PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
Pokémon: game, narrativa transmídia e participação coletiva na
cultura da convergência1
João Paulo de Oliveira Carmo2
Quise Gonçalves Brito3
Yuji Gushiken4
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, Mato Grosso
Resumo
Este artigo aborda o universo da série Pokémon e a sua relação com o público no decorrer de
quase duas décadas de existência. Para tanto, é analisado o seu potencial enquanto narrativa
transmídia que expandiu o enredo do jogo eletrônico para diversas plataformas midiáticas,
proporcionando múltiplas formas de envolvimento aos fãs. Associado a isto, destaca-se a
dinâmica de autonomia e de participação promovida pelos meios tecnológicos no contexto da
cultura de convergência, conceito trazido por Henry Jenkins e que envolve as atuais formas
de relacionamento entre o público e a mídia. A partir da definição de contemporaneidade de
Giorgio Agamben, aborda-se também o processo coletivo que reatualiza a série e faz de seu
universo uma experiência contemporânea de entretenimento para fãs do mundo todo.
Palavras-chave: Pokémon; transmídia; convergência; coletividade;
contemporaneidade.
1
Artigo apresentado no Grupo de Trabalho (GT) em Comunicação, Consumo e Subjetividade, do 4º
Congresso Internacional em Comunicação e Consumo (Comunicon), realizado de 08 a 10 de outubro
de 2014 na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), em São Paulo, Estado de São
Paulo, Brasil. Artigo produzido no projeto de pesquisa “Modernização tecnológica e midiática:
Imagens da cidade e demandas do cosmopolitismo” (Propeq/UFMT) e no Núcleo de Estudos do
Contemporâneo (NEC-UFMT/CNPq).
2
Mestrando (Bolsista Capes/MEC) em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO-UFMT/Cuiabá),
linha Comunicação e Mediações Culturais. Graduado em Comunicação Social pela Universidade
Federal de Mato Grosso (2013) e em História pela UNESP (2008). [email protected]
3
Doutoranda (Bolsista Capes/MEC) e mestre (2013) pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Cultura Contemporânea pela Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO-UFMT/Cuiabá).
[email protected]
4
Professor e pesquisador do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação
em Estudos de Cultura Contemporânea (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal de Mato
Grosso (ECCO-UFMT/Cuiabá), em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. [email protected].
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Introdução
No final do século XX o mundo vivenciou o surgimento de um grande
fenômeno cultural e comercial que cruzou as fronteiras entre oriente e ocidente:
Pokémon. Considerada uma das séries de entretenimento de maior sucesso já lançada,
Pokémon rapidamente se transformou em um ícone da cultura pop não só japonesa,
mas de toda uma geração que assistiu ao advento desta “febre” em escala global. À
frente da jornada desta franquia que permanece em atividade até hoje, destaca-se o
Pikachu, um rato elétrico amarelo e de bochechas vermelhas, que conquistou uma
grande diversidade de fãs, sendo lembrado por protagonizar tanto o desenho animado,
quanto o licenciamento e a venda de toda uma gama de produtos inspirados na série.
Para compreender o advento da franquia e a sua estabilização no mercado
cultural global, este artigo analisa o processo de transmidiação de Pokémon que
disponibilizou em diferentes plataformas os meios para que os fãs se envolvessem
com seu universo fictício. A partir do conceito de inteligência coletiva de Pierre Lévy
e dos novos parâmetros de participação estabelecidos pela cultura de convergência
(JENKINS, 2009), busca-se demonstrar a importância da mobilização social do
público para a manutenção da série e para a atribuição da contemporaneidade
(AGAMBEN, 2009) que caracteriza o próprio Universo Pokémon.
A origem do fenômeno Pokémon
Pokémon foi criado em 1995 pelo desenvolvedor de jogos eletrônicos Satoshi
Tajiri para a empresa japonesa de videogames Nintendo. O início da franquia ocorreu
com o lançamento dos jogos Pokémon Red e Green (ou Pokémon Red e Blue, na
versão norte-americana), desenvolvidos pela produtora Game Freak para o console
portátil Game Boy. Desde então, Pokémon passou por uma grande expansão enquanto
marca e conquistou a posição de segunda maior franquia mundial de videogames,
sendo superado apenas pela série Mario, também de propriedade da Nintendo.
O nome Pokémon resulta da conjunção das palavras em inglês pocket e
monsters, traduzido em português como “monstros de bolso”. A portabilidade que dá
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origem ao nome é representada pelas Pokébolas, pequenos dispositivos esféricos que
servem para condicionar e transportar, cada uma, um pokémon. No universo criado
pelo jogo, os pokémons correspondem às centenas de criaturinhas, baseadas em várias
espécies de animais, plantas, mitos e até mesmo objetos. O Meowth, por exemplo, é
um pokémon cuja criação esteve diretamente associada a aspectos da tradição cultural
japonesa. Este pokémon felino, com um koban5 acima dos olhos, faz menção a um
antigo provérbio do Japão sobre um gato que carregava uma moeda na cabeça sem
saber que estava lá, um conto que transmite valores sobre a noção do dinheiro.
Figura 1 – Meowth destacado em cartaz promocional de uma loja japonesa especializada em Pokémon
(Pokémon Center). Fonte: www.pocketmonsters.net
Inspirados no evolucionismo de Charles Darwin e na metamorfose dos insetos,
a maioria dos pokémons possui a capacidade de evoluir, transformando suas formas
físicas e adquirindo novas habilidades e poderes relacionados aos elementos que
fazem parte de sua natureza 6 . Principalmente nos estágios iniciais, os pokémons
possuem um visual simples e de formas arredondadas, passando a ideia de filhotes e
de animais de estimação. Tal conceito estético é denominado kawaii (“fofo”) e
5
Moeda de ouro antiga japonesa.
Os pokémons são classificados de acordo com os elementos: Água, Grama, Fogo, Elétrico, Pedra,
Terra, Inseto, Veneno, Psíquico, Fantasma, Metal, Gelo, Dragão, Voador, Lutador, Noturno, Fada e
Normal.
6
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ganhou destaque como uma das principais expressões artísticas da cultura popular do
Japão a partir da década de 1980, sendo bastante recorrente na criação de personagens
e mascotes (OKANO, 2012).
No videogame, o jogador vive o papel do treinador destes monstrinhos,
batalhando contra adversários e pokémons selvagens para elevar progressivamente o
nível de experiência e de habilidades de seu time pessoal de pokémons. O jogo se
desenvolve nos moldes de um RPG 7 e oferece ao treinador múltiplas formas de
explorar os diferentes cenários que compõem o enredo, como cidades, florestas e
cavernas.
Cada cidade do Mundo Pokémon tem por objetivo refletir os diferentes
aspectos referentes à própria cultura japonesa, como a sonolenta cidadezinha de
Lavender8 e a agitada Castelia9, com seus prédios, músicas e multidões (BAZAN,
2012) - uma alusão ao contraste entre as paisagens rurais e urbanas de um Japão que
se constrói entre o moderno e o tradicional. Com o lançamento mais recente de jogos
Pokémon, em outubro de 2013, algumas das cidades foram inspiradas em localidades
mundialmente famosas, como Paris, retratada na cidade fictícia de Lumiose
(apresentando, inclusive, uma edificação semelhante à Torre Eiffel).
Mesmo apresentando uma história repleta de personagens e lugares diferentes,
Pokémon tomou o princípio da simplicidade como diretriz em seu desenvolvimento.
A criação de um universo complexo, mas de fácil jogabilidade foi fundamental para a
constituição de um público amplo e diversificado. Com isso, em apenas um ano após
o seu lançamento, os primeiros games de Pokémon demonstraram o potencial que a
marca tinha para se tornar uma franquia de sucesso. Diante da oportunidade, a
7
RPG é a sigla para Role Playing Game, um tipo de jogo caracterizado pela interpretação de papéis em
um cenário fictício. Ao contrário dos jogos de plataforma, onde existe uma meta bem definida, o RPG
apresenta objetivos paralelos e independentes entre si. A elevação dos níveis dos personagens e a
variedade de atributos ligados a ele (como pontos de vida, de defesa e de ataque) também são
elementos marcantes desta modalidade de jogo.
8
Lavender é uma das cidades da região de Kanto, cenário apresentado nas primeiras edições dos jogos
da série, Pokémon Red, Pokémon Blue e Pokémon Green.
9
A cidade fictícia de Castelia foi criada para compor a região de Unova dos jogos Pokémon Black e
Pokémon White, lançados em 2010.
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Nintendo deu início à expansão da narrativa do jogo para outras plataformas de
entretenimento, como mangás 10 , animes 11 , cards 12 e demais modalidades de jogos
eletrônicos e de tabuleiro. De acordo com a antropóloga cultural Mizuko Ito (2006),
esta dispersão midiática é uma estratégia bastante utilizada no mercado de
videogames do Japão, conhecida como cultura mídia mix.
Henry Jenkins (2009) define a ação mídia mix como a dispersão de conteúdos
nos variados meios de radiodifusão, tecnologias móveis, itens colecionáveis e em
centros de entretenimento, incentivando as múltiplas formas de participação e de
interações sociais entre os consumidores. Dessa forma, o público japonês teve acesso
ao Universo Pokémon em seus distintos aspectos e formatos e, em pouco tempo, a
franquia cruzou as fronteiras do Japão, tornando-se um dos maiores fenômenos
culturais da década de 1990 e início do século XXI.
Expansão transmídia e conhecimento formado pela inteligência coletiva
No momento em que Pokémon ultrapassou as fronteiras físicas de seu país de
origem, a necessidade de relacionamento com o seu público passou a ser medida em
escalas mundiais. Neste ponto é que se destacou todo o potencial do conceito do
Universo Pokémon e a sua capacidade para ser explorado com o intuito de produzir as
inúmeras possibilidades de participação dos fãs. Assim, Pokémon passou a
representar uma das mais eficazes franquias transmídia já produzida, que atuou com
exímia habilidade na atração de múltiplas clientelas e na adaptação do tom de seu
conteúdo de acordo com cada mídia utilizada.
De acordo com Jenkins,
Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de
mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o
todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de
melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser
10
Gênero de história em quadrinhos de origem japonesa.
Termo utilizado pelos japoneses para se referir às animações, independente do seu país de origem.
12
O Trading Card Game (Estampas Ilustradas, no Brasil) é uma modalidade de jogo de cartas que
permite a batalha de jogadores aos moldes do videogame, utilizando estratégias e as habilidades para
vencer os pokémons dos cards do oponente.
11
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expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser
explorado em games ou experimentado como atração de um parque de
diversões. (JENKINS, 2009)
Outro fator importante acerca deste padrão expansionista é que cada produto
deve representar o ponto de acesso à franquia como um todo. Por exemplo, uma dupla
de adversários que disputa uma partida de cards do Pokémon Estampas Ilustradas
encontra-se tão envolvida no universo quanto quem assiste o desenho animado ou
joga uma das versões do jogo de videogame, orientada pelos mesmos preceitos
originais da narrativa da série. Em uma produção transmídia, a ideia é conquistar os
fãs através do aprofundamento de experiências proporcionado pelo contato com
diversas plataformas, fator que motiva ainda mais o seu consumo, renova a franquia e
sustenta a fidelidade do consumidor.
Também é cabível ressaltar que a aplicação dos procedimentos da transmídia
na segmentação de um produto está diretamente relacionada à riqueza da narrativa
que ele produz. Neste âmbito, tornam-se ineficientes os enredos lineares que seguem
um caminho com começo, meio e fim de forma plana e simplificada. A força do
fenômeno Pokémon enquanto transmídia fundamentou-se na complexidade do
universo fictício apresentado ao público, capaz de “sustentar múltiplos personagens e
múltiplas histórias, em múltiplas mídias” (JENKINS, 2009). Segundo Umberto Eco,
citado por Jenkins (2009), a grandiosidade de uma obra está associada a um universo
repleto de detalhes e informações, para que os fãs possam citar personagens e
episódios como se fossem aspectos de seu próprio mundo particular.
No caso de Pokémon, desde a Primeira Geração13 foi anunciada a existência
de um novo mundo a ser explorado, povoado por várias criaturas com os mais
magníficos poderes à espera de um treinador. Este universo fictício foi construído de
forma enciclopédica, capaz de comportar uma infinidade de personagens, lugares e
histórias. Dessa forma, o vínculo social torna-se imprescindível para que cada fã
13
Até o ano de 2014, foram produzidas seis Gerações da série. Cada Geração Pokémon corresponde ao
lançamento das novas versões do game, que traz ao público pokémons, personagens e cenários inéditos
para serem explorados.
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adquira o conhecimento e a experiência que seria incapaz de obter de forma
individualizada.
Envolvimento coletivo é uma das características do público de Pokémon e se
sobrepõe à existência do expert, aquele indivíduo que, sozinho, possui o domínio
absoluto acerca de determinado tema. Ocorre uma construção do conhecimento que se
faz predominantemente por meio da chamada inteligência coletiva. Tal expressão foi
desenvolvida pelo ciberteórico francês Pierre Lévy e refere-se ao processo em que,
diante da impossibilidade de se saber tudo, cada pessoa tende a contribuir com os seus
próprios recursos e habilidades para a formação de um conhecimento mais completo e
abrangente (JENKINS, 2009). Tendo em vista que o Universo Pokémon é composto
por diferentes tipos de monstrinhos (com personalidades, poderes e habilidades
próprias), cada indivíduo oferece o resultado de suas próprias pesquisas e
experiências particulares para a construção de um saber maior, somando o
conhecimento adquirido por todos aqueles envolvidos com a narrativa da série.
Pokémon e a cultura de convergência
A expansividade do universo de Pokémon para diferentes plataformas
midiáticas e o modo diversificado de manifestação de sua narrativa coloca a série no
âmbito da cultura de convergência, na qual o consumidor assume papel preponderante
no processo de circulação de conteúdos através dos mais variados sistemas de
comunicação. Henry Jenkins associa a convergência ao
fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação
entre múltiplos mercados e ao comportamento migratório dos públicos dos
meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que desejam. (JENKINS, 2009)
Neste contexto, a postura participativa dos consumidores contrasta com as
velhas noções sobre os espectadores dos meios de comunicação de massa do século
XX. O perfil do novo público midiático passou a ser caracterizado por indivíduos
mais conectados socialmente, com acesso direto à tecnologia que permite a sua
própria busca pelo entretenimento e pelas informações que lhes interessam, assim
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como a manifestação de suas realizações e frustrações no que tange ao conteúdo
oferecido pela mídia.
A proliferação das mídias e o surgimento de novas formas de entretenimento
caseiro (como computador, internet, DVD, jogos eletrônicos, consoles e celulares)
forneceram diversas formas de contato entre o objeto e o seu público. No entanto,
ainda que este suporte material tenha sido fundamental na constituição desta nova
realidade, a grande mudança dos paradigmas midiáticos envolve as relações entre as
tecnologias existentes, as indústrias, os mercados, os gêneros e os públicos, ou seja, a
convergência representa um novo estilo de operações das indústrias midiáticas e o
modo como os consumidores se comportam perante suas produções. Trata-se de um
processo cultural, responsável pela formação de uma mentalidade articulada com as
possibilidades de autonomia perante o cardápio de opções oferecido pela mídia.
Este processo de convergência instiga a necessidade de observação e análise
desta nova concepção de consumo midiático. Aumenta-se a relevância de assuntos
como a lealdade oscilante do consumidor e a atenção especial nas decisões sobre
programação, conteúdo e até mesmo do marketing que permeia os veículos de
comunicação. Assim, tal cenário coloca o setor midiático em um estado de incertezas
sobre os seus procedimentos em relação ao consumidor.
Enquanto o novo comportamento estimula e cria as oportunidades de expansão
para os conglomerados da mídia através da dispersão de um conteúdo para diferentes
plataformas, surge também a questão sobre o risco que estas empresas enfrentam
diante da possibilidade de terem os seus mercados fragmentados, principalmente por
conta da concorrência de outros canais de informação que ameaçam a frágil fidelidade
de seu público.
Apesar destes riscos, existem três elementos intimamente associados à
aceitação da convergência pela indústria midiática: extensão, sinergia e franquia.
Segundo Jenkins (2009, p.47),
o pessoal da indústria usa o termo “extensão” para se referir à tentativa de
expandir mercados potenciais por meio do envolvimento de conteúdos por
diferentes sistemas de distribuição; “sinergia”, para se referir às
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oportunidades econômicas apresentadas pela capacidade de possuir e
controlar todas essas manifestações; e “franquia”, para se referir ao empenho
coordenado em imprimir uma marca e um mercado a conteúdos ficcionais,
sob essas condições.
A transformação de Pokémon em um fenômeno cultural e comercial atendeu
estritamente a estes três aspectos, gerando o imenso campo material e ideológico que
se sustenta ao longo dos anos de acordo com as diretrizes lançadas em sua narrativa
original.
Pokémon entrou para o centro da cultura da convergência na medida em que o
enredo do jogo eletrônico foi adaptado para as histórias em quadrinhos, para os
episódios do desenho animado e para o cinema. A aceitação do público impulsionou a
continuidade da série nas mais variadas plataformas midiáticas e deu suporte para o
lançamento das novas versões dos games, para a produção de filmes e de mais
temporadas do anime, para as novas abordagens dos personagens nos mangás etc.
O sucesso da franquia vincula-se também à oferta de uma extensa linha de
produtos licenciados, como brinquedos, cards, jogos, roupas e até mesmos parques de
diversões e lojas especializadas, que reforçaram a imagem de Pokémon como marca e
representaram os meios comerciais de acesso ao universo povoado pelos monstrinhos.
Esta sequência de eventos definiu as bases sólidas de uma narrativa que sempre
disponibilizou a possibilidade de múltiplas experiências ao público, direcionado a um
tipo de participação coletiva que contribui para a melhor compreensão e entrosamento
com a complexidade de tal universo.
A participação e a experiência coletiva entre fãs
Muito
além das
produções
oficiais
de Pokémon
desenvolvidas
e
comercializadas pela Nintendo e pelas empresas licenciadas, observa-se que a energia
vital da série é emanada das multidões que se unem ao redor do mundo de ficção
destes monstrinhos. Ian Condry (2010) chama de “dark energy” o conjunto de forças
sociais que estabelece conexões entre conteúdo e desejo, que impulsiona a circulação
das ações promovidas pelos fãs no âmbito dos meios de comunicação.
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A expressão faz referência à força antigravitacional (dark energy) que, cada
vez mais rápido, tem atuado na expansão cósmica das galáxias. Metaforicamente,
Condry associa este fenômeno astronômico com o crescimento do universo cultural
do anime pelo mundo e a propagação das interações em rede que relaciona os papeis
dos fãs, do conteúdo, da tecnologia e dos produtores. Ressalta, inclusive, que a forma
como a livre dispersão e disponibilização de tais produções na internet tende a se
chocar diretamente com os interesses dos detentores dos direitos autorais, das
empresas licenciadas e das grandes corporações midiáticas.
Desse modo, o atual contexto da convergência, em que a audiência apresentase mais conectada entre si e adquire meios autônomos de se tornar consumidora e
produtora de seu objeto de desejo, os interesses do público de Pokémon também estão
envolvidos em uma dinâmica social que não pode ser medida unicamente em valores
econômicos. Os fãs e consumidores da franquia estão envolvidos no Universo
Pokémon tanto pelas vias do mercado legal quanto em atividades que extrapolam esse
território e subvertem a lógica do capital. Exemplo disso foi a grande mobilização de
milhares de jogadores e seguidores de Pokémon, ocorrida no início de 2014, em torno
de uma das versões dos jogos de 1996 disponibilizada gratuitamente – e de forma não
oficial pela Nintendo – através de um site na internet.
O evento online conhecido como Twitch Plays Pokémon foi promovido por
um programador australiano anônimo que emulou uma ROM 14 de Pokémon Red e
passou a transmiti-la em tempo real no Twitch, site que reúne jogos de videogame
gravados e ao vivo. Através de um software criado por ele, as informações analisadas
no bate-papo do game eram traduzidas em comandos para direcionar as ações do
próprio jogo e, ultrapassando as expectativas de seu criador, o contador de
visualizações chegou a ultrapassar a marca de 120 mil expectadores simultâneos no
dia 19 de fevereiro.
Com tantas pessoas jogando e enviando comandos ao personagem Red ao
mesmo tempo, algumas passagens do jogo, que não levariam mais do que 30 minutos,
14
ROMs são arquivos que contem os conteúdos dos cartuchos originais de um jogo de videogame.
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levaram mais de um dia até que fossem concluídas. A experiência aparentemente
caótica terminou quando o jogo foi zerado, após 16 dias de seu início. Durante este
tempo, houve muita confusão entre os jogadores por conta do envio praticamente
simultâneo de diferentes comandos, mas também registrou uma ação coletiva que foi
além do Twitch. Até mesmo uma religião fictícia15 foi criada baseada na sequência de
acontecimentos no jogo (com seus erros e acertos), registrados e compartilhados
através de diferentes canais, como o Twitter e o Google Drive.
Figura 2 - Cena final do jogo Pokémon Red concluído no Twitch Plays Pokémon. Fonte:
www.folha.uol.br
Ainda que tenha sido organizado por vias paralelas à lógica econômica
hegemônica, o Twitch Plays Pokémon, assim como diversas outras veiculações e
compartilhamentos (como links e downloads dos episódios do desenho animado, dos
filmes, dos mangás, etc.), indicam a forte conexão que existe até hoje entre o público
e este universo fictício que marcou o final do século passado como fenômeno cultural.
Buscar no passado os elementos que deram origem à febre Pokémon e, então,
reproduzi-los é o que vincula fãs e jogadores e mantém aberto o nicho comercial e
cultural para que a franquia continue produtiva.
15
Durante várias situações vividas no jogo, pokémons e itens desempenharam papéis que deram
origem a uma narrativa criada coletivamente na internet que parodiava algumas religiões. Havia um
Salvador (um Pidgeot), um Falso Profeta (Flareon) e até o Anti-Cristo (um Zapdos).
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A marca da contemporaneidade em Pokémon
Para os fãs, Pokémon se mantém como uma das mais conhecidas e
significativas séries de entretenimento da atualidade. Razão disso é a magnitude de
seu universo fictício que oferece um grau de envolvimento que não se restringe
apenas ao momento em que se está jogando ou acompanhando os episódios do anime.
Através dos sucessivos lançamentos ao longo de sua trajetória, os jogos
Pokémon foram edificando uma narrativa na qual pouco importa uma história
cronológica linear. O que conta são as novas regiões fictícias desenvolvidas para cada
uma das seis Gerações que, juntas, foram criando um espaço rico para a inserção de
novos personagens e, principalmente, novos jogadores. A região de Kanto e seus 151
pokémons, por exemplo, que corresponde ao cenário dos primeiros jogos, não ficou
no passado como uma versão superada pelos novos games lançados, mas
correspondem ao ponto de partida para as outras cinco regiões apresentadas
posteriormente através das demais Gerações.
Pokémon possui uma característica agregadora que une tanto o enredo de cada
game lançado, quanto os novos fãs e jogadores que passam a compor aquele público
que assistiu ao surgimento da franquia na segunda metade da década de 1990. Assim,
ocorre também a união do próprio tempo, entre passado e presente, tornando
Pokémon um elemento da própria contemporaneidade.
O fato de Pokémon absorver os estágios cronológicos de sua história e
transformar as antigas produções em conteúdo para as experiências atuais de seu
público atribui à franquia a própria dinâmica da caracterização contemporânea. De
acordo com Giorgio Agamben (2009), contemporaneidade refere-se ao limiar
inapreensível do tempo entre o “ainda não” e o “não mais”, entre um passado que não
foi cessado completamente e as lacunas de um futuro ainda em processo. A
experiência do contemporâneo reside em rechamar, reevocar e revitalizar, reatualizar
a memória para que ela não seja deixada como parte do passado.
Ash Ketchum (Satoshi, na versão original japonesa), protagonista do anime,
ilustra esta marca da contemporaneidade que permeia a série. A primeira temporada
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do desenho animado, que estreou em 1997, começou a contar a história deste garoto
de 10 anos que, ao ganhar seu Pikachu, parte em uma jornada pela região de Kanto
para se tornar um Mestre Pokémon. Após várias temporadas correspondentes a cada
uma das seis Gerações e mais de 800 episódios, Ash ainda possui 10 anos. O jovem
treinador vive suas aventuras pela perspectiva do presente, o seu passado, assim como
o da própria franquia, é incorporado a cada novo episódio para produzir uma
experiência atualizada de tudo o que foi construído ao longo dos anos por Pokémon.
Considerações finais
Quando Pokémon ainda era um projeto de jogo para o console portátil da
Nintendo, não foram criadas grandes expectativas acerca de sua popularidade. Porém,
a partir do momento em que o enredo do game se transformou em narrativas de
histórias em quadrinhos e de desenho animado, criou-se o cenário para que a série se
transformasse no fenômeno comercial e cultural do final do século passado conhecido
como a febre Pokémon.
O tempo da grande euforia de produtos licenciados e da busca incessante dos
fãs por qualquer brinquedo, revista e demais artigos com a estampa do Pikachu já
passou, mas a franquia conseguiu solidificar sua posição no mercado cultural
internacional e também no âmbito dos maiores ícones pop dos últimos tempos. Esta
virtude comercial provém de uma sinergia singular entre as ações da Nintendo e as
mais diversas formas de participação do público, que interfere, recria e atualiza
sistematicamente a série nas suas práticas de consumo.
Pelas vias oficiais, direcionadas pela Nintendo e pela Game Freak, são
incorporados os avanços tecnológicos que permitem uma readequação mais eficaz à
experiência que o game proporciona aos jogadores, notada através da evolução dos
gráficos e das formas de interatividade entre as pessoas e os consoles – como pode ser
constatada através riqueza de detalhes, da tecnologia 3D e da alta capacidade de
conexão em rede do atual console portátil Nintendo 3DS (double screem, “duas
telas”). Além disso, frequentemente são promovidos eventos e ações ligadas ao
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cotidiano de milhares de fãs pelo mundo, como a distribuição online de pokémons
exclusivos para quem possui o jogo e o console. Destaca-se, inclusive, a recente
parceria entre a Nintendo e a Adidas que transformou os pokémons em mascotes da
seleção japonesa de futebol na campanha para a Copa do Mundo FIFA 2014.
Junto a essas produções e estratégias das empresas, desenvolvem-se também
novas formas de participação e de entrosamento coletivo entre os fãs da franquia,
como a organização de torneios (principalmente de videogame e de cards), a
divulgação de dados oficiais da Nintendo (geralmente através da digitalização e do
compartilhamento nas redes sociais das edições da revista japonesa CoroCoro Comic)
e a criação de diversos vídeos, ilustrações e músicas que muitas vezes parodiam os
próprios personagens da série. Através do suporte tecnológico e dos atuais meios de
operá-los, traduzidos pela perspectiva da convergência, a comunicação adquire
patamares de velocidade, alcance e autonomia jamais registrados. Neste contexto, o
público torna-se também autor e condutor dos conteúdos e das produções que
almejam contemplar, criando narrativas próprias, relatando suas experiências,
compartilhando informações e reproduzindo formas de envolvimento com o seu
objeto de consumo.
Assim, com esta consonância de forças e de ações, a franquia parece caminhar
de forma consolidada rumo ao seu vigésimo ano de existência no mercado. A forma
como a narrativa se expandiu para várias plataformas midiáticas, associada ao
potencial comunicativo gerenciado pela cultura de convergência, permite ao fã a
experiência de imergir neste rico mundo fictício. Batalhas, estratégias, busca e troca
de informações mantém a série viva entre os seus seguidores, que almejam sempre
por mais novidades. A Nintendo e demais setores econômicos, por sua vez,
correspondem a tais expectativas através dos novos lançamentos, remakes e criação
de mais monstrinhos para povoar o Universo Pokémon que continua em expansão.
Referências
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joão paulo de oliveira carmo