Prospecção Geofísica I – Capítulo 2. Propriedades Eléctricas das Rochas
Fernando M. Santos-2006
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CAPÍTULO 2. PROPRIEDADES ELÉCTRICAS DAS ROCHAS
2.1. Condutividade e resistividade eléctrica efectivas das rochas. Factores que
influenciam a resistividade eléctrica.
2.2. O efeito da argila
2.3. Modelos de resistividade efectiva de um meio material.
2.3.1. Modelos de meios bifásicos.
2.3.2. A lei de Archie.
2.4. Propriedades dieléctricas das rochas. A dependência da permitividade eléctrica
com a frequência e com o conteúdo em água.
2.1. Condutividade e resistividade eléctrica efectivas das rochas. Factores que
influenciam a condutividade eléctrica das rochas.
A condutividade eléctrica efectiva σ, é uma propriedade dos materiais que
quantifica a relação existente entre o campo eléctrico aplicado
r
r
E e a densidade de
corrente J que percorre a unidade de volume desse material (Figura 2.1.1). Temse, de acordo com a lei de Ohm:
r
r
J = σE
(2.1.1)
No SI a unidade de condutividade eléctrica designa-se por Siemens por metro e
representa-se S/m. A condutividade eléctrica é, em geral, uma propriedade
tensorial. Num sistema de coordenadas cartesiano o tensor condutividade eléctrica
tem nove componentes:
I
∆V
Figura 2.1.1. Definição heurística de
resistividade eléctrica de um material.
∆V= Ref I com Ref=(ρef L/A), onde L é o lado do
cubo e A=L2.
σ xx

σ = σ yx
σ zx

σ xy σ xz 

σ yy σ yz 
σ zy σ zz 
(2.1.2)
O tensor das condutividades é um tensor simétrico e se expresso nas direcções
principais da condutividade vem,
σ xx
σ =  0
 0
0
σ yy
0
0 
0 
σ zz 
(2.1.3)
Em materiais isotrópicos os três valores principais da condutividade eléctrica são
iguais e a condutividade eléctrica é uma grandeza escalar. Neste tipo de materiais os
vectores densidade de corrente e campo eléctrico são colineares. Nos materiais
anisotrópicos os três valores da condutividade eléctrica são diferentes e aqueles
vectores só serão colineares quando o campo eléctrico fôr aplicado na direcção de
um dos eixos principais do tensor. Os fenómenos de anisotropia são bastante
importantes e serão estudados posteriormente.
A condutividade eléctrica não é, em geral, representado por uma grandeza real e
não é uma grandeza constante. A condutividade (e a resistividade) eléctrica é uma
grandeza complexa que depende da frequência do campo electromagnético, isto é,
σ = σ ' (ω ) + i σ ' ' (ω )
(2.1.4)
1
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A resistividade eléctrica efectiva ρ, é a grandeza definida por,
ρ = ρ’(ω) - i ρ’’(ω)
(2.1.5)
onde ω = 2 π f é a
frequência angular, f é a
frequência em Hz e i =
− 1 . As componentes
real e imaginária da
resistividade eléctrica estão
relacionadas
com
a
condutividade
eléctrica
efectiva por,
ρ’ = σ’ / | σ |2
ρ’’ = σ’’ / | σ |2 (2.1.6)
Figura 2.2.2. Variação da resistividade com a frequência.
Amostra de xisto grafitoso saturado em 0.001 mol/l KCl. De
Olhoeft.
Borner et al. (1993)
verificaram
que
a
componente imaginária da
condutividade eléctrica é
particularmente sensível à
presença de contaminação
tendo Park e Dickey (1989)
encontrado
que
esta
componente é também sensível à presença de argila.
Em alguns casos, contudo, e para a gama de frequências mais usadas em estudos
geoelectromagnéticos, a condutividade eléctrica pode ser representada por um
escalar sendo então possível definir-se a grandeza inversa, isto é, a resistividade
eléctrica efectiva
metal
Lítio
Sódio
Alumínio
Ouro
Cobre
Prata
Antimón.
Bário
*Cobre
nativo
*Grafite
(carbono)
*Grafite
(carbono)
resistividade
(x10-8 ohm-m)
8,5
4,3
2,5
2,0
1,6
1.5
36
59
1,2 a 30
36 a 100
(paralelamente
ao plano de
clivagem)
2800 a 990000
(paralelamente
ao plano de
clivagem)
Tabela 1. Resistividade eléctrica de alguns
metais e minerais metálicos (*) (corrente
contínua a 0ºC). Adaptado de Keller e
Frischknecht (1977).
ρ = 1/ σ
(2.1.7)
A unidade SI desta grandeza designa-se por ohm metro e representa-se por Ω⋅m ou
por ohm⋅m.
Mecanismos de condução da corrente eléctrica
Existem vários processos físicos que permitem a condução eléctrica numa rocha. A
classificação em condução electrolítica, electrónica ou de semi-condutor traduz
apenas o mecanismo que é dominante.
Condutividade dos metais
A condução electrónica corresponde ao mecanismo de condução dos condutores
metálicos. Embora a ocorrência de metais no estado puro seja muito rara na
natureza, tais ocorrências são de grande importância económica. O mecanismo de
condução nos metais é classicamente explicado pela teoria de Drude. De acordo com
esta teoria, existe uma nuvens de electrões em permanente (e desorganizado)
movimento, constituída pelos electrões de valência do metal. Quando se aplica um
campo eléctrico externo a nuvem de electrões adquire um movimento organizado
dando origem a uma corrente eléctrica. Este movimento organizado dos electrões é
ocasionalmente perturbado pelo choque de alguns deles com os núcleos dos átomos
da rede metálica. O tempo médio entre os choques de um dado electrão designa-se
por tempo de relaxação τ (da ordem de 10-13 s). A condutividade eléctrica dos
metais é, para o domínio de frequências usado em geofísica, independente da
2
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frequência (Tabela 1). De acordo com a teoria de Drude, a condutividade eléctrica
dos metais será dada por,
σ = n e2 τ/ m*
sulfidos
Calcopirite
(Cu2S)
Covelite
(CuS)
Galena
(PbS)
Pirite
(FeS2)
Esfarelite
(ZnS)
Óxidos
Cassiterite
(SnO2)
Cuprite
(Cu2O)
Ilmenite
(FeTiO3)
Magnetite
(Fe3O4)
Elemento
nativo
Diamante
(C )
resistividade
( ohm-m)
150 a 9000x10-6
0,30 a 83 x10-6
6,8 x10-6 a
9,0 x10-2
1,2 a 600 x10-3
2,7 x10-3 a
1,2 x104
4,5 x10-4 a
10000
10 a 50
0,001 a 4
56 x10-6
2,7
Tabela 2. Resistividade eléctrica de
alguns
minerais
semicondutores
(corrente contínua). Adaptado de Keller
e Frischknecht (1977).
H+
OHNa+
ClK+
HCO3-
36,2x10-8
20,5 x10-8
5,2 x10-8
7,9 x10-8
7,6 x10-8
4,6 x10-8
Tabela 3. Valores de mobilidade para
alguns iões a 25ºC,
m/s/V/m
(adaptado de Zhdanov e Keller,
1994).
(2.1.8)
onde n é o número de electrões livres por unidade de volume de metal, e é a carga
eléctrica do electrão, e m* é a massa do electrão. A existência de impurezas e
imperfeições nos metais altera a sua condutividade pois altera o tempo de
relaxação.
Condutividade dos semicondutores
Os semicondutores são materiais não metálicos em que os portadores da corrente
eléctrica são um número reduzido de electrões e igual número de lacunas, com
pequena mobilidade. Nos semicondutores os electrões de valência só podem ser
libertados por acção térmica. Quando um electrão de um binário de covalência é
libertado cria-se uma lacuna. Esta lacuna pode ser ocupada por electrões vizinhos,
originando-se um movimento de lacunas. O número de portadores (electrões)
aumenta com a temperatura de acordo com a lei de Stefan-Boltzmann,
ne ∝ exp (-E/kT)
(2.1.9)
onde ne é o número de electrões (portadores), E é a energia de activação
(característica de cada material), k é a constante de Boltzmann (1.380x10-16 erg/ºC)
e T a temperatura absoluta. Ao contrário dos metais a condutividade eléctrica dos
semicondutores aumenta com a temperatura.
Os materiais geológicos, quando não metais puros, comportam-se geralmente como
semicondutores. Se a energia de activação for baixa, os materiais comportam-se
como condutores. Estão neste grupo os sulfidos. Se a energia de activação for
elevada o material comporta-se como um isolante. Os minerais silicatados têm
elevados valores de energia de activação. Nestes materiais a condução iónica é mais
importante que a electrónica.
Os minerais mais importantes com comportamento semicondutor são os que contêm
enxofre e os óxidos metálicos. Na Tabela 2 são apresentados alguns valores de
resistividade para este grupo de minerais.
Condutividade em soluções electrolíticas aquosas
Uma rocha é um material heterogéneo geralmente constituído por uma fase sólida
(matriz rochosa) e por fases líquida e/ou gasosa que lhe preenchem os poros. O
comportamento eléctrico da rocha depende, então, da condutividade eléctrica da
matriz, da porosidade, da textura e distribuição dos poros, da condutividade
eléctrica do fluido intersticial, da quantidade de fluido intersticial bem como dos
processos que ocorrem nas superfícies de contacto entre a matriz rochosa e as fases
fluidas. A condutividade eléctrica efectiva depende ainda da frequência do campo
eléctrico aplicado.
Para as rochas na parte mais exterior da crusta o factor predominante no seu
comportamento geoeléctrico é a solução aquosa que preenche os seus poros.
Quando um sal se dissolve na água, os iões (positivos e negativos) que o constituem
separam-se ficando livres para se movimentarem no líquido. Na ausência de um
campo eléctrico este movimento é aleatório apresentando-se a solução como
electricamente neutra. Na presença de um campo eléctrico exterior os aniões
deslocar-se-ão no sentido do campo aplicado e os catiões em sentido oposto,
possibilitando a passagem de corrente eléctrica. O movimento dos iões será
acelerado. A velocidade máxima das cargas dependerá da viscosidade do líquido.
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Define-se por mobilidade a velocidade uniforme atingida quando se aplica um
campo eléctrico de 1 V/m. A mobilidade depende da temperatura e da concentração
de sais. O aumento da temperatura diminui a viscosidade e contribui para um
aumento da mobilidade. Um aumento da concentração iónica, pelo contrário,
contribui para diminuir a mobilidade uma vez que o movimento dos iões será
prejudicada pela presença de outros nas proximidades. Na Tabela 3 apresentam-se
valores de mobilidade para alguns iões.
A relação entre temperatura e condutividade eléctrica pode ser traduzida pela
seguinte expressão empírica,
σ(T) = [1 + α(T-18)] σ(18ºC)
(2.1.10)
onde σ(18ºC) representa a condutividade eléctrica a 18 Celsius e α é um coeficiente
experimental cujo valor típico é 0,025 ºC-1.
Figura
2.1.2.
Condutividade
eléctrica da água. Adaptado de
Zhdanov e Keller, 1994)
O comportamento da condutividade eléctrica da água com a temperatura, sendo a
pressão um parâmetro, é representado na Figura 2.1.2. O ponto mais baixo da curva
corresponde aproximadamente à temperatura crítica de 374,15 ºC. Para
temperaturas superiores a água vaporiza-se e a resistividade aumenta abruptamente.
Para temperaturas inferiores à temperatura crítica, verifica-se um aumento da
resistividade sem que se verifiquem mudanças de estado. O ponto crítico, no
interior da terra, não é fácil de estimar devido aos sais dissolvidos, mas parece ser
razoável esperar que ocorra a profundidades inferiores a poucas dezenas de
quilómetros (Zhdanov and Keller, 1994). Mesmo a grandes profundidades deverá
existir água que permita que os sais sejam ionizados. Em zonas vulcânicas
caracterizadas por elevadas temperaturas, e a pequenas profundidades, é possível
verificar a existência de água na forma de vapor. Nestas zonas a rocha está seca e os
valores da resistividade são elevados.
Os fluidos que preenchem
total ou parcialmente os
poros das rochas são
habitualmente
soluções
Quaternário
1-10
15-50
50-5000
e Terciário
aquosas de sais minerais
Mesosóico
5-20
25-100
20-500
500-2000
100-10000
onde predomina o Cloreto
Carbonífero
10-40
50-300
50-1000
1000-5000
200-100000
de Sódio (NaCl). A
Paleozóico
condutividade
destas
Paleozóico
40-200
100-500
100-2000
1000-5000
10000soluções varia com a
(inferior)
100000
Pre-Câmbrico
100-2000
300-5000
200-5000
5000-20000
10000concentração
do
sal
100000
dissolvido, pelo que, em
condições normais, as
Tabela 4. Resistividade eléctrica (ohm-m) de rochas de diferentes litologias e idades (adaptado de Keller e
águas
mais profundas
Frischknecht, 1977).
apresentam condutividades
superiores
às
águas
superficiais, uma vez que estão mais mineralizadas. Os poros das rochas podem,
contudo, conter soluções não aquosas, sendo os hidrocarbonetos uma das mais
relevantes.
Idade
Sedimentos
marinhos
Sedimentos
continentais
Rochas
extrusivas
(basalto,riolito)
10-200
Rochas
intrusivas
(granito,gabro)
500-2000
Precipitados
(calcário)
A condutividade da matriz rochosa é muito variável e depende da sua textura
podendo, em função dela, apresentar anisotropia. Numa matriz isotrópica, com
estrutura porosa aleatória, a condutividade não depende da direcção em que se faz a
medição. Se a forma dos poros possuírem direcções preferenciais verifica-se que a
condutividade eléctrica varia com a direcção de medição.
Se se considerar o comportamento dos minerais, estes podem ser associados de
acordo com o mecanismo de condução eléctrica dominante em cada caso. Ter-se-á,
em primeiro lugar o grupo dos metais, em que predomina a condução electrónica e
4
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onde as condutividades eléctricas variam entre 106 e 104 S/m. O segundo grupo de
minerais apresenta um comportamento que se assemelha ao dos semi-condutores,
fortemente condicionada pela temperatura, incluindo bons condutores, como a
covelite, e maus condutores como o quartzo. O terceiro grupo é incluí minerais com
condutividade eléctrica muito baixa, inferior a 10-7 S/m.
Considerando todos os factores que influenciam o comportamento
eléctrico das rochas observa-se, em geral, que (Tabela 4):
1- As rochas sedimentares caracterizam-se por terem condutividades
elevadas, quando comparadas com os outros tipos de rocha.
Contudo, algumas rochas sedimentares possuem condutividades
muito baixas. Estão neste caso as areias de duna, quando secas e as
que possuem porosidade muito baixa como o gesso. As argilas
desempenham um papel muito particular no comportamento das
rochas. Na presença de água as argilas apresentam condutividade
eléctrica elevada devido ao efeito combinado da água e da
polarização superficial das partículas de argila (superfície
electricamente activa). Por outro lado, devido à sua baixa
porosidade, a água é retida na rocha aumentando a sua
mineralização.
2- As rochas eruptivas apresentam valores baixos de condutividade
eléctrica devido, em particular, à sua baixa porosidade. Contudo a
sua condutividade aumenta com a fracturação.
3- As rochas metamórficas apresentam valores de condutividade
eléctrica que se situam entre os valores apresentados pelas rochas
sedimentares e as eruptivas. Como a porosidade e o conteúdo em
Figura 2.2.1. Possíveis mecanismos de adsorção da água
água dependem do grau de metamorfismo, a condutividade eléctrica
pela argila.
efectiva diminui com aquele. Existem, contudo, excepções
associadas, por exemplo, à presença de grafite, que conduz a um
aumento da condução electrónica, e como tal, a um aumento da condutividade
eléctrica. As rochas metamórficas apresentam frequentemente anisotropia da
condutividade eléctrica.
2.2. O efeito da argila
A presença de argila num material geológico tem dois efeitos, no que respeita ao
seu comportamento geoeléctrico: 1) por um lado diminui a resitividade eléctrica do
material e, por outro, 2) torna essa propriedade dependente da frequência do campo
electromagnético. Este comportamento da argila é devido ao facto de ela possuir
uma “superfície electricamente activa”. Para se perceber este efeito consideremos,
ainda que resumidamente, a constituição das argilas.
Argila
Caulinite
Montmorilonite
Ilite
Clorite
m-equiv/100 g
3 a 15
80 a 150
10 a 40
10 a 40
Capacidade de troca iónica de algumas argilas.
Os materiais argilosos estão normalmente presentes em locais onde o material
rochoso primário foi sujeito a reacções de tipo diverso, mas onde a hidrólise,
hidratação e descarbonatação predominam (em preenchimentos cársicos; em caixas
de falha e em zonas de alteração da rocha junto a este tipo de descontinuidades ou
em terrenos aluvionares). Tipicamente, uma partícula de argila é formada pela
repetição de uma estrutura básica constituída por duas camadas. A primeira, com
uma estrutura planar tetahédrica de sílica (átomos de sílica rodeados por átomos de
oxigénio nos vértices do tetahedro). A segunda tem uma estrutura planar de
octahedros de magnésio ou alumínio rodeados de átomos de oxigénio ou hidróxilos
nos vértices do octahedro. Contudo, os elementos silica, alumínio e magnésio
podem ser substituídos por outros elementos: a sílica pode ser substituída por
alumínio e o magnésio pode substituir o alumínio ou o alumínio pode ser
substituído por ferro. Essas substituições poderão originar desequilíbrios eléctricos
(geralmente a estrutura fica electricamente negativa). Para manter a neutralidade
eléctrica tenderá a captar iões do ambiente (meio aquoso), iões esses que ficarão
retidos na superfície da partícula de argila (Figura 2.2.1). Os iões captados
5
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(adsorvidos) não fazem parte da estrutura cristalina da argila e podem ser
substituídos por outros, isto é, eles estão disponíveis para troca. De notar que
diferentes iões (ou moléculas polarizadas) estarão adsorvidos com diferentes
intensidades. A grandeza que mede o número de iões adsorvidos pela superfície
das particulas de argila designa-se como capacidade de troca iónica (CEC-Cation
Exchange Capacity) e é, geralmente, expressa em miliequivalentes adsorvidos por
100 g de argila (m-equiv/100 g).
Na presença de água, e devido ao efeito descrito, a concentração de iões aumenta
junto da superfície das partículas de argila. A camada formada pelos iões mais
intensamente ligados à superfície da argila é designada por camada de Stern. Os
iões mais fracamente ligados à argila poderão difundir-se na solução formando uma
camada de difusão. Cria-se, assim, um campo eléctrico na vizinhança da partícula
de argila que condiciona também a difusão dos iões. Ao conjunto formado pela
superfície carregada e pela zona de diffusão que lhe está associada designa-se por
camada dupla de difusão (diffuse double layer). Na Figura 2.2.2 representa-se a
variação da concentração de iões e o potencial eléctrico típico de uma camada dupla
de difusão.
A camada de difusão, devido ao grande número de iões, possui uma
capacidade de condução da corrente eléctrica superior à solução que
preenche, normalmente, os poros da formação rochosa e, por isso,
representa um caminho paralelo (e mais eficiente) para a condução da
corrente eléctrica. Como as partículas de argila têm uma grande área
útil, a presença desde mineral nas rochas, juntamente com a presença de
água, altera de maneira significativa a condutividade da formação
rochosa. O efeito é mais significativo quando a resistividade da água é
maior não sendo importante para soluções de condutividade elevada
(com concentração muito elevada de iões).
Figure 2.2.2. Camada dupla de difusão (retirado de
Berkeley course of A.G.).
Nota: o segundo efeito da argila será estudado mais tarde no capítulo
referente ao Método da indução polarizada (IP).
2.3. Modelos de resistividade efectiva de um meio material
2.3.1. Modelos de meios bifásicos
Y
X
Z
1
2
3
4
Figura 2.3.1. Modelos bifásicos.
O comportamento geoeléctrico de algumas rochas pode ser aproximado por
modelos simples em que se combinam duas ou mais fases. Considere-se um meio
formado por dois componentes com condutividade eléctrica diferentes, σ1 e σ2,
presentes numa percentagem (volúmica) respectivamente de p e (1 - p).
Consideremos que o material 1 se distribui no seio do material 2 de acordo com os
quatro modelos apresentados na Figura 2.3.1. No primeiro caso supõe-se que o
material 1 forma cilindros que atravessam o cubo formado pelo material 2. Supõese, ainda, que os cilindros são em idêntico número nas três direcções espaciais. No
segundo modelo aceita-se que os materiais 1 e 2 estão empilhados. No terceiro
modelo (estudado por Maxwell) supõe-se que o material 1 é formado por esferas
que se encontram aleatoriamente distribuídas no seio do meio 2. O modelo 4
apresentado por Schilling et al. (1997) é particularmente utilizado em estudos
ligados ao efeito dos materiais parcialmente fundidos. Os resultados deste modelo
são iguais aos obtidos utilizando o modelo proposto por Waff (1977).
A condutividade efectiva, para cada um dos modelos é dada, respectivamente por:
modelo 1)
σx = σy = σz = p σ1 / 3 + (1 – p) σ2
(2.3.1)
modelo 2)
σx = σy = p σ1 + (1 – p) σ2
σz = σ1 σ2 / [ p σ2 + (1 – p) σ1 ]
(2.3.2)
6
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modelo 3) σx = σy = σz = σ2 [2 σ2 + σ1 + 2 p (σ1 - σ2 )] / [2 σ2 + σ1 - p (σ1 - σ2 )]
(2.3.3)
modelo 4) σx = σy = σz = σ1 [σ1 ( f 2/3 - 1 ) - σ2 f 2/3 ] / [ σ2 ( f - f 2/3 ) +
+ σ1 ( f 2/3 - f - 1)] com f = 1 - p
(2.3.4)
Exercício. Verifique as relações correspondentes aos dois primeiros modelos.
O modelo 2 apresenta uma condutividade na direcção vertical diferente da
condutividade horizontal, isto é, o modelo 2 é anisotrópico ao contrário dos
restantes modelos.
Na Figura 2.3.2 apresenta-se o comportamento da condutividade eléctrica dos
modelos comparando-os com o previsto pela lei de Archie (curva a tracejado), que
será discutida no próximo parágrafo.
Res. Efectiva (ohm-m)
100
2z
80
3
60
2.3.2. A lei de Archie.
40
1
20
4
2x
0
0
0.1
0.2
Percent. vol. p
0.3
Figura
2.3.2.Comportamento
da
resistividade eléctrica dos modelos 1 a 4,
comparado com a lei de Archie quando
a=1, m=2, Sw=1, σ1=3.3 S/m, σ2=0.01
S/m.
São conhecidas algumas relações entre as propriedades eléctricas das formações
geológicas e as propriedades hidrogeológicas sendo a lei de Archie a mais utilizada.
Estas relações são de aplicação local não tendo sido, ainda, encontrada uma relação
ou relações de aplicação geral.
Para uma formação sem a presença de argila a equação de Archie dá a relação entre
a condutividade eléctrica da água σw e a condutividade da efectiva (ou da formação)
água σe:
σw = I F σe
(2.3.5)
onde F é o factor da formação (F = ρe/ ρw ) e I o índice de resistividade. Em termos
da porosidade φ e da saturação Sw (percentagem de água na formação, superior ao
valor crítico saturação)1 F e I são expressos do seguinte
modo:
Tabela 5. Valores de a e m na lei de Archie (adaptado de
Zhdanov e Keller, 1994).
Rocha
a
m
detrítica fracamente cimentada - areia,
0,88
1,37
arenitos, calcários com porosidade de 25
a 40%. (Terciário)
sedimentares moderadamente
0,62
1,72
cimentadas – arenitos, calcários com
porosidade de 18 a 35%. (Mesozóico)
sedimentares bem consolidadas com
0,62
1,95
porosidade de 5 a 30%. (Paleozóico)
volcânicas muito porosas – tufos com
3,5
1,44
porosidade de 20 a 80%
ígneas e metamórficas com porosidade
1,4
1,58
inferior a 4%
F = a φ-m
(2.3.6)
I = Sw-n
(2.3.7)
onde a, m e n são constantes empíricas. Os valores destas
constantes dependem do tipo de formação. A Tabela 5
apresenta alguns valores típicos. Combinando as expressões
anteriores obtém-se:
σe = a-1 Swn φm σw
(2.3.8)
Os efeitos da argila podem ser levados em conta através da
modificação da equação de Archie (McNeil, 1990) que, no caso das formações
saturadas se escreve,
σe = φm σw + σc
(2.3.9)
onde o termo σc traduz o efeito da argila.
1
A saturação crítica corresponde ao valor mínimo de saturação que permite ainda a ligação entre a água contida nos
poros. Para valores de saturação abaixo do valor crítico, verifica-se um aumento rápido na resistividade da amostra.
7
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Exercício. Obtenha uma estimativa da porosidade das formações geológicas a partir
dos seguintes valores de resistividade (valores em ohm m)
Matriz rochosa + água
20
17
18
60
40
Água
7.8
6.5
5.3
4.5
7.4
Como se disse, a lei de Archie não é válida na presença de argila. Waxman e Smits
(1968) obtiveram experimentalmente uma expressão para levar em conta o efeito da
agila. Nessa expressão o factor de formação aparente Fa (com a presença da argila)
relaciona-se com o factor de formação F (medido quando a rocha está saturada com
uma solução de elevada concentração) do seguinte modo2:
Fa = ρe/ ρw = F / (1 + ρw B Q)
(2.3.10)
Q é a capacidade de troca iónica (da argila) por unidade de volume e B é um factor
que tem em atenção a variação da mobilidade dos iões com a concentração da
solução.
Exercício. Assumindo que a variação da resistividade de uma formação
geológica está associada unicamente à variação da porosidade e que a lei
de Archie é válida, (Sw =1) mostre que a variação relativa da resistividade
efectiva é igual a –mε/φ, onde m o expoente da lei de Archie e ε é a
deformação volúmica. Discuta a importância deste resultado na utilização
dos métodos geoeléctricos na monitorização das variações de pressão no
interior das formações.
2.4. Propriedades dieléctricas das rochas. A dependência da
permitividade eléctrica com a frequência e com o conteúdo em água.
A permitividade relativa complexa (efectiva) ou coeficiente dielétrico
complexo K é a grandeza usada no estudo das propriedades dieléctricas
dos materiais e pode ser expressa por:
K = K’ – i K’’’
(2.4.1)
A parte imaginária pode ser separada em duas componentes sendo uma
delas função da frequência (Alvarez, 1973),
K = K’ – i (K’’ + σdc/(ω εo) )
Figura 2.4.1. Parte real e imaginária de K para a bentonite
com diferentes conteúdos de água.
(2.4.2)
sendo σdc a condutividade eléctrica para a frequência nula e εo a
permitividade do vazio (8.854x10-12 F/m). Os diferentes parâmetros estão
relacionados entre si por:
σ’’=ω K’ εo
K’’’= σ’/ω
Uma análise da condutividade complexa
(2.4.3)
(2.4.4)
2
Consequentemente, tem-se para um meio saturado, σe = φm (1 + σw B Q).
Geralmente (Sen et al., 1988), B= 4,6 (1-0,6 e- σw/1.,3 )
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Prospecção Geofísica I – Capítulo 2. Propriedades Eléctricas das Rochas
Fernando M. Santos-2006
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σ = σ’ + ω K’ εo
(2.4.5)
mostra que para frequências ω << σ’ / (K’ εo) a condutividade complexa depende
principalmente de σ’ e que para frequências ω >> σ’ / (K’ εo) a dependência é
fundamentalmente das propriedades dieléctricas do material. Geralmente o termo
condutividade eléctrica refere-se à parte real da grandeza complexa e, portanto,
corresponde aos valores obtidos para baixas frequências. Neste caso, e só neste
caso, a resistividade é dada pelo inverso da condutividade.
A partir de ensaios laboratoriais determinou-se que a componente imaginária de K é
pequena, quando comparada com a parte real, procurando-se conhecer a
dependência de K’ com o conteúdo de água (Topp et al., 1980,1988). Para
frequências entre 1 MHz e 1GHz o conteúdo em água domina as propriedades
dieléctricas dos materiais, uma vez que o valor da permitividade relativa da água (≈
85) é cerca de 20 vezes maior que a permitividade da matriz rochosa (Figura 2.4.1).
Para conteúdos elevados de água tem-se (Topp et al., 1980,1988),
K’ = Sw Kw + (1- θ) Ks
(2.4.6)
sendo Sw a percentagem em água, Kw e Ks a permitividade da água e da matriz
sólida, respectivamente.
Referências
Keller, G.V. and Frischknecht, F.C., 1977. Electrical methods in geophysical
prospecting. International series in electromagnetic waves, V. 10. Pergamon Press.
Schilling, F. R., Partzsch, G. M., Brasse, H. and Schwarz, G. (1997). Partial melting
below the magmatic arc in the central Andes deduced from geoelectromagnetic field
experiments and laboratory data. Physics of the Earth and Planetary Interiors, 103, 1731.
Zhdanov, M.S. and Keller, G.V., 1994. The geoelectrical methods in geophysical
exploration. Methods in geochemistry and geophysics. Elsevier.
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