Artigo Quim. Nova, Vol. 24, No. 1, 37-42, 2001. β-OL) EM SEDIMENTOS SUPERFICIAIS DISTRIBUIÇÃO DE COPROSTANOL (5β β (H)-COLESTAN-3β DA BAÍA DE GUANABARA: INDICADOR DA POLUIÇÃO RECENTE POR ESGOTOS DOMÉSTICOS Renato Carreira Departamento de Oceanografia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã, 20550-013 Rio de Janeiro - RJ Angela de L. Rebello Wagener Departamento de Química, Pontifícia Universidade Católica, Rua Marquês de São Vicente, 225, Gávea, 22453-900 Rio de Janeiro - RJ Timothy Fileman e James W. Readman Plymouth Marine Laboratory, Prospect Place, West Hoe, Plymouth, Devon, PL1 3DH, Reino Unido Recebido em 1/12/99; aceito em 11/7/00 THE IDENTIFICATION OF SEWAGE ADDITION TO GUANABARA BAY SURFICIAL SEDIMENTS AS INDICATED BY COPROSTANOL (5β(H)-CHOLESTAN-3β-OL) DISTRIBUTION. A critical evaluation is presented on the use of faecal sterols for the identification of sewage contamination in Guanabara Bay. Sediments were collected from 8 stations in the bay selected as representative of different contamination levels. GC/MS determination of faecal sterols gave: coprostanol, 335 - 40000 ng g-1; coprostanone, 112-4136 ng g -1; cholesterol, 1407-7800 ng g -1; cholestanol, 2011 - 10900 ng g -1 and cholestanone, 655-7954 ng g-1. The observed concentration is in accordance with the presence of known pollution sources, however, concentration ratios of different sterols species produced unclear results evidently influenced by primary production and microbial processes. Keywords: coprostanol; faecal contamination; Guanabara Bay. INTRODUÇÃO O lançamento de esgotos domésticos, com ou sem tratamento prévio, em ambientes aquáticos afeta a qualidade da água do sistema receptor, provocando redução do oxigênio dissolvido, aumento da turbidez, mudanças do pH, entre outros efeitos, e tem reflexos sobre a manutenção das condições ideais para a sobrevivência dos organismos e sobre a saúde humana. O conhecimento do mecanismo e grau de dispersão dos efluentes lançados em determinado corpo d’água é fundamental ao estabelecimento de medidas controladoras da poluição de origem doméstica. Para este fim, diversos métodos que se baseiam em traçadores específicos têm sido utilizados. Esses métodos podem ser divididos em traçadores ativos e passivos1. Como traçadores ativos entende-se substâncias intencionalmente adicionadas ao esgoto, por exemplo, substâncias radioativas e corantes, e que depois são pesquisadas no ambiente aquático. Os traçadores passivos são substâncias naturalmente encontradas no esgoto, tais como as bactérias do grupo coliforme, a amônia e a matéria orgânica biodegradável2. Entre os traçadores passivos, encontram-se determinadas moléculas orgânicas cujas estruturas podem ser relacionadas a origens específicas. Esses compostos são denominados ‘marcadores moleculares’, e o conceito geral de seu uso foi desenvolvido e vem sendo usado pelos geoquímicos orgânicos para compreender fontes, transporte e destino final de diversas categorias de compostos orgânicos3. Especificamente no ramo da poluição ambiental, são considerados marcadores moleculares antropogênicos determinados compostos introduzidos no meio ambiente pela ação antropogênica e que possuem algumas características: alta especificidade em relação à fonte, boa resistência à destruição pela atividade bacteriana e ampla distribuição na água e/ou no sedimento3. Estas características são apontadas como as grandes limitantes do uso dos traçadores passivos tradicionais em avaliações espaço-temporais da contaminação fecal 2. [email protected]; [email protected] O coprostanol (5β(H)-colestan-3β-ol; Figura 1) é um esterol amplamente utilizado, já desde os anos 60, como marcador molecular para avaliar e monitorar a poluição por efluentes domésticos em ambientes aquáticos2,4-20. Trata-se de um esterol de origem fecal, formado pela hidrogenação (redução) bacteriana do colesterol no intestino de animais superiores 21. Uma revisão recente sobre a aplicação do coprostanol como indicador eficiente da poluição fecal em sedimentos de vários sistemas aquáticos, localizados em diversas latitudes, está disponível em Takada e Eganhouse, 1998 3. Foram encontrados apenas três trabalhos que discutem a distribuição de coprostanol20,22,38 em ambientes no Brasil. Figura 1. Estrutura do coprostanol (5 β (H)-colestan-3β-ol). Apesar de ser considerado como um marcador molecular específico e apresentar boa resistência aos processos iniciais de diagênese3, especialmente em ambientes anóxidos, alguns autores7,9, 23 apontam limitações ao uso do coprostanol, devido à: (i) falta de um critério quantitativo que associe determinado nível de coprostanol à presença de contaminação fecal; (ii) possível produção in situ de coprostanol em sedimentos anóxidos, o que representaria uma fonte independente do composto3,9,17. Tem-se proposto o uso de alguns índices derivados da relação entre concentração de coprostanol e de outros compostos esteroidais, como as estanonas (cetonas), que auxiliam a superar estas limitações3, 9, 17. 38 Carreira et al. Neste trabalho são apresentados dados da distribuição de alguns esteróis (coprostanol, colestanol e colesterol), estanonas (coprostanona e colestanona) e carbono orgânico total em amostras de sedimentos superficiais oriundos da Baía de Guanabara. O objetivo principal é validar o coprostanol, a nível quantitativo e qualitativo, como indicador da contaminação fecal em estuários com as características da Baía de Guanabara: alta produtividade primária da coluna d’água, elevado aporte de esgotos domésticos não-tratados, grande atividade bacteriana e, como consequência, sedimentos altamente redutores24. PARTE EXPERIMENTAL Em 1996, testemunhos de sedimento foram coletados em duplicata em 8 estações na Baía de Guanabara (Figura 2). No laboratório, foi separada a camada superficial de 3cm dos sedimentos em atmosfera inerte de nitrogênio. As duplicatas de cada amostra foram misturadas, homogeneizadas e armazenadas em freezer a –20ºC. Todas as determinações foram realizadas em amostras liofilizadas. O carbono orgânico foi determinado por combustão a seco em analisador elementar Carlo Erba, modelo EA1110, com remoção prévia do carbono inorgânico por ataque ácido (HCl 1M, pH 2). Os resultados foram corrigidos para o teor de carbonato de cada amostra e expressos como percentual de massa em relação ao sedimento original. A reprodutibilidade do método foi Quim. Nova de ±0,04% (n=9) para a determinação em amostras de sedimento-padrão (MESS-2). O limite de detecção prático foi de ±0,06% (percentual em massa). A extração dos esteróis e estanonas foi feita com mistura de diclorometano/metanol (2:1, v/v), em Soxhlet, durante 24 horas, usando-se 5g de sedimento e adicionando-se androstanol (5α-androstan-3β-ol) como padrão interno. O extrato bruto foi filtrado diretamente para um funil de separação, e o metanol separado pela adição de 50 mL de solução aquosa de NaCl 3M. A fase orgânica (diclorometano) foi recolhida em frasco adequado para rotoevaporação. A fase aquosa foi reextraída 3 vezes com 5 mL de n-hexano, que foi então misturado ao diclorometano. O volume do extrato (diclorometano e n-hexano) foi reduzido a cerca de 2mL sob vácuo e aquecimento moderado. Em seguida, o extrato foi tratado com sulfato de sódio anidro, por 8 horas, para remover traços de água, e com cobre metálico (ativado por lavagem com HCl 3M por 20 min) para remover enxofre. Por fim, os esteróis e estanonas foram separados do extrato bruto em cromatografia de coluna com sílica-gel (5% desativada), por eluição com 24 mL de diclorometano/metanol 9:1 (v:v), correspondentes a cerca de 2 volumes da coluna. Esta metodologia analítica foi adaptada daquelas descritas em diversos trabalhos constantes da literatura 9,25-27. Os extratos foram analisados por cromatografia em fase gasosa acoplada à espectrometria de massas utilizando-se um Figura 2. Localização da Baía de Guanabara e das estações de coleta (estações numeradas de 1 a 8; “s” indica “sedimento”). Vol. 24, No. 1 Distribuição de Coprostanol (5β(H)-colestan-3β-ol) em Sedimentos Superficiais da Baía de Guanabara equipamento da Hewlett Packard (cromatógrafo modelo 5890 série II Plus e detetor de massas modelo 5972 MSD). Foi usada uma coluna capilar, tipo HP5MS, com 30 m de comprimento, 0,25 mm de diâmetro e revestida com camada de 0,25 µm. A injeção foi feita sem divisão do fluxo (splitless), com válvula aberta após 1 min e com injetor a 300ºC. Na programação de temperatura utilizou-se: início a 60ºC, incrementos de 15ºC min-1 a 250ºC (rampa 1) e de 1ºC min -1 até 300ºC (rampa 2), permanecendo nesta temperatura por 5 min. He foi usado como gás carreador, mantido em fluxo constante a 1 mL min-1. O detetor de massas operou no modo Monitoramento de Íons (ver Tabela 1 para os íons considerados), em impacto de elétrons (70eV) e taxa de aquisição de 0,6 scan s-1. Tabela 1. Íons monitorados em CG/EM para diversos esteróis e estanonas (Íon Q = íon de quantificação; Íon 1 = íon de confirmação; Íon 2 = segundo íon de confirmação). Esterol Nome popular Ion Q Ion 1 5α-androstan-3β-ol 5β-colestan-3β-ol 5β-colestan-3-ona colest-5en-3β-ol 5α-colestan-3β-ol 5α-colestan-3-ona Androstanol Coprostanol Coprostanona Colesterol Colestanol Colestanona 333,3 370,4 386,4 329,3 445,5 386,4 355 231 458 460 231 Ion 2 215 316 368 355 371 Imediatamente antes da injeção, as amostras foram secas com fluxo suave de N2 purificado e derivatizadas (80ºC por 15 min) com 150 µL de BSTFA (bis-trimetilsilil trifluoroacetamida, >99% de pureza, grau cromatográfico, Aldrich®) e 300 µL de tolueno. A quantificação foi realizada através de fator de resposta relativo ao androstanol (padrão interno). Os diversos fatores de resposta foram calculados a partir de padrões autênticos e monitorados continuamente ao longo das determinações. Para minimizar os riscos de contaminação, foram usados solventes com alto grau de pureza (tipo ‘destilados em vidro’). Vidrarias diversas foram descontaminadas por lavagem com detergente, água destilada e aquecimento a 550ºC por 8 horas. Alguns reagentes foram descontaminados por aquecimento a 550ºC por 8 horas. A sílica-gel foi ativada por aquecimento a 200ºC por 4 horas, desativada com 5% de água em peso, com agitação vigorosa por 1 hora e equilíbrio adicional por 24 horas – este procedimento foi aplicado no dia anterior ao da montagem da coluna. Paralelamente, foram analisados brancos de procedimento, que não demonstraram contaminações significativas. 39 RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Tabela 2 estão listadas as concentrações de carbono orgânico e dos esteróis quantificados neste trabalho, todas referentes a sedimento seco. São relatados dados para compostos de origem fecal (coprostanol e coprostanona9), de origem não específica, podendo ser natural ou antropogênica (colesterol, principalmente28) e os essencialmente biogênicos e/ou derivados de reações diagenéticas (colestanol e colestanona 28). A Tabela 2 contém, ainda, o resultado das razões entre os parâmetros estudados, cuja significância será discutida abaixo. A concentração média de coprostanol foi de 4.436 ± 3.189 ng g-1, desconsiderando-se a estação 4s (40.003 ng g-1). Esse valor médio não pode ser considerado excessivamente alto, pois encontra-se dentro da média registrada na literatura para sedimentos com diferentes níveis de contaminação fecal (Tabela 3). O único trabalho anterior sobre coprostanol realizado na Baía de Guanabara22, com 6 amostras de sedimento, fornece alguns dados similares aos deste trabalho, porém com concentração média bem inferior (1.240 ng g-1 contra 4.430 ng g-1 – desconsiderando a estação 4s, situada em área não coletada por Chalaux). Possivelmente, a diferença na camada sedimentar amostrada em cada um dos trabalhos (maior de 15cm em Chalaux e 3cm neste trabalho) é responsável pelos valores inferiores aos de Chalaux. Corrobora esta hipótese o decréscimo acentuado nas concentrações de coprostanol com a profundidade, observado nas camadas de sedimento entre 3 e 16 cm de profundidade, as quais contém apenas cerca de 20% da concentração de coprostanol na camada superficial (0-3 cm) (Carreira, 1999). Cabe ressaltar que as causas deste efeito estão sendo investigadas, pois 15 cm de coluna sedimentar correspon-dem, segundo as taxas médias de sedimentação locais29, a período de cerca de 10 anos, ao longo do qual não é esperado um aumento significativo no aporte de esgotos domésticos para a Baía de Guanabara que justifique as altas concentrações de coprostanol nos sedimentos superficiais. Distribuição espacial de coprostanol Na Figura 3 é apresentada a distribuição espacial das concentrações de coprostanol, em termos de ng g-1 de sedimento e normalizadas para o teor de carbono orgânico do sedimento (µg g-1 de carbono orgânico). As duas distribuições são semelhantes e retratam a compartimentação da baía, em termos do nível de contaminação, proposta e discutida por alguns autores30-32. Os resultados definem três compartimentos com diferentes níveis de alteração na parte superior da Baía de Guanabara (a norte da ponte Rio-Niterói): noroeste; parte central e nordeste; e um terceiro compartimento, com características intermediárias entre os outros dois. Tabela 2. Concentrações de carbono orgânico total (em %), de esteróis (em ng g -1) e de alguns índices calculados para o sedimento superficial da Baía de Guanabara (estações numeradas de 1 a 8; “s” indica “sedimento”). Estações Corg Coprostanol Coprostanona Colesterol Colestanol Colestanona 1s 2s 3s 4s 5s 6s 7s 8s 2,91 335 112 1407 2011 655 5,54 1347 594 5279 8934 7954 3,77 3844 721 4413 7800 2382 2,83 40003 4136 7800 7543 2530 3,48 2710 639 3568 6514 2067 4,0 4903 966 6384 9767 3285 4,77 8473 1501 5021 10900 3795 3,2 9436 2179 8433 9358 3393 78 0,29 0,24 0,35 121 0,33 0,23 0,40 178 0,44 0,28 0,32 293 0,50 0,39 0,47 Índices -1 Cop/Corg (µg g ) [5β/(5α+5β)estanol] [5β/(5α+5β)estanona] ∆5/(5α+∆5) 11 0,14 0,15 0,41 24 0,13 0,07 0,37 102 0,33 0,23 0,36 1413 0,84 0,62 0,51 Cop/Corg = razão coprostanol/carbono orgânico; [5β/(5α+5β)estanol] = coprostanol/(colestanol+coprostanol); [5β/(5α+5β)estanona] = coprostanona/(colestanona/coprostanona); ∆5/(5α+∆5) = colesterol/(colestanol+colesterol) 40 Carreira et al. Quim. Nova Tabela 3. Concentrações de coprostanol para sedimentos de diversas regiões do globo. Local Ria Formosa, Algarve, Portugal Baía de Tóquio, Japão Estuário Rio Morlaix, França Baía Narragansett, EUA Veneza, Itália Bacia Santa Monica, EUA Porto Hamilton, Lago Ontário, Canadá Barcelona, Espanha Baía de Havana, Cuba Estuário Bilbao, Espanha Estuário Tamar, Reino Unido Costa sudoeste de Taiwan Estuário Capiberibe, Recife, Brasil Baía de Guanabara, Brasil Baía de Guanabara, Brasil camada do sedimento (cm) n ano da pesquisa faixa de concentração (ng g-1) refer. n.i. n.i. n.i. superficial 0-5 0-2 0-2 0-3 0-3 0-0,5 0-3 0-4 0-3 0-15 0-3 10 25 25 6 30 10 2 20 8 24 10 6 8 1994 1989 1987-88 1985-86 1896 1985 1992 1986-87 1986-87 1995-96 1985 1992 1994 1993 1996 100 - 41.800 20 - 243 70 - 30.000 130 - 39.300 200 - 41.000 500 - 5.100 110 - 147.000 1.000 - 390.000 410 - 1.100 2.200 - 293.000 800 - 17.000 <5 - 820 519 - 7.315 92,9 - 2824 335 - 40.003 18 13 23 10 2 8 16 9 9 19 37 14 20 22 este estudo n.i. = não informado Figura 3. Distribuição de coprostanol nos sedimentos da Baía de Guanabara, em ng g-1 de sedimento seco (barras pretas) e em mg g -1 de carbono orgânico total (barras brancas). O compartimento noroeste apresenta níveis elevados de contaminação. Representa cerca de 30% da área total da baía, sendo caracterizado pelo aporte de água oriunda de grande número de rios contaminados (bacia de drenagem de parte dos municípios do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense30) e pela pequena taxa de renovação das águas. No compartimento Vol. 24, No. 1 Distribuição de Coprostanol (5β(H)-colestan-3β-ol) em Sedimentos Superficiais da Baía de Guanabara noroeste fica a estação 4s, onde foi encontrada a maior concentração de coprostanol neste trabalho e, portanto, a sua localização está de acordo com o histórico de contaminação no local30, 32. Na estação 3s, ainda dentro do compartimento nordeste, o coprostanol está uma ordem de grandeza menos concentrado do que na estação 4s. Como as duas estações distam apenas cerca de 4 km entre si, é possível que a queda de concentração observada entre as estações 4s e 3s decorra da rápida sedimentação do material particulado em suspensão, essencialmente orgânico, logo após a sua introdução na Baía de Guanabara, visto a preferencial associação do coprostanol à fase sólida3. O compartimento central e nordeste é caracterizado pela boa renovação das águas e pelos baixos níveis de contaminação30,32. Contribuem para esta situação a existência do chamado ‘canal central’, a parte mais funda da baía, com profundidades entre 10 e 30 m, e o aporte de rios pouco contaminados, especialmente os situados na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim30. Nesse compartimento estão as estações 1s, 2s e 5s, que têm as menores concentrações de coprostanol encontradas neste estudo. No entanto, a concentração de 2.710 ng g1 de coprostanol na estação 5s indica aporte moderado de esgotos no local, possivelmente oriundos da Ilha de Paquetá e/ ou transportados pela circulação geral da baía. O terceiro compartimento definido pela distribuição de coprostanol apresenta níveis intermediários de contaminação, possivelmente reflexo da proximidade de fontes significativas de contaminação e do padrão de circulação locais. Estão incluídas nesse compartimento as estações 6s, 7s e 8s. A estação 6s é diretamente influenciada pelo lançamento de esgotos a partir da Ilha do Governador. Na estação 7s, os altos níveis de coprostanol encontrados (8.473 ng g -1) são, aparentemente, derivados tanto de aportes diretos do Rio São João de Meriti e dos canais do Cunha e de Manguinhos, todos altamente contaminados 30 , como pelo transporte a partir da área mais contaminada da baía (a região nordeste). Na maré vazante, a água oriunda da parte noroeste da baía passa pelo canal entre as Ilhas do Fundão e do Governador e influencia diretamente a estação 7s30. Na estação 8s, as elevadas concentrações de coprostanol são decorrência dos aportes de esgotos oriundos dos municípios de Niterói e São Gonçalo. A correlação entre coprostanol e carbono orgânico não é significativa (r = -0,41; p >0,01), considerando-se o conjunto de todos os dados obtidos. Esse resultado é, numa primeira avaliação, inconsistente com a distribuição de coprostanol discutida acima. No entanto, se excluirmos as estações 2s, 4s e 8s, o coeficiente de correlação (r2 ) cresce para 0,998 (significativo a p<0,01). Assim, na compreensão da distribuição de coprostanol nas amostras estudadas, é necessário considerar, também, processos locais responsáveis pela alteração da proporção de coprostanol na composição do carbono orgânico sedimentar total. A deposição de matéria orgânica altamente contaminada por esgotos nas estações 4s e 8s reflete-se nos elevados valores do índice Cop/C org (coprostanol/carbono orgânico; ver Tabela 2). Na estação 2s, a concentração de Corg (5,54%; Tabela 2) é alta, mas de origem essencialmente natural (autóctona e/ou alóctona), como indica a baixa razão Cop/Corg (Tabela 2). Nas outras estações (1s, 3s, 5s, 6s e 7s), há deposição de matéria orgânica oriunda de fontes naturais e antropogênicas, em proporções relativamente fixas (o que explica o bom índice de correlação entre coprostanol e carbono orgânico). As diferentes proporções de ambas as fontes (naturais e antropogênicas) não podem ser definidas somente através da distribuição de coprostanol, necessitando de dados complementares, como, por exemplo, deoutros esteróis e isótopos estáveis de carbono e nitrogênio. 41 Avaliação qualitativa do coprostanol A discussão anterior é baseada em critério quantitativo. No entanto, não há registro na literatura de uma concentração de coprostanol estabelecida para definir o grau de contaminação fecal17. Acredita-se que sedimentos não contaminados teriam níveis não-detectáveis de coprostanol3 , mas alguns autores encontraram esse composto em áreas não contaminadas por esgoto 9,10. A origem do coprostanol nestes ambientes seria a produção microbiana in situ, a partir do colesterol (colest-5-en-3b-ol) 33,34 . Testes em laboratório, que confirmaram a ocorrência deste processo, especialmente em condições anaeróbicas, mostraram que o isômero 5a (5acolestan-3b-ol, colestanol) também é produzido, mas em proporções diferenciadas dependendo das características da microbiota local33 . Considerando-se que a ocorrência de biodegradação in situ e a predominância em esgotos do isômero 5β dos estanóis21,35, Grimalt e col. propuseram que a razão [5β/(5α+5β)estanol] poderia servir de critério qualitativo de poluição fecal9. Razões acima de 0,7 foram consideradas típicas de sedimentos altamente contaminados por esgotos, enquanto que a ausência deste tipo de contaminação seria caracterizada por índices abaixo de 0,3. No entanto, o aporte natural de colestanol, através de algas e zooplâncton28,36, pode influir nos resultados, fazendo com que razões intermediárias de [5β/ (5α+5β)estanol] sejam de difícil interpretação. Esse problema é mais acentuado em locais de alta produtividade, devido ao aporte biogênico de colestanol e à sua produção in situ através da redução do colesterol. Por outro lado, a razão [5β/(5α+5β)estanona], ou seja, a relação entre coprostanona (origem fecal) e colestanona (origem diagénetica), não seria afetada por aportes biogênicos para o sedimento9,27, constituindo-se em um índice complementar na avaliação qualitativa da contaminação fecal. Valores intermediários para os dois índices revelam a importância dos processos diagenéticos de transformação da matéria orgânica em sedimentos. Os valores encontrados neste trabalho para as razões [5β/(5α+5β)estanol] e [5β/(5α+5β)estanona] são apresentados na Tabela 2. A estação 4s apresentou valores elevados para os dois índices (0,84 e 0,62, respectivamente), confirmando o forte impacto por esgotos no local. No outro extremo, os sedimentos da estação 1s, com razões de 0,14 e 0,15, não estariam contaminados por esgotos. A mesma conclusão pode ser traçada para a estação 2s (0,13 e 0,07), mas ali as concentrações de coprostanol não são tão baixas quanto na estação 1s. Nesta estação, são observados níveis elevados de colestanol (8.394 ng g -1) e colestanona (7.954 ng g-1), que contribuíram para diminuição dos índices. Além de colestanol e colestanona, as concentrações de colesterol (5.279 ng g-1) e carbono orgânico (5,54%) indicam a importância dos processos biogênicos no local. Nas outras estações (3s, 5s, 6s, 7s e 8s), as razões [5β/(5α+5β)estanol] e [5β/(5α+5β)estanona] apresentaram valores intermediários (0,33 a 0,5 e 0,23 a 0,39, respectivamente), embora as concentrações de coprostanol sejam elevadas (de 3.800 a 9.500 ng g-1; Tabela 2). Os dois índices variaram na mesma proporção (ver Figura 4). Considerando-se que não existem processos biogênicos que produzam estanonas para os sedimentos9,27, ao contrário do que ocorre com os estanóis, a alta relação entre os dois índices indica que os processos diagenéticos (na coluna d’água e/ou nas primeiras camadas do sedimento) são predominantes, em relação aos aportes biogênicos, na definição da distribuição qualitativa da contaminação fecal na Baía de Guanabara. Por fim, os valores entre 0,32 e 0,51 encontrados para o índice [colesterol/(colestanol+colesterol)], os quais estão na faixa considerada como indicativa da redução extensiva do colesterol por processos diagenéticos ainda na coluna d’água 13, confirmam a hipótese acima. 42 Carreira et al. 1,0 [5β/(5α+5β)estanona] R2 = 0,9735 0,8 0,6 4s 8s 0,4 5s 6s 3s 1s 0,2 7s 2s 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 [5β/(5α+5β)estanol] Figura 4. Correlação entre os índices calculados para estanóis [5β / (5 α+5 β)estanol] e estanonas [5β /(5α+5β )estanona]. CONCLUSÕES A distribuição de coprostanol nos sedimentos superficiais da Baía de Guanabara é altamente variável. Há regiões onde as concentrações indicam contaminação crônica (caso da estação 4s) e outras onde não há indicação da presença de esgotos (estação 1s). Essa distribuição do coprostanol é consistente com a presença e a intensidade de fontes conhecidas de poluição doméstica na baía: a parte nordeste é a menos contaminada, devido ao menor aporte de rios contaminados e à maior circulação das águas; a parte noroeste, que concentra indústrias e a maior densidade populacional da região, é severamente contaminada. Também é possível identificar, através das concentrações de coprostanol nas estações da parte leste da baía, aportes significativos de esgotos oriundos dos municípios de Niterói e São Gonçalo. Nas demais estações, há deposição de mistura de matéria orgânica de origem natural (terrestre e marinha) e antropogênica, como indicado pelas relações entre coprostanol e carbono orgânico. As relações entre esterós fecais (coprostanol e coprostanona), naturais (colestanol e colestanona) e de origem não-específica (colesterol) refletem a alteração das características originais da matéria orgânica em decorrência de processos diagenéticos microbianos e de produção primária na água. Assim, o critério qualitativo, ou seja, o cálculo de índices entre os esteróides fecais, não permitiu consolidar a interpretação quantitativa da distribuição da poluição fecal. Há evidente necessidade de realizar estudos adicionais para definir valores apropriados aos ambientes tropicais para os índices sugeridos na literatura, uma vez que os existentes são, na maioria dos casos, propostos para ambientes temperados. Os resultados deste trabalho mostram que o coprostanol, juntamente com outros esteróis e cetonas, podem ser adequadamente utilizados como indicadores da poluição fecal na Baía de Guanabara. A continuidade de estudos permitirá, por exemplo, avaliações espaço-temporais da poluição fecal na baía, o que representa uma vantagem considerável sobre os traçadores biológicos tradicionais – como os coliformes –, que rapidamente morrem quando lançados na água. Este aspecto se torna ainda mais relevante quando se deseja acompanhar a recuperação ambiental na baía em decorrência do programa de despoluição em andamento. AGRADECIMENTOS CNPq e Faperj, pelo apoio financeiro. A. Filippo pelas figuras. REFERÊNCIAS 1. Vivian, C. M. G. Sci.Total Environ. 1986, 53, 5. 2. Sherwin, M. R.; Van Vleet, E. S.; Fossato, V. U.; Dolci, F.; Mar. Pollut. Bull. 1993, 26, 501. 3. Takada, H.; Eganhouse, R. P. In Encyclopedia of Quim. Nova Environmental Analysis and Remediation; Meyers, R. A., Ed.; John Wiley & Sons, Inc.; New York, 1998, p 2883. 4. Huang, W. Y.; Meinschein, W. G.; Geochim. Cosmochim. Acta 1976, 40, 323. 5. Hatcher, P. G.; McGilivary, P. A.; Environ. Sci. Technol. 1979, 13, 1225. 6. 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