A REVISTA DO PATRIMÔNIO NA GESTÃO DE DR. RODRIGO: UM ESTUDO DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO PELOS TEXTOS DA REVISTA Maria da Graça Rodrigues Santos - UTP [email protected] O Decreto-Lei n°25 (IPHAN, 2006), assinado por Getúlio Vargas em 1937, definiu as diretrizes para a preservação do patrimônio histórico no Brasil e regulamentou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje IPHAN, que foi criado em 13 de janeiro do mesmo ano, subordinado ao Ministério da Educação e Saúde, dirigido por Gustavo Capanema. Os anos 1937-1945 foram marcados pela revitalização da estrutura governamental do Estado Novo, da qual os intelectuais tiveram grande participação, frente à possibilidade de aumentar sua atuação, mediante à proposta varguista de criar e proteger as esferas sociais da saúde, da educação, das artes, da administração e do trabalho. Voltava-se, também, à busca da unidade nacional, e à criação da nova sociedade brasileira. Nesse contexto, o SPHAN, como outros institutos criados, objetivava o aprofundamento de idéias nacionalistas e a divulgação da cultura brasileira. De acordo com Miguel e Correia (2009), através dos intelectuais a identidade nacional foi lapidada de modo a abrandar diferenças. A gestão do Órgão, a cargo de Rodrigo Melo Franco de Andrade, marcou a fase heróica do SPHAN, que contou com o apoio dos principais intelectuais do período, que procuravam “construir” o patrimônio nacional, com base no conceito de patrimônio adotado e claramente evidenciado no texto do Decreto-Lei n°25. Este estudo mostra como através da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nos quinze primeiros números que correspondem à gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade, o Dr. Rodrigo - quer seja pela seleção de artigos, quer pelas idéias contidas em alguns deles - esse conceito de patrimônio foi sendo trabalhado de modo a privilegiar as obras edificadas do período colonial, ainda que os planos de Mário de Andrade, no seu projeto encomendado por Rodrigo Mello Franco de Andrade e que serviu de base para o Decreto-Lei, previssem maior abrangência nos critérios de escolha daquilo que deveria estar sob a guarda estatal. Andrade havia arrolado um conjunto de artefatos na sua lista de bens dignos de salvaguarda no pretendido patrimônio, que incluía música e danças populares, além de outras expressões do campo da etnologia. Naquele momento, como explica Lemos (2009), “ainda não eram correntes as noções de “cultura material" ou de “patrimônio cultural”, idéias até então vagas e destinadas a complicar o equacionamento de um decreto estadonovista estreante em assunto entre nós mal estudado”. A relação dos artigos de cada revista e dos seus autores dão também a medida da participação dos intelectuais no projeto cultural do Estado Novo. O uso do termo patrimônio, adotado para caracterizar este período, baseia-se na definição de Choay (2001), para quem este conceito (de patrimônio), diferente de monumento, foi utilizado inicialmente para referir-se ao conjunto de obras, de caráter institucional, que representavam a nação. O número um da Revista está estruturado em quatro partes: a primeira com textos de natureza mais abrangente apresenta artigos de Alfredo E.Taunay, Heloisa Alberto Torres, Lucio Costa e do Rodrigo Melo Franco de Andrade; a segunda parte é dedicada ao mobiliário nacional; a terceira a monumentos da arquitetura religiosa, e a quarta parte, de notas, pequenos textos sobre temas específicos, a exemplo do texto descritivo sobre o Museu Coronel David Carneiro, em Curityba. No início desse número, Rodrigo Melo Franco de Andrade, em texto denominado Programa, justifica a ênfase nos monumentos arquitetônicos apenas como uma primeira etapa das pesquisas que, segundo afirma, deverão abranger além dos imóveis, o conjunto de bens móveis e outros de valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico, artístico, natural e paisagístico, especificados no Decreto. Do número dois em diante, o sumário não apresenta estruturação mais elaborada e os quatorze textos estão listados sem critério aparente. Intercalam-se temas voltados a resultados de pesquisas históricas, artísticas e arquitetônicas, a exceção de um texto resultado de pesquisa etnográfica sobre a pesca brasileira, no Maranhão, de Raimundo Lopes. No número três da Revista, dos quinze textos apresentados, temos: cinco deles são dedicados ao tema das pinturas religiosas, principalmente; três voltados ao mobiliário; dois ao Aleijadinho e o restante sobre casas e capelas coloniais. No número quatro, ao lado dos estudos sobre monumentos arquitetônicos, mobilário e desenhos de arquitetura, são apresentadas duas biografias, um texto sobre os ofícios mecânicos em Vila Rica no século XVIII, além de dois estudos sobre aglomerados urbanos e um texto mais teórico sobre o valor artístico e o valor histórico na história da arte, ampliando o leque de interesses sobre preservação, que caracterizou os números anteriores. No número cinco, continuam os estudos do patrimônio material, sobressaindo alguns estudos sobre pintura, alfaias, um estudo teórico sobre barroco, dois estudos sobre textos históricos e um estudo sobre a “decoração das malocas indígenas”, que aponta para o interesse em expressões da cultura não erudita, um pouco na linha de Mário de Andrade, que apresentou, no período, um estudo sobre a diversidade cultural do Brasil. No número seis da Revista, os textos sobre o patrimônio material continuam predominantes, há um texto sobre mobiliário, um sobre a prataria seiscentista do Mosteiro de São Bento, uma biografia e “Um litígio entre Marceneiros e Entalhadores no Rio de Janeiro”. No número sete, mais uma publicação com mobiliário, patrimônio material, com ênfase em casas, um texto sobre as pinturas de Franz Post e Albert Ekhout e outro sobre “Os Azulejos do Convento de São Francisco da Bahia”. No número oito, os artigos concentram-se mais uma vez no estudo do patrimônio material e dois textos tratam de arte: um sobre os modelos europeus na pintura colonial e outro sobre temas pastoris na arte tradicional brasileira. No número nove, dá-se seguimento ao tema principal e acrescentam-se uma biografia e dois estudos de textos históricos. O número dez é composto de apenas quatro artigos. Três são estudos aprofundados de bens de natureza material (fontes e chafarizes do Rio de Janeiro, Palácio das Torres e o Palácio Velho de Belém) e um sobre a contribuição de Marc Ferrez à fotografia no Brasil. No número onze, último da gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade, são mais uma vez publicados quatro artigos, todos de grande densidade. O primeiro é um estudo completo sobre as casas de câmara e cadeia, que se tornou um clássico no ensino da arquitetura brasileira e foi publicado posteriormente na Revista de n°26, assim como o texto Arquitetura dos Jesuítas no Brasil, de Lucio Costa, publicado originalmente no número quatro da revista. O segundo texto é sobre a procedência da arte de pintura na província da Bahia, com base em manuscritos da Biblioteca Nacional. O terceiro é um estudo sobre vestígios de Fortim Colonial no Engenho Novo e o último apresenta um guia histórico dos municípios do Pará. Os últimos quatro números da Revista, publicados nos anos 1955, 1956, 1959 e 1961, fecham o ciclo das publicações da chamada fase heróica (FONSECA, 2005) do Serviço do Patrimônio, que esteve sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Os temas tratados nesses últimos números dão continuidade à política iniciada na publicação do primeiro número. Concluindo, observa-se que, à parte, o privilégio dado aos bens de natureza material, os artigos da revista têm caráter de fundamentação. Neles estão ou eles próprios são a base da construção do patrimônio cultural brasileiro. Os temas tratados são preciosos por evidenciar a riqueza do patrimônio brasileiro, todos tão importantes, naquele momento político do Estado Novo, como explica Melo Franco de Andrade. “trata-se, por conseguinte, de um vasto domínio, cujo estudo reclamará longos anos de trabalho, assim como a preparação cuidadosa numerosos especialistas para empreendê-lo. Esta revista registrará semestralmente uma pequena parte do que se houver tentado ou conseguido com esse objetivo. Ela conta com a contribuição dos doutos nas matérias relacionadas com a sua finalidade e bem assim com o apoio e a simpatia de todos os brasileiros interessados pelo patrimônio histórico artístico nacional” (Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937, p. 2). Sob outra perspectiva, a análise desses artigos evidencia a participação dos intelectuais no projeto getulista. São contribuições de pesquisadores e historiadores que tiveram grande importância na definição e organização do patrimônio nacional, incluindo o próprio Rodrigo Melo Franco de Andrade. REFERÊNCIAS CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. IPHAN. Coletânea de Leis sobre preservação do Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2006. FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; MinC – Iphan, 2005. MIGUEL, Nádya Maria D., CORREIA, Maria Rosa dos Santos. Os intelectuais no Iphan e no Ibge na era Vargas. Anais doV Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador: Faculdade de Comunicação/ UFBA. 27 A 29 de maio de 2009. REVISTA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Rio de Janeiro: SPHAN, 1937 – 1961. n°1-15.