REFLEXÕES ACERCA DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ. LUCAS PRADO CARVALHO1 CARMEN CÉLIA B. C. BASTOS2 ANA MÁRCIA SILVA3 RESUMO: Esta pesquisa, do tipo estudo de caso, analisa um curso de licenciatura em educação física em seu projeto político-pedagógico. Organiza-se como um projeto piloto para uma pesquisa mais ampliada acerca da formação profissional na região oeste do Paraná que se encontra em fase de desenvolvimento. Inicia buscando articular, brevemente, as tensões instauradas no campo da Educação Física, a qual perpassa por um momento (longo) de procura de legitimação acadêmica e fundamentação epistemológica; discute, ainda, a permanência de um mesmo modelo de formação em constante atualização, mas contraditoriamente, sem mudanças efetivas, questões derivadas da análise da literatura e confirmadas no estudo documental. Palavras-chave: Projeto Político-Pedagógico; Educação Física; Formação Profissional. 1 Universidade Federal de Santa Catarina – Mestrando em Educação Física – [email protected] 2 Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Doutora em Educação – [email protected] 3 Universidade Federal de Goiás – Doutora em Ciências Humanas [email protected] INTRODUÇÃO Algumas questões referentes a conceituações que influenciam na estruturação da EF precisam ser expostas, para se ter uma idéia do que, acredita-se, devem conter, ou pelo menos, servir de base para a construção dos PPPs. Por isso, buscamos articular, brevemente, as tensões instauradas na Educação Física, a qual perpassa por um momento (longo) de procura de legitimação no campo acadêmico, ou ainda, uma permanência de um mesmo modelo em constante atualização, mas contraditoriamente, sem mudanças efetivas. Entendemos que esta ‘situação’ é fundamentada, em cada época, por diferentes idéias e interesses e, ainda, pensamos que o entendimento destas diferentes características podem nos auxiliar na compreensão do contexto atual da Educação Física. No século XIX, por exemplo, a Educação Física esteve aliada às questões de preparar o indivíduo para o trabalho. Desta maneira, nos aproximaríamos da abordagem de Soares (1994, p. 9), a qual afirma que “O Século XIX é particularmente importante para o entendimento da ginástica, uma vez que é neste século que se elaboram conceitos básicos sobre o corpo e sobre a sua utilização enquanto força de trabalho”. Esta mesma autora enfatiza ainda, que no século XIX, há a necessidade de preparar, disciplinar, as grandes massas para o trabalho, segundo a autora: A ginástica, considerada a partir de então científica, desempenhou importantes funções na sociedade industrial, apresentando-se capaz de corrigir vícios posturais oriundos das atitudes adotadas no trabalho, demonstrando, assim, as vinculações com a medicina e, desse modo, conquistando status. A essa feição médica, soma-se a outra à ginástica: aquela ordem disciplinar... e disciplina era algo absolutamente necessário à ordem fabril e à nova sociedade (1994, p. 64). Reafirmamos, com base no exposto anteriormente, que a Educação Física foi sustentada por várias questões que deram origem a este modelo atual: a importância da aptidão física para a produtividade no trabalho; a relação do Estado com as questões de saúde, principalmente através da idéia do Estado do Bem-Estar Social (o Welfare State), que criou, na década de 60, as campanhas do Esporte Para Todos; a visão médica do corpo como máquina; o lazer como ocupação saudável do tempo ocioso e o esporte, em função da legitimidade social e a importância política que alcançou (cf. Bracht, 2001). Com estes apontamentos, podemos visualizar que mudanças nestas sustentações que apoiavam a Educação Física aconteceram, ou seja, foram produzidos novos conhecimentos a respeito de aptidão física, trabalho, saúde, corpo e esporte, relacionados com a Educação Física. Mas, de acordo com Bracht (2001, p. 75-76), essas mudanças se explicam, em parte, porque para o projeto liberal-burguês de educação, a Educação Física (moderna) perde importância. O neo-tecnicismo do projeto liberalburguês enfatiza de forma pragmática a preparação para o trabalho. Se esse neotecnicismo tem como foco as novas tecnologias do trabalho e a flexibilização das relações de trabalho que exigem um sujeito que se adapte rapidamente às novas exigências tecnológicas, e as novas relações de trabalho, as quais exigem capacidades fundamentalmente de caráter intelectual, por que desperdiçar tempo com a Educação Física no currículo oficial básico? É muito mais vantajoso oferecer práticas corporais como serviços pelas escolinhas em um horário extra-curricular, como opção no mercado de “consumo”. Nesse sentido, a Educação Física estaria atrelada a questões utilitaristas e mercadológicas, onde podemos encontrar marcas como a admiração ao corpo perfeito (estereotipado, através da moda e da mídia); culto ao rendimento esportivo; busca incessante ao corpo saudável; melhoria da qualidade e estilo de vida, sendo que, para poder usufruir tais “benefícios” teremos que pagar um preço, ou seja, a relação do prazer, do bem-estar, da longevidade, está ao alcance de quem tem poder de consumir. Nesta realidade, a disciplina de Educação Física submerge. Percebemos que a reflexão sobre estas questões, que poderiam dar um novo sentido a ela, não fazem parte dos seus conteúdos curriculares, e sua prática acaba sendo sustentada pelos apelos do mercado. Ainda, dentre as tensões evidenciadas nesse campo, destacamos a formação dos professores que ao ingressarem numa graduação em Educação Física, na maioria destes cursos no Brasil, encontram disciplinas tanto do viés das Ciências Biomédicas (Fisiologia, Biomecânica e Anatomia), quanto do viés das Ciências Humanas. A Educação Física escolar estaria apoiada em duas grandes discussões. No entanto, empiricamente, percebemos uma certa valorização, por parte dos alunos de graduação, nas disciplinas das Ciências Biomédicas, ficando marginalizadas as disciplinas das Ciências Humanas. Figueiredo (2001, p. 128) nos auxilia a caracterizar essa idéia. Segundo a autora, Em nível profissional, pode-se querer saber se o profissional de Educação Física realmente tem mais “prestígio” social e econômico quando atrelado à área médica, em contrapartida ao profissional voltado às escolas. Em nível da formação, pode-se querer saber por que, no interior do currículo, as disciplinas ditas acadêmicas são mais valorizadas pelos alunos em formação. Em nível da disciplina escolar, pode-se querer saber por que a Educação Física é quase sempre colocada “à margem” das outras disciplinas escolares. Para Figueiredo (2001), pode-se formular a hipótese de que a Educação Física escolar atravessa um período de crise de identidade há 20 anos, passando o professor de Educação Física a não ter uma identidade profissional definida, levando-o a procurar outras posições e funções sociais, por ora, ligadas às áreas biológicas legitimadas academicamente. Considerando esta como uma expectativa dos alunos, voltada para a formação em Educação Física, sem a necessidade de se tornarem professores escolares. Não se pode deixar de observar, dentre estas tensões no campo da Educação Física, e não só neste, mas em todo campo científico, a correlação entre ciência e mercado, na utilização dos saberes científicos para o uso de questões mercadológicas, caso este, evidenciado por Santin (2003, p.135): “Com a era industrial, as universidades perderam o controle sobre a produção do saber, pois as empresas criaram seus próprios institutos de pesquisa. A busca do saber deixou de ter como objetivo único à verdade para tornar-se uma mercadoria de alto valor, porque de alto custo e de muitos lucros”. E aqui é importante, destacar ainda, nos assuntos sobre ciência e mercado, a questão levantada por Santin, mais precisamente sobre esta problemática na educação escolar; para este autor A própria educação escolar deixou de ter a pessoa como o centro de suas atenções didáticas para dedicar-se ao ensino/aprendizagem de conteúdos cognitivos como exigência da formação profissional. Se o ensino e o saber se tornaram mercadorias, o egresso da universidade deveria ser um profissional para o mercado (2003, p.135). Estas tensões nos parecem pertinentes na reflexão dos PPPs em formação nos cursos de Educação Física, pois supomos que há falta de legitimidade no que concerne à Educação Física escolar e entendemos como necessário à presença de novos posicionamentos tanto dos proponentes dos princípios como dos alunos a eles ligados. Pois, seria possível, no nosso ponto de vista, que as questões mercadológicas que permeiam o curso, podem interferir na formação profissional e na produção de significados sobre o curso de Educação Física, sobrepondo-se aos princípios norteadores que podem estar nos PPP´s dos cursos. 2. Sobre a busca de legitimidade/identidade por vias do cientificismo e da pedagogia crítica: empreendimentos modernos da Educação Física. É nos marcos dos anos 1970 que se tem início o empreendimento científico na EF brasileira. Empreendimento esse que é gestado numa primeira ocasião do que se convencionou chamar de movimento renovador (BRACHT, 1999a) do campo e que foi fortemente influenciado por um crescimento político e social do esporte iniciado na Alemanha nos anos 1960 (BRACHT, apud BETTI, 2005). São provenientes desse período as proposições da Ciência da Motricidade Humana (Manuel Sérgio); a Ciência do Movimento Humano (Jefferson T. Canfield) a Cinesiologia (Go Tani); e a(s) Ciência(s) do Esporte (Adroaldo Gaya). De modo sintético, o que propõem tais tendências é o investimento na constituição de um campo científico autônomo – de uma ciência no singular – que substitua as abordagens multidisciplinares presentes no campo; bem como se caracterizam por delegar à EF uma posição de dependência e de secundária à nova ciência que se propõe (LIMA, 1999). É evidente aqui o vislumbramento de legitimidade para o campo pela via da cientificidade. Compondo um segundo período desse movimento renovador, está o investimento em uma teorização que tratou de realizar uma “repedagogização” da EF, haja vista que o advento do esporte como “objeto científico” ou referência/objetivo final dos estudos, desencadeou um movimento de “despedagogização” do campo (BRACHT, 1999b). Esse empreendimento tem relação direta à saída de profissionais para realizarem suas pós-graduações nas ciências humanas e sociais e com a conseqüente entrada das discussões de “ordem marxista”, feitas, sobretudo no âmbito da Educação (pedagogia crítica), no campo da EF. Essa influência culminou com o advento da chamada corrente revolucionária, crítica ou progressista. Corrente essa que tratou, num primeiro momento, de denunciar o caráter reprodutor dos interesses do capital, por via, sobretudo do esporte e da concepção mecanicista de corpo vigente na EF (“paradigma da aptidão física e esportiva”), e que resultou na formulação de diferentes abordagens pedagógicas (BRACHT, 1999). Nesse novo momento, o campo da EF, carente de sentidos ao ter seus paradigmas do esporte e da aptidão física colocados no divã, vai atentar para o que seriam conteúdos e princípios norteadores (EF para quê?) legítimos/reconhecidos, o que conseqüentemente remete ao questionamento sobre a sua própria identidade. Faz-se premente então melhor compreender os pressupostos teóricos com que se vêm atuando para ser possível optar em segui-los, modificá-los, ou ainda buscar caminhos totalmente outros. De uma “crise político-ideológica” do campo da EF caminha, nos marcos dos anos 1990, para uma “crise epistemológica” (LIMA, 1999). Nessa busca de identidade e legitimidade, há aqueles que trataram/tratam de investir em diferentes perspectivas; podendo ser feita, tal como Lima (1999), a separação entre os que permanecem buscando uma “saída” por meio de uma dita vertente científica e aqueles que a almejam pela via do que se pode denominar de vertente pedagógica. O que se convencionou chamar de vertente pedagógica, é assim denominada por tomar “como objeto de reflexão a EF propriamente dita, em que sobressaem preocupações educacionais ou pedagógicas.” (LIMA, 1999 p. 74-5). É preciso salientar ainda, que é característica comum das teorias/propostas que compõem essa vertente, o desejo de uma [...] unidade de conhecimento, de construção de uma ‘Teoria Geral da Educação Física’, seja ela arquitetada a partir da idéia de um ‘objeto comum’ (Gamboa) ou de ‘problemática teórica compartilhada’ (Bracht), ou ainda em termos de interdisciplinaridade (Gamboa, Betti) (LIMA, 1999 p. 13). Em meio a essas discussões do âmbito da epistemologia, a obra de Valter Bracht (1999b), Educação Física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz é de suma importância para o campo e condensa muito do debate realizado nos finais da década de 1990, permitindo apreender algumas das críticas endereçadas ao empreendimento científico (mais especificamente a(s) Ciência(s) do Esporte), bem como possibilita atentar para os apontamentos (com preocupações pautadas na esfera da pedagogia) feitos por ele. Bracht (1999b) nessa obra se ocupa de afirmar a necessidade de uma “repedagogização” da EF, devido ao eclipse (“despedagogização”), da dimensão pedagógica do campo, decorrente, tal como já explicitado, do anseio pela legitimidade acadêmico-científica que o esporte poderia fornecer. O uso da expressão “repedagogização” parte do entendimento de que, tal como nos mostra Paiva (2004), a Educação Física historicamente estivera ligada à perspectiva educacional, o que de certa forma justificaria o sentido de retorno. Assim, a presença hegemônica das ciências naturais, tendo o esporte como principal “objeto” de estudo teria legitimado academicamente a EF, e ao mesmo tempo, não se desprenderia esta da EF como disciplina escolar, pois daria, de outra forma, uma legitimidade social indispensável. Bracht (1999b), no entanto, não vê possibilidade de realização do “casamento” entre EF e ciência, sobretudo porque a divisão por subáreas, na qual há a simples junção delas todas (tal como acontece desde a criação do Colégio Brasileira de Ciências do Esporte em 1979), é uma receita simplista e ingênua para evitar a fragmentação congênita do campo, já que a área permanece filiada às ciências-mãe (fisiologia, psicologia, sociologia, etc.). Além disso, é também ingênua a concepção de tentar identificar um objeto por meio apenas de um recorte da realidade – como fizeram Manuel Sergio, Go Tani, entre outros, que continuaram a reproduzir os mesmo problemas que tentaram aplacar, isto é, o pouco êxito em forjar uma identidade epistemológica própria da EF. Bracht (1999b) considera o debate instalado naquele momento histórico extremamente enriquecedor para o período posterior que questionaria (ele inclusive) os marcos do pensamento moderno, numa discussão de cunho epistemológico. Continua, portanto, a reivindicar a crítica necessária ao predomínio de um modelo teóricometodológico empírico analítico, ressaltando as pressões de caráter político, mercadológico e social que existem. Esse lobby jamais poderia ser descartado em uma análise com certo rigor. Reitera, a posteriori, a importância da interdisciplinariedade que só teria validade a partir do instante que assumisse a prática pedagógica como fio condutor de todo esse processo sabidamente complexo. A ânsia empreendedora, no caso dos que vislumbraram um recorte da realidade passível de ser objetualizado no campo da EF/CE (o movimento humano seria o mais comum) tem, como apresentamos sinteticamente nesse tópico, uma dura oposição de Valter Bracht. Tal posicionamento se deve à crítica em relação à racionalidade tradicional e o entendimento de que é preciso apontar novas formas de abordagem que possam contemplar dimensões antes negligenciadas, sem cair na tentação do relativismo puro: É preciso considerar os limites da própria racionalidade científica, quanto ao fornecimento dos fundamentos de nossa prática. Como sabemos, a prática pedagógica envolve sempre uma dimensão ética de caráter normativo, ou seja, se a ciência se atém ao fático, a prática pedagógica opera também no plano do contrafático (do dever-ser). Outra dimensão importante presente no âmbito pedagógico é a dimensão estética. Sem me alongar no assunto, diria que o teorizar na EF precisa ultrapassar as limitações da racionalidade científica, para integrar no seu teorizar/fazer a dimensão do ético e do estético. (BRACHT, 1999b, p.39) As colocações de Bracht acima expostas são fortemente influenciadas por um movimento (pós-crítico) iniciado, por volta da década de 1990, no campo da Educação. Movimento esse que atingiu a EF e que tratou de questionar os pilares fundamentais da modernidade como projeto, entre os quais, o principal, a centralidade da razão. É fundamental salientar que esse novo momento da teorização no âmbito da Educação (física), que teve forte influência nas críticas endereçadas ao empreendimento científico, vão repercutir sobre os próprios princípios basilares da pedagogia crítica; que pondera sobre essa busca de cientificidade e da qual Bracht faz parte. A pergunta que cabe, no momento, é como esta trajetória está sendo considerada na estruturação dos Projetos Político-Pedagógicos atuais? Esta questão nos leva a pensar que o estudo que propomos poderá ser um meio de esclarecê-la. Mas, neste momento, ainda precisamos listar outras questões caras à Educação Física. Essas questões foram percebidas em nossa pesquisa da especialização, assim, apresentaremos abaixo a análise do Projeto Político- Pedagógico do curso de Educação Física da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. 3. ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA – DO CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON. Uma das percepções presente no PPP é em relação à crise dos estudos numa perspectiva biologicista ocorrida na EF pós-abertura política. Havia, de fato, nessa época, a presença de métodos amparados pelas ciências biológicas, ocorrendo uma “despedagogização” da EF com o advento do esporte como eixo norteador e colocandose a EF explicita e planejadamente a serviço do sistema esportivo. Porém, há um silenciamento no PPP analisado de que, a partir do final da década de 80 houve uma crescente presença de estudos sobre forte influência das ciências humanas e sociais. O que o PPP negligencia é que são esses estudos que vão instaurar o movimento de “repedagogização” do discurso acadêmico no campo da EF, instalando-se a crise, à qual LIMA (1999) intitula de “crise político-ideológica”, essa acontecida anteriormente. Há também no decorrer do PPP, justificativas para as mudanças de formação propostas pautadas em afirmações como a que segue: Em 1997, surgem os ‘novos tempos’ da Educação Física e uma pergunta deveria ser respondida: Estaria o curso acompanhando as evoluções em sua área de formação? Estas e outras reflexões criaram o ambiente propício para mais uma inovação curricular, surgindo à implantação do Bacharelado em Educação Física, além da Licenciatura. (p. 21) É necessário indagar que novos tempos são esses? O PPP está se referindo à formação de profissionais para atuar em academias, personal trainers, clubes, hotéis? É a isso que a EF deveria se adaptar? É esta a preocupação com a formação do bacharel? E ainda é preciso considerar que na década de 90 encontramos uma discussão calorosa no campo referente às questões epistemológicas da EF: o campo da EF caminha nos marcos dos anos 1990 para uma “crise epistemológica”. Em síntese, o que parece predominar como justificativa para a mudança curricular não é uma percepção crítica do campo da EF, como defendido por Veiga (2000). O PPP segue as prerrogativas “dos novos tempos”, da lógica do mercado, estando o PPP mais a serviço da continuidade do que se comprometendo com a ruptura. Em outros trechos evidencia-se uma imprecisão epistemológica, agora relacionada à concepção de que o objeto de estudo da EF deveria ser o movimento humano. A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção acadêmicoprofissional tendo como objeto de estudo e de aplicação o movimento humano, focado nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, da luta/arte marcial, da dança e do rendimento físico esportivo, e englobando também a formação cultural, a educação e a reeducação motora, o lazer, a gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas e recreativas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. (p.23) A primeira questão em relacionar a EF ao movimento humano seria a de como situar tal objeto: no campo das ciências da natureza ou no campo das ciências do homem (ciências sociais/humanas)? Kunz (Apud LIMA, 1999) afirma que o movimento humano, nas chamadas ciências do esporte ou na EF tem recebido geralmente uma interpretação baseada nas ciências naturais, ou seja, o movimento humano é interpretado como um fenômeno físico, uma força motora, um sistema mecânico ou como um sistema físico-químico. Santin (apud, LIMA, 1999) apresenta sua suspeita quanto à viabilidade da construção de uma ciência em torno do movimento humano. O grande desafio é fazer ciência sobre o movimento humano sem cair no reducionismo mecanicista e preservar as dimensões da vida e do humano. O que é inevitável se utilizarmos à metodologia das ciências exatas. (p. 111) É importante atentar, também, que no trecho citado do PPP, junto a essas imprecisões epistemológicas, há a defesa que a EF deveria preocupar-se com a formação cultural, a educação e a reeducação motora, o lazer, a gestão de empreendimentos relacionados às atividades físicas e recreativas, além de outros campos que oportunizem ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas, recreativas e esportivas. Esse emaranhado de opções dificulta ao leitor saber especificamente qual a proposta do curso. Sem conseguir fazer uma opção teórica e epistemológica, o PPP, muitas vezes, parece querer “abraçar” todas as questões da EF. Quando se inicia no PPP a apresentação dos Pressupostos Teóricos, à página 27, faz-se menção à crise do paradigma científico. Em seguida, situa-se a EF nessa crise e recorre-se a um conjunto de autores que contribuíram de certa maneira para repensar a EF através de outros pressupostos epistemológicos. Não é questionada a relevância e a contribuição desses autores no debate da época. O que nos impressionou foi perceber uma ausência de articulação, o que acaba produzindo uma fragmentação de questões centrais da relação da EF, inclusive no que diz respeito às ciências humanas/sociais. Os autores são elencados muito mais para ilustrar do que para fundamentar uma opção teórica do curso na formação do acadêmico. Essa confusão em relação ao estatuto do paradigma científico redunda numa incompreensão também do campo específico da EF, onde a busca por uma identidade ou uma legitimidade da EF produziu inúmeras propostas. Algumas delas podem ser associadas a uma “vertente mais científica” (ciência da motricidade humana, ciência do movimento humano, cinesiologia, a(s) ciência(s) do esporte) e outras a uma “vertente mais pedagógica”. Há, portanto, uma multiplicidade de compreensões e opções para a EF. O PPP vai desconsiderar essa complexidade da discussão epistemológica e apresentar unicamente a EF como sinônimo de motricidade humana. A elaboração do presente Projeto Pedagógico tem por finalidade exercitar uma reflexão radical e contextualizada sobre a reformulação curricular do Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, notadamente na relação entre a identidade da área de conhecimento em Educação Física (Motricidade Humana). (p. 29) Encontramos nesta parte uma preocupação com a reformulação curricular do curso em questão. Uma das temáticas destacadas está na relação entre a identidade da área de conhecimento em EF. Percebe-se neste fragmento do PPP, uma confusão de entendimento entre EF como sinônimo de Motricidade Humana. No entanto, a compreensão do autor Manuel Sergio referente à EF como um ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana (CMH), ou ainda, a substituição do termo EF para Educação Motora. Esse autor acredita numa certa confiança que com a Tese da Ciência da Motricidade Humana, muitos dos problemas sem resolução no campo da EF seriam resolvidos. Entre os quais Lima (1999), nos aponta: A crise de identidade da EF, uma vez que esta seria de ordem epistemológica; a CMH forneceria o estatuto epistemológico (ou a cientificidade) de que carece a EF; O problema da indefinição quanto ao objeto teórico-disciplinar, a CMH forneceria às Faculdades de EF (ou Faculdades de “Motricidade Humana”) um objeto de estudo definido (a motricidade humana); A falta de legitimidade no plano acadêmico-universitário e social; de posse de uma “matriz teórica” ou “paradigma”, a CMH, a EF (ou Educação Motora) alcançaria essa legitimidade; A pergunta “qual a ciência de que vocês professores/profissionais da EF são praticantes?” teria, enfim, uma resposta satisfatória: “somos praticantes (ou então, ‘cientistas’) da CMH”. (p. 103) Enfim no PPP não há uma explicitação se a EF está sendo entendida como motricidade humana. Não fica evidente, também, o lugar da educação física (ou melhor, educação motora) no âmbito daquilo que Manuel Sérgio chama de CMH. Essa incompreensão é perceptível quando o PPP apresenta os Objetivos do Curso que são enfim a direcionalidade pretendida para a licenciatura. Dentre os objetivos aparece “Reconhecer a Educação Motora como ramo pedagógico das Ciências da Motricidade Humana (Educação Física)” (p. 33). Em outro objetivo, o PPP adere à concepção da Educação Física como Educação Motora: “Elaborar propostas pedagógicas em Educação Motora, que possam ser aplicadas em comunidades interessadas, em cooperação com outras áreas de produção de conhecimento” (p. 33). Aqui a discussão pedagógica do campo acaba sendo pautada no interior da CMH, afirmando-se que essa ciência proposta é que dará identidade à licenciatura em EF. No início da apresentação do novo tópico “Concepções e Finalidades do Curso” afirma-se a EF como: “[...] uma área de estudo, elemento educacional e campo profissional caracterizado pela análise, ensino e aplicação do conjunto de conhecimentos sobre o movimento humano intencional e consciente nas suas dimensões biológica, comportamental e sócio-cultural” (p. 34), desconsiderando, dessa forma, a filiação teórica à CMH anteriormente proposta. A imprecisão epistemológica reaparece na caracterização da EF “como um campo de intervenção profissional [...] de diferentes manifestações e expressões da atividade física / movimento humano / motricidade humana.” (grifos nossos, p. 35). Sem nos adentrarmos profundamente no tema, associar a EF à concepção do movimento humano intencional merece uma atitude de cautela, uma vez que pode comportar uma compreensão dúbia do movimento: como reprodução mecânica alienante, num viés predominantemente tecnicista ou como uma compreensão do movimento humano de forma crítica. Diante desse contexto e após a nova reforma curricular nos cursos de graduação em Educação Física, nos perguntamos: qual seria o compromisso da formação inicial enquanto a sua prática pedagógica da Educação Física? Será que os Projetos Político-Pedagógicos das IES da região oeste do Paraná compreendem a reforma curricular exigida pelos novos marcos legais? Nesta complexidade de questões e produções de significados, entendemos que os temas abordados pelas "mudanças ocorridas na formação profissional em Educação Física, em face das recentes mudanças nas orientações curriculares, marcadas pelos conflitos políticos e epistemológicos, bem como das mudanças ocorridas no mundo do trabalho" (FIGUEIREDO, 2005, p.1), poderão ser esclarecedoras para a nossa pesquisa. Partindo do pressuposto de que haveria uma despreocupação em relação ao conteúdo dessas propostas, um descompromisso em teorizar e refletir as questões acima citadas é importante pensarmos que esse estudo pode contribuir para o esclarecimento das questões da formação profissional da região oeste do Paraná, e ainda, compreender sobre o alcance que cada proposta curricular na formação profissional em Educação Física, considerando suas influências na formação de professores e as práticas daí decorrentes. Percebemos, então, várias tensões na atualidade que imprimem significados aos cursos de Educação Física. Estas tensões, se refletidas, podem proporcionar novas significações para o campo e até balizar novas proposta. Dessa forma, nossa questão se fundamenta em compreender como se processam essas significações nos PPPs. 6. REFERÊNCIAS BETTI, M; Educação Física In: FENSTERSEIFER, P.; GONZALES, F. (Orgs.). Dicionário crítico da educação Física. Ijuí: ed. UNIJUÍ, 2005. p. 144-150. BRACHT, V. Saber e fazer pedagógicos: acerca da legitimidade da educação física como componente curricular. In: Caparróz, Francisco Eduardo. (Org.) Educação física escolar: política, investigação e intervenção. Vitória, ES: PROTEORIA, 2001. __________. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos CEDES. v. 19, n. 48, p. 69-88. 1999a Disponível em: <http://www.scielo.br. ISSN 0101-3262. Acesso em junho de 2007. __________. Educação Física & Ciência: cenas de um casamento (in)feliz. 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