ainda trabalhou,
vindo a falecer em casa, de uma crise de angina.20 A cobertura de seu
enterro, pela imprensa, mostra um grande número de pessoas, de
distintas camadas sociais acompanhando o cortejo, de sua residência na
Rua dos Pariquis até o cemitério de Santa Isabel, na condução dos
“sagrados despojos” do médico. A impressão que se tem é a de que o
jornal Folha do Norte documentava a morte de um santo, e de que a
população acompanhava ao cemitério um “corpo santo”, já que o jornal
utiliza o termo “sagrados despojos” para se referir ao corpo do médico
falecido. A morte do conhecido doutor parece ter acelerado esse
processo de “santificação” que já dura mais de 70 anos.
Hoje, mesmo quem não tenha por este médico a devoção que se
observa no cemitério de Santa Isabel, não deixa de recordá-lo como uma
pessoa bondosa e prestativa. É o caso de Célia Costa21, médica
aposentada, 73 anos, que, ao recordar um acidente de infância, na vila do
Pinheiro (hoje Icoaraci) na década de 30, lembra que seus pais a levaram
a uma casa das redondezas para que o médico ali residente cuidasse de
seu braço deslocado. Célia relembra aquele homem de cabelos brancos
cuidando dela e receitando umas pílulas que, segundo ela soube
posteriormente, seriam fabricadas pela pessoa que lhe atendia: Camilo
Salgado.
Célia, por ser espírita, acredita que Camilo Salgado continua
operando as pessoas doentes, e seria igualmente um “Espírito de Luz”,
que na concepção dela é um ser em elevado desenvolvimento espiritual,
bondoso (como o era em vida) e se aproximando do que poderíamos
considerar um santo.
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Essa certeza também tem Cláudia Pires22, espírita, que estava no
cemitério por ocasião do Dia de Finados, rezando para o médico por
quem diz ter muita fé. Cláudia relata em seu depoimento que estava se
tratando pela primeira vez com o médico havia algum tempo, em um
centro espírita. A mulher revelou o motivo da procura a Camilo Salgado:
uma alergia que alastrava seu corpo. Ainda segundo ela, o médico teria
passado algumas receitas para seu uso. Esse ponto é interessante, pois
demonstra um outro lado do culto a Camilo Salgado, qual seja, uma
espécie de tratamento da doença utilizando remédios receitados pelo
próprio médico, ao passo que em outros casos, a presença deste (pelo
menos no corpo de um médium) não parece tão necessária para a
efetivação do “tratamento” e da cura.
Camilo Salgado e outros médicos que estão sepultados no cemitério
Santa Isabel têm, desse modo, que lidar com muitos doentes que vão até
seus túmulos rogar a solução de seus problemas de saúde (ou outros não
necessariamente relacionados a doenças) e, a julgar pelas várias placas de
reconhecimento pelas graças alcançadas, as pessoas consideram que têm
sido bem sucedidas nos seus pedidos. É o caso de Carmem Silva23,
católica, aproximadamente 50 anos, que acredita ter sido curada de um
problema nas mãos pelo Dr. Camilo Salgado, e de uma grave crise renal
pelo doutor João Carlos Maciel, nascido em 20 de agosto de 1941 e
falecido em 5 de junho de 1987 (segundo informantes, teria sido
assassinado).
Essa mulher, que é devota dos mortos há mais de 30 anos, teve um
acidente em uma das mãos, causado por uma queda. Em seu relato,
afirma que não podia nem mexer os dedos, que estavam enegrecidos. Os
médicos que cuidavam dela não conseguiam solucionar o caso, e foi aí
que ela passou a pedir a sua cura junto ao túmulo de Camilo Salgado.
Durante a entrevista, ela exibia as mãos, movimentando os dedos
insistentemente para comprovar a cura milagrosa. Esse tipo de
depoimento revela uma concepção muito comum entre os devotos do
médico: a medicina exercida no mundo dos vivos muitas vezes é
insuficiente para proporcionar a cura, sendo necessário o concurso de
outra forma de medicina, a que provém do além, e que seria mais
poderosa e eficaz, se exercida por um médico-santo.
Analisando esses reatos, observa-se que a cura de doenças é de fato a
especialidade desse médico, dentro do universo classificatório elaborado
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pelos devotos e devotas dos mortos do cemitério de Santa Isabel. No
grande espaço do cemitério, a observação atenta do pesquisador capta
que é quase obrigatória uma parada à frente do túmulo desse médico,
para fazer alguma reverência, tanto no momento em que entram como
na hora em que deixam o local.
A imponente sepultura de Camilo Salgado está localizada a poucos
metros da entrada principal do cemitério, do lado esquerdo,
configurando-se, dessa forma, como uma espécie de santuário, em que as
pessoas chegam, com seus pacotes de velas, acendem-nas, batem três
vezes na ponta da lápide de mármore escuro (esse gesto constitui uma
saudação ao morto, segundo os informantes), colocam bilhetes com seus
pedidos de saúde e bem-estar sobre esta, fitam a efígie de bronze com o
rosto do médico, cravada em uma cruz de mármore no alto da sepultura
– há casos em que algumas pessoas sobem nas sepulturas ao lado para
tocar demoradamente no rosto, como se acreditassem que daí
emanariam poderes taumatúrgicos – e rezam fervorosamente, chegando
muitas vezes a ajoelhar-se diante dela, alguns com terço à mão, outros
com orações impressas ou escritas em pequenos papéis, em semelhança
com os rituais destinados aos santos e santas da Igreja Católica. Aliás,
uma devota, Maria das Dores, abordada por mim junto ao túmulo de
Camilo Salgado utilizou uma frase muito interessante para referir-se ao
médico, e que parece refletir bem o sentimento popular com relação aos
feitos dele. Ela disse: “Ele é um santo protetor…” Dessa forma, não
apenas os atos demonstram que se está diante de um santo; as palavras
também expressam essa mentalidade.
Por ocasião do Dia de Finados, sua sepultura é bastante visitada pelas
pessoas, ficando repleta de flores; Em uma das visitas ao cemitério nessa
data, para realizar observações e entrevistas, um devoto colocou uma
cabeça de cera sobre este; outro deixou uma grande vela, em sinal de
agradecimento.
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Imagem 4
Sepultura do Dr. Camilo Salgado no cemitério Santa Isabel, com devotos do médico
fazendo pedidos e pagando promessas, em dia de finados.
Foto: Éden Moraes da Costa (2/11/2002).
Na realidade, esse ritual é feito também nas outras sepulturas, mas
não são apenas os católicos que visitam o cemitério: trata-se de um
espaço plural, multifacetado. Assim, há os espíritas, os adeptos das
religiões de matriz africana (umbanda, mina, candomblé, dentre outros),
que normalmente fazem seus rituais nos fundos do cemitério, junto ao
cruzeiro, e na vala comum dos despojos dos mortos não reclamados
pelos parentes, que fica ao lado do cruzeiro.
Talvez se possa dizer que o culto a Camilo Salgado tem tanto um
caráter mais individual, representado pelas pessoas que vão sozinhas ao
cemitério e a sua sepultura rezar e fazer seus pedidos; mas, também há
um grupo que é formado em grande parte por membros do espiritismo
kardecista, embora contenha também pessoas que se autodenominam
como católicos.
Esse grupo é liderado pela senhora Regina, que, segundo um dos
integrantes que a acompanha, há mais de trinta anos faz uma extensa
visita a várias sepulturas (cinquenta aproximadamente) que, conforme
acreditam seus membros, fazem milagres: crianças, médicos, padres,
freiras. O interessante disso é que a “corrente” (termo usado pelos
integrantes do grupo) se inicia e termina junto ao túmulo de Camilo
Salgado, sendo o médico invocado para proteção e cura, configurando-se
como uma espécie de liderança nesse outro mundo; é muito recorrente
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Regina chamar Camilo Salgado de “mestre”. A líder da “corrente” revela
que se deve rezar bastante enquanto se vai visitando as “sepulturas
santas” e fazendo os pedidos.
Portanto, diante de práticas devocionais mais particulares e grupais,
podemos dizer que o culto a Camilo Salgado e aos outros santos
populares é mediado por vários “rituais” e não apenas por um específico.
No culto a esses mortos consagrados como santos, os devotos estão
manipulando símbolos que podem lhes proporcionar um maior contato
com aqueles que julgam poder ajudá-los nos seus problemas de saúde; só
que, neste contato com as energias de seres espirituais no campo ritual
há a necessidade de constante negociação. Aqui, estamos no campo das
trocas, ou seja, da prática consolidada pelo catolicismo popular (mas que
na atualidade não se restringe apenas a ele) de dar e receber, que é tão
notório em nossa história, na relação entre devotos e seus santos e
santas, desde o Brasil Colonial.
Em relação à missa que se celebra toda segunda-feira no final da tarde
em honra dos mortos, é significativo o fato de que, nos oferecimentos, o
nome de Camilo Salgado é citado inúmeras vezes, o que indica a afeição
popular pela figura do homem e também do médico, que cura. E essa
admiração fica evidenciada nas palavras de uma oração utilizada por uma
devota, que há mais de quarenta anos reza para Camilo Salgado. Na
realidade, várias pessoas utilizam essa oração para invocar os poderes
curativos do médico, como observado nas entrevistas com os devotos.
Muitas pessoas costumam publicar a oração em jornais como sinal de
agradecimento. A prece está assim escrita:
Deus misericordioso, te agradecemos a felicidade que nos
destes, dando o poder ao Dr. Camilo Salgado de ajudarnos a receber as curas dos males que nos afligem, e a
caridade e o amor ao próximo, constitui uma prova para
nossa fé. Cremos em ti, e na tua bondade infinita, Dr.
Camilo Salgado não podemos ir onde te encontras mas tu
podes vir até nós. Ouve nossas preces, atende nossos
pedidos. Ampara nas provas da vida e vela todos quantos
te são caros. Protege-nos como puderes, suavizando os
pesares, fazendo-nos perceber pelo pensamento que és
mais ditoso agora e dando consoladora certeza, de que um
dia estaremos todos reunidos num mundo melhor e que
seu progresso espiritual seja cada vez maior. Rezar 1 Pai
Nosso e 5 Ave Maria.
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A pessoa que cedeu a oração, Marta Araújo24, católica, 70 anos
aproximadamente, acredita que sua irmã, acometida de derrame em
estágio avançado, teria ficado com a saúde restabelecida graças às preces
e à ajuda de Camilo Salgado; o médico teria sido responsável igualmente
pela longevidade de sua mãe, pois sempre que esta adoecia, Marta se
dirigia ao túmulo do Dr. Camilo para pedir a saúde de sua genitora. Os
89 anos da irmã, interrompidos por uma queda, e não por uma doença,
devem-se, segundo essa devota, à intervenção do médico milagroso.
Esses relatos apontam também para uma curiosa faceta desse culto
aos mortos, que são os pedidos de cura e outras realizações não para si,
mas para parentes que se encontram em situações difíceis de serem
resolvidas por iniciativa dos vivos, sendo necessário o concurso daqueles
que, como mostra a oração acima, podem vir até o mundo dos vivos e
realizar curas e outros feitos.
Torna-se importante chamar a atenção para o fato de que, embora as
pessoas que cultuam o Dr. Camilo Salgado e as almas, não os tratem de
modo uniforme como um “santo”, o próprio comportamento diante da
sepultura, a atitude respeitosa e ritual para com o morto, além da
tradicional relação de troca (promessa) estabelecida, parece sugerir que
ao menos inconscientemente essas pessoas acreditam estar diante de um
ser santificado, com poderes extraordinários, daí porque ter-se utilizado
neste artigo o termo “santo popular”. Nesse sentido, o culto, que como
vimos se expressa com orações, oferendas e pagamento de promessas, se
faz toda segunda-feira e também no Dia de Finados, por ser esta última
uma data instituída pela Igreja Católica para os vivos relembrarem seus
mortos.25 Mas, observações e consultas a fontes jornalísticas também
indicam que a devoção é cotidiana, ou seja, há culto a esses mortos
santificados em outros dias da semana, ainda que com menor
intensidade. De qualquer modo, estabelece-se uma relação de
continuidade e compromisso.
A partir desse compromisso se expressa a devoção, que pode ser
explicada na mesma acepção usada pela antropóloga Maria Cecília de
Souza Minayo que define o devoto e a devoção em referência às pessoas
que “atribuem poderes sobrenaturais, capazes de alterar a ordem natural
das coisas, a lugares, objetos, pessoas, símbolos e ritos considerados
sagrados e, portanto, realizam práticas devocionais capazes de atrair esses
poderes para si e para seu grupo social”.26 Completa ainda a autora que
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tal devoção pode iniciar-se a partir de uma graça alcançada, quando o
beneficiado passa a estabelecer um relacionamento muito particular com
o objeto ou ser venerado, inclusive visitando frequentemente o local
onde este se encontra e divulgando os feitos miraculosos realizados,
tendo assim sua vida modificada a partir da graça recebida.
A exposição acima demonstra que a devoção ao médico Camilo
Salgado (e, porque não, a outros médicos sepultados no local) tem
características peculiares, pois é um tipo de culto relacionado à saúde que
difere daqueles que comumente se conhece em nossa sociedade, que
como sabemos, une constantemente medicina e religião, como
demonstra um artigo de Rabelo27, no qual a autora faz uma análise dos
serviços de cura destinados por grupos religiosos aos seus fiéis, como é o
caso das religiões afro-brasileiras (jarê), dos serviços da Igreja Universal
do Reino de Deus e das sessões de cura em centros espíritas. E,
poderíamos acrescentar as sessões de cura realizadas pela Renovação
Carismática Católica (RCC). É importante dizer que esta antropóloga
não faz nenhuma referência a cultos religiosos ligados à saúde do tipo
que este artigo está abordando, mas reflete em seu trabalho basicamente
sobre os serviços de cura oferecidos ao povo.
Por isso, no que se refere à busca da cura de doenças nos cemitérios
junto as sepulturas de médicos reputados de “milagrosos”, não se trata
de uma opção colocada para as pessoas por instituições religiosas, sendo
antes uma maneira de tentar o pleno restabelecimento da saúde física e
mental criada a partir das próprias crenças populares.
Realizar uma análise das concepções religiosas dos devotos de Camilo
Salgado é refletir acerca das alternativas de resolução dos problemas de
saúde buscadas pelas pessoas em nossa sociedade, e que, como podemos
perceber não se reduzem àqueles de uma medicina científica28, pautada
nos exames, e que dá ênfase apenas ao corpo doente, ao contrário de
rituais religiosos que relacionam práticas medicinais e elementos da
religião, como se verifica no culto ao Dr. Camilo Salgado.
Aliás, a ênfase dada pelos próprios visitantes da sepultura desse
médico ao fato de este ter exercido a medicina, parece reforçar a fé na
sua capacidade de curar os doentes (e talvez também na confiança com
relação à medicina científica). No contexto da pesquisa, as pessoas fazem
constantemente uma ligação entre o nível de instrução de Camilo
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Salgado – o exercício da profissão médica – e a possibilidade de este
fazer milagres.
A partir desses fatos, surgem alguns elementos importantes: os
devotos de Camilo Salgado procuram também a chamada medicina
científica; só que, além de utilizá-la, não abrem mão do apoio espiritual
de alguém que foi médico e que agora é considerado como santo.
Portanto, há aqui um interessante trânsito da medicina à prática religiosa,
e vice-versa; e, apesar de em um relato uma devota do médico dizer que
acreditava mais na possibilidade de cura advinda desse mundo espiritual,
pode-se dizer que no geral, a “fé” é um elemento presente nas duas
possibilidades de cura.
Assim, o olhar do pesquisador sobre o culto a esse médico se volta
exatamente pela possibilidade de pensar essa relação entre medicina e
religião, já que, integrante que foi em vida de uma medicina científica, o
doutor Camilo Salgado agora atua por via espiritual, se assim podemos
referir, no restabelecimento da saúde – ou na solução de outros
problemas – de seus “devotos-pacientes”.
Nas pesquisas referentes à questão saúde/doença, o antropólogo
François Laplantine, nos legou importantes reflexões a respeito das
relações entre doença e sagrado, medicina e religião. No que diz respeito
a esse segundo aspecto, uma frase sua merece atenção: “não existem
práticas puramente ‘médicas’ ou puramente ‘mágico-religiosas’”.29 O
autor faz a defesa de que, na prática, tanto os doentes como os médicos
buscam referências na ciência médica e na religião, quando o caso é a
busca de cura para suas doenças. Por seu turno, as religiões utilizam um
discurso “médico” ao exortar seus fiéis na busca da saúde em seus cultos
de cura.
Para Laplantine, há elementos religiosos no discurso do saber
médico. Este não anuncia a salvação após a morte, como as religiões,
mas em seu discurso pretende proporcionar saúde absoluta ainda nesta
vida. A medicina fala de uma situação de “‘completo bem-estar físico,
mental e social’, ou seja, de juventude, beleza, força, serenidade,
felicidade e paz, em suma, de promessas de salvação comuns a todas as
grandes religiões”.30 Assim, a medicina incute fé nas pessoas, a fé na cura
de todas as enfermidades e sofrimentos, e sua missão é religiosa no
sentido de que “a medicina é irmã da religião e da moral; seu ministério,
Revista Estudos Amazônicos • 61
todo benevolência e humanidade, inspira-lhe todos os deveres, atribuilhe todos os direitos de um sacerdócio”.31
A crença na capacidade “sagrada” da medicina em curar o ser
humano de todas as enfermidades, discutida por Laplantine, permite
refletir sobre a já enfatizada fé das pessoas na capacidade de cura que
Camilo Salgado, por ser médico (esse é o termo usado pelos devotos: ele
não “foi”, ele “é” médico) teria mesmo depois de morto. Aqui também
evocamos o autor de Antropologia da Doença:
[a] relação privilegiada que a medicina mantém com o
sagrado não é necessariamente velada dentro do ponto de
vista da própria medicina, pelo menos por parte de um
grande número de médicos, e o tema do médico com coração
de ouro, capaz de operar milagres, está longe de pertencer apenas ao
gênero da ficção.32
Camilo Salgado parece estar inserido nessa lógica, pois, como vimos
acima, teria exercido com esmero e dedicação a medicina, além de ser
uma pessoa de notável bondade e dedicação aos pobres. Pode-se dizer,
com base nas teses de Laplantine, que a santidade atribuída a esse
médico advém igualmente dessa característica do saber médico de ser
sagrado e pregar a “salvação” do ser humano.
Não se pode esquecer, por outro lado, a questão da competência
técnica atribuída a este homem, e que proporcionou a salvação de muitas
vidas. Vejamos este relato obtido de um jornal de nossa cidade:
Para Tereza Souza, 51 anos, a visita ao túmulo do médico
Camilo Salgado é motivo de grande emoção. ‘Ele operou
meu pai duas vezes, quando ele tinha 40 anos, e nenhum
médico sabia o que ele tinha ao certo. Depois das duas
cirurgias meu pai ficou bom, vindo a falecer com 90 anos’,
disse Tereza, emocionada.33
Aliás, na biografia que escreve sobre Camilo Salgado, o também
médico Clóvis Meira declara que esse médico, por sua inteligência e
capacidade, era “surpreendente para o tempo em que viveu”34 ou seja,
um homem que estava à frente de sua época. Não são assim também
considerados os santos?
Não é importante discutir aqui se os feitos atribuídos a Camilo
Salgado são mitos ou informações fidedignas; é mais importante pensar
que na biografia dos santos existem sempre referências a realizações
extraordinárias que estes fizeram em vida, verdadeiros milagres que
62 • Revista Estudos Amazônicos
provocaram espanto nas outras pessoas. E mesmo que isso não seja
comprovado, tais realizações são incorporadas na mentalidade coletiva,
compondo uma imagem da pessoa em questão como ser sagrado, íntegro
e, no caso de Camilo Salgado, capaz de curar doenças.
A “canonização” do saber médico e dos médicos
“O espírito de caridade distingue a profissão
médica de todas as demais, pois seu objetivo está
sempre voltado para oferecer ao homem a
prevenção, o alívio e a cura dos males que podem
atingi-lo”.
William Osler (1849-1919), médico canadense.
Sabe-se que o patrono dos médicos é São Lucas, referência a um dos
apóstolos de Cristo; no entanto, parece que esse processo de
“canonização” popular sobre aqueles que exercem a medicina não vem
atravessando de modo uniforme todas as épocas históricas de que temos
conhecimento. Na idade média, por exemplo,
[O] médico (ou seu equivalente) não lutava contra a
doença ou contra a morte. Não se pensava em absoluto
que a função do médico pudesse ser a de salvar a vida ou
de prolongá-la. Ao contrário, jamais se imaginaria no
contexto medieval que o médico devesse se contrapor aos
desígnios divinos e interferir no fluxo espontâneo do viver
e do morrer. Seu papel era transformar essa cerimônia em
coisa factível, mantendo a dor mais ou menos sob
controle, possibilitando uma certa consciência, lucidez e
bastante serenidade à pessoa que partia, com o fito de
permitir, tanto quanto possível, que a cerimônia de morrer
pudesse ter lugar.35
No entanto, em nosso atual contexto histórico, acredita-se na
capacidade e na esperança de que os médicos sejam capazes de curar
nossas mais variadas doenças, e inclusive, como vimos, de adiar a morte.
Dessa forma, o médico que se dedica com esmero à sua tão nobre
“profissão-missão”, não medindo esforços para minorar ou mesmo
eliminar o sofrimento alheio, tem a favor de si a possibilidade de ser
“canonizado” pelas pessoas que estão doentes. Se isso talvez seja
possível em vida, a morte muitas vezes é o elemento que promove essa
Revista Estudos Amazônicos • 63
mudança. Partindo do que já foi abordado anteriormente e das pesquisas
realizadas por outros profissionais indicados no início desse artigo, esse
parece ser o caso de Camilo Salgado, tido como um médico-santo por
aqueles que acreditam ter alcançado a cura por meio da atuação desse
médico direto do mundo dos mortos. Diante da pergunta sobre quem foi
Camilo Salgado, é muito comum ouvir-se que ele foi (e parece continuar
sendo) “um grande médico” que atendia os pobres, confirmando assim a
ênfase na capacidade curativa da medicina, nesse caso associada à
santificação de uma pessoa como Camilo Salgado.
Essa santidade foi bastante evidenciada na imprensa na ocasião em
que Camilo Salgado completaria seu centenário. Além de relembrar os
feitos importantes realizados pelo médico no que diz respeito à
instalação da Faculdade de Medicina, A Província do Pará o exalta como
“grande estimulador do progresso na terra”, além de seus atos caridosos,
“grande desprezo às coisas materiais, e um desprendimento fora do
comum”; aliado a essas qualidades, as matérias do jornal enfatizam
entrevistas realizadas com devotos do médico que vão a sua sepultura no
cemitério pedir graças e relatam curas alcançadas por intervenção de
Camilo Salgado, e que já o consideravam um santo em 1974. O jornal
enfatizava ainda o crescimento da devoção ao médico ao longo dos anos,
e que não se restringia a adultos e idosos, mas também a pessoas mais
jovens.36
O periódico citado acima apresenta-se como fonte de suma
importância para se analisar o crescimento e a continuidade do culto ao
médico, pois é justamente na década de 70 que começam a aparecer
referências a respeito de Camilo Salgado como um “santo popular”, o
que não ocorre em outras décadas anteriores, com exceção é claro, da
cobertura de sua morte, como já foi mostrado. Por outro lado, a
lembrança do centenário desse médico só demonstrava o quanto
continuava forte naquele momento a lembrança do homem bom e
caridoso, que mesmo depois de morto não deixou de ser procurado pela
população no cemitério de Santa Isabel.
O processo de santificação de médicos vem sendo detectado já há
algum tempo na América Latina, no que o pesquisador Duncan Pedersen
chama de “medicalização dos cultos curativos”. Este termo é utilizado
por Pedersen para fazer referência ao grande número de médicos que
são cultuados em vários países latinos como grandes operadores e
64 • Revista Estudos Amazônicos
curadores, que, por sua competência, continuariam a exercer suas
profissões mesmo depois de mortos. Vejamos um trecho de seu artigo:
En estos cultos curativos se recombinan elementos
simbólicos de la imagen del ‘médico-héroe’, a par de la
imagen política de reformista social y la imagen divina del
santo popular, ofreciendo a la población de baja condición
socioeconómica la oportunidad de un contacto personal
más directo (y además gratuito) con lo divino y con lo
médico.37
De acordo com o autor, esse tipo de culto indicaria o prestígio e o
poder que as camadas populares atribuem à medicina moderna. Não
seria correto dizer que muitos aspectos dessa reflexão acima podem ser
verificados no culto que se presta a Camilo Salgado e a outros médicos
no cemitério de Santa Isabel? Os dados analisados ao longo deste artigo
parecem indicar que sim. Embora se possa discordar da afirmação de
Pedersen que essa forma de culto curativo é apanágio quase que
exclusivo de classes de baixa situação econômica.
Essa observação leva diretamente à discussão a respeito do acesso ou
não das pessoas aos serviços de saúde disponíveis para elas. Caso tenham
uma cobertura em termos de plano de saúde, ou mesmo um serviço
público eficiente as pessoas deixam de buscar ajuda junto ao além? Isso
não foi constatado no decorrer da pesquisa. Talvez a pobreza e o nãoacesso a um serviço de saúde eficaz seja um fator a ser considerado, mas
não pode ser tomado como elemento determinante na procura de saúde
por via religiosa.
Ao contrário, verificou-se que as pessoas que vão ao cemitério são
oriundas de diversos níveis econômicos, e de níveis educacionais que vão
do 1º grau ao curso superior, e que acorrem ao local para buscar a cura,
ou ao menos, o alívio de sua condição de doença, e apesar de apostarem
na medicina moderna, fazem um interessante cruzamento simbólico com
a crença em almas e santos que são capazes de fazer milagres, pois como
se pôde verificar ao longo deste artigo, não são todos os médicos
sepultados no cemitério de Santa Isabel que são qualificados de santos e
milagrosos, mas apenas alguns, sendo que Camilo Salgado é o mais
cultuado nesse conjunto.
Por outro lado, se pensarmos em uma perspectiva de longa duração,
pode-se observar que médicos já foram canonizados pela igreja católica,
demonstrando com isso o quanto medicina e religião se aproximam em
Revista Estudos Amazônicos • 65
alguns aspectos, apesar de suas diferenças. É o caso de São Lucas,
Cosme e Damião, João de Deus, Antônio Maria Zacaria, para ficar nos
mais conhecidos. No século 20, médicos que se formaram em
universidades foram oficialmente canonizados, como os italianos José
Moscati e Ricardo Pampuri, além do francês Desiré Laval.38 Em período
recente, Gianna Beretta Molla, médica que lutava contra o aborto, foi
beatificada em 1994.39 Com base nessas considerações, pode-se dizer que
o Dr. Camilo Salgado é herdeiro de uma longa tradição.
Epílogo: o culto ao médico e algumas hipóteses
Alergia, artrite, problemas renais, partes do corpo quebradas em
acidentes, doenças respiratórias, cirurgias, situações de desequilíbrio
emocional provocadas por difíceis relações familiares, crises conjugais,
doenças do útero, câncer. Essas são algumas doenças e situações que
normalmente são encontradas quando se investiga as fontes
documentais, literárias ou jornalísticas, ou ainda na conversa com os
devotos de Camilo Salgado que fazem culto semanal ou anual a ele no
cemitério de Santa Isabel.
Como foi constatado, o médico, apesar de ter sido cirurgião, é
considerado milagroso por ter solucionado problemas os mais variados,
e que extrapolam a área do “operador.” Apesar disso, a pesquisa revela
que as cirurgias constituem a especialidade do médico, pois vários
entrevistados também disseram invocar o nome de Camilo Salgado
quando estavam doentes e necessitavam de cuidados médicos, ou seja,
iam ser operados, ou corriam risco de vida e precisavam de cirurgia.
Alguns devotos inclusive contam histórias sobre a aparição desse médico
em hospitais, como a Beneficente Portuguesa e o Hospital Adventista de
Belém, para realizar cirurgias diversas nos doentes, como se fosse um
médico vivo. Narrativas que indicam a construção da memória sobre
esse médico que extrapolam o espaço do cemitério e remetem a locais
onde este atuou, o que leva a reflexão acerca da circularidade dos mitos e
da permanência destes em espaços determinados da cidade; sugerem
também outros campos de pesquisa para além do cemitério de Santa
Isabel.
Não obstante, algumas pessoas vão a sua sepultura não para pedir a
cura imediata de uma doença, mas simplesmente para orar e pedir
66 • Revista Estudos Amazônicos
proteção contra algum mal, para permanecerem gozando de plena saúde
física e emocional. É, como se pode ver, uma atitude preventiva.
Os devotos do Dr. Camilo Salgado são de faixas etárias diferenciadas,
que vão dos 18 aos 70 anos, sendo que há realmente um número maior
de pessoas adultas do que jovens. Desse grupo, tem-se uma
predominância de mulheres. Isto ficou bastante evidenciado nas
entrevistas (a maior parte de informantes é do sexo feminino) e no
acompanhamento do grupo que realiza a “corrente”, onde as mulheres
são maioria.
As práticas rituais utilizadas para invocar o poder milagroso do
médico, que foram descritas acima, não deixam de ter um efeito positivo
sobre a vida desses devotos, que passam a acreditar cada vez mais na
consecução de seus objetivos, por mais distantes que estes pareçam. E,
lembrando o antropólogo Claude Lévi-Strauss, podemos dizer também
que a crença na cura ou alívio de uma doença muitas vezes só se torna
possível porque a pessoa doente acredita na cura e a comunidade a que
pertence também acredita40, e isso pode ser atestado pelas inúmeras
placas de agradecimento que se pode encontrar ao redor do túmulo do
médico-santo, indicadores do caráter coletivo do culto.
Assim, ao “canonizar” esse médico (e os outros) os seus devotos, de
modo consciente ou não, parecem também estar depositando
simbolicamente a sua fé na medicina científica, embora vinculada à
atribuída santidade desse homem, que, como vimos, vem sendo
construída desde a época em que, vivo, exercia essa profissão.
É bastante plausível a hipótese de que o prestígio que o Dr. Camilo
Salgado alcançou como um homem considerado santo esteja relacionado
com a época em que atuava como médico em uma região que até hoje
carece de maiores recursos no que se refere a atendimento médico e
carência de profissionais. O fato de ter ido estudar em outros centros
mais adiantados do Brasil e da Europa (mais especificamente na França)
e a chegada trazendo para cá todo um cabedal de conhecimentos, a
atuação como clínico e cirurgião que prestaria serviços gratuitamente
para os amigos e os pobres, além das inúmeras epidemias que assolaram
a capital paraense no final do século XIX e primeiras décadas do século
XX, como febre amarela, tuberculose, varíola, hanseníase41, entre outras
moléstias que provocavam preocupação e medo na população,
Revista Estudos Amazônicos • 67
constituem fatores que podem estar relacionados à “canonização” de
Camilo Salgado.
Aliado a isso, não se pode desconsiderar que, com a fundação de
associações que congregavam os profissionais da medicina em nossa
capital (como foi o caso da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará), a
divulgação e constituição de uma imagem positiva do médico, o “herói
da cura”, eram artifícios de que estas lançavam mão, na luta que a
medicina científica empreendia contra as medicinas populares,
principalmente a pajelança. Como parte dessa estratégia, Figueiredo
observa que o Dr. Camilo Salgado foi homenageado em seu aniversário
por seus amigos, em 1904, com a divulgação de um pequeno jornal que
enfatizava sua importância e seus feitos para a consolidação da medicina
científica da época.42
Dessa forma, com a consolidação de sociedades e faculdades de
medicina em Belém do Pará, a figura do médico passou sem dúvida a ser
valorizada como aspecto importante da sedimentação desses
profissionais enquanto classe, como mostra Rodrigues, e os nomes de
Camilo Salgado e outros contemporâneos seus sobressaíram43; mas no
que diz respeito ao tema desse artigo, que é a constituição da figura de
um médico-santo, parece que Camilo Salgado passou realmente à frente
de médicos como Penna de Carvalho, Acylino de Leão, Ophir Loyola,
Cruz Moreira, Jayme Aben-Athar, Veiga Cabral, Renato Chaves, Silva
Rosado, entre outros. Muitos dos quais hoje emprestam seus nomes a
hospitais, clínicas, ruas, mas não são consideradas figuras milagrosas, ao
menos no espaço do cemitério Santa Isabel. Não é possível, no
momento, afirmar se há relatos de atuação desses médicos em sessões
espíritas ou mesmo em rituais de religiões de matriz africana.
Hoje, no início do século XXI, pessoas que vêm dos mais distantes
bairros de Belém para rezar junto à sepultura de Camilo Salgado no
cemitério de Santa Isabel o têm como um símbolo de pessoa que exerceu
a medicina de forma desapegada e agora, como afirma um devoto, faz de
seu túmulo um “consultório” médico para atender os doentes que vão
até ele. Assim, é pertinente afirmar que, para quem cultua os mortos
naquele campo santo, Camilo Salgado é, simbolicamente, uma referência
no campo da saúde a quem todos podem recorrer nas dificuldades e
incertezas. A “saúde”, aqui, também é vista por outro prisma,
incorporando concepções, mitologias, crenças…
68 • Revista Estudos Amazônicos
Mesmo com as transformações e avanços da medicina científica, a
disseminação de medicamentos cada vez mais eficazes no combate às
doenças, o aumento do número de profissionais qualificados para o
exercício da medicina, a devoção a esse “santo” permanece presente na
paisagem histórica e cultural de Belém do Pará, revelando a construção
de um além alternativo, povoado de pessoas comuns, canonizadas pela
população e que se agrega ao corpo de santos e santas oficializados pela
igreja. Essa característica é bastante recorrente na vida brasileira, como
mostram as pesquisas comentadas no início deste artigo.
O culto ao médico reflete, ainda, uma das diferentes formas de
expressão da religiosidade amazônica, ao combinar elementos do ritual
católico, das idéias oriundas do espiritismo, ao valorizar os “curadores”
da carne e do espírito, e das várias religiões de matriz africana.
Artigo recebido em setembro de 2010
Aprovado em dezembro de 2010
Revista Estudos Amazônicos • 69
Notas
* Historiador e antropólogo, pesquisador do Departamento de Patrimônio
Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC) da Secretaria de Estado de Cultura do
Estado do Pará. Autor da dissertação intitulada Médico de ontem e de hoje: ciência, fé e
santidade no culto a Camilo Salgado (1874-1938) em Belém do Pará, defendida pelo
autor na Universidade Federal do Pará, em 2004.
1
O historiador Jean-Claude Schmitt, pesquisando a respeito das relações entre vivos
e mortos na época medieval, mostra como a Igreja definiu a segunda-feira como um
dia ideal para rezar para as almas que sofriam no inferno e no purgatório, pois
segundo se pensava, o ritmo das almas era parecido com os dos homens no que se
refere ao calendário semanal. Acreditava-se que o sofrimento daquelas ganhava um
descanso na noite de sábado para domingo e reiniciava na noite de domingo para
segunda; sendo assim, seria preferível rezar por elas no momento em que
recomeçava seu suplício. Desse modo, começou um movimento na Europa
Ocidental para visitar toda segunda-feira os cemitérios, rezando nos túmulos e
mandando oferecer missas para os mortos, tradição essa que, como vemos se
espalhou para outros locais. Cf. SCHMITT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na
sociedade medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 197-98.
2
Cf. O Liberal, terça-feira, 3 de novembro de 1987, p. 7.
3
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001.
4
BROWN, Peter. Le Cult des saints: son essor et sa fonction dans la chrétienté latine .
Paris: Les Éditions Du Cerf, 1984.
5
DA MATTA, Roberto. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no
Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 2003, p. 158.
6 FRADE, Maria de Cáscia. “Santo de Casa faz milagre”. Comunicações do Iser, ano 3,
nº 9 (agosto de 1984); FRADE. Santa de casa: a devoção a Odetinha no cemitério São
João Batista. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Antropologia, Museu
Nacional, 1987.
7 SCHNEIDER, Marília. Memória e História (Antoninho da Rocha Marmo): misticismo,
santidade e milagre em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz, 2001.
8 FREITAS, Eliane Tânia Martins de. “Violência e sagrado: o que no bandido
anuncia o santo?”. Ciências Sociais e Religião, ano 2, nº 2 (2000); FREITAS. Memória,
Ritos Funerários e Canonizações Populares em dois Cemitérios no Rio Grande do Norte. Rio de
Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia, IFCS/Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2006.
9
FAGUNDES, Antônio Augusto. As Santas prostitutas: um estudo de devoção
popular no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 2003.
70 • Revista Estudos Amazônicos
10
CALAVIA SÁEZ, Oscar. Fantasmas Falados: mitos e mortos no campo religioso
brasileiro. Campinas/SP: Ed. da UNICAMP, 1996.
11
Cito ainda alguns trabalhos importantes, alguns já clássicos: BRANDÃO, Carlos
Rodrigues. Os deuses do povo. São Paulo: Brasiliense, 1980; MARTINS, José de Souza
(org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983; ZALUAR,
Alba. Os homens de deus: um estudo dos santos e das festas no catolicismo popular.
Rio de Janeiro: Zahar, 1983; SILVA, R.M.L. “O mito e o culto da escrava
Anastácia”. Cadernos do NEPES (1985); RONZELEN DE GONZÁLEZ, Tereza
Van. “Victor Apaza: La emergencia de un santo. Descripcion y analisis del proceso
de formacion de un nuevo culto popular”. América Indígena, vol. XLV, nº 4 (1985),
pp. 647-668; SCHMITT. Os vivos e os mortos na sociedade medieval; PAVÃO, Suelene
Leite. Imaginário dos trabalhadores da morte. Belém/PA: Dissertação de Mestrado
apresentada ao Mestrado em Sociologia, Universidade Federal do Pará, 2002.
12 Cf. COSTA, Éden Moraes. Médico de ontem e de hoje: ciência, fé e santidade no culto
a Camilo Salgado (1874-1938) em Belém do Pará. Belém: Dissertação de mestrado,
Universidade Federal do Pará, 2004.
13 As informações a seguir foram retiradas do jornal Folha do Norte, quinta-feira, 3 de
março de 1938, p. 1; e de MEIRA, Clóvis. Medicina de outrora no Pará. Belém: Ed.
Grafisa, 1986, pp. 5-6 e 15-20.
14 BORDALO, Alípio Augusto Barbosa et. al. (orgs.). A Sociedade Médico-Cirúrgica e a
medicina no Pará. Belém: SMCP, 2002.
15
Ibidem.
16
Cf. Folha do Norte, quinta-feira, 3 de março de 1938, p. 1 (grifos do autor).
17
Cf. As colunas de: COLLARES, Júlio. “Uma nobre vida que desaparece”. Folha do
Norte, sexta-feira, 4 de março de 1938, pp. 1 e 3; e BUARQUE, Manuel. “Dr.
Camillo Salgado”. Folha do Norte, domingo, 6 de março, p. 7.
18
Cf. A Província do Pará, quarta-feira, 2 de novembro de 1983, p. 14.
19
Cf. MEIRA. Medicina de outrora no Pará, pp. 243-246.
20
Cf. Folha do Norte, quinta-feira, 3 de março de 1938, p. 1.
21
Entrevistada em 6 de fevereiro de 2003. Os nomes dos entrevistados são fictícios.
22
Entrevistada em 2 de novembro de 2002.
23
Entrevistada em 29 de maio de 2002.
24
Entrevistada em 14 de outubro de 2002.
25 Segundo o historiador francês Jacques Le Goff, no mundo ocidental essa prática
teria sido instituída no século IX, por iniciativa dos monges da Ordem de Cluny, na
França, com o objetivo de preservar a memória dos mortos daquela comunidade; tal
Revista Estudos Amazônicos • 71
costume se espalhou para outras regiões da Europa Ocidental e posteriormente do
mundo. Para maiores detalhes, consultar LE GOFF, Jacques. “Memória”. In:
História e Memória. Campinas: EdUNICAMP, 1996, p. 448.
26
Cf. MINAYO, Maria Cecília de Souza. “Representações da cura no catolicismo
popular”. In: ALVES, Paulo César & MINAYO, Maria Cecília de Souza (orgs.).
Saúde e Doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994, p. 61.
27
RABELO, Miriam Cristina M. “Religião, ritual e cura”. In: ALVES & MINAYO
(orgs.). Saúde e Doença, pp. 47-56.
28
O termo foi usado por LOYOLA, Maria Andréa. “Medicina Popular”. In:
GUIMARÃES, Reinaldo (org.). Saúde e Medicina no Brasil. Rio de Janeiro: Graal,
1978; e por MAUÉS, Raymundo Heraldo. A Ilha Encantada: Medicina e Xamanismo
numa comunidade de pescadores. Belém: Universidade Federal do Pará, 1990; e que
nesses casos, indica aquela medicina que é exercida por pessoas que têm formação
acadêmica e dispõem de autorização legal para exercê-la. Distingue-se da Medicina
Popular que mistura elementos da medicina científica com rituais religiosos,
curandeirismo, ervas medicinais, entre outros.
29
Cf. LAPLANTINE, François. Antropologia da Doença. São Paulo: Martins Fontes,
1986, p. 217.
30
Ibidem, p. 243.
31
Ibidem, p. 244.
32
Ibidem (Grifo do autor).
33
Cf. A Província do Pará, sexta-feira, 03 de novembro de 2000, p. 8.
34
Cf. MEIRA, Clóvis. Médicos de outrora no Pará. Belém/Pa: Ed. Grafisa, 1986, pp.
71-73.
35
Cf. RODRIGUES, José Carlos. O corpo na história. Rio de Janeiro: FIOCRUZ,
1999, p. 124.
36
Cf. “Camilo Salgado, o médico e o santo”. A Província do Pará, 1º caderno,
segunda-feira, 20 de maio de 1974, p. 1.
37
Cf. PEDERSEN, Duncan. “Curanderos, divinidades, santos y doctores:
elementos para el análisis de los sistemas médicos”. América Indígena, vol. XLIX, nº 4
(1989), p. 650.
38
Cf. STERPELONE, Luciano. Os santos e a medicina. São Paulo: Paulus, 1998, pp.
97-103.
39
Cf. GIANNINI, Sérgio Diogo. Santos médicos, médicos santos. São Paulo: Editora
Panda, 2004, pp. 85-93.
72 • Revista Estudos Amazônicos
40
Para uma interessante reflexão a respeito, consultar LÉVI-STRAUSS, Claude. “O
feiticeiro e sua magia” e “A eficácia simbólica”. In: Antropologia Estrutural. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970. Também são importantes os trabalhos de
DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins
Fontes, 2000; e MAUSS, Marcel. “Esboço de uma teoria geral da magia”. In:
Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974, vol. I; obras clássicas que
refletem sobre as crenças construídas coletivamente e sua influência na sociedade.
41
Para uma visão de contexto, referente a questão das doenças e da saúde pública
em Belém, em plena Belle-Époque, ver os trabalhos de SARGES, Maria de Nazaré.
Belém: Riquezas produzindo a Belle Époque. Belém: Paka-Tatu, 2002; e AMARAL,
Alexandre Souza. Vamos à vacina? Doenças, saúde e práticas médico-sanitárias em
Belém (1904 a 1911). Belém: Dissertação de Mestrado em História Social da
Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2006.
42
FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. “Anfiteatro da cura: pajelança e medicina na
Amazônia no limiar do século XIX”. In: CHALHOUB, Sidney et al. (orgs.). Artes e
ofícios de curar no Brasil. Campinas: EdUNICAMP, 2003.
43
RODRIGUES, Sílvio Ferreira. Esculápios tropicais: A institucionalização da
medicina no Pará, 1889-1919. Belém: Dissertação de Mestrado em História Social da
Amazônia, Universidade Federal do Pará, 2008.
Revista Estudos Amazônicos • 73
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De médico e santo popular: a devoção ao doutor Camilo