Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 NÚCLEO DE ACESSIBILIDADE DIGITAL: UMA EXPERIÊNCIA NA CAPACITAÇÃO EM LIBRAS Luiz Renato Martins da Rocha (UTFPR-CP e UENP) Sonia Maria Dechandt Brochado (CLCA-UENP/CJ) Grupo de Pesquisa Leitura e Ensino Contexto da Experiência O presente relato de experiência tem como objetivo mostrar o trabalho de capacitação em Libras desenvolvido junto à equipe do Núcleo de Acessibilidade Digital para Pessoas com Surdez, Cegueira, Baixa Visão e Dislexia, conhecido pela sigla NAD. O referido projeto foi aprovado pelo Programa da Universidade Sem fronteiras, Subprograma Incubadora de Direitos Sociais, para ser desenvolvido pelo período de um ano. A equipe é constituída por uma professora coordenadora, um professor orientador, uma psicopedagoga, dois bolsistas recém-formados e três bolsistas estagiários. Também integra a equipe, um professor de Libras, que realiza trabalhos colaborativos junto ao NAD. Os bolsistas lidam diretamente com o público alvo, constituido por surdos, cegos, baixa visão e disléxicos, principalmente aqueles que ministram as aulas - bolsistas estagiários. Assim, a equipe precisou ser imediatamente capacitada em uma das vertentes de atendimento do projeto, alunos surdos. Deste modo, iniciaram-se as atividades de ensino da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, concomitantemente aos aspectos teóricos de aprendizagem e compreensão dos alunos surdos. Anterior ao desenvolvimento deste projeto, desenvolveu-se na mesma instituição de ensino, o projeto Laboratório de Capacitação para deficientes Visuais e Auditivos, que tinha como foco, a inserção dos deficientes no mercado de trabalho. A equipe deste, já era capacitada em LIBRAS, mas, com a formulação de um novo edital e a contratação de novas pessoas para o trabalho, a recém contratada equipe, inicia suas aulas de LIBRAS no mês de Agosto de 2012. A partir do contexto acima especificado e foco deste trabalho, pretendemos relatar as bases teóricas que norteiam esta capacitação, bem como, as experiências de ensino com os ouvintes da equipe de trabalho e, posteriormente, a aplicação das aulas de LIBRAS no ensino dos alunos surdos atendidos pelo NAD. 377 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Quem é o Surdo? E o Deficiente Auditivo? Faz-se necessário, diferenciar estes conceitos para que se compreenda o público alvo atendido por este núcleo. Muitas pessoas, por falta de conhecimento da área, desconsideram a carga semântica que estas nomenclaturas possuem e sabê-las diferenciar é significativo ao surdo (GESSER, 2009). De acordo com o Decreto n.º 5.626, de 22 de Dezembro de 2005, que regulamenta a Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002 e o artigo 18 da Lei n.º 10.098, de 19 de dezembro de 2000, no capítulo l, 2º. Art. tem-se que: Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. No parágrafo único, cita-se que “considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000 Hz” (MEC, 2005). Diferente da concepção clínico-terapêutica, que entende a pessoa como portadora de uma deficiência, a concepção “antropológica considera a surdez como uma peculiaridade humana e o surdo como portador de uma cultura e uma língua própria a serem respeitadas” (CAPOVILLA 2008, p.1543). Sanches (1990) finaliza dizendo que: A surdez não é uma doença que necessita de cura, mas é uma condição que deve ser aceita. Os surdos não são inválidos que precisam de reabilitação. Eles sçao membros de uma comunidade lingüística minoritária que deve ser respeitada e possuem o direito inalienável de receber sua educação nesta língua. (SANCHES.1990, p.51) Já o termo surdo-mudo é incorreto, pois, a mudez não tem relação alguma com a surdez; o fato dos surdos não falarem, não significa que estes sejam mudos, mas, com o treinamento da fala estes podem articular normalmente, dentro de suas possibilidades, pois possuem o aparelho fonador normal. A esse respeito nos adverte (RAMOS, apud STROBEL, 2008, p. 34) “[...] a mudez é um tipo de patologia causado por questões ligadas ás cordas vocais, à língua, á laringe ou ainda em função de problemas psicológicos e neurológicos. A surdez não está absolutamente vinculada à mudez [...]” 378 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Libras, O que é “isso”? A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, ao contrario do que muitos pensam não é uma forma manual de Português, ou de Português sinalizado, mas sim uma língua com gramática, léxico próprio, viva e dinâmica. No ano de 2002 a LIBRAS foi reconhecida como língua oficial em nosso pais, a partir desse ano, o Brasil passa a ser um pais de cultura bilíngüe (onde duas línguas passam a conviver no mesmo espaço social e acadêmico). A Lei federal 10.436 em 24 de abril de 2002 que no seu artigo 1º, parágrafo único destaca que a LIBRAS é: [...] a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Algumas concepções errôneas e equivocadas vêm sendo disseminadas por leigos no assunto sobre a língua de sinais, as quais algumas serão abordadas e especificadas abaixo, de forma a demonstrar que a Libras como qualquer outra língua de modalidade oralauditiva é complexa, porém, possível de ser aprendida, desde que se utilize a metodologia correta. Existe o questionamento de que seria Língua de Sinais Universal. Essa talvez seja a idéia mais comum entre todos, pois, muitos pensam em língua de sinais como um código, como é o caso do braile (um código utilizado por deficientes visuais para escrever). Quando pensamos em línguas orais, sabemos que são diferentes em todos os países do mundo, assim, ocorre também com as línguas de sinais. Por exemplo, nos Estados Unidos se fala como língua oral o inglês e como língua de sinais o ASL – língua de sinais americana, na França se fala como língua oral o Francês e como língua de sinais o LSF - e assim ocorre em vários outros países. Veja abaixo a diferença do sinal de pai em diferentes línguas de sinais. 379 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 ESTADOS UNIDOS FRANÇA ESPANHA FIGURA 1 – Fonte: http://www.libras.info/2010/08/dicionarios.html Para Gesser (2009, p. 12) “falar sobre universalidade, está também implícita uma tendência a simplificar a riqueza linguística, sugerindo que talvez para os surdos fosse mais fácil se todos usassem uma língua única, uniforme”. Este mito que se apresenta sobre as línguas de sinais, demonstra que diante do plurilinguismo pelos quais estamos cercados, a Libras é mais uma entre as várias línguas que coexistem em um mesmo espaço e por isso ela não seria menor e, portanto menos importante. Logo, se o surdo que é atendido pelo NAD e utiliza Libras, é preciso aprendê-la para comunicar-se com ele, o que tem sido feito nestes anos (antes, durante e com certeza após o NAD). Outro mito corrente é que a Língua de Sinais seria totalmente Icônica. Primeiro precisamos definir o que é icônico, pois, essa palavra refere se aquilo que reproduz ou que foi copiado. No caso das línguas de sinais, é a imagem do significante do sinal que foi copiada de sua forma original, que faz alusão à imagem do seu significado e assim representada por um gesto imagístico. Logo, a pergunta acima é mais um mito que se tem a respeito das línguas de sinais. Pois, quando tratamos da língua enquanto visual, ou seja, quando ela á sinalizada se tem a concepção de que ela seja mais “palpável”. Logo associamos a essa língua a representatividade pantomímica. No entanto, ao existir um grau elevado de sinais icônicos como: (arvore, avião, dinheiro, casa, moto, carro, borboleta etc), esta característica não é apenas das línguas de sinais. Pois, nas línguas orais podemos verificar essa ocorrência, nas onomatopéias como tique-taque, zum-zum, toc–toc etc. 380 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 [...] Não significa dizer, entretanto, que uma outra lingua seria simplificada por ter “pacotes menores” e não necessitar, por exemplo, de conjunções, preposições ou flexões verbais em sua estrutura. O inglês, se comparado ao português, tem uma construção distinta na conjugação dos verbos, mas isso não significa dizer que uma lingua seja simplificada e outra complexa. O mesmo serve para as línguas de sinais. Afinal, a complexidade é inerente a todas as línguas humanas e naturais. (GESSER 2009, p. 24) Este mito traz a falsa idéia de que por ter alguns sinais icônicos, ela seria facilmente aprendida e, portanto, não haveria necessidade de um curso estruturado em Libras, o que tornaria a necessidade de seu aprendizado irrelevante. Na experiência de capacitação da equipe do NAD, quanto mais os alunos ouvintes aprendiam os sinais, mais eles queriam saber e o legal foi que iam percebendo gradativamente a complexidade da Libras. Sempre surgiam questionamentos quanto a novos sinais e ao findar da capacitação compreenderam que os sinais não são simplesmente cópias de seus referentes, mas que é uma construção social da comunidade surda. Outra crença corrente é de que a Língua de Sinais é formada apenas pelo Alfabeto Manual. Essa é mais uma das concepções equivocadas que se tem a respeito das línguas de sinais. O alfabeto é mais utilizado para expressar nomes de pessoas, localidades, siglas e outras palavras que não possuem um sinal específico. Também é conhecido como soletração manual ou datilologia, o alfabeto ele não faz parte da língua de sinais, mas é um código de representações das letras, um empréstimo da língua oral para a língua de sinais. Se pensarmos em um surdo, por exemplo, fazendo a soletração de algum assunto, utilizando apenas a datilologia verificaríamos o quanto é cansativo, veja o exemplo: A-S-O-L-E-T-R-AÇ-Ã-O-É-C-A-N-S-A-T-I-V-A-E-L-E-N-T-A-P-A-R-A-S-E-R-U-S-A-D-A-P-R-E-C-I-S-AM-O-S-U-S-A-L-Á-A-P-E-N-A-S-C-O-M-O-U-M-R-E-C-U-R-S-O. O alfabeto manual brasileiro tem 27 configurações de mãos, pois, o quirema ç é contado (configuração de mão em c, com movimento trêmulo). Veja abaixo: 381 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 FIGURA 2 – Fonte: http://csjonline.web.br.com/alfabeto.htm Para Gesser (2009 p.31) o “alfabeto manual é uma convenção e se configura de uma forma especifica nas línguas de sinais de cada pais”. Veja abaixo, alguns exemplos de alfabetos manuais: ESTADOS UNIDOS AUSTRALIA PORTUGAL INGLATERRA 382 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 FIGURA 3 – Fonte:http://www.libras.info/2010/06/alfabeto-de-sinais-em-outros-paises.html Fundamenta-se assim, a importância da LIBRAS para o desenvolvimento e aprendizagem dos surdos.Baseados no ensino desta é que se demonstrou que ela é uma língua genuína e possível de ser aprendida, mas, seu aprendizado não é tão fácil quanto parece, pois, ela não é universal, nem icônica (como muitos pensam), nem formada somente pelo alfabeto manual, mas formada a partir de parâmetros e com utentes como nas línguas orais. Metodologia de Ensino e o Contexto do Desenvolvimento da capacitação As aulas foram ministradas por um profissional ouvinte, devidamente certificado pelo exame de proficiência – PROLIBRAS – MEC, habilitado no uso ensino e na tradução/interpretação da mesma, também, com certificação também pela FENEIS/PR. Aprender uma nova língua é sempre um desafio constante, envolve tempo, dedicação e esforço, que estão ligados também, a interesses como motivação, personalidade, crenças, estilos cognitivos e estratégicos (GESSER, 2012). A autora ainda aponta aqueles que se interessam no aprendizado de mais uma língua, neste caso a motivação sendo diferente, o professor deve trabalhar com situações comunicativas do dia a dia (GESSER,2012). A capacitação iniciou-se com sinais básicos da Libras, importantes para a comunicação dos bolsistas estagiários e da equipe para com os alunos. Estes foram gradativamente inseridos em contato com esta, de forma a aprendê-la em sua complexidade, as constantes dúvidas também impulsionou o aprendizado e o descobrimento de novos sinais. As aulas se pautaram nas proposições apresentadas por Gesser (2012) a seguir, que indicam algumas possibilidades de ensino da língua de sinais, no qual destaca que “devote algum tempo ao ensino de vocabulário da língua de sinais, mas não a aula toda”(GESSER, 2012), mais importante que horas e horas e sinais e sinais de Libras, talvez seja o aprendizado de forma lúdica e não pura e simplesmente listas de sinais. “Contextualize os sinais” (GESSER, 2012), ensinar o sinal pelo sinal, não fará tanto efeito quanto o ensino de sinal em seu contexto, o porquê do seu uso e onde poderá ser empregado em uma sentença estrutural. “Estimule o uso de dicionários bilíngües” (GESSER, 2012) isso ajudará o aluno em sua autonomia/independência, ele poderá estudar em casa, trabalho, escola entre outros lugares, se precisar retomar algum sinal, facilmente encontrará o que procura (online ou off383 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 line). “Encoraje os alunos no desenvolvimento de estratégias” (GESSER, 2012) que desenvolva a compreensão do que se esta sinalizando, através de comparações, mímicas e outros recursos que possibilitem associações aos sinais. Por último, é importante que o professor “envolva-se com os momentos de ensino não planejado do vocabulário” (GESSER, 2012), pois, o aluno pode solicitar um sinal que não esteja planejado, o professor deve sim ensiná-lo, este é o momento oportuno para se focar as necessidades individuais. Assim, as aulas foram continuamente, sempre baseadas nos interesses dos alunos e de suas habilidades comunicativas e nestes meses que seguiram, muitos sinais foram adquiridos pelos participantes da equipe, o que contribuiu de forma satisfatória para o aprendizado dos alunos surdos(reflexo das aulas). Considerações Finais Foi possível verificar que os surdos atendidos pelo NAD, só poderiam de fato aprender informática, através da acessibilidade comunicativa transmitida pelos bolsistas estagiários e para que estes conseguissem transmitir a sua intenção comunicativa, esta deveria ser feita em sua língua – Libras. Com a capacitação da equipe em Libras, os surdos sentiramse mais valorizados e com isso a freqüência às aulas era sempre satisfatória e o aprendizado ascendente. Ao findar das aulas, com o encerramento do Núcleo e o período de férias, observa-se que o desenvolvimento e o conhecimento de Libras adquirido pela equipe.é claro que Não estamos falando em fluência ou um aprendizado total da Libras, mas, sim, em uma comunicação de necessidades básicas, haja vista, uma língua não ser facilmente aprendida por um período relativamente curto para o aprendizado da mesma. Concluindo, atualmente os participantes do projeto desenvolvido demonstraram compreender o valor da Libras e tornaram-se profissionais aptos ao trabalho com os surdos, dentro ou fora de sala de aula.Também o que ficou não foram só os sinais, mas a interação da equipe e conhecimentos que fizeram refletir sobre a importância da língua de sinais para as pessoas que ouvem pelos olhos e falam pelas mãos que dançam no ar. 384 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Referências BRASIL. Decreto n. 5626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2005/decreto/d5626.htm> . Acesso em: 11 Julho 2013. CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Walkiria Duarte; MAURICIO, Aline Cristina L. Novo Deit-Libras: dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira. São Paulo: EDUSP, 2008. GESSER, Audrei. O Ouvinte e a surdez: sobre ensinar e aprender a LIBRAS. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. 192p. ______. Audrei. LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. 87p. SANCHES, Carlos M. La increible y triste historia de la sordera.Venezuela, 1990 STROBEL, Karin Lilian. Surdos:Vestígios não registrados na História. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2008. Disponível em: <http://www.ronice.cce.prof.ufsc.br>.Acesso em: julho. 2013. Para citar este artigo: ROCHA, Luiz Renato Martins; BROCHADO, Sonia Maria Dechandt. Núcleo de acessibilidade digital: uma experiência na capacitação em libras In: X SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2013. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2013. ISSN – 18089216. p. 377- 385. 385