ANO 1 NÚMERO 5 NOVEMBRO 2014 ÍNDICE 03. Controle da dor após cirurgia ortopédica 11. Diagnóstico de lombalgia com componente neuropático Produção editorial Europa Press Comunicação Brasil Ltda. ©2014 EUROPA PRESS Rua Alcides Ricardini Neves, nº 12, Conjs. 1110/1111/1112 - CEP: 04575-050 Brooklin - São Paulo - SP [email protected] www.europapress.cl Tel. 55 11 5506 7006 Tiragem 15.000 exemplares 7653_GRU_BRA_ v17_MAR Desenho editorial Weverton Candido Jornalista responsável Pedro S. Erramouspe Este conteúdo é oferecido por Grünenthal como um serviço à comunidade médica. As informações relacionadas a produto(s) podem ser divergentes das existentes na Circular aos Médicos (bula). Antes de prescrever qualquer medicamento eventualmente citado, recomendamos a leitura da Circular aos Médicos emitida pelo fabricante. Esses dados foram incluídos apenas para capacitação do médico e a informação tem finalidade exclusivamente educativa. As opiniões emitidas nesta publicação não refletem necessariamente as opiniões e recomendações do Laboratório Grünenthal. Conteúdo elaborado pelo staff médico da Europa Press e adaptado seguindo a legislação local e as indicações aprovadas no país. Revisão Holoedro Serviços Editoriais Esta revista é uma publicação destinada exclusivamente à classe médica. AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 Controle da dor após cirurgia ortopédica O alívio da dor é um dos grandes desafios da prática médica. A decisão relativa à terapêutica farmacológica no combate da dor deve envolver o complexo “risco-benefício” de cada medicamento. Dr. Moisés Cohen CREMESP 31863 Professor titular e chefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina UNIFESP. Coordenador do Centro de Excelência FIFA da Universidade Federal de São Paulo. Presidente da International Society of Arthroscopy, Knee Surgery and Orthopedic Sports Medicine. Diretor do instituto Cohen de Ortopedia, Reabilitação e Medicina do Esporte. A dor pós-operatória e seu alívio sempre representaram uma preocupação para a humanidade. O fenômeno doloroso é de natureza subjetiva, e mesmo que todo o progresso da medicina vise desvendá-lo, interpretá-lo e tratá-lo, ele é ainda hoje entendido de forma inadequada provavelmente por se tratar de uma sensação individual, única e exclusiva de cada ser, difícil de caracterizar e generalizar.1 A medição da dor é tão importante quanto o uso correto de analgésicos e técnicas de aplicação. A utilização de algoritmos padronizados de medição deve facilitar o tratamento da dor pós-operatória e a reabilitação dos pacientes.1 Para guiar o manejo farmacológico da dor, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um sistema baseado em três estágios.2 Esse sistema foi inicialmente desenvolvido para o manejo da dor oncológica, mas hoje 3 é aceito no manejo da dor de forma geral. Ele classifica a dor como leve, moderada e grave e faz recomendações sobre categorias de medicações em cada estágio. Na tentativa de documentar de forma objetiva e obter sucesso no alívio da dor, foram desenvolvidos instrumentos que permitem a escolha da terapêutica mais adequada para cada paciente. Em 1986, a OMS reuniu especialistas que elaboraram o “Guia para Tratamento da Dor no Câncer”. Este protocolo tem por base a preconização do uso preferencial da via oral, a administração dos fármacos em horários preestabelecidos e não mais “se necessário” e, escalonamento progressivo de analgésicos, conhecido como “Escada Analgésica da OMS”.3,4 (Figura 1) Escada analgésica da OMS Intensa Moderada Leve Dor 1-3 Degrau 1 Analgésicos simples (dipirona, paracetamol ou anti-inflamatórios não esteroides). Dor 4-6 Degrau 2 Opioide fraco (cloridrato de tramadol ou codeína) mais analgésicos simples. Figura 1 Dor 7-10 Degrau 3 Opioide forte (morfina, metadona, oxicodona, fentanila) mais analgésicos simples. Adaptado de: Organización Mundial de la Salud. Alivio del dolor em el cáncer. Ginebra: OMS. 1996. p. 64. Obs.: A estes analgésicos podem ser associados outros fármacos adjuvantes como os antidepressivos e anticonvulsivantes. CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 Recentemente, foi proposto o acréscimo de um degrau à escada analgésica, onde seriam colocados os procedimentos invasivos, como os bloqueios anestésicos e os procedimentos cirúrgicos.4 Este protocolo para o tratamento da dor no câncer é baseado em três passos principais, estes compreendem uma sequência crescente, no que diz respeito à potência, de analgésicos não opioides e progredindo para os opioides, quando a dor for moderada ou intensa. Propõe-se o uso de analgésicos anti-inflamatórios não esteroides (AINES), de opioides fracos e opioides fortes, nesta sequência.5 A estes analgésicos podem ser associados fármacos adjuvantes como os antidepressivos e anticonvulsivantes, entre outros. rapia ou crioterapia e educação do indivíduo, pode ajudar na recuperação dos pacientes de cirurgia ortopédica.6 Portanto, o controle adequado da dor é um pré-requisito importante na aplicação de programas de reabilitação e pode, assim, influenciar o resultado funcional. Por outro lado, o subtratamento da dor aguda pós-operatória pode levar à dor crônica com plasticidade neuronal e resultar em efeitos cirúrgicos pobres. Os quadros álgicos crônicos descontrolados podem provocar diminuição da qualidade de vida, menor interação social, depressão, alteração dos padrões de sono e desnutrição. Uma abordagem multimodal se faz necessária para reduzir a dor pós-operatória através da combinação de vários analgésicos associados a uma estratégia não farmacológica. A utilização atual de abordagens multimodais no manejo da dor pós-operatória pode reduzir os efeitos colaterais do uso único da terapia farmacológica, bem como favorecer a redução do tempo de internação hospitalar. Além disso, a satisfação do paciente, como importante fator de aferição do sucesso do tratamento cirúrgico, é significativamente influenciada pela qualidade do manejo da dor pós-operatória.4 O manejo organizado da dor pós-operatória é parte importante para o sucesso do tratamento e deve, portanto, começar antes da cirurgia. Os pacientes precisam ser informados sobre seu funcionamento e os procedimentos subsequentes. O manejo da dor se baseia na documentação da intensidade da dor, sendo esta considerada o quinto sinal vital. Para prevenir a dor crônica, deve-se empregar a analgesia preventiva sempre que possível, seguida de um regime individualizado de analgesia pós-operatória. Para melhor controle da dor pós-operatória, recomenda-se considerar sempre o uso de uma medicação de horário e de uma medicação de resgate, que deverá ser ajustada diariamente. Devido ao fato de que os mais altos níveis de dor pós-cirúrgica são registrados nas primeiras 48 horas, a medicação deverá reduzir-se nos dias subsequentes, de acordo com os níveis de dor observados. Dessa maneira, o emprego de terapia medicamentosa e adjuvante deverá ser sempre o suficiente para minimizar a dor pós-operatória, constituindo uma obrigação no tratamento clínico dos pacientes. A dor pode ser classificada como dor nociceptiva, neuropática e psicossomática com base na sua causa e local de origem. As abordagens de tratamento de apoio, como a crioterapia ou a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS), são úteis no período pós-operatório. A fisioterapia após a cirurgia deve ser estendida gradualmente de acordo com o tipo de cirurgia, e é de particular importância respeitar o limite de dor do paciente. Preconizamos sempre protocolos de reabilitação acelerados, mas nunca agressivos. A dor provocada por uma lesão ou dano tecidular é classificada como dor nociceptiva. Os receptores conhecidos como nociceptores são ativados neste processo. Os nociceptores são “sensores da dor” que detectam estímulos da dor e transmitem-nos ao sistema nervoso central. Sensação de dor que emana da pele, músculos, articulações, ossos ou tecido conjuntivo é classificada como dor somática. É de natureza cortante e, habitualmente, fácil de Um regime individualizado de analgésicos adequados, combinado com tratamentos não farmacológicos, como fisiote- 4 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 localizar. Se a dor tem origem nos órgãos internos, como no caso de ataque biliar ou apendicite, é conhecida como dor visceral. A dor visceral é frequentemente vaga, contínua e bastante difícil de localizar. Além disso, podemos ainda classificar a dor como aguda e crônica. a síntese de prostaglandinas, diminuindo a intensidade do processo inflamatório. Tem sido atribuído também a tais agentes um possível efeito antinociceptivo central. A enzima ciclo-oxigenase apresenta duas isoformas, intituladas de COX-1 e COX-2. Com base em descobertas que rotulavam a COX-1 de fisiologicamente constitutiva, pois agia como citoprotetora gástrica e mantenedora da homeostase renal e plaquetária, e a COX-2 de indutiva, pois se manifestava apenas em situações de trauma tissular e inflamação, entre outras, surgiu a ideia de que os inibidores específicos da COX-2 impediriam o processo inflamatório sem os efeitos colaterais indesejáveis, principalmente distúrbios gastrointestinais advindos do bloqueio inespecífico da COX. Os inibidores COX-2, no entanto, têm possíveis efeitos secundários cardíacos. Devido a estes efeitos secundários (gastrointestinais e cardíacos) os AINEs não devem ser utilizados por tempo prolongado. No pós-operatório imediato, com o paciente ainda internado, a dor costuma ser aguda, de moderada a intensa. Já no consultório a queixa de dor mais comum é a crônica, com duração de mais de 3 meses, e pode variar de leve a moderada. Uma vasta gama de opções médicas e técnicas são usadas para melhorar o manejo da dor pós-operatória em cirurgia ortopédica.1 A combinação equilibrada dos diversos meios de redução da dor pós-operatória pode diminuir os efeitos colaterais e as taxas de complicações, aumentando a mobilidade e a satisfação do paciente.1 Descrevemos a seguir algumas características de medidas farmacológicas e não farmacológicas que todo ortopedista deveria conhecer para exercer o correto controle da dor pós-operatória. Drogas de ação central não opioides Drogas anti-inflamatórias não esteroides Paracetamol ou acetaminofeno Conhecidos pela humanidade há cerca de 100 anos, os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) estão entre os agentes farmacológicos mais utilizados na prática médica. Apresentam amplo espectro de indicações terapêuticas, como analgesia, efeito anti-inflamatório, antipirese e profilaxia de doenças cardiovasculares.1 O paracetamol ou acetaminofeno (mais conhecido deste modo nos EUA) é um dos fármacos mais importantes utilizados no tratamento da dor leve quando não há necessidade de efeito anti-inflamatório. Isso porque sua ação farmacológica se baseia na ação analgésica e antipirética (atuando seletivamente na COX-3 do SNC), porém é um fraco agente anti-inflamatório (por agir apenas inibindo a COX-3), embora esteja enquadrado na classe dos AINEs devido a seu mecanismo de ação. Os AINEs fazem parte do arsenal medicamentoso no tratamento da dor pós-operatória. Como droga única, possuem eficácia analgésica somente na dor pós-operatória leve. Em quadros álgicos de intensidade moderada ou grave, devem ser usados em associação com outros compostos, como os opioides. O acetaminofeno é, portanto, um inibidor fraco da COX-1 e 2 nos tecidos periféricos. Devido ao fato de que não interfere na enzima COX-1 nem na COX-2 para reduzir a dor, essa substância não possui nenhum efeito anti-inflamatório significativo. Vane (1971)7 foi o primeiro a propor que os efeitos terapêuticos e colaterais dos anti-inflamatórios não esteroides resultavam da inibição da enzima ciclo-oxigenase (COX) por parte desses compostos. Assim, tais agentes reduzem Assim como os AINEs, o acetaminofeno pode ser usado após a cirurgia para controle da dor leve. O acetaminofeno 5 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 é muitas vezes utilizado em associação com medicamentos opiáceos para casos de dor mais intensa. Os opiáceos sintéticos, produzidos quimicamente em laboratório, são agentes de uso geral no alívio das dores e em anestesia. Devido aos efeitos adversos do paracetamol e ao fato de que sua associação fixa com opioides não darem liberdade de prescrição na terapia multimodal, onde poderíamos aumentar a dose do analgésico e/ou escolher o AINE de nossa preferência, preconizamos a prescrição de analgésicos sem associação fixa com opioides. Alguns exemplos: • Petidina • Cloridrato de tramadol Analgésicos opioides • Metadona Os opiáceos são substâncias derivadas do ópio e, portanto, estão incluídos na classe dos opioides, grupo de fármacos que atuam sobre os receptores opioides neuronais. Eles produzem ações de insensibilidade à dor (analgesia) e são boa opção para os casos de dores moderadas ou intensas (agudas ou crônicas). • Fentanila • Dextropropoxifeno Como funcionam os opioides De ocorrência natural ou sintética, todos os opioides funcionam ligando-se a receptores de opioides no cérebro, na medula espinhal e no trato gastrointestinal. Quando essas drogas são anexadas a certos receptores opioides, bloqueiam a transmissão de mensagens de dor para o cérebro.9 Os opioides são os medicamentos mais eficazes para tratar a dor de moderada a grave, especialmente para controlar a dor no curto prazo, após a cirurgia, quando o manejo da dor é fundamental para a boa evolução pós-operatória.8 Os opioides administrados por via intramuscular, epidural ou intravenosa são muito eficazes no controle da dor grave. Podem ser utilizados como terapia adjuvante ou em analgesia preventiva por meio de bloqueios nervosos ou bombas de infusão em cirurgias de artroplastia total de joelho e do ligamento cruzado anterior (LCA). Os opioides orais, como a codeína e cloridrato de tramadol, são eficazes na dor de moderada a grave, e alguns possuem eficácia comparável à da morfina, embora com menos efeitos secundários.8 Os opioides podem fazer isso porque são parecidos com os analgésicos naturais do corpo, chamados de endorfinas. Essa semelhança na estrutura de tais substâncias permite que o medicamento ative as células nervosas, inundando a região com dopamina e produzindo, assim, efeito “analgésico”. Na prática clínica os opioides são classificados em fracos, como o cloridrato de tramadol e codeína, e opioides fortes, como a morfina, fentanil e oxicodona. Tipos de opioides Opioides fracos Os opioides abrangem tanto drogas opiáceas naturais quanto drogas sintéticas, como a meperidina e a metadona. Os opiáceos são substâncias derivadas da papoula. Os opiáceos naturais são alcaloides presentes na resina dos bulbos da papoula ou no ópio e incluem a morfina, a codeína e a tebaína. Cloridrato de tramadol O cloridrato de tramadol é uma fenilpiperidina análoga da codeína classificada como agonista fraco dos receptores opioides. O cloridrato de tramadol inibe a receptação neuronal de norepinefrina, inibe também as vias descendentes nocicepti- 6 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 Efeitos: a morfina é um potente analgésico, com boa ação sedativa e ansiolítica. Outros possíveis efeitos são euforia, disforia e alucinações, além de depressão respiratória e supressão do reflexo da tosse. Apesar dos mínimos efeitos cardiovasculares, a morfina pode levar à bradicardia e à hipotensão. Náuseas e vômitos são efeitos colaterais comuns, bem como miose. A liberação de histamina causada pela morfina pode provocar rash, prurido e broncoespasmo em pacientes suscetíveis. vas e potencializa a liberação de serotonina. É um opioide que possui significativa analgesia para dores moderadas.10 Efeitos: o cloridrato de tramadol possui um mecanismo dual de ação para analgesia, sendo que seus efeitos adversos mais comuns são iguais aos encontrados em outros opioides.11 Desta maneira, os opioides fracos ajudam a diminuir o uso de AINEs (efeito poupador).10 A gravidade da depressão respiratória e cardiovascular após o uso de cloridrato de tramadol é muito reduzida em comparação à de doses equipotentes de morfina.11 A constipação é menos frequente comparado à codeina.12 O cloridrato de tramadol compartilha os mesmos efeitos colaterais dos demais opioides (tontura, náusea e vômito) e deve ser contraindicado para pacientes que fazem uso de inibidores da monoamina oxidase (IMAO) ou têm história de epilepsia.13 Entretanto, se a infusão de cloridrato de tramadol for mais lenta, a incidência de efeitos adversos será pouco provável.14 Portanto, o cloridrato de tramadol possui menor risco de abuso e dependência e não está relacionado com depressão respiratória.15 A substância pode também causar tolerância e dependência. Devido à maior probabilidade de depressão respiratória e potencial de abuso, podemos reduzir o uso de opioides fortes como morfina, na dor intensa, associando estas medicações aos opioides fracos. Fentanila Trata-se de um derivado sintético da fenilpiperidina que é 100 vezes mais potente que a morfina. Efeitos: muitas propriedades da fentanila são similares às da morfina. Ela produz depressão respiratória de intensidade dependente de dose. Altas doses (50-100 mcg/kg) são utilizadas em cirurgias cardíacas para inibir a resposta metabólica ao estresse. Em doses tão elevadas, pode causar profunda sedação, inconsciência e rigidez muscular, o que afetaria a ventilação.16 Codeína A codeína é um opioide natural e constitui um dos principais alcaloides derivados do ópio. Efeitos: podem causar discreta euforia, desorientação e ansiedade, mas a codeína possui baixo potencial como droga de abuso. Causa menos sedação e menos depressão respiratória do que a morfina. Constipação é um efeito colateral comum. A di-hidrocodeína é um derivado da codeína semissintético com efeitos farmacológicos similares. É importante lembrar que cerca de 10% dos pacientes podem não metabolizar a codeína e isso poderia levar a uma analgesia ineficaz. Oxicodona A oxicodona é um opioide semissintético potente derivado da tebaína, agonista μ, semelhante à morfina. A eficácia é semelhante à da morfina, porém, parece causar menos efeitos adversos. Apresenta também efeito ansiolítico e causa menos liberação de histamina do que a morfina. Opioides fortes A oxicodona é um derivado opioide puro, cuja principal ação terapêutica é a analgesia; em menor grau, exibe ações ansiolítica, euforizante e relaxante. A oxicodona produz depressão respiratória por redução da resposta dos centros respiratórios do tronco cerebral. Em doses inferiores àquelas necessárias Morfina A morfina é um opioide natural derivado do fenantreno, e seu efeito analgésico é central. 7 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 para produzir analgesia, pode apresentar ação antitussígena em virtude de sua ação sobre o centro da tosse. de analgesia parece ser efetivo, pois a intensidade da dor pode variar caso os pacientes se movimentem mais ou façam fisioterapia, e ela pode piorar durante a noite. Além disso, a percepção do paciente e a tolerância à dor também costumam variar. O uso contínuo de analgésicos por cateter peridural produz analgesia ininterrupta, garantindo controle adequado da dor e maior nível de satisfação dos pacientes. Nessa modalidade analgésica, os opioides são elementos-chave do plano terapêutico, e sua utilização pode ser intermitente ou contínua. O uso peridural de opioides, intermitente ou em bolus, produz analgesia de excelente qualidade e não requer sofisticados métodos de infusão porque apresenta perfil farmacocinético mais seguro que o dos opioides lipofílicos, como meia-vida mais longa e efeitos adversos insidiosos, permitindo assim maior espaço para detecção e manejo de potenciais efeitos adversos. O mais usado no passado era a morfina, mas atualmente existe uma tendência a substituí-la por fentanila, mais potente e de ação mais veloz, o que permite melhor controle e alívio da dor mais rápido. Enquanto a metadona tem ação prolongada, a preparação de ação prolongada de oxicodona foi formulada para assegurar liberação lenta; isto transforma um opioide de ação curta em um fármaco de ação prolongada. Infelizmente, esse mecanismo pode ser anulado quando se quebra o comprimido, o que torna toda a dose de oxicodona disponível de imediato. Isso levou ao desvio da oxicodona para a ilegalidade do tráfico, porque doses altas deste fármaco produzem a euforia buscada pelos indivíduos que abusam de opioides. Nos EUA, o desvio de opioides vendidos sob prescrição (por ex.: oxicodona e hidrocodona) para os mercados ilícitos tornou-se uma fonte importante de abuso desses fármacos. O principal risco de drogadição ocorre entre os pacientes que se queixam de dor, mas não apresentam uma explicação física clara para tal queixa.17,18 Dependência de opioides Potenciais complicações e efeitos adversos da analgesia peridural Os opioides são narcóticos e, portanto, podem ser viciantes. No entanto, é muito rara a incidência de vício em opiáceos entre pacientes que passam por procedimento cirúrgico ou trauma principalmente aos que fazem uso de cloridrato de tramadol. Apesar de produzir melhor controle da dor do que a analgesia intravenosa com opioides, a analgesia peridural determina maior incidência de prurido, retenção urinária e bloqueio motor, embora cause menor incidência de náusea, vômito e sedação. Outras técnicas de analgesia Em muitos casos, pode ser necessário o controle da dor pós-operatória por meio de uma bomba controlada pelo paciente. De fácil utilização, esse método permite ao paciente controlar a analgesia através de um botão que libera pequenas quantidades de medicamento por cateter intravenoso ou peridural (PCA).17 A bomba de PCA é programada para liberar o medicamento na dose correta e pode ser um complemento de outros analgésicos. O procedimento é seguro, pois mesmo que o paciente pressione várias vezes o botão, a medicação só será liberada na dose prescrita. Dessa forma, não há risco de administração de altas dosagens da medicação. Uma vez que o próprio paciente controle a frequência do medicamento, a terapia por PCA fornece controle constante da dor. Esse método Anestésicos locais Em cirurgia ortopédica eles podem ser utilizados como anestesia durante um procedimento ou como parte de um programa de gestão da dor após uma cirurgia. No manejo da dor, os anestésicos locais são dados em um “tiro” (ou vários tiros) perto da incisão cirúrgica. Em cirurgias abertas, como nas artroplastias de joelho, podem ajudar na analgesia pós-operatória, principalmente na face posterior do joelho. Os anestésicos locais não causam efeitos colaterais como sonolência e prisão de ventre nem respiratórios, como os 8 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 opioides. Em cirurgia ortopédica, os anestésicos locais mais utilizados são lidocaína, bupivacaína e ropivacaína. ralmente parte de uma estratégia multimodal que inclui as abordagens farmacológicas e não farmacológicas no manejo da dor. 3 Anestesia regional Na extremidade superior, os bloqueios mais comuns são: Já os anestésicos regionais têm a vantagem de fornecer anestesia durante a cirurgia e alívio da dor por várias horas. Muitas vezes o paciente pode permanecer consciente durante o procedimento, pois se requer apenas uma leve sedação. Outras vezes a anestesia regional pode ser usada para suplementar a anestesia geral. De qualquer maneira, o paciente terá pouca ou nenhuma dor quando acordar. • Intraescaleno. • Supraclavicular. • Axilar. Na extremidade inferior, os bloqueios mais comuns são: Anestesia espinhal e peridural • Femoral. A raquianestesia e a anestesia peridural são bloqueios neuroaxiais que inibem a sensibilidade e o movimento abaixo do nível em que são administrados, normalmente a parte inferior da coluna. Podem também anestesiar a área do abdômen inferior e a pelve. A anestesia peridural muitas vezes tem menos efeito sobre os nervos motores do que a espinhal, permitindo assim alguma função e mobilidade do membro anestesiado. • Ciático. Tal como acontece na anestesia epidural, um cateter pode ser deixado no local após bloqueio de nervo periférico, como o boqueio do nervo femoral (BNF). Esse tipo de bloqueio pode proporcionar alívio da dor pelo período de 24 a 48 horas após a cirurgia. Muitos anestesiologistas utilizam ultrassom para ajudar na colocação da agulha ou do cateter antes que o medicamento anestésico seja injetado em redor dos nervos. Uma imagem de monitor mostra nervos, músculos, artérias e veias da área a ser infiltrada. Os efeitos colaterais mais comuns da administração de opioides por via espinhal ou peridural são náuseas e prurido intenso. O efeito colateral mais grave é a depressão respiratória, embora isso raramente aconteça.19 Bloqueio de nervos periféricos Isso permite ao anestesista garantir que o medicamento seja injetado no lugar correto, o que torna o procedimento, dessa maneira, mais seguro e efetivo. Os protocolos de analgesia multimodal em cirurgias ortopédicas têm sido muito eficazes na diminuição da dor no pós-operatório imediato. Houve recentemente um ressurgimento do uso de técnicas de bloqueio contínuo de nervos no manejo da dor pós-operatória. Essas técnicas têm se mostrado eficazes e seguras no controle da dor pós-operatória, tanto em repouso quanto durante a fisioterapia, mesmo em pacientes anticoagulados. O uso de bloqueio de nervos periféricos em anestesia tem sido associado com alta hospitalar mais precoce em comparação à anestesia geral e bloqueio do neuroeixo em pacientes submetidos a cirurgia ortopédica. As técnicas regionais são ge- Esses protocolos de controle da dor estão associados com a redução de efeitos secundários adversos dos medicamentos tais como náusea, hipotensão, depressão respiratória e obstipação, efeitos adversos esses que podem retardar a reabilitação e prolongar o tempo de internação hospitalar. 9 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 A analgesia pós-operatória ideal permite mobilização precoce, deambulação e retorno a um padrão de marcha normalizado em curto período. Dessa maneira, é possível prevenir o aparecimento de artrofibrose.20 O BNF é reconhecidamente eficaz na redução da dor pós-operatória em artroplastias totais de joelho (ATJ), propiciando assim melhor reabilitação. O risco de neuropatia periférica, depois do bloqueio do nervo femoral, foi estimado em cerca de 3/10.000.21 A TENS estimula as fibras nervosas que transmitem sinais ao encéfalo interpretados pelo tálamo como dor. Os impulsos, transmitidos de forma transcutânea, estimulam as fibras “A” mielinizadas, transmissoras de informações ascendentes proprioceptivas. A base do efeito da TENS se dá conforme a “teoria das comportas”. Além disso, alguns autores sugerem o uso da estimulação neuromuscular para aumentar o controle ativo da extensão do joelho, permitindo assim alta hospitalar precoce e retorno mais rápido às atividades da vida diária.24 No entanto, há pouca informação sobre as complicações associadas com BNF em cirurgias ortopédicas, especialmente no caso de ATJ. Movimento passivo contínuo (CPM) O papel da fisioterapia tem sido enfatizado como parte integral do tratamento pós-operatório do paciente, principalmente por causa da alta hospitalar, que se dá cada vez mais cedo. No período de internação hospitalar, o foco da reabilitação se volta basicamente para a restauração do movimento articular associado com treino de marcha. Os benefícios da movimentação passiva contínua no pós-operatório imediato se devem ao fato de que o CPM pode ajudar na redução do edema articular e aumentar a amplitude do movimento articular de forma confortável, diminuindo a frequência e a dosagem de analgésicos, bem como o tempo de internação hospitalar.24 Métodos complementares de controle da dor pósoperatória Após uma cirurgia ortopédica, médicos, fisiatras, fisioterapeutas e enfermeiros devem concentrar todos os esforços possíveis no controle da dor do paciente. Assim, os cirurgiões e toda a sua equipe utilizam cada vez mais métodos complementares de analgesia pós-operatória. A abordagem combinada na gestão da dor muitas vezes é a melhor opção, pois permite que o cirurgião faça o controle individual da dor de cada paciente.22 Descrevemos a seguir algumas abordagens alternativas recomendadas no manejo da dor. Crioterapia A cirurgia ortopédica está frequentemente associada a um período pós-operatório inicial doloroso e a significativa perda sanguínea, sobretudo nas cirurgias de artroplastia. Alguns autores24 têm sugerido a utilização da crioterapia compressiva na recuperação pós-operatória. A compressão, quando combinada com a crioterapia, tem se mostrado efetiva no controle da dor e do edema pós-operatório. Estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) Dentre os vários recursos existentes para controle da dor, a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) desponta como opção interessante, constituindo um método comprovadamente seguro, de baixo custo e isento de efeitos colaterais. A técnica consiste basicamente na administração de impulsos ou estímulos elétricos de baixa voltagem através de eletrodos colocados sobre a pele. A justificativa para tal fato se deve ao aumento da pressão hidrostática, que controla a formação do edema e, consequentemente, reduz a dor e o espasmo muscular. A aplicação local do frio também afeta o metabolismo do tecido, diminuindo a função enzimática e promovendo vasoconstrição, o que reduz o fluxo sanguíneo controlando a resposta inflamatória e a produção do edema.22 Na verdade, a TENS representa um método adjuvante da analgesia convencional que não se propõe substituir outras técnicas, tampouco ser utilizado como único recurso para diminuir a sensação dolorosa.23 10 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 8. Ugulino Netto, A. Farmacologia. Medicina - 2009. 9. Ettrich U, et al. A multimodal an multidisciplinary postoperative pain management concept. Orthopedics. 2003 Aug;26(8 Suppl):s865-71. 10. 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O tratamento multimodal e multidisciplinar da dor aguda pós-operatória é cada vez mais reconhecido por seu efeito positivo sobre o tempo de permanência hospitalar, a recuperação funcional e a satisfação do paciente. Além disso, a dor é uma grande preocupação dos pacientes que estão prestes a submeter-se a uma cirurgia ortopédica. Educar e orientar o paciente sobre a dor pós-operatória pode reduzir significativamente seus medos e ajudá-lo a gerenciar suas expectativas. Referências 1. Ferreira CHJ, Beleza ACS. Abordagem Fisioterapêutica na Dor Pós Operatória: A Eletroestimulação Nervosa Transcutânea (ENT). Rev. Col. Bras. Cir. Vol. 34 – número 2, mar/abr. 2007. 2. Giesa M, et al. Pos-operative pain management in orthopaedic surgery and traumatology. Orthopade. 2006 Feb;35(2):211-20. 3. Díaz FP. Tipos de dolor y escala terapéutica de la OMS Dolor iatrogénico. Oncología (Barc.). 2005;28(3):33-7. 4. Juver JPS, Vercosa N. Depressão em pacientes com dor no câncer avançado. 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Esse conceito também reconhece que há doenças e síndromes neuropáticas específicas em que pode haver dificuldade de documentar lesão. Além disso, a dor neuropática pode compartilhar o mesmo mecanismo fisiopatológico da dor inflamatória, e a ausência de achados de exame físico e testes complementares não exclui o diagnóstico dessa síndrome.1 A dor neuropática afeta de 7% a 17,9% da população geral,2 e no Brasil a prevalência de dor neuropática foi encontrada em 10% de uma amostra populacional estudada. Neste estudo3 as sensações dolorosas mais relatadas foram formigamento (80,25%), alfinetada/agulhada (87%/90%) e adormecimento (80,25%). A dor neuropática foi mais prevalente no sexo feminino, em indivíduos de idade avançada e baixo nível educacional. Esteve também associada a escores mais baixos de saúde física, psíqui- 12 ca e social, a maior intensidade da dor, a tristeza e a incapacidade. As mulheres reportaram maior frequência, intensidade e duração da dor.3 No diagnóstico de dor neuropática, indica-se a utilização de descritores para avaliar a qualidade da dor (choque, lancinante, queimação, calor, frio, formigamento, ardor e irradiação) e o emprego de testes para pesquisar a presença de anormalidades sensitivas na área relacionada ao nervo supostamente lesado. Por outro lado, o exame à beira do leito é fundamental. O uso de tubos de água quente (40 ºC) e fria (20 ºC), de objetos pontiagudos (alfinetes ou agulhas), de algodão ou pincel, de escova, de monofilamento de Von Frey e do diapasão, além da pesquisa de parestesia e de disestesia, pode auxiliar no diagnóstico de alodinia ou de hiperalgesia térmica ou mecânica. Deve-se lembrar a importância de delimitar a área lesada em cm2.4 Exames complementares de sangue e de imagem (como ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassonografia), além da eletroneuromiografia (ENMG) para avaliação de fibras grossas CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 e do teste sensitivo-quantitativo (TSQ) para avaliar tanto fibras finas quanto fibras grossas, podem ser necessários para esclarecer a etiologia da doença.5 Por outro lado, vários são os questionários para identificar a dor neuropática, como o Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale (LANSS); o Neuropathic Pain Questionnaire (NPQ); o Neuropathic Pain Questionnaire Short Form (NPQ-SF); o S-LANSS (self-completed); o Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4); o PainDETECT; o ID Pain; o Neuropathic Pain Scale (NPS); o Neuropathic Pain Symptom Inventory (NPSI); o Pain Quality Assessment Scale (PQAS); e o Standardized Evaluation of Pain (StEP). Nos instrumentos LANSS e DN4, a existência de alteração de sensibilidade é confirmada por testes, o que é altamente desejável. Somente o PainDETECT investiga a presença de irradiação da dor. O NPS e o PQAS não investigaram alterações de sensibilidade nem por autorrelato. O NPS, o NPSI e o PQAS não têm ponto de corte. No LANSS e no DN4, com os pontos de corte propostos, a especificidade e a sensibilidade foram iguais ou maiores que 80%. A consistência interna, avaliada pelo α de Cronbach, foi adequada/razoável (DN4=0,713 e LANSS=0,670).6 A dor lombar é definida como dor e desconforto localizados abaixo do rebordo costal e acima da linha glútea superior, com ou sem dor referida no membro inferior, sendo crônica se persistir por mais de três meses.7 É um problema que afeta 80% dos adultos em algum momento da vida, está entre as dez primeiras causas de consultas a internistas e, em cada ano, de 5% a 10% dos trabalhadores se ausentam de suas atividades por mais de sete dias em razão dessa doença.8 A maioria das causas de dor lombar é resultante de distensão muscular ou de lesão ligamentar em 65% a 75% dos casos. Em se tratando do homem, o risco de ser acometido por dor lombar parece maior entre 45 e 64 anos de idade, mas a partir de 65 anos, a prevalência entre os sexos é semelhante. As causas neurogênicas (lombociatalgia), como hérnia de disco, estenose de canal ou osteófito que com- 13 prime um trajeto de nervo, apresentam ocorrência de 5% a 15%, e as condições não mecânicas (neoplasias, infecções e doenças inflamatórias), assim como a dor visceral (aneurisma de aorta), a fibromialgia e as doenças psicossomáticas, apresentam ocorrência de cerca de 2% a 4%.9 A categoria de “bandeiras vermelhas” corresponde a um pequeno percentual de pacientes que apresentam dor lombar aguda com sinais sugestivos de doença, como neoplasia, infecções, fraturas vertebrais compressivas, síndrome da cauda equina ou espondilite anquilosante. Os pacientes com alterações neurológicas também se enquadram neste grupo. Os indicadores de investigação clínica com exames complementares incluem: história de trauma grave ou moderado em pacientes acima de 50 anos, imunossupressão, uso ou abuso de drogas intravenosas, histórico de câncer com metástases ósseas, suspeita de infecção espinhal e osteoporose.10 Os médicos assistentes devem estar atentos às “bandeiras amarelas” para identificação de pacientes em risco de desenvolver dor lombar crônica. Algumas “bandeiras amarelas” são: 1) atitude pessimista em relação à dor, com medo excessivo de movimentação ou atividade e pouca expectativa de melhora; 2) problemas relacionados ao trabalho (insatisfação, conflitos); 3) questões emocionais (depressão, ansiedade, preocupações); 4) dor generalizada (cefaleia, fadiga, tontura); 5) desejo de tratamento passivo, com pouca habilidade de ser proativo; e 6) episódios prévios de dor lombar de longa duração.11 A dor lombar crônica pode ser decorrente de múltiplos mecanismos fisiopatológicos que envolvam a combinação de respostas nociceptivas e neuropáticas, caracterizando-se um quadro misto. Desse modo, é possível que 4% da população adulta apresente dor lombar crônica com componente neuropático.12 Além disso, o sucesso da terapia farmacológica ou complementar dependerá da caracterização dos mecanismos dolorosos envolvidos, que deverão ser esclarecidos no decorrer da investigação clínica. Deve-se lembrar que o diagnóstico baseado em exames de imagem é inespecífico.13 O componente neuropático da lom- CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 balgia crônica pode ser causado por estímulos nociceptivos relacionados a: 1) brotamentos nervosos dentro do disco vertebral degenerado; 2) compressão mecânica de uma raiz nervosa; e 3) liberação de mediadores inflamatórios pelo disco lesionado, porém sem comprometimento mecânico.14 de 98% em comparação ao DN4, que obteve sensibilidade de 61% e especificidade de 73%. Quando comparado aos achados das imagens de ressonância nuclear magnética, o StEP manteve resultados superiores, com 90% de sensibilidade e 95% de especificidade contra 86% e 41% da RNM.19 Essas diferenças, desse modo, vão interferir na ocorrência de dor neuropática na dor lombar crônica.6 Assim, é necessário desenvolver ferramentas com base em questionários, exame neurológico e teste sensitivo-quantitativo descritos para obter o diagnóstico de dor neuropática. Uma revisão sistemática com metanálise relatou frequência alta e em torno de 36,6% de componente neuropático na dor lombar crônica, com variação dependente do método diagnóstico utilizado entre 16,7% e 54,4%.15 Em 8.000 pacientes avaliados na Alemanha que cursavam com dor lombar crônica, a aplicação do PainDETECT constatou que 37% destes pacientes apresentavam quadro doloroso com predominância neuropática.16 Outro trabalho20 avaliou a presença de dor neuropática aplicando o DN4 em pacientes com lombociatalgia na tentativa de diferenciar se o componente neuropático viria da região lombar ou da parte distal da perna. Dos 132 pacientes estudados, 40 tinham hérnia de disco, 24 estenose espinhal relacionada à artropatia facetária, 17 tinham doença degenerativa de disco, 56 doença degenerativa da coluna e dois escoliose. Trinta pacientes (23%) se submeteram a cirurgia em coluna: discectomia (N=18), quimionucleólise (N=2), laminectomia (N=7) e artrodese lombar (N=3). Os pacientes foram classificados em quatro grupos de acordo com The Quebec Task Force Classification of Spinal Disorders (QTFSD), sendo o grupo 1 com dor irradiada até a linha glútea, o grupo 2 com dor irradiada até o joelho, o 3 com dor irradiada além do joelho e sem alterações neurológicas e o 4 com dor até o pé, acompanhando a distribuição do dermátomo e com alterações neurológicas (perda sensitiva ou alteração de reflexo). A porcentagem de componente neuropático foi maior em pacientes com dor radicular típica ou naqueles com cirurgia prévia sem resultado satisfatório. Outra questão é a de que, mesmo havendo intervenção no paciente com lombociatalgia, o componente ciático pode persistir, o que favorece a hipótese de sensibilização central como mecanismo fisiopatológico da manutenção da dor.17 Em estudo com 622 pacientes operados por lombociatalgia, 53% deles permaneceram com ciatalgia após quatro anos e, dentre os que resolveram o componente ciático, 61% mantiveram a dor lombar.18 É possível que determinadas doenças que cursam com lombociatalgia apresentem maior ou menor componente neuropático (estenose de canal medular e pacientes com múltiplas intervenções em coluna). Além disso, entre os questionários diagnósticos existentes, há variação de especificidade e sensibilidade. O LANSS apresenta sensibilidade que varia de 82% a 91% e especificidade entre 80% e 90%, enquanto o DN4 tem sensibilidade de 83% e especificidade de 90%. No grupo 4, a dor comprometeu mais o trajeto de L5-S1 que o de L4. Não houve diferença entre os padrões demográficos (sexo, idade, raça, duração da dor ou tratamento) intergrupos, contudo, como se esperava, a alteração neurológica foi mais prevalente no grupo 4, assim como o maior consumo de anticonvulsivantes. Também com o DN4 os escores ≥ a 4/10 foram maiores no grupo 4, com sensibilidade de 80% e especificidade de 92%. Com relação à dor lombar houve maior proporção de escores ≥ a 4/10 no grupo 4, e isso foi diferente em todos os grupos. O mesmo ocorreu na dor lombar com irradiação, exceto pelo fato de que os escores foram estatisticamente semelhantes entre os grupos 2 e 3. A proporção de pacientes com escore positivo para dor neuropática em membro inferior e negativo para dor lombar foi de 7,4% no grupo 2, de Já o PainDETECT apresenta sensibilidade de 85% e especificidade de 80%. Na diferenciação entre lombalgia radicular e axial, o StEP teve sensibilidade de 79% e especificidade 14 CHANGE PAIN® Ano 1 • Número 5 • Novembro 2014 Referências: 23,7% no grupo 3 e de 51,8% no grupo 4. O número dos pacientes com dor neuropática positiva na avaliação do DN4 de dor lombar foi maior no grupo que se submeteu a cirurgia prévia. (Tabela 1) Isso pode ser explicado por alterações decorrentes da cicatrização do tecido ou por lesão de nervos no local da cirurgia. 1. 2. 3. 4. Média dos escores de DN4 aplicados na região lombar e na área mais distal do membro afetado 6. Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 1,79 ± 1,8 2,2 ± 1,6 1,8 ±1,5 3,0 ± 1,8 Dor no membro inferior - 2,3 ± 1,5 2,8 ±1,9 5,3 ± 2,1 Dor lombar com cirurgia prévia 1,2 ± 1,1 3,1 ± 1,4 2,0 ± 1,3 3,8 ± 1,8 Dor lombar sem cirurgia prévia 1,8 ± 1,4 1,9 ± 1,6 2,0 ± 1,7 1,9 ± 1,9 Dor lombar 5. Tabela 1 7. 8. 9. 10. 11. Adaptado de : Attal N et al. J Pain 2011. 12. Em conclusão, o tratamento adequado da dor lombar é essencial, porém desafiador, para o médico na atenção primária. A maioria dos pacientes portadores de lombalgia pode ser tratada no ambiente da atenção primária desde que o médico assistente tenha conhecimento apropriado da forma como elaborar o diagnóstico diferencial e identificar o componente neuropático da dor. Assim, a história clínica, o exame físico e neurológico, a solicitação de exames complementares e a aplicação de instrumentos diagnósticos são fundamentais. Isso implica em planejamento terapêutico adequado focado no componente neuropático da dor lombar crônica, equilibrando-se as expectativas do paciente quanto ao resultado do tratamento.21 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 15 Treede RD, Jensen TS, Campbell JN, Cruccu G, Dostrovsky JO, Griffin JW, Hansson P, Hughes R, Nurmikko T, Serra J. Neuropathic pain: redefinition and a grading system for clinical and research purposes. Neurology. 2008;70(18):1630-5. 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