4 Desenvolvimento Clínico da Rivaroxabana e Prevenção de TEV em Cirurgia Ortopédica Dr. Winston Yoshida | CRM-SP 18.666 Dr. Rogério Fuchs | CRM-PR 6.294 Apoio Realização O Programa de Educação Continuada Excellence TEV é um evento de educação médica a distância, dividido em seis módulos e compostos cada um por uma aula apresentada via web e um fascículo impresso. Este evento está cadastrado na Comissão Nacional de Acreditação (CNA) sob o número 28.376 e oferece 10 créditos para obtenção do Certificado de Atualização Profissional (CAP) nas especialidades de Angiologia, Cirurgia Vascular, e Hematologia e Hemoterapia. Cada módulo possui uma prova on-line com questões de múltipla escolha. Para acessá-la é necessário entrar no site www.excellencetev.com.br e cadastrar-se. Para a obtenção da pontuação total, o participante deve acertar 70% ou mais dos testes apresentados, somando-se todos os módulos do Programa de Educação Continuada Excellence TEV. 4 Desenvolvimento Clínico da Rivaroxabana e Prevenção de TEV em Cirurgia Ortopédica Sumário 4 Desenvolvimento (Fases I e II) - Dados de Farmacocinética e Farmacodinâmica Dr. Winston Yoshida 10 Prevenção de Tromboembolismo Venoso após Cirurgia Ortopédica Dr. Rogério Fuchs Dr. Winston Yoshida CRM-SP 18.666 Professor Titular de Cirurgia Vascular da Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista (UNESP) Desenvolvimento (Fases I e II) Dados de Farmacocinética e Farmacodinâmica Objetivos dO aprendizado Este capítulo visa apresentar o processo de desenvolvimento de novas moléculas anticoagulantes, assim como as perspectivas de novos anticoagulantes promissores em vários estágios de desenvolvimento, com seus respectivos sítios de ação na cascata da coagulação. Principalmente, espera-se que o leitor conheça os principais aspectos farmacológicos e resultados de estudos Fase I e Fase II do desenvolvimento da rivaroxabana. Introdução Nos últimos 12 anos houve considerável avanço no campo da pesquisa de novos agentes anticoagulantes. Até então, as principais drogas anticoagulantes disponíveis no mercado eram as heparinas não fracionadas (HNFs), as antivitaminas K (AVKs) e as heparinas de baixo peso molecular (HBPMs). A heparina foi descoberta por Mc Lean, em 1916, no fígado de cães e foi usada pela primeira vez clinicamente em 1928. Já as AVKs foram descobertas e patenteadas por Link em 1940, sendo usadas clinicamente a partir de 19541. Com base em pesquisas do laboratório do professor Carl Peter von Dietrich da Escola Paulista de Medicina, Bianchini e col.2, em 1985, observaram que o fracionamento da heparina em moléculas menores poderia dar-lhe maior biodisponibilidade, eficácia e segurança anticoagulante. Depois disso, diversos processos de fracionamento e vários tipos de HBPMs foram incorporados à prática clínica, corroborando a previsão dos pioneiros pesquisadores quanto a esses aspectos de eficácia e segurança das mesmas3. Essas drogas permaneceram por mais de 50 anos dominando o cenário do tratamento anticoagulante4. As HNFs tiveram indicações muito bem estabelecidas em tratamento do tromboembolismno venoso (TEV), síndromes coronarianas agudas e na anticoagulação plena em cirurgias cardíacas, vasculares e hemodiálise. Entretanto, tinham a limitação de serem de administração parenteral (IV/SC), necessitarem de controle laboratorial e poderem provocar trombocitopenia induzida por heparina, alopecia e osteoporose1. Além disso, a sua forma de produção derivada de produtos biológicos já teve problemas no passado com a contaminação por sulfato de dermatana5. As AVKs tiveram indicações estabelecidas em prevenção do acidente vascular cerebral (AVC) e do TEV. No entanto, apresentavam tempo de ação e de eliminação demorados, janela terapêutica estreita e grande interação com drogas e alimentos, o que tornava seu controle difícil6,7. 4 As HBPMs mostraram-se com maior biodisponibilidade e consequente doseresposta mais previsível, sem necessidade de controle laboratorial, sendo menos frequente com seu uso a ocorrência de trombocitopenia induzida pela heparina (TIH). Porém, a forma de administração mantinha-se parenteral (SC) e sua produção persistia de origem biológica. Por conta de suas propriedades, foram indicadas para prevenção e tratamento do TEV, na prevenção da síndrome coronariana, no tratamento do AVC trombótico e também para transplantes e câncer8. pontos-chave Como buscar novos anticoagulantes. Como processar novos anticoagulantes. Pesquisas pioneiras de Choay e col.9 levaram à síntese da sequência de pentassacárides da heparina com ação anticoagulante. Com o nome de fondaparinux, no final do século passado, várias pesquisas clínicas mostraram sua eficácia e segurança na prevenção e tratamento do TEV10. Embora sua aplicação fosse parenteral (SC), tinha a vantagem de não provocar TIH e ser de origem totalmente sintética. Quais são os novos anticoagulantes. Devido às limitações dos anticoagulantes disponíveis, muitos laboratórios lançaram pesquisas intensas na busca de um anticoagulante ideal, que seria aquele com: eficiência primária superior, ausência de interação com drogas ou dieta, possibilidade de diferentes vias de administração, grande biodisponibilidade, não atravessar barreira placentária, sem necessidade de controle laboratorial, não provocar trombocitopenia, ser de origem sintética, de fácil obtenção, baixo custo, não alterar enzimas hepáticas e ter antídoto11. Além disso, ser eficaz e seguro tanto na profilaxia quanto no tratamento. Resultados de estudos clínicos Fases I e II da rivaroxabana. Perfil farmacológico da rivaroxabana. No começo deste século foi introduzido um novo anticoagulante oral pelo Laboratório Astra-Zeneca, denominado de ximelagatrana12. Tratava-se de molécula pequena, a qual uma vez absorvida dava origem no organismo à melagatrana, com ação antitrombínica direta. Esse produto passou por todas as fases de desenvolvimento, foi aprovado pelas agências reguladoras internacionais, mas devido ao comprometimento hepático confirmado já em Fase IV (farmacovigilância), foi retirado do mercado logo após o lançamento no Brasil12. A partir daí várias empresas farmacêuticas fizeram sucessivos esforços em testar novos anticoagulantes orais, dentre os quais atualmente estão em fases avançadas nos estudos clínicos11: a dabigatrana (Boeringer Ingelhein), a apixabana (Bristol Meyer Squibb e Pfizer), a edoxabana (Daiichi-Sankio), a betrixabana (Portola), a otamixabana (Sanofi), a YM-150 (Astellas), a TAK-442 (Takeda), a aZD-0837 (Astra-Zeneca), a MCC977 (Mitsubishi) e a rivaroxabana (Bayer), que será objeto deste capítulo. Como buscar novas moléculas? A fonte de inspiração costuma ser a natureza13. A heparina foi descoberta a partir de fígado de cães e a AVK no vegetal trevo-doce (Melilotus officinalis). Carrapatos, sanguessugas, ancilostomídeos, entre outros, deram origem a novas ideias de moléculas anticoagulantes1. A partir daí, uma biblioteca de mais de 200.000 moléculas é criada por programas computacionais e elas são individualmente sintetizadas. Através de sistema de robótica, cada uma delas é testada in vitro quanto ao potencial anticoagulante. As selecionadas seguem para testes em animais, para se avaliar toxicidade, farmacodinâmica e farmacocinética. Dentre as poucas remanescentes, uma é escolhida para testes em humanos. Esses testes seguem uma sequência de fases, 5 sendo: Fase I, testes em voluntários normais (farmacodinâmica e farmacocinética); Fase II, testes de escalonamento de doses em pequeno grupo de pacientes; Fase III, de estudos randomizados em grande contingente de pacientes e Fase IV, de farmacovigilância após introdução no mercado. Esse processo todo demora cerca de 10 anos e tem custo aproximado de dois bilhões de reais14. Os resultados de testes Fase I e Fase II da rivaroxabana serão então objeto deste capítulo. Perfil farmacológico da rivaroxabana A rivaroxabana é uma molécula derivada da oxazolidinona, que inibe diretamente o fator Xa, sem a necessidade de cofatores. Por ser pequena (com massa molar de 435,85 g.mol-1), inibe o fator Xa tanto no plasma como no trombo15. Figura 1 – Concentração plasmática da rivaroxabana em voluntários normais. A rivaroxabana atinge níveis plasmáticos em aproximadamente três horas, com meia-vida de quatro a nove horas. Sua biodisponibilidade é de 80%, tem pouca interação medicamentosa, e não tem interferência com a dieta em sua absorção. No plasma liga-se a proteínas plasmáticas (92%), sendo 2/3 metabolizados sem deixar nenhum metabólito ativo16. Aproximadamente 1/3 da droga é eliminada como princípio ativo pelos rins. Da fração metabolizada, ½ é eliminado pela urina e ½ nas fezes (Figura 1). A rivaroxabana prolonga os tempos de coagulação (TTPa e TP)16, sua absorção é rápida e se faz sem acumulação em doses sucessivas17 (Figura 2). Figura 2 – Ausência de efeito cumulativo com doses sucessivas de rivaroxabana. Interação medicamentosa Em voluntários saudáveis, a rivaroxabana não sofreu interação medicamentosa com o anti-inflamatório não hormonal (AINH) (naproxeno – 500 mg)18. Não alterou parâmetros de atividade plaquetária e de coagulação, exceto um discreto prolongamento do tempo de sangramento18. 6 Da mesma forma, a administração concomitante de rivaroxabana com aspirina, não provocou alteração na agregação plaquetária em voluntários normais19. A associação com o clopidogrel não afetou significativamente a agregação plaquetária em voluntários normais. O uso concomitante da rivaroxabana com enoxaparina pôde ser feito com segurança tanto juntos como sequencialmente em voluntários saudáveis. Em voluntários normais, houve aumentos significativos dos efeitos de farmacodinâmica da rivaroxabana, e potencial risco elevado de sangramento com a administração concomitante de inibidores do CYP3A4 e glicoproteína-P (gp-P), sendo, portanto, contraindicado o uso de rivaroxabana junto com antimicóticos azólicos (cetoconazol) e inibidores da protease do HIV (ritonavir)19. Por outro lado, o uso concomitante com outros indutores potentes do CYP3A4 como fenitoína, carbamazepina, fenobarbital ou erva-de-são-joão provocou diminuição da concentração plasmática da rivaroxabana. Estudos feitos em voluntários saudáveis mostraram ausência de interação com midazolam (substrato do CYP3A4), digoxina (substrato da glicoproteína-P) e atorvastatina (substrato de ambas)19. Rivaroxabana em populações especiais Em sujeitos saudáveis não houve diferença clínica ou laboratorial relevantes com a administração de rivaroxabana em homens e mulheres jovens ou idosos20. A concentração plasmática de rivaroxabana também não se modificou em função do peso corporal de voluntários normais21. Pacientes com insuficiência renal grave (clearance de creatinina < 30 mL/min) não devem receber a rivaroxabana, pois 1/3 do fármaco é excretado diretamente pelos rins. Os estudos feitos em sujeitos voluntários com alteração da função renal, mostraram aumento da concentração plasmática da rivaroxabana e aumento no tempo de protrombina inversamente proporcionais ao clearance da creatinina22. A administração de rivaroxabana pode ser feita para uma grande gama de variações de idade e peso dos pacientes, sem afetar significativamente a margem de concentração máxima da droga, em relação a um paciente médio23 (Figura 3). Figura 3 – Concentração máxima da rivaroxabana em ampla variedade de situações clínicas, com variação de peso, idade e função renal dos pacientes. 7 Em pacientes com comprometimento hepático leve, a rivaroxabana não teve alterações significativas na sua concentração máxima nem provocou alterações importantes no tempo de protrombina em pacientes voluntários. Já nos pacientes com insuficiência hepática grave, houve alteração significante em ambos os parâmetros. Uma vantagem da rivaroxabana é que esta pode ser ministrada para pacientes que tomam antiácidos ou ranitidina, pois sua absorção não é alterada pelo pH do estômago. A presença de alimentos no estômago também não interfere em sua absorção. Estudos Fase II Os estudos de Fase II com escalonamento de doses da rivaroxabana para futura Fase III da profilaxia de TEV foram denominados de ODIXa e para tal foram recrutados pacientes com indicação cirúrgica de artroplastia de quadril e joelho. Com base nesses estudos foi selecionada a dose de 10 mg/dia de rivaroxabana 6 a 10 horas após a cirurgia24 (Figura 4). Figura 4 – Eficácia e segurança de várias doses de rivaroxabana em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas de grande porte. Conclusões • Fator Xa é um alvo altamente atraente para intervenção terapêutica. • A rivaroxabana é um inibidor direto, seletivo e competitivo do fator Xa. • Estudos de Fases I e II mostram que rivaroxabana tem perfis farmacocinético (PK) e farmacodinâmico (PD) previsíveis, com uma ampla janela terapêutica. • Rivaroxabana 10 mg não tem interação significativa com uma série de medicações concomitantes provavelmente usadas por pacientes adultos submetidos a substituição eletiva de quadril ou joelho, como AAS e AINH. • No que diz respeito à tromboprofilaxia em cirurgias ortopédicas de grande porte, uma dose fixa de 10 mg 1x/dia de rivaroxabana é adequada para uma vasta gama de pacientes adultos. 8 Referências 1. Haas S. 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Pharmacology and management of the vitamin K antagonists: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest. 2008;133:160S-198S. 8. Hirsh J, Bauer KA, Donati MB, Gould M, Samama MM, Weitz JI. Parenteral anticoagulants: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest. 2008;133:141S-159S. 9. Choay J, Petitou M, Lormeau JC, Sinay P, Casu B, Gatti G. Structure-activity relationship in heparin: a synthetic pentasaccharide with high affinity for antithrombin III and eliciting high anti-factor Xa activity. Biochem Biophys Res Commun. 1983;116:492-9. 10. Turpie AG, Bauer KA, Eriksson BI, Lassen MR. Fondaparinux vs enoxaparin for the prevention of venous thromboembolism in major orthopedic surgery: a meta-analysis of 4 randomized double-blind studies. Arch Intern Med. 2002;162:1833-40. 11. Yoshida RA, Yoshida WB, Rollo HA. New anticoagulants for the prophylaxis of venous thromboembolism. 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Ufer M. Comparative efficacy and safety of the novel oral anticoagulants dabigatran, rivaroxaban and apixaban in preclinical and clinical development. Thromb Haemost. 2010;103:272-585. 23. Mueck W, Borris LC, Dahl OE, Haas S, Huisman MV, Kakkar AK, Kalebo P, Muelhofer E, Misselwitz F, Eriksson BI. Population pharmacokinetics and pharmacodynamics of once- and twice-daily rivaroxaban for the prevention of venous thromboembolism in patients undergoing total hip replacement. Thromb Haemost. 2008;100:453-61. 24. Agnelli G, Gallus A, Goldhaber SZ, Haas S, Huisman MV, Hull RD, Kakkar AK, Misselwitz F, Schellong S. Treatment of proximal deep-vein thrombosis with the oral direct factor Xa inhibitor rivaroxaban (BAY 59-7939): the ODIXa-DVT (Oral Direct Factor Xa Inhibitor BAY 59-7939 in Patients With Acute Symptomatic Deep-Vein Thrombosis) study. Circulation. 2007;116:180-7. 9 Dr. Rogério Fuchs CRM-PR 6.294 Médico Ortopedista do Hospital Novo Mundo – Curitiba/PR Médico Voluntário do Grupo de Joelho/Quadril do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná Prevenção de Tromboembolismo Venoso após Cirurgia Ortopédica Objetivo dO aprendizado Prevenção real e efetiva do tromboembolismo venoso após cirurgia ortopédica. A s cirurgias ortopédicas de grande porte, que incluem as artroplastias totais do quadril (ATQ), as artroplastias totais do joelho (ATJ) e as fraturas do 1/3 proximal do fêmur, são muito comuns e tendem a aumentar com o passar dos anos; principalmente as artroplastias, pois segundo estudos americanos as ATJ devem passar de um milhão/ ano após 2016 e de 3,5 milhões/ano em 20301-2. Essas cirurgias apresentam resultados muito satisfatórios no alívio da dor, melhora da função e promovem expressivo aumento na qualidade de vida dos pacientes. Esses procedimentos são gratificantes, porém eles são associados com riscos de morbidade e mortalidade decorrentes de fenômenos tromboembólicos venosos (TEV) – desde trombose venosa profunda (TVP) até embolia pulmonar (EP) –, levando a queda da qualidade de vida e mesmo a risco de vida. O TEV pode ser prevenido, porém os estudos divulgados nos últimos anos nos mostram que em torno de 50% dos pacientes submetidos a cirurgia ortopédica de grande porte não recebem profilaxia adequada3. Mesmo que o interesse na prevenção tenha aumentado mais recentemente, ainda precisa melhorar para atingir níveis mais satisfatórios, podendo salvar muitas vidas. Estudos publicados, como o de Geerts e cols. 4 nos mostram taxas elevadas de TEV em pacientes submetidos a ATQ/ATJ sem profilaxia (Figuras 1 e 2). Figura 1 - TVP sem profilaxia Prevalência de TVP - cirurgia ortopédica SEM PROFILAXIA TVP TVP proximal Quadril 42-57% 16-36% Joelho 41-85% 5-22% Fx. Quad. 46-60% 23-30% Geerts WH, et al. Chest. 2008; 133: 381-453 10 Figura 2 - EP sem profilaxia Prevalência de EP - cirurgia ortopédica SEM PROFILAXIA Total Fatal Quadril 0,9-28% 0,1-2,0% Joelho 1,5-10% 0,1-1,7% Fx. Quad. 3-11% 0,3-7,5% Geerts WH. et al. Chest 2008. 133: 381-453 Outro detalhe importante a ser levado em conta é a ocorrência de TEV após a alta hospitalar, sendo que até três meses após a cirurgia ainda há risco de algum evento tromboembólico5. Cada dia mais, tem sido proposta a profilaxia estendida, principalmente nas ATQ. pontos-chave As cirurgias ortopédicas de grande porte dos membros inferiores (ATQ/ATJ/fraturas proximais do fêmur) apresentam ALTO RISCO para TEV, devendo ser usados métodos mecânicos e medicamentosos para a profilaxia. A prevenção é a chave para evitar o TEV. Os métodos mecânicos são tão importantes quanto os medicamentosos na prevenção do TEV. Esse tipo de complicação (TEV) pode ser prevenido na grande maioria dos casos, a fim de reduzir o impacto na qualidade de vida e morte, e também os custos sociais e econômicos após cirurgias ortopédicas. A avaliação e seleção dos pacientes que poderiam apresentar TEV se tornam pouco práticas, de difícil realização e com custos elevados. Por isso se recomenda a prevenção primária do TEV em todos os pacientes submetidos a cirurgia ortopédica de grande porte, uma vez que eles são considerados pacientes de alto risco para TEV. Fisiopatologia do TEV Há mais de 150 anos, Virchow6 demonstrou as condições que predispõem à formação e propagação de trombos, com sua tríade: fluxo sanguíneo (estase circulatória), parede do vaso sanguíneo (lesão da parede vascular) e os componentes de coagulação do sangue (estado de hipercoagulabilidade). Os componentes fisiopatológicos da tríade são (Figura 3): • fluxo sanguíneo: anormalidades na circulação e turbulência nos pontos de ramificação, vasos estreitos e estase venosa; • parede vascular: anormalidades do endotélio, como os processos ateroescleróticos que originam inflamação; • componentes da circulação sanguínea: anormalidades na função das plaquetas na coagulação e vias fibrinolíticas. Fatores de risco em cirurgia ortopédica Os pacientes cirúrgicos são estratificados em quatro níveis: baixo, moderado, alto e muito alto. Esses riscos são baseados na idade, tipo de cirurgia, duração da cirurgia, 11 duração da imobilização e outros fatores, de acordo com o American College of Chest Physicians (ACCP)7. • Risco BAIXO: duração da cirurgia menor que 30 minutos, abaixo de 40 anos, tratamento de fraturas menores; • Risco MODERADO: idade entre 40-60 anos, artroscopia ou tratamento de fraturas dos membros inferiores, uso de gesso no pós-operatório; • Risco ALTO: idade acima de 60 anos, ou idade entre 40-60 anos com fatores de risco adicionais para TEV, imobilização acima de quatro dias; • Risco MUITO ALTO: artroplastia do joelho e quadril, fratura do 1/3 proximal do fêmur, tratamento de fraturas expostas dos membros inferiores, traumas graves (politraumatizados, lesão da medula espinhal), ou múltiplos fatores de risco (maior de 40 anos, TEV prévio, câncer ou estado de hipercoagulabilidade). Acima podemos observar que as cirurgias ortopédicas maiores são consideradas de muito alto risco, com índices elevados de TEV se não forem usadas medidas profiláticas, tanto mecânicas como medicamentosas. As cirurgias menores, de baixo risco como artroscopia, não necessitam de profilaxia de rotina, a não ser que o paciente apresente algum outro fator de risco preexistente (Figura 4). Figura 3 - Tríade de Virchow Figura 4 - Fatores de risco – ACCP Risco de TEV em pacientes cirúrgicos: 8ª Guia da ACCP Cirurgia ortopédica → tríade de VIRCHOW - Liberação de fator tissular - Associação da posição e manipulação p/ proced. cirúrgico - Ativação de enzimas pró-coagulantes - Dano térmico - Cimento ósseo lial bili ula oag erc Nível de risco Fatores de risco Baixo • Cirurgia menor - pacientes ambulatoriais • Procedimentos médicos em pacientes completamente ambulatoriais - Torniquete ote end Hip no Da dad e - Inibição do sistema fibrinolítico endógeno pós-cirurgia Moderado • A maioria das cirurgias gerais, ginecológicas abertas ou urológicas • Procedimentos médicos em pacientes enfermos ou acamados Estase circulatória - Imobilidade durante procedimento cirúrgico Alto • Cirurgia de ATQ - ATJ (40 - 60 %) e fratura de 1/3 proximal do fêmur Ano 2016-ATJ 400-600.000 casos - Posição da extremidade durante a cirurgia - Torniquete • Trauma maior - Dano da medula espinhal - Anestesia -Falta de mobilidade no PO Adaptado de Geerts WH et al. Chest. 2008; 133: 381-453S Tromboprofilaxia Os estudos clínicos controlados e aleatórios publicados nos últimos 30 anos oferecem provas irrefutáveis de que a tromboprofilaxia reduz significativamente os riscos de TEV nos pacientes submetidos a cirurgia ortopédica de grande porte4-7. Se esperarmos que apareça algum sinal ou sintoma de TEV antes de iniciar o tratamento, haverá um incremento importante nos riscos de fenômenos graves que poderão levar a graves sequelas a longo prazo. As medidas profiláticas têm os seguintes objetivos: EVITAR: • TVP; • Síndrome pós-trombótica; • Hipertensão pulmonar crônica • EP (sintomática ou fatal). Métodos atuais de tromboprofilaxia Normalmente são utilizados dois métodos para a tromboprofilaxia: mecânico e farmacológico. Eles devem ser usados em 12 conjunto ou isolados, sendo que o ideal é o uso em conjunto. Porém, em casos de risco aumentado de hemorragia, devemos utilizar somente os métodos mecânicos, uma vez que o uso de medicamentos pode aumentar o risco de hemorragia. Os métodos mecânicos (Figuras 5 e 6) incluem exercícios no pós-operatório imediato, e deambulação com apoio o mais precoce possível, ou seja, deixar o paciente imobilizado o menor tempo possível. Podem ser usadas meias de compressão graduada e dispositivos de compressão intermitente. Todos esses detalhes aumentam o fluxo venoso e reduzem a estase dentro das veias dos membros inferiores. Apesar de esses meios terem sido estudados com menor frequência que os medicamentos, são muito importantes na prevenção do TEV. Figura 5 - Pós-operatório imediato Métodos mecânicos PRÁTICOS Figura 6 - Meios de compressão graduada e intermitente Métodos mecânicos • Medidas funcionais / mecânicas • APOIO precoce no PO imediato • Meias de compressão graduada (MCG) • Compressão pneumática intermitente (CPI) • Bombas de impulso venoso para pés (BVPs) Site AAOS Os métodos farmacológicos (anticoagulantes) agem em diferentes locais e formas na cascata de coagulação, por vias intrínsecas e extrínsecas. Os anticoagulantes mais utilizados na prevenção do TEV após cirurgia ortopédica de grande porte são: heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular (HBPM), fondaparinux, antagonistas da vitamina K, aspirina, e mais recentemente algumas novas medicações orais, como rivaroxabana, dabigatrana e apixabana (Figura 7). Até o surgimento dessas novas medicações orais, o anticoagulante mais utilizado no nosso meio era a HBPM, que se mostrou eficaz na prevenção do TEV e também com pequenas taxas de sangramento. Os estudos que levaram ao desenvolvimento dos novos anticoagulantes orais foram feitos sempre em comparação com a HBPM, que até então era considerada como padrão-ouro. Esses estudos procuraram encontrar os elementos que caracterizariam o anticoagulante “ideal”, ou seja: Geerts WH et al. Chest. 2008;133:381-453S Figura 7 - Cascata de coagulação com ação dos novos anticoagulantes TFPI NAPc2 FVIIai Via intrínseca XIIa XII Via extrínseca FT XI XIa X IX IXa VII VIIa/FT Xa Indirecta Fondaparinux Idraparinux Idraparinux biotinilado SR-123781 Protrombina Trombina Fibrinógeno Directa Rivaroxabán Apixabán DX-9065a DU-176b LY-517717 YM-150 Directa Lepirudina Bivalirudina Aragatrobán Etexilato de dabigatrán TGN-167 Fibrina (Fonte: Adaptado de Weitz e cols.8) 13 • administração oral, uma única vez ao dia; • características farmacocinéticas e farmacodinâmicas previsíveis; • ampla janela terapêutica; • sem necessidade de ajuste da dose; • sem necessidade de monitorização; • sem interação com outros fármacos ou alimentos. A rivaroxabana, que é um inibidor direto do fator Xa (Figura 8), mostrou preencher praticamente todos esses critérios acima para ser considerada um anticoagulante “ideal”. Figura 8 - Cascata de coagulação. Rivaroxabana – inibidor direto do fator Xa Inibidor direto do fator Xa - ORAL Iniciação Os estudos clínicos RECORD 1, 2, 3 e 4 para prevenção do TEV após cirurgias de ATQ e ATJ, demonstram sua eficácia com redução do risco relativo (RRR) de TEV em 58% quando comparada à enoxaparina (HBPM). Esses estudos também mostraram que os índices de sangramento foram semelhantes, sem nenhuma diferença estatisticamente significante9. Propagação Fator inativo Fator ativo Transformação Catálise Inibição direta do fator Xa: • Rivaroxabana • Apixaban • YM150 Trombina • Du-176b Formação do coágulo Fibrinógeno A rivaroxabana já está em uso em inúmeros países do mundo, com aprovação dos diversos departamentos reguladores como o europeu (EMEA), o do Canadá, Reino Unido (NICE), Brasil (ANVISA) e também dos Estados Unidos (FDA). Fibrina Num simpósio sobre TEV em cirurgias de artroplastia durante o congresso da Academia Americana de Ortopedia (AAOS) em 2009, diversos aspectos foram discutidos (Figura 9), com a apresentação de várias sugestões e recomendações de acordo com conceitos atuais na prevenção do TEV. Entre as recomendações, a rivaroxabana foi considerada como anticoagulante “ideal”, conforme mostra a Figura 10. Figura 9 - Simpósio AAOS (2009) Figura 10 - Simpósio AAOS (2009) Towards Improved Outcomes in joint replacement surgery Towards Improved Outcomes in joint replacement surgery Richard J. Friedman Richard J. Friedman • Existem muitos dados clínicos inapropriados na profilaxia de TVP/EP pós-ATQ/ATJ Novos anticoagulantes ORAIS? • Altos custos com o manejo de pacientes c/ TEV - 1x/dia / orais (sem injeções).......................................... SIM • Inconsistências significantes entre a prática clínica e as “recomendações“ publicadas - não necessitam monitoração (INR).............................. SIM - sem interação c/ drogas ou alimentos......................... SIM Eficácia igual ou superior................................................ SIM Perfis de segurança similares.......................................... SIM S/ monitoração - melhor custo / benefício.................... SIM • As deficiências das terapias atuais, criam espaço para novos agentes com: • Melhor eficácia • Melhor relação riscos/benefícios • Conveniência de dose/administração • Sem monitoração (AAOS-2009) RIVAROXABANA (AAOS-2009) Na literatura dos últimos anos10-17 podemos encontrar diversos estudos mostrando todos os detalhes das recomendações do ACCP e AAOS, bem como o uso e resultados das diversas modalidades de medicamentos atuais para a prevenção do TEV após cirurgia ortopédica. 14 Esses estudos evidenciam a necessidade da prevenção e nos orientam nos caminhos a seguir, sempre pensando no bem maior, que é o nosso paciente. Referências 1. Kurtz S, Mowat F, Ong K, Chan N, Lau E, Halpern M. Prevalence of primary and revision total hip and knee arthroplasty in the United States from 1990 through 2002. J Bone Joint Surg Am. 2005;87:1487-97. 2. Kurtz S, Ong K, Lau E, Mowat F, Halper M. Projections of Primary and Revision Hip and Knee Arthroplasty in theUnited States from 2005 to 2030. J Bone Joint Surg Am. 2007;89:780-5. 3. YuHT, Dylan ML, Lin J, Dubois RW. Hospitals’ compliance with prophylaxis guidelines for venous thromboembolism. Am J Health Sust Pharm. 2007;64:69-76. 4. Geerts WH, Bergqvist D, Pineo GF, Heit JA, Samama CM, Lassen MR, Colwell CW; American College of Chest Physicians. Prevention of venous thromboembolism: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest. 2008;133:381-453. 5. Ferri F. Ferri’s Clinical Advisor 2004: Instant diagnosis and treatment. 6th ed. St. Louis: Mosby, 2003. 6. Virchow R. Phlogose und Thrombose in Gera system. In: Virchow R, ed. Gesammelte Abhandlungunzur Wissenschaftichen Medicin. Von Meidinger Sohn. Frankfurt, 1856. 7. Geerts WH, Pineo GF, Heit JA, Bergqvist D, Lassen MR, Colwell CW, Ray JG. Prevention of venous thromboembolism: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest. 2004;126(3 Suppl):338S-400S. 8. Weitz Hirsh J, Samama MM. New anticoagulant drugs: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest. 2004;126:265S-286S. 9. Turpie AGG, et al. Blood. 2008;112(11):Abstract 35. 10. Lachiewicz PF. Comparison of ACCP and AAOS guidelines for VTE prophylaxis after total hip and knee arthroplasty. Orthopedics. 2009;32(12 Suppl):74-8. 11. Warwick D, Rosencher N. The “critical thrombosis period” in major orthopedic surgery: when to start and when to stop prophylasis. Clin Appl Thromb Hemost. 2010;16(4):394-405. 12. Pellegrini VD. DVT prophylasis: better living through chemistry: affirms. Orthopedics. 2010;33(9):642. 13. Sobjeraj DM, Lee S, Coleman CI, Tongbram V, Chen W, Colby J, et al. Prolonged versus standard-duration venous thromboprophylasis in major orthopedic surgery: a systematic review. Ann Intern Med. 2012;156(10):720-7. 14. Bosque J Jr, Coleman SI, Cesare P. Relationship between deep vein thrombosis and pulmonary embolism following THA and TKA. 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