MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO AMAZONAS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no exercício da
legitimação que lhe conferem o artigo 129, II e III da Constituição da República, o artigo
5º, inciso III, alínea e, e inciso IV e artigo 6º, VII, alínea c da Lei Complementar no 75/93
(Lei Orgânica do Ministério Público da União), e os artigos 1o e 5o da Lei no 7.347/85,
vem propor
Ação Civil Pública
com pedido liminar de antecipação de tutela
em desfavor da UNIÃO FEDERAL,
FEDERAL que receberá citação e
intimações por meio da Procuradoria da União no Estado do
Amazonas, situada na Av. Tefé, nº 611 - Ed. Luis Higino de Sousa
Netto, Praça 14 de Janeiro, Manaus, Amazonas, da FUNASA, que
receberá citação e intimações por meio da Procuradoria Federal
Especializada junto à FUNASA no Estado do Amazonas, situada
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
na Rua Oswaldo Cruz, s/nº, Bairro da Glória - Manaus/AM
CEP:69027-000, Telefone: (92) 3301-4150 / 4131 / 3671-2040 – Fax:
(92) 3301-4144
I- CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE A FUNASA E O INSTITUTO BRASILEIRO
PELO DESENVOLVIMENTO SANITÁRIO PARA REALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE
ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA NO DSEI YANOMAMI (PÓLOS BASE
MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ. SUSPENSÃO DOS REPASSES.
A FUNASA celebrou o convênio 1436/04 com o Instituto
Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, com vigência de 17.12.2004 a 17.12.2005, o
qual sofreu sucessivas prorrogações, estando ainda em vigor atualmente.
De acordo com a informação do Coordenador do Instituto
Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, a última prorrogação, ocorrida no final do
ano de 2007, previu o repasse de R$ 2.251.242,00 para o ano de 2008 e o cronograma de
desembolso previa o repasse de R$ 182.604, 00 em dezembro de 2007 e três parcelas de
R$ 689546,00 nos meses de fevereiro, maio e agosto de 2008, mas somente foi
efetivamente repassada a primeira parcea no valor de R$ 182.604,00 em abril de 2008.
Em razão do atraso dos repasses, as atividades dos Pólos
base Maturacá, Maiá e Inambu estão paralisadas desde março de 2008, acarretando não
apenas prejuízo aos trabalhadores que estão sem receber salários há vários meses, mas
sobretudo aos indígenas atendidos pelos referidos pólos base, além de inegável dano ao
erário.
O Convênio 1436/04, conforme informações encaminhadas
por meio do ofício n.º 010/2008-DSEI-Yanomami/CORE-RR/FUNASA, é responsável
pelo atendimento de três pólos base (Maturacá, Inambu e Maiá), com um total de sete
aldeias (Maturacá- 573 índigenas, Inambu-96 índigenas, Maiá-460 indígenas, AriabúL:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
596 indígenas, Nossa Senhora Auxiliadora- 45 indígenas , Nazaré- 104 indígenas e
Tamaquaré- 41 indígenas).
Em resposta ao Ofício n.º 988/2008/1º Ofício Cível/PR/AM, a
FUNASA encaminhou manifestação da Coordenação Regional de Roraima nos
seguintes termos:
“Em resposta ao Ofício n.º 988/2008/1º Ofício Cível/PR/AM, informamos que o convênio n.º
1434/2007 (sic) celebrado entre a FUNASA e o IBDS, até o final de 2007 teve suas ações
realizadas de forma regular, entretanto, a partir de 2008 foram detectados vários problemas na
execução das ações.
A referida conveniada sofreu várias denúncias por parte dos Yanomamis, atrasou sobremaneira a
entrega da prestação de contas da parcela anterior, teve despesas glosadas em sua prestação de
contas com condenação de devolução por aplicação indevida de recursos não previstos no plano de
trabalho, por fim, a referida instituição não possui CND com receita previdenciária federal,
impossibilitando o repasse de recursos para a mesma.
Com o cenário apresentado a situação se agravou ao passo que por razão das irregularidades
apontadas a instituição ficou impossibilitada de receber recursos financeiros da FUNASA e as
ações começaram a sofrer solução de continuidade, atraso no pagamento dos funcionários e
precariedade na prestação dos serviços.
Por todo o exposto, providenciamos uma equipe de saúde, a fim de restabelecer o atendimento em
área indígena naquela região. A referida equipe encontra-se sediada em São Gabriel da Cachoeira
com condições de se locomover em toda região do amazonas, criamos uma nova rota aérea para
região com o objetivo de maximizar o atendimento e manutenção da nova equipe.
Um plano emergencial de atendimento foi desenvolvido em conjunto com o DSAI para que os
serviços sejam retomados em sua totalidade pelo período de 90 dias, prazo esse suficiente para que
possamos sanar o impasse.
Seguem anexos os documentos encaminhados à conveniada.”
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
II- VIOLAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.DANOS CAUSADOS À SAÚDE
INDÍGENA, ÓBITOS E AGRAVO DA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE.
DEMORA INJUSTIFICADA NO POSICIONAMENTO E NA ADOÇÃO EFETIVA
DE MEDIDAS PARA GARANTIR A CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS. DANO
AO ERÁRIO.
A execução das ações de atenção à saúde indígena
consubstancia serviço público de saúde, que submete-se ao princípio da continuidade
dos serviços públicos. A paralisação ou interrupção destes serviços representa patente
violação do direito à saúde, consagrado na Constituição da República de 1988 em
diversos dispositivos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
§ 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.(grifo nosso).
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
...
II - cuidar da saúde e assistência pública...
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).
Art. 196 A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua
promoção, proteção e recuperação.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
A Lei 9836/99 regula o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do
SUS e prevê que o mesmo deve se pautar por uma abordagem diferenciada, levando-se em
consideração as especificidades culturais, epidemiológicas, operacionais etc.
Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena,
componente do Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e
pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em
perfeita integração.
Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e
as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para
a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma
abordagem
diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde,
saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras,
educação sanitária e integração institucional.
O referido subsistema foi concebido basicamente em três níveis,
nos termos da Portaria nº 254/02: a) o atendimento nas aldeias (postos de saúde) por agentes
indígenas de saúde, e pelas equipes multidisciplinares periodicamente; b) os Pólos-Base; c)
integração com a rede do SUS para procedimentos de maior complexidade, com apoio das
Casas de Saúde Indígena.
A Portaria n.º 852 de 30 de setembro de 1999 da Presidência
da FUNASA criou os distritos sanitários especiais indígenas, conforme previsto pelo
art. 8º do Decreto 3156/99 (“Art.8ºA FUNASA contará com Distritos Sanitários Especiais
Indígenas destinados ao apoio e à prestação de assistência à saúde das populações indígenas.”):
Art. 1° – Ficam criados os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, de acordo com a
denominação, vinculada administrativa, jurisdição territorial, sede, população, etnias, casas
do índio e demais características constantes dos Anexo I a XXXIV.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Art. 2° – Ao Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI compete atuar como unidade de
execução das ações destinadas à promoção, proteção e recuperação da saúde do índio,
objetivando o alcance do equilíbrio bio-psico-social, com o reconhecimento do valor e da
complementariedade das práticas da medicina indígena, segundo as peculiaridades e o perfil
epidemiológico de cada comunidade.
Parágrafo único – Ao Distrito Sanitário Especial Indígena cabe a responsabilidade sanitária
sobre determinado território indígena e a organização de serviços de saúde hierarquizados,
com a participação do usuário e sob controle social.
Assim como previsto na política nacional de atenção à saúde
indígena (Portaria GM 254/02), e pelo art. 1º, VI da Portaria GM n.º 70/2004, a estrutura
dos DSEIs é composta da seguinte forma:
a) Postos de Saúde situados dentro das aldeias indígenas, que contam com
o trabalho do agente indígena de saúde (AIS) e do agente indígena de
saneamento (Aisan);
b)Pólos - Base com equipes multidisciplinares de saúde indígena;
c)Casa do Índio (CASAI) que apóia as atividades de referência para o
atendimento de média e alta complexidade.
Apesar de se tratar de serviço público essencial de saúde, de
natureza contínua, a FUNASA vem fazendo uso de convênios para terceirizar de forma
ilegal a contratação de mão-de-obra, o que já é objeto de ação civil pública ajuizada pelo
Ministério Público do Trabalho, com efeitos nacionais, sob o n.º 0751-2007-018-10-00-4,
no bojo da qual foi celebrado termo de ajustamento de conduta pelo qual se estabeleceu
a progressiva substituição dos trabalhadores contratados mediante convênio.
Vale lembrar que a própria Procuradoria da FUNASA já
reconhecera a ilegalidade e inconstitucionalidade de tais convênios, por meio do
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Parecer n.º 501/PGF/FUNASA/GAB/2003 (cópia às fls. 412/419 do presente processo),
afirmando que “A falta de complementaridade leva à terceirização, que é ilegal. Tal conclusão
quanto à ilegalidade da atuação das ONG's não é novidade para aqueles que se debruçaram sobre
o tema”.
Para além da inconstitucionalidade da terceirização de mãode-obra para desempenho de atividade fim de caráter contínuo por meio da celebração
de convênios, por violação do art. 37, II da Constituição da República, o que não é
objeto desta ação civil pública, tem se verificado empiricamente a incompatibilidade de
tal forma de execução dos serviços de atenção à saúde indígena com a contínua e
adequada prestação de tais serviços. Esta incompatibilidade também já fora reconhecida
há quase CINCO ANOS pela Procuradoria da FUNASA no parecer referido no
parágrafo acima:
“Em verdade, o meio convenial não é aplicável para ações continuadas. Não é possível
admitir que a prestação à saúde seja interrompida por conta da inadimplência ou desvio
cometido por gestores de entidades privadas. Mutatis mutandis, o modelo atual impõe que
caso a organização não-governamental pratique qualquer irregularidade as pessoas ficarão
sem a devida assistência.”
Por meio destes convênios, a FUNASA transfere para
entidades privadas, comumente chamadas de organizações não governamentais, a
execução de atividades permanentes de atenção à saúde indígena que são de sua
responsabilidade e, de forma rotineira, atrasa ou suspende os repasses previstos, seja
por problemas internos ou em função de inadimplência, irregularidades ou atrasos nas
prestações de contas, o que tem não apenas comprometido severamente a eficácia da
atuação das entidades conveniadas, como acarretado desperdício de recursos públicos
sem o atingimento dos objetivos e metas colimados.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
7
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
O que tem feito a FUNASA diante das suspensões
acarretadas
por
comportamentos
irregulares
das
entidades
conveniadas??
Lamentavelmente, a questão tem sido tratada pela FUNASA como se ao invés de um
convênio estivéssemos diante de contratos, em que os interesses são contrapostos e que
a única interessada na regular execução do objeto do convênio é a entidade conveniada
e para a FUNASA fosse indiferente. Suspendem-se os repasses e aguarda-se
indefinidademente quanto tempo for preciso para que a situação se “resolva”, afinal o
que a FUNASA tem a ver com isso? A entidade conveniada é sempre apontada como
vilã e nada se faz.
Não importa se isso vá levar três, seis, nove meses ou todo o
ano, nem se os trabalhadores contratados ficarão sem receber salários, sem trabalhar, se
a população indígena sem as ações de atenção à saúde indígenas, se as metas não serão
atingidas e se os indicadores de saúde destas populações, já notoriamente mais
vulneráveis, atingirão níveis ainda piores.
A FUNASA simplesmente lava as mãos, como se a
paralisação da conveniada não representasse a sua própria omissão, não representasse o
seu próprio fracasso no desempenho de sua missão institucional, a qual transferiu de
forma ilegal e inconstitucional para organizações não governamentais.
Tal postura não apenas viola o princípio da razoabilidade,
como representa abuso de poder consistente na negação e violação de direitos
fundamentais das populações indígenas, o que pode inclusive ensejar providências
junto à Unidade de Povos Indígenas e Minorias do Alto Comissariado da ONU para
Direitos Humanos, como bem advertiu a I. Juíza Federal Titular da 1ª Vara Federal do
Amazonas Jaiza Maria Pinto Fraxe nos autos da ação civil pública n.º 2007.32.00.8698-4.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
8
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são
critérios interpretativos tanto quando há possível colisão entre dois princípios, quanto
quando há a necessidade de se tomar atitudes de concretização de tais valores.
A observância destes princípios, normas jurídicas portanto, e
não apenas mero aconselhamento moral, exortação etc,
é aferida
mediante a
verificação da compatibilidade de determinada lei ou ato do Poder Público com três
subprincípios que o compõe: a) adequação, idoneidade dos meios para alcançar os fins
visados; b) necessidade ou vedação do excesso, o que significa que a medida adotada
deve ser a menos gravosa, que restrinja os direitos fundamentais envolvidos em menor
grau, dentre aquelas disponíveis para a consecução das finalidades perseguidas; c)
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, as restrições aos direitos fundamentais, os
prejuízos gerados pela medida em análise devem ser menores que os benefícios
gerados.
É evidente que esperar vários meses para adotar alguma
providência não atende ao princípio da razoabilidade, seja porque não constitui medida
idônea para assegurar às populações indígenas o direito à saúde, finalidade prevista na
Constituição da República e nas normas que instituiram o Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena, porque existia medida menos gravosa que era a assunção integral do
objeto do convênio, logo que constatada a inviabilidade dos repasses, tal como previsto
na cláusula décima do termo de convênio, ou porque os prejuízos causados à saúde
indígena e o desperdício de recursos públicos suplantam em muito as supostas
vantagens da manutenção de um convênio sem o repasse dos recursos previstos e de
trabalhadores à disposição do empregador (entidade conveniada), aos quais terão que
ser pagos salários (com recursos públicos!!!) sem que trabalhem e atinjam os fins
previstos na Lei 9836/99 e no plano distrital de saúde elaborado para o período
2008/2010.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
9
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
A FUNASA sempre alega que só atrasou os repasses porque
a conveniada cometeu alguma sorte de irregularidade, seja em relação à certidão
negativa de débitos, prestação de contas etc. Ora, se a conveniada está em situação de
irregularidade, cabe à FUNASA prever as conseqüências, é dizer, prever que isso
acarretará atraso nos repasses e que sem repasses a entidade conveniada não pode
executar o objeto do convênio.
Se tudo isso é previsível, cabia-lhe também adotar a medida
prevista na cláusula décima, qual seja, a assunção do objeto do convênio. Se tivesse feito
isso de forma diligente e tempestiva, há quatro, cinco ou seis meses atrás, a situação não
seria tão grave como se apresenta no momento e os prejuízos poderiam ter sido
sensivelmente minorados.
A FUNASA delega para terceiros não estruturados, que
subsistem unicamente para gestão dos recursos do convênio, as atribuições da UNIÃO
que lhe foram delegadas pelo Ministério da Saúde. Por óbvio, em se tratando de
dinheiro público, a existência de irregularidades nas prestações de contas impede as
transferências previstas e os repasses, quando ocorrem, são feitos com muito atraso.
A população indígena fica sem as ações de saneamento e
assistência à saúde ou estas são realizadas de maneira extremamente precária, mas os
recursos destinados ao atendimento de tais finalidades são gastos, apesar de frustrados
os objetivos. A FUNASA culpa as entidades conveniadas, mas não rescinde os
convênios nem assume a execução de seu objeto, apesar de manifesta a ineficácia do
instrumento adotado para a consecução de objetivos que não consubstanciam mero
interesse da conveniada, mas a própria missão institucional da FUNASA.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Este
quadro, além do risco
iminente
de óbitos e
agravamento de situações emergenciais não atendidas tempestivamente, acarreta sério
comprometimento em relação ao cumprimento das metas previstas no plano distrital
de saúde 2008/2010, assim como das ações de saúde planejadas para o exercício de 2008
e representa, inexoravelmente, o não atingimento do objetivo previsto no art. 1º, II da
Portaria GM 70/2004 (“O objetivo da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas é assegurar aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de modo a
favorecer a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à
saúde”), caso não sejam adotadas com urgência as medidas necessárias para reverter tal
quadro.
É notório e reconhecido pela FUNASA que a adequada estruturação e
funcionamento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena impõe-se não apenas como
instrumento para assegurar o respeito do Estado Brasileiro ao multiculturalismo reconhecido e
garantido pela Constituição da República de 1988, mas também como mencionado no art.
1º, II da Portaria GM 70/2004, como meio indispensável de “ superação dos fatores que
tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde”.
Apesar disso, a FUNASA vem tratando a questão de forma
exacerbadamente burocrática, ineficiente e lenta, o que se mostra absolutamente
incompatível com a necessidade de respostas céleres e condizentes com a importância
da adequada e contínua prestação dos serviços de atenção à saúde indígena.
Impõe-se, pois,
que a FUNASA assuma efetivamente a
responsabilidade que lhe foi delegada pela UNIÃO, por intermédio do Ministério da
Saúde, e que é prevista na Constituição da República como direito fundamental das
populações indígenas, com eficácia plena e aplicabilidade imediata, nos termos do art.
5º, parágrafo 2º e do art. 196 da Constituição da República, sem mencionar que tal
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
obrigação também é expressamente prevista (e ainda que não o fosse seria decorrência
lógica da delegação convenial operada pela FUNASA) na cláusula décima do convênio
1436/2004, in verbis:
“CLÁUSULA DÉCIMA- DA CONTINUIDADE
Na hipótese de paralisação ou de fato relevante que venha a ocorrer a
CONCEDENTE assumirá a execução do objeto deste convênio, de modo a evitar a
descontinuidade das ações pactuadas.”
Existem mandamentos constitucionais que garantem o direito à
saúde às populações indígenas (principalmente o art. 196 da Constituição da República
de 1988 ) e que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições...( art. 231, caput da Constituição da República de 1988 ), esta obrigação é
prevista também na Lei 9836/99, assim como em inúmeras normas infralegais, a
FUNASA detém atribuição legal por delegação para fazer cumprir tais mandamentos e
existe previsão expressa nos termos de convênio de assunção pela concedente da
execução do objeto dos mesmos na hipótese de paralisação ou outro fato relevante.
Não se pode olvidar que a posição adotada pelo EstadoAdministração, por meio da FUNASA, é contrária também às últimas recomendações
do Conselho de Direitos Humanos da ONU e às normas previstas na Convenção n.º
169 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 5051/04 , e na Declaração da ONU sobre
direitos dos povos indígenas:
Mecanismo de Revisão Periódica Universal das Nações Unidas
País sob revisão: Brasil
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Documento da ONU: A/HRC/WG.6/1/BRA/4, apresentado em 15 de abril de 2008
nas Nações Unidas, em Genebra
Recomendaçoes
(...)
3) Além de dar continuidade às iniciativas positivas em curso, empenhar-se na
avaliação dos resultados das atividades já planejadas em muitas dessas áreas:
condições das prisões; sistema penal judiciário; sistema de internação de
adolescentes em conflito com a lei; violência e execuções extrajudiciais praticadas
pela polícia militar; tortura; proteção dos defensores de direitos humanos; violência
contra as mulheres; comunidades indígenas; violência rural e conflitos agrários;
trabalho infantil e escravo; e, por fim, impunidade, especialmente no caso do tráfico
de pessoas e da corrupção (Reino Unido);
(...)
5) Dar mais consideração às violações de direitos humanos contra os povos
indígenas, à falta de segurança no país e às condições precárias das prisões
brasileiras (República da Coréia);
Convenção 169 da OIT
Art.7º
(...)
2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação
dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser
prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde
eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também
deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria.
Artigo 25
1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição dos
povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a esses povos os
meios que lhes permitam organizar e prestar tais serviços sob a sua própria
responsabilidade e controle, a fim de que possam gozar do nível máximo possível
de saúde física e mental.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em
nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em
cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições
econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de
prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais.
3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à formação e ao
emprego de pessoal sanitário da comunidade local e se centrar no atendimento
primário à saúde, mantendo ao mesmo tempo estreitos vínculos com os demais
níveis de assistência sanitária.
4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com as demais
medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país.
Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas
Artigo 24
1. Os povos indígenas têm direitos às suas próprias medicinas tradicionais e a
manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e
minerais de interesses vital, sob o ponto de vista médico. As pessoas indígenas
também têm direito ao acesso, sem discriminação alguma, a todos os serviços sociais
e de saúde.
2. Os indígenas têm direitos a desfrutar igualmente do maior nível de saúde física
e mental. Os Estados tomarão as medidas que sejam necessárias a fim de lograr
progressivamente a plena realização deste direito.
Cabe
ressaltar
que,
segundo
informações
da
própria
entidade
conveniada, no período de 25 de março de 2008 a 31.10.2008, data de encerramento dos
contratos de trabalho, só foi prestado atendimento de emergência e realizadas campanhas de
imunização, o que é confirmado pelos relatórios de produtividade encaminhados pela Chefia
do DSEI Yanomami (fls. 263/275 do
Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84).
Mesmo considerando os atendimentos sem identificação de quem os realizou (informação
demasiado frágil e sem possibilidade de auditagem), observa-se claramente que foram
realizados apenas poucos atendimentos a partir de abril de 2008 (uns poucos em maio e junho e
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
nenhum a partir de Julho). A FUNASA foi formalmente comunicada pelo IBDS por meio do
Ofício n.º 32/08 (fls. 196/199 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84).
Ainda mais grave é o notável incremento no número de óbitos (ver
quadro de fl. 273 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Enquanto nos meses
de janeiro e fevereiro houve apenas um óbito em todas as aldeias, tendo como causa a
SENILIDADE, a partir do mês de março houve quatro óbitos por PNEUMONIA , um óbito
por PERITONITE AGUDA, dois óbitos por DESNUTRIÇÃO PROTEICO-CALÓRICA, um
óbito por CHOQUE ANAFILÁTICO, dois óbitos por BRONQUITE AGUDA, um óbito por
MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA, um óbito SEM ASSISTÊNCIA, dois óbitos por OUTRAS
CAUSAS MAL DEFINIDAS e um óbito fetal por CAUSA DESCONHECIDA.
E isso tudo conforme informações da própria FUNASA. A Coordenação
do IBDS informara que “Nesse período em que as atividades foram paralisadas lamentamos as perdas
de 37 pessoas dentre tantas o maior número foram de crianças.” (fls. 08/09 do Inquérito Civil Público
n.º 1.13.000.001547/2008-84), um número muito maior do que o admitido oficialmente pela
FUNASA.
Além disso, os profissionais contratados pelo IBDS, embora tenham
ficado impossibilitados de exercer suas atividades, seja pela ausência de meios de subsistência
ou pela ausência de instrumentos para tanto, sob a ótica do Direito do Trabalho, estavam à
disposição do empregador e por isso fazem jus à percepção de salários em todo o período, o que
evidencia claramente a existência de dano ao erário, correspondente ao pagamento de salários
sem a correspondente prestação plena de serviço, dano este imputável aos gestores da FUNASA
que não adotaram tempestivamente as medidas para evitá-lo.
A informação contida no Relatório elaborado pelos Servidores José
Gilvan Oliveira de Moura e Fábio Gonçalves de Almeida, no sentido de que “Apesar dos
profissionais terem recebido os salários só até janeiro de 2008, continuaram trabalhando até 29 de
setembro de 2008” significa que os trabalhadores “não prestaram serviços nas aldeias, porém
continuaram a trabalhar pelo IBDS e assinando freqüência na sede da instituição”, como esclarecido
pela CORE-RR por meio do Ofício n.º .1242/GAB/Core-RR, sendo inegável o prejuízo causado
pela suspensão dos repasses.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
A não execução plena do objeto do convênio é também confirmada pelos
débitos acumulados até 31.10.2008, conforme relatório da FUNASA de fls. 311/318. Os recursos
pendentes de repasse totalizam o montante de R$ 2.068.638,00 (dois milhões, sessenta e oito mil,
seiscentos e trinta e oito reais), enquanto os débitos apurados pela FUNASA somam
R$
857.780,90, resultando em um saldo de cerca de R$ 1.200.0000,00.
Foi expedida a Recomendação n.º 13/2008
à FUNASA (fls. 20/33 do
Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84) para que a FUNASA assuma o objeto do
convênio n.º 1435/04, celebrado com o Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, a
fim de evitar maiores danos ao erário, prejuízos aos trabalhadores e aos serviços de
atenção à saúde das populações indígenas, que substitua os trabalhadores contratados
pela entidade conveniada e que
assuma as obrigações pendentes efetivamente
decorrentes da execução do objeto do convênio n.º 1436/06 e que não puderam ser
satisfeitas em razão da suspensão dos repasses.
Em resposta, por meio do Ofício n.º 730/DESAI/PRESI/FUNASA, o
Presidente da FUNASA informou que aquela fundação já assumira as ações pactuadas
com o IBDS desde o último dia 26.09.08, que foi desenvolvido um plano emergencial de
ações para atendimento à saúde indígena naquela região, que tais ações serão iniciadas
a partir do dia 24.10.2008 e que, quanto à obrigações pendentes decorrentes da execução
do objeto do Convênio n.º 1435/04, que não puderam ser satisfeitas em razão da
suspensão dos repasses, enviaria equipe de servidores da FUNASA à sede da
conveniada, para providenciar o levantamento das obrigações pendentes e, junto com
esse Ministério Público, formalizar Termo de Ajustamento de Conduta, para posterior
repasse financeiro da na forma acordada, garantindo assim, a quitação dos referidos
débitos.
Após tratativas mantidas com o IBDS e com a Coordenação
Regional da FUNASA em Roraima, que afirmava ter autorização do Presidente da
FUNASA para negociar a celebração do termo de ajustamento (o que parecia
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
verossímil, considerando o
conteúdo do Ofício n.º 730/DESAI/PRESI/FUNASA), o
Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho encaminharam à
FUNASA proposta de termo de compromisso de ajustamento de conduta (cópia anexa),
primeiramente, no dia 22.11.2008, via e-mail, ao Coordenador Regional de Roraima, Sr.
Marcelo de Lima Lopes, e depois, no dia 24.10.2008, à Coordenadora Geral de
Planejamento do Departamento de Saúde Indígena, Sra. Rosângela Barreto Marques
Oliveira (OFÍCIO N.º 1077/2008/1º OFÍCIO CÍVEL/PR/AM, encaminhado via e-mail,
posteriormente reiterado pelo OFÍCIO
N.º 1094/2008/1º OFÍCIO CÍVEL/PR/AM,
encaminhado via fax)
Após considerável demora, ofícios e muitos telefonemas, foi
encaminhada por e-mail cópia da manifestação da Procuradoria-Geral da FUNASA (até
o momento não houve resposta formal do DESAI), nos seguintes termos:
a) a Funasa, ao suspender o repasse de recursos financeiros à entidade convenente, apenas
deu cumprimento ao que determina a legislação de convênios (art. 116, § 3º da Lei 8666/93 e
art. 21, § 4º da Instrução Normativa n.º 01/97 da Secretaria do Teosuro Nacional), não
havendo que se falar em prática de ato irregular ou ilegal por parte desta Fundação;
b) o artigo 26 da Lei nº 10.522/2002 exige a demonstração de regularidade perante a
Seguridade Social e ao reter as parcelas remanescentes, a FUNASA observa também o
disposto na Lei n.º 10.522/2002;
c) haveria ilegalidade imputada à FUNASA caso a referida Fundação firmasse o Termo de
Ajustamento de Conduta nos precisos termos da minuta em análise, cumprindo a obrigação
consignada na cláusula primeira do referido ajuste, uma vez que a legislação de regência
veda o repasse de recursos na situação ocorrida no presente caso;
d) a IN-STN n.º 01/1997 veda expressamente a utilização dos recursos com finalidade diversa
da estabelecida no instrumento do convênio ou no respectivo plano de trabalho, ainda que
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
em caráter de urgência, sob pena de nulidade do ato e de responsabilidade do agente (art. 8º,
IV da IN 01/1997-STN);
e) não havendo ilegalidade na suspensão dos repasses, não há que se falar, no parágrafo
primeiro da Cláusula Primeira, em definição de montante a ser repassado nos termos do caput, que
seria feito com base em relatório a ser elaborado pela Funasa e deveria ter sido apresentado
até 29.10.2008;
f) em relação ao parágrafo segundo da mesma cláusula, observa-se que o termo em
apreciação, que deveria visar à adequação da conduta da Funasa às exigências legais,
pretende, ao contrário, afastar a aplicação de determinações constantes da IN n.º 01/1997;
g) não vislumbra qualquer necessidade da FUNASA firmar um termo de ajustamento de
conduta a fim de assumir o compromisso de executar ações que já seriam inerentes a sua
atividade finalística;
h) a Funasa, em virtude de seu compromisso institucional, já havia adotado providências
por meio da Coordenação Regional para solucionar a situação em análise, antes da
intervenção do Ministério Público Federal;
i) a avaliação acerca do quantitativo de equipes multidisciplinares e “agentes indígenas de
saúde” necessário a garantir a saúde indígena do povo Yanomami é um aspecto técnico a ser
apreciado pelo DESAI, e não imposto por meio de um termo de ajustamento de conduta. ;
j)nos incisos VI e VII, previu-se o fornecimento de insumos odontológicos, medicamentos e
demais insumos necessários para atuação de equipes multidisciplinares e de combustível
para as embarcações e veículos utilizados para deslocamento de tais equipes. Todavia, a
possibilidade de tal fornecimento e a sua compatibilidade como o que foi proposto no plano
emergencial também é aspecto a ser avaliado pelo setor competente;
k)a contratação de colaboradores eventuais seria inadequada, tendo em vista que assegurar a
saúde dos povos indígenas é uma atividade contínua, devendo, pois, ser prestada pela
Funasa de forma permanente;
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
l)com relação aos bens previstos na cláusula 2ª, parágrafo 4º deve a área responsável avaliar
se há disponibilidade de tais bens e serviços, ou, caso contrário, se há disponibilidade
orçamentária para a contratação e tempo hábil para a realização do competente certame
licitatório antes que se esgotem os prazos ali estabelecidos;
m)No que se refere às obrigações trabalhistas decorrentes do convênio original e de suas
sucessivas prorrogações, entende-se que há, na verdade, uma tentativa de aplicação do
inciso IV da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sem a observância da condição
estabelecida em sua parte final;
n)não se entende razoável que a Funasa assuma voluntariamente uma obrigação trabalhista
a que não está adstrita nem por força de lei, nem em virtude de determinação judicial.
Como se vê, apesar de ter inicialmente sinalizado a viabilidade de adoção
da via conciliatória, a FUNASA apresentou verdadeira defesa à proposta de termo de
ajustamento de conduta, revelando total menosprezo pela situação resultante da não assinatura
do termo de ajustamento de conduta e desintesse pela solução amigável do conflito.
Desconsidera não apenas que a situação anômala de adotar convênios
para atividades permanentes da FUNASA é, sem dúvida, a principal causa do impasse gerado,
como que a inadimplência do IBDS com a Previdência Social já era conhecida pelo menos
desde agosto de 2006 e, nada obstante, o Convênio n.º 1435/04 foi prorrogado por duas vezes, a
partir de dezembro de 2006 e a partir de dezembro de 2007.
Cabe transcrever os seguintes trechos dos relatórios de auditoria interna
n.º 2006/017 e 2007/023 (anexo do inquérito civil público 1.13.000.000463/2008-23):
Relatório n.º 2006/017
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
“5.1.9.2.1 Constatou-se que a Entidade não havia efetuado os pagamentos com o INSS
referentes aos meses de outubro a dezembro/2004 e janeiro/2005 até a presente data. Sendo
orientada, por esta Equipe de Auditoria, à regularizar a situação, assim foi providenciado os
recolhimentos dos meses de outubro a dezembro/04, conforme quadro abaixo, restando
regularizar os pagamentos dos meses de janeiro/2005 até a presente data.”
Relatório n.º 2007/023
“5.3.1. A verificação realizada demonstrou a existência de débitos referentes ao recolhimento
de encargos sociais, tanto em relação às contribuições para o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço- FGTS; contribuições previdenciárias junto ao Instituto Nacional de Seguridade
Social- INSS e ao recolhimento do Imposto de Renda Retido na fonte (Anexo I).
5.3.2 Preliminarmente, quanto a celebração do convênio, vale mencionar que a regularidade
do IBDS à época, inclusive junto ao INSS, foi atestada a inexistência de pendências no
processo de habilitação n.º 25000.137703/2004-55, conforme informação do Serviço de
Habilitação e Cadastro/CGCON/DEPIN de 16.12.2004 (fls. 78 do processo n.º
25100.034.208/2004-67.
(transcrição dos arts. 3º e 21 da IN STN 01/97, com redação anterior)
5.3.4. Assim, em que pese a comprovação de regularidade junto ao INSS ter se realizado
quando da celebração do convênio, conforme constou do procedimento de análise realizado
pela CGCON, a ausência do recolhimento desse encargo verificada na execução do convênio,
in tese, ensejaria a suspensão do repasse de recursos, pelo que se depreende do teor do art. 21
da IN-STN n.º 01/97.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
5.3.5. Por outro lado, é fato o impacto negativo verificado na execução do convênio, tanto o
descumprimento do cronograma de desembolso quanto o custeio de despesas realizadas em
período anterior à sua celebração.
5.3.6. O quadro acima descrito motivou a ocorrência de “sobrestamento” de valores quando
do repasse das parcelas ao IBDS, situação já avaliada por esta AUDIT no Relatório referente
à base de Auditoria n.º AAF 2006/18 e já tratado, quanto aos seus aspectos de regularidade e
adequação, na Nota Técnica n.º 62/2006- CGAUD/AUDIT.
5.3.7. A tabela que compõe o Anexo I deste relatório, demonstra um valor aproximado
pendente de recolhimento ao INSS, até o mês de competência de dezembro/2006, superior à
R$ 470.000,00, o que gerará um valor relacionado à juros, de aproximadamente R$
40.000,00. Tal montante certamente sofrerá acréscimos quando do efetivo recolhimento,
tendo em vista que os valores foram baseados em atualizações geradas e referências para
pagamento em diversos meses, principalmente janeiro de 2007 (última coluna da tabela).
5.3.8. Outro agravante da situação diz respeito ao desconto da contribuição do INSS
relacionada com o empregado, o qual vem sendo regularmente realizado e não repassado pelo
IBDS àquele Instituto, fato que pde ensejar a configuração de ilícito tributário e penal
(apropriação indébita)
5.3.9. Assim sendo, considerando já ter ocorrido o repasse do valor total pactuado, a
providência que deve ser implementada com urgência , é a imediata regularização do débito
junto ao INSS e a realização de levantamento para eventual suplementação de recursos em
face do custeio de despesas no período de “lacuna” anterior à celebração do convênio.”
Não há dúvida de que a FUNASA conhecia há muito os débitos do IBDS
com o INSS. Há inclusive menção a um possível período de lacuna, em que o IBDS teria
executado o objeto do convênio antes da assinatura do convênio, e a eventual suplementação de
recursos para cobrir as despesas realizadas no período.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Nem cabe alegar que a exigência de comprovação da regularidade fiscal
para as prorrogações só foi prevista a partir da alteração da IN STN 01/97 pela pela IN STN
04/07, que é de 17.05.2007, antes, portanto da última prorrogação.
Não consta qualquer informação de que o IBDS tenha realizado o pedido
de suplementação de recursos, nem que a FUNASA tenha adotado qualquer providência à
respeito.
A própria FUNASA, portanto, deu causa à anômala situação ora
vivenciada e no, entanto, sob o argumento de suposta “obediência à legalidade”, recusa-se a
adotar uma medida que resguarde os interesses tutelados, quais sejam, a saúde indígena, os
intereresses dos trabalhadores, o erário e a seguridade social.
O Administrador não pode, diante de situações difíceis, em que haja risco
para bens constitucionalmente tutelados, simplesmente quedar-se inerte, buscando abrigar-se
no escudo da legalidade formal, para satisfação de uma suposta segurança pessoal quanto á
futura responsabilização, mormente quando deu causa a tais atropelos. A inação, a omissão em
agir para atingir as finalidades colimadas pelas normas constitucionais e legais, assim como
para evitar a ocorrência de danos ou minorá-los, representa, ao revés, gravíssima violação do
dever de boa administração imposto a todo administrador, dever este expressamente derivado
do princípio da eficiência, insculpido no art. 37, caput da Constituição da República.
Neste sentido, bem observou o Desembargador Federal João Batista
Moreira, nos autos de agravo de instrumento 2008.01.00.047215-4/AM, referente à situação
análoga ocorrida no DSEI Manaus, que “O que não se admite, ante o princípio da eficiência, é sua
patente inércia, conforme está retratado nos autos, sob o argumento de discricionariedade e de entraves
meramente burocráticos.”
A FUNASA, portanto, assumiu o objeto do convênio 1435/04 de forma
extremamente precária, APÓS OITO MESES DE SALÁRIOS EM ATRASO, e ademais, não
previu providências para garantir a reparação dos danos causados.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
III- EXISTÊNCIA DE MEIOS PARA GARANTIR A CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS DE
ATENÇÃO À SAÚDE NOS PÓLOS BASE MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ E A
REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS.
Tampouco se pode alegar insuficiência de meios para
garantir o direito à saúde dos indígenas atendidos pelos Pólos Base do Maturacá,
Inambu e Maiá, porquanto é possível o remanejamento de servidores subaproveitados,
o retorno de servidores cedidos (que constitutem grande parte do quadro da FUNASA),
a contratação por prazo determinado etc.
Neste sentido, a Lei 8745/93, art. 2º, VI, teve
alínea “m” pela Medida Provisória nº 431 de 14 de maio de 2008,
incluída a
que autoriza
contratação temporária por prazo determinado para atividades de assistência à saúde
junto à comunidades indígenas, in verbis:
Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da
Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar
contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei.
Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público:
(...)
VI - atividades: (Redação dada pela Lei nº 9.849, de 1999).
(...)
m) de assistência à saúde junto a comunidades indígenas; e (Incluído pela Medida Provisória
nº 431, de 2008).
No
caso
da
contratação
por
prazo
determinado,
evidentemente que se justifica a contratação dos mesmos profissionais atualmente
contratados pela entidade conveniada, ante a impossibilidade de se realizar processo
seletivo simplificado em tempo hábil.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
III- DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENA YANOMAMI. PÓLOS BASE
MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ. INOBSERVÂNCIA DA COMPOSIÇÃO MÍNIMA
DAS EQUIPES MULTIDISCIPLINARES. FALTA DE ESTRUTURA MÍNIMA NOS
PÓLOS
BASE.
INSUFICIÊNCIA
DE
MEIOS
DE
TRANSPORTE
E
DE
COMUNICAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO PRÓPRIO PLANO EMERGENCIAL.
Como já mencionado no tópico anterior, o Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena foi concebido basicamente em três níveis, nos termos da Portaria nº 254/02: a) o
atendimento nas aldeias (postos de saúde) por agentes indígenas de saúde, e pelas equipes
multidisciplinares periodicamente; b) os Pólos-Base; c) integração com a rede do SUS para
procedimentos de maior complexidade, com apoio das Casas de Saúde Indígena, in verbis:
“Cada distrito organizará uma rede de serviços de atenção básica de saúde
dentro das áreas indígenas, integrada
e hierarquizada com complexidade
crescente e articulada com a rede do Sistema Único de Saúde. As Comissões
Intergestores Bipartites são importantes espaços de articulação para o eficaz
funcionamento dos distritos.
As equipes de saúde dos distritos deverão ser compostas por médicos,
enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e agentes indígenas
de saúde, contando com a participação sistemática de antropólogos,
educadores, engenheiros sanitaristas e outros especialistas e técnicos
considerados necessários.
O número, qualificação e perfil dos profissionais das equipes serão estabelecidos
de acordo com o planejamento detalhado de atividades, considerando: o número
de habitantes, a dispersão populacional, as condições de acesso, o perfil
epidemiológico, as necessidades específicas para o controle das principais
endemias e o Programa de Formação de Agentes Indígenas de Saúde a ser
definido conforme a diretriz específica desta política.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Nas aldeias, a atenção básica será realizada por intermédio dos
Agentes Indígenas de Saúde, nos postos de saúde, e pelas equipes
multidisciplinares periodicamente, conforme planejamento das suas
ações.
Na organização dos serviços de saúde, as comunidades terão uma outra
instância de atendimento, que serão os Pólos-Base. Os pólos são a primeira
referência para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias.
Podem estar localizados numa comunidade indígena ou num município de
referência. Neste último caso, correspondem a uma unidade básica de saúde, já
existente na rede de serviços daquele município. A maioria dos agravos à saúde
deverão ser resolvidas nesse nível.
As demandas que não forem atendidas no grau de resolutividade dos
Pólos-Base deverão ser referenciadas para a rede de serviços do SUS, de
acordo com a realidade de cada Distrito Sanitário Especial Indígena.
Essa rede já tem sua localização geográfica definida e será articulada e
incentivada a atender os índios, levando em consideração a realidade sócioeconômica e a cultura de cada povo indígena, por intermédio de diferenciação de
financiamento.
Com o objetivo de garantir o acesso à atenção de média e alta complexidades, deverão ser definidos procedimentos de referência, contra-referência e incentivo a
unidades de saúde pela oferta de serviços diferenciados com influência sobre o
processo de recuperação e cura dos pacientes indígenas (como os relativos a
restrições/prescrições
alimentares,
acompanhamento
por
parentes
e/ou
intérprete, visita de terapeutas tradicionais, instalação de redes, entre outros)
quando considerados necessários pelos próprios usuários e negociados com o
prestador de serviço.
Deverão ser oferecidos, ainda, serviços de apoio aos pacientes encaminhados à
rede do Sistema Único de Saúde.
Tais serviços serão prestados pelas Casas de Saúde Indígena, localizadas em
municípios de referência dos distritos a partir da readequação das Casas do
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Índio. Essas Casas de Saúde deverão estar em condições de receber, alojar e
alimentar pacientes encaminhados e acompanhantes, prestar assistência de
enfermagem 24 horas por dia, marcar consultas, exames complementares ou
internação hospitalar, providenciar o acompanhamento dos pacientes nessas
ocasiões e o seu retorno às comunidades de origem, acompanhados das
informações sobre o caso.
Além disso, as Casas deverão ser adequadas para promover atividades de
educação em saúde, produção artesanal, lazer e demais atividades para os
acompanhantes e mesmo para os pacientes em condições para o exercício dessas
atividades.”
A Portaria GM n.º 70/2004, por seu turno, estabelece em seu art. 1º
as diretrizes do modelo de gestão da saúde indígena , além de prever, em seu art. 6º
quais são as atribuições, qual o papel dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas
(DSEIs):
Art. 1º O modelo de gestão de saúde indígena segue as seguintes diretrizes:
I - A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, integrante da Política
Nacional de Saúde, deve ser compatibilizada com as determinações da Lei Orgânica da Saúde
e com a Constituição Federal, que reconhecem as especificidades étnicas e culturais e os
direitos sociais e territoriais dos povos indígenas;
II – O objetivo da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas é assegurar aos
povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de modo a favorecer a superação dos
fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde;
III - A implantação da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena adotará modelo de
organização dos serviços voltados para a proteção, promoção e recuperação da saúde, que
garanta aos povos indígenas o exercício da cidadania;
IV – O Subsistema de Saúde Indígena fica organizado na forma de Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), delimitação geográfica que contempla
aspectos demográficos e etno-culturais, sob responsabilidade do gestor federal;
V – Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas devem contar com uma rede
interiorizada de serviços de atenção básica organizada de forma hierarquizada e
articulada com a rede de serviços do Sistema Único de Saúde para garantir a
assistência de média e alta complexidade;
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
VI - A estrutura do Distrito Sanitário Especial Indígena fica composta pelos Postos
de Saúde situados dentro das aldeias indígenas, que contam com o trabalho do
agente indígena de saúde (AIS) e do agente indígena de saneamento (Aisan); pelos
Pólos - Base com equipes multidisciplinares de saúde indígena e pela Casa do Índio
(CASAI) que apóia as atividades de referência para o atendimento de média e alta
complexidade;
VII - O processo de estruturação da atenção à saúde dos povos indígenas deve contar com a
participação dos próprios índios, representados por suas lideranças e organizações nos
Conselhos de Saúde locais e distritais;
VIII – Na execução das ações de saúde dos povos indígenas deverão ser estabelecidos
indicadores de desempenho e sistemas de informações que permitam o controle e a avaliação
das referidas ações; e
IX - A implantação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas deve
respeitar as culturas e valores de cada etnia, bem como integrar as ações da medicina
tradicional com as práticas de saúde adotadas pelas comunidades indígenas.
Art. 6º Ao Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI), compete:
I - Planejar, coordenar, e executar as ações integrais de saúde na área de
abrangência do distrito sanitário especial indígena;
II - Executar o fluxo de referência e contra referência de pacientes no distrito sanitário a
serviços de média e alta complexidade;
III - Acompanhar e avaliar todas as ações de saúde desenvolvidas em sua área de
abrangência com base em indicadores de saúde e desempenho;
IV - Avaliar e controlar a qualidade da assistência prestada em seu território de
abrangência;
V - Alimentar os sistemas de informação da saúde indígena e consolidar as informações
epidemiológicas e de saúde referentes à sua área de abrangência;
VI - Propor e executar programas e ações emergenciais, fundamentados em dados
epidemiológicos;
VII - Assegurar as condições para a implantação e implementação do Conselho locais de
saúde indígena;
VIII - Articular as práticas de Saúde Indígena com a medicina tradicional, respeitando as
características culturais indígenas;
IX - Executar em conjunto com o Setor de Engenharia e Saúde Pública o Saneamento e a
Vigilância Ambiental;
X - Executar em conjunto com Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde as ações de
educação em saúde;
XI - Fortalecer o controle social por intermédio dos Conselhos Locais e Distrital de Saúde
Indígena;
XII - O chefe do DSEI é a autoridade sanitária responsável pela saúde na área de
abrangência do Distrito; e
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
XIII - Executar atividades administrativas relativas às ações de saúde indígena, nos termos
fixados pela Presidência da FUNASA.
(Quadro que consta no site www.funasa.gov.br com o título “Veja como é a
organização interna de um Dsei e como se estabelece o Fluxo de Atenção à Saúde”.
Acesso em 22.05.2008)
Ademais, as equipes multidisciplinares que devem estar presentes nos
pólos base têm sua composição mínima prevista na Portaria GM 1163/99 (art. 5º, parágrafo 2º) e
na Portaria GM 1088/2004 (art. 2º):
Art. 5º instituir o Fator de Incentivo de Atenção Básica aos povos indígenas,
destinado às ações e procedimentos de Assistência Básica de Saúde.
§ 1º O incentivo de que trata este artigo, consiste no montante de recursos
destinados a apoiar a implantação de agentes de saúde indígena e de equipes
multidisciplinares para atenção à saúde das comunidades indígenas.
§ 2º As equipes serão compostas por médico, dentista, enfermeiro, auxiliar
de enfermagem e agente indígena de saúde e poderão ser operadas direta ou
indiretamente pela FUNASA, Estados ou por Municípios.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Portaria 1088/2004
Art. 2° Instituir como equipe multidisciplinar de atenção à saúde indígena no âmbito da
atenção básica de saúde e terá a seguinte composição mínima: Médico, Enfermeiro,
Odontólogo, Auxiliar de Enfermagem, Auxiliar de Consultório Dentário, Agente
Indígena de Saúde - AIS, Agente Indígena de Saneamento – AISAN.
A própria Portaria GM 2656/07 prevê em seu art. 5º a composição das
equipes multidisciplinares, embora preveja que a definição da composição das equipes será
feita com base nas características das regiões e povos atendidos, o que jamais poderá significar
que dificuldades de acesso ou de contratação justificarão a precarização do atendimento
prestado aos povos indígenas:
Art. 5º Definir que a composição das Equipes Multidisciplinares de Atenção Básica à
Saúde Indígena (EMSI) dar-se-á a partir dos seguintes núcleos:
I - Núcleo Básico de Atenção à Saúde Indígena – responsável pela execução das
ações básicas de atenção à saúde indígena, composto por profissionais de saúde
como: Enfermeiro, Auxiliar ou Técnico de Enfermagem, Médico, Odontólogo,
Auxiliar de Consultório Dental, Técnico de Higiene Dental, Agente Indígena de
Saúde, Agente Indígena de Saneamento, Técnico em Saneamento, Agentes de
Endemias e Microscopistas na Região da Amazônia Legal.
II - Núcleo Distrital de Atenção à Saúde Indígena – responsável pela execução das ações de
atenção integral à saúde da população indígena, sendo composto por profissionais que atuam
na saúde indígena, não contemplados na composição referida no inciso I deste artigo, tais
como nutricionistas, farmacêuticos/bioquímicos, antropólogos, assistentes sociais e outros,
tendo em vista as necessidades específicas da população indígena.
Parágrafo único. A definição de quais profissionais deverão compor as Equipes
Multidisciplinares de Atenção à Saúde Indígena - EMSI priorizará a situação
epidemiológica, necessidades de saúde, características geográficas, acesso e nível de
organização dos serviços respeitando as especificidades étnicas e culturais de cada povo
indígena, devendo atuar de forma articulada e integrada, aos demais serviços do SUS, com
clientela adscrita e território estabelecidos.
O acesso às áreas atendidas pelos Pólos Base Maturacá, Maiá e
Inambú é feito a partir da cidade de São Gabriel da Cachoeira, enquanto os referidos
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
2
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
pólos base são vinculados ao DSEI Yanomami, provavelmente com o objetivo de
manter todos os indígenas da etnia Yanomami atendidos pelo mesmo DSEI, o que sem
dúvida gera enorme dificuldade para o acompanhamento das ações de saúde, da
execução física do convênio n.º 1435/04, porquanto a sede do DSEI Yanomami fica na
cidade de Boa Vista, no Estado de Roraima.
O Convênio 1436/04, conforme informações encaminhadas por
meio do ofício n.º 010/2008-DSEI-Yanomami/CORE-RR/FUNASA, é responsável pelo
atendimento de três pólos base (Maturacá, Inambu e Maiá), com um total de sete
aldeias (Maturacá- 573 índigenas, Inambu-96 índigenas, Maiá-460 indígenas, Ariabú596 indígenas, Nossa Senhora Auxiliadora- 45 indígenas , Nazaré- 104 indígenas e
Tamaquaré- 41 indígenas) e eram os seguintes os trabalhadores contratados
especificamente para atuação nestas áreas:
QUADRO DE FUNCIONÁRIOS POR PÓLO BASE SOB RESPONSABILIDADE DO IBDS
FUNCIONÁRIO
FUNÇÃO
PÓLO BASE
PERMANÊNCIA
NELY LOPES DA CRUZ
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
ROSEMAR CRUZ ARANTES
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
ROSINEIDE MARIA
MARINHO CASTILHO
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
JORGE LIMA MATEUS
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
ENEIDA BARRETO
ASSUNÇÃO
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
CAROLINE DE SOUZA
RABELO
TEC. ENF.
MATURACÁ
30 DIAS
ARNALDO TEIXEIRA ROCHA
AUX. DE
ENDEMIAS.
MATURACÁ
30 DIAS
TATIANE TASSANARI
ENFERMEIRA
MATURACÁ/INAMBU
30 DIAS
PEDRO RENATO FIGUEIREDO PILOTO DE
DA SILVA
EMBARCAÇÃO
FLUVIAL
MATURACÁ/INAMBU
30 DIAS
EDIVALDO ALBUQUERQUE
GASPAR
TEC. ENF.
INAMBU
30 DIAS
RAIMUNDO ALEMÃO
TEC. ENF.
INAMBU
30 DIAS
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
GREGÓRIO
ROBERTO CARLOS
TRINDADE VIEIRA
TEC. ENF.
INAMBU
30 DIAS
FRANCISNEY NASCIMENTO
BATISTA
ENFERMEIRO
MAIA
30 DIAS
CLAUDIA CORDEIRO
TEC. DE ENF.
MAIA
30 DIAS
MARCELINO CORDEIRO DE
OLIVEIRA
TEC. ENF.
MAIA
30 DIAS
MARIA DO SOCORRO
BATISTA DA SILVA
TEC. DE ENF.
MAIA
30 DIAS
MAIA
30 DIAS
ALAIR RODRIGUES FERREIRA PILOTO DE
EMBARCAÇÃO
No quadro V do Plano Distrital de Saúde ( ACESSO DOS POVOS
INDÍGENAS AOS SERVIÇOS DE SAÚDE), consta informação na página 31 de que o
acesso dos indígenas até os postos de saúde e aos pólos base é feito à pé ou por meio de
transporte fluvial e que até a CASAI de São Gabriel da Cachoeira é feito por meio de
transporte fluvial e após transporte terreste (Toyota), do que se conclui que o
deslocamento das equipes multidisciplinares da sede do município também é feito por
meio de transporte terrestre e fluvial. Seguem fotos da parte terrestre do percurso das
equipes multidisciplinares, pela “rodovia” BR-307:
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Em função das péssimas condições da estrada, é sempre
necessário utilizar duas toyotas bandeirante, para as situações,nada raras, em que um
dos veículos fica atolado. O percurso terrestre correspondente ao trecho entre a sede
administrativa e o km 85 da BR-307, com duração de 3 horas, apenas a ida. A partir
deste ponto, os deslocamentos são feitos em voadeiras de 6 (seis) a 8 (oito) metros de
comprimento e motores de popa de 15 a 40 HP. Na época de vazante dos rios, o acesso
às comunidades Yanomami é dificultado devido ao baixo nível da água, gerando o
aparecimento de pedras e troncos ao longo dos trechos, trazendo maiores riscos aos
profissionais e dificultando a viagem.
Para o Posto de Saúde de Nazaré, o tempo gasto para o percurso
fluvial, à partir do km 85, é de 2 horas, enquanto para o Pólo Base Inambú é de 5 horas
e para o Pólo Base Maturacá é de cerca de 9 horas.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Já para o Pólo Base Maiá o tempo gasto para o percurso fluvial é
em média de 1(um) dia, à partir do Km 85 da BR-307, com parada para descanso, além
de cerca de 1 (uma) hora e 30 (trinta) minutos de caminhada.
Cachoeira no percurso para o Pólo Base Maiá
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Cachoeira no percurso para o Pólo Base Maiá
Para o Posto de Saúde Tamaquaré o tempo gasto para o percurso fluvial é
em média de 1(um) dia.
De acordo com informações que constam no Plano Distrital de
Saúde do DSEI Yanomami (p. 28), as equipes multidisciplinares para atendimento das
aldeias Maturacá, Ariabú, Auxiliadora e Nazaré (Pólo Base Maturacá), Inambu (Pólo
Base Inambú) e Maiá e Tamaquaré (Pólo Base Maiá) deveriam ser compostas de um
médico, três enfermeiros, um odontólogo, quatorze Técnicos/Auxiliares, um Auxiliar de
Consultório Dentário e 17 agentes indígenas de saúde.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Sede do Pólo Base Inambú
Sede do Pólo Base Maiá
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Sede do Pólo Base Maiá
Sede do Pólo Base Maturacá
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Sede do Pólo Base Maturacá
Posto de Saúde Nazaré
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Posto de Saúde Nazaré
Posto de Saúde Tamaquaré
Verifica-se, de início, que já havia o descumprimento do plano
distrital de saúde 2008/2010, porquanto não havia médico contratado, nem odontólogo
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
3
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
e apenas duas enfermeiras e de acordo com informação de fl. 316, só havia 10 agentes
indígenas de saúde. Ao final do quadro IV ( EQUIPES MULTIDISCIPLINARES DE
SAÚDE INDÍGENA) do plano distrital de saúde, consta observação de que o Médico e
o Odontólogo são profissionais volantes, não não fixos em nenhum pólo base. Todavia,
isso não os dispensa de definir quais profissionais serão responsáveis pelo atendimento
de quais pólos base.
O plano emergencial concebido pela Coordenação Regional de
Roraima (fls. 186/189 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84)
previa a
contratação, mediante o pagamento de diárias como colaborador eventual, de 15
técnicos de enfermagem,
03 pilotos de embarcação fluvial, 02 auxiliares de
entomologia, 02 motoristas, 01 técnico de laboratório, 02 assistentes administrativos, 02
técnicos de logística, 03 enfermeiros e 01 médico.
Em reunião realizada na sede do IBDS, em São Gabriel da
Cachoeira, foram entregues as listas de trabalhadores contratados para o plano
emergencial. A primeira escala é composta de trabalhadores que se deslocaram de Boa
Vista e a segunda incluiu os trabalhadores contratados pelo IBDS, a partir da
formalização das rescisões dos contratos de trabalho.
Deve-se destacar, primeiramente, que o plano emergencial não
prevê a participação dos agentes indígenas de saúde, o que é injustificável,
considerando que tais profissionais atuam direta e continuamente junto às
comunidades e que os gastos são mínimos. Para se ter uma idéia, o valor das despesas
geradas pelos 10 agentes indígenas de saúde no período de janeiro a outubro de 2008
foi de apenas R$ 40.000,00, valor ínfimo, ante os benefícios que proporciona em favor da
saúde dos indígenas, mormente em momento de tamanha instabilidade.
Verifica-se, outrossim, que nem mesmo o que foi previsto no plano
está sendo observado, porquanto não foi contratado nenhum médico e não há
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
enfermeira na equipe que atende o pólo base Inambú. Ademais, só foram contratados
12 técnicos de enfermagem e não 15, como estipulado.
O referido plano emergencial é apenas um paliativo e não há
qualquer previsão de adoção de medidas para compensar os danos causados pela
conduta da Ré e atingir as metas previstas no plano distrital de saúde. Assim, embora
tenha formalmente assumido o objeto do convênio n.º 1435/04, o fez de forma
extremamente deficiente.
Não bastasse isso, não existe uma estrutura mínima para o
desenvolvimento das ações de saúde pelas equipes multidisciplinares. No Ofício
32/2008, além das dificuldades relativas ao atraso dos repasses, o IBDS relata falta
constante de medicamentos e insumos médicos, motores de popa demasiadamente
antigos, precariedade dos grupos geradores de energia elétrica, falta de equipamentos
básicos como microscópios para diagnóstico de malária, tuberculose etc, botes de
alumínio (voadeiras) sem cobertura, carros sem condições adequadas ao transporte de
pacientes debilitados de suas aldeias para os centros de referência do município.
Ora, Excelência, os trabalhadores, para o desempenho de suas
atividades, já são submetidos a condições demasiadamente adversas, como se viu
acima, muitas das quais são inevitáveis. O mínimo que se pode exigir, portanto, é que
sejam oferecidas condições adequadas às equipes muldisciplinares, naquilo que é
possível minorar as dificuldades enfrentadas, razão pela qual se faz imprescindível que
a FUNASA seja condenada a providenciar para os Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambu:
a) comunicação contínua via rádio, da sede do DSEI Yanomami com as aldeias/pólos
base, no prazo de 30 dias;
b) 1 (um) aparelhos de raio-x portátil para uso em pacientes com impossibilidade de
locomoção, no prazo de 60 dias;
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
c) 02 (dois) consultórios odontológicos para instalação nos pólos base Maturacá e Maiá,
no prazo de 90 dias;
d) 04 (quatro) microscópios, no prazo de 30 dias;
e) substituição das duas caminhonetes atualmente utilizadas por caminhonetes novas,
no prazo de 90 dias;
f) 03 grupos geradores de energia, 6 KVA, motor à diesel, refrigerado a ar, no prazo de
60 dias;
g) 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 60 dias;
h) mais 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 90 dias.
i) o fornecimento contínuo de de insumos odontológicos, medicamentos e demais
insumos necessários para atuação das equipes multidisciplinares, devendo sanar
eventual falta no prazo máximo de 05 dias;
j) o fornecimento contínuo de combustível para as embarcações e veículos utilizados
para deslocamento das equipes multidisciplinares, devendo sanar eventual falta no
prazo máximo de 05 dias;
k)o reparo dos equipamentos utilizados pelos referidos pólos base, em caso de quebra/
avaria, no prazo máximo de 10 dias.
IV-COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA.LIMITES.
POSSIBILIDADE
DE
CONTROLE JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE RESERVA DO
POSSÍVEL: INOPONIBILIDADE. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. MÍNIMO
EXISTENCIAL.
Inicialmente, cabe destacar que a moderna Doutrina do Direito
Administrativo já reviu a clássica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários.
Os tradicionalmente chamados atos “discricionários” são devem ser adequadamente
denominados de “atos praticados no exercício de competência discricionária” e, como adverte
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Celso Antônio Bandeira de Melo “ a impropriedade da nomenclatura corrente (que leva à
oposição ato discricionário/ato vinculado) é causa de inúmeros e graves equívocos jurídicos”1
Sob este prisma, é correto dizer que o exercício da referida atribuição
legal implica determinado grau de discricionariedade. Isso não significa, no entanto,
que se trate de um ato sujeito ao livre e desvinculado arbítrio do agente público
competente, imune a todo e qualquer controle, inclusive jurisdicional, nos moldes da
máxima vigente à época do Estado Absolutista The king can do no wrong, baseada na
infalibilidade do monarca, verdadeiro representante de Deus na Terra.
Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como “ a
margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios
consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada
caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da
finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no
mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução univoca para a situação
vertente” ( Op. Cit., p. 896)
O mesmo Autor, em clara e lúcida manifestação, ensina que a liberdade
conferida ao Administrador “não lhe é outorgada em seu proveito ou para que faça dela o uso
que bem entenda” e que não se trata de “uma liberdade para a Administração decidir a seu
talante, mas para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato
normativo“. Vale dizer: mesmo no exercício de competência discricionária, o
Administrador está vinculado aos fins da norma de competência, tem dever de
fundamentar suas decisões e está sujeito aos controles previstos na Constituição da
1
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 18ª Edição, Malheiros Editores, p.
398.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
República, dentre os quais o controle jurisdicional. Vale transcrever os seguintes
trechos:
“97. Por outro lado, a “liberdade” que a norma haja conferido em seu mandamento
ao administrador, quando lhe abre alternativas de conduta (agir ou não agir,
conceder ou negar, praticar o ato “A” ou o ato “B”), não lhe é outorgada em seu
proveito ou para que faça dela o uso que bem entenda. Tal liberdade representa
apenas o reconhecimento de que a Administração, que é quem se defronta com a
variedade uniforme de situações da vida real, está em melhor posição para identificar
a providência mais adequada à satisfação de um dado interesse público, em função da
compostura destas mesmas situações. Por isso, a lei, não podendo antecipar qual
seria a medida excelente para cada caso, encarrega o administrador, pela outorga de
discrição, de adotar o comportamento ideal: aquele que seja apto no caso concreto a
atender com perfeição à finalidade da norma.
98.Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para
proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que realize
superiormente o interesse público almejado pela lei aplicanda. Não se trata, portanto,
de uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas para decidir-se do
modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo. Logo, para
verificar-se se o ato administrativo se conteve dentro do campo em que realmente
havia discrição, isto é, no interior da esfera de opções legítimas, é preciso atentar para
o caso concreto. Esta esfera de decisão legítima compreende apenas e tão-somente o
campo dentro do qual ninguém poderá dizer com indisputável objetividade qual é a
providência ótima, pois mais de uma seria igualmente defensável. Fora daí não há
discrição.
(...)
A discricionariedade do ato só existe in concreto, ou seja, perante o quadro da
realidade fática com suas feições polifacéticas, pois foi em função disto que a lei se
compôs de maneira a obrigá-la.
Assim, é óbvio que o Poder Judiciário, a instâncias da parte, deverá invalidar atos
que incorram nos vícios apontados, pois nestes casos não há realmente discrição, mas
vinculação, ou a discrição não se estende até onde se pretendeu que exista, já querepita-se- discricionariedade é margem de liberdade que existe perante o caso
concreto. Discricionariedade ao nível da norma pode ou não engendrar discrição em
face de uma específica situação ocorrente na realidade empírica, e, de toda sorte,
estará sempre restringida aos limites que a situação vertente comporta.”2
2
Op. Cit., pp. 404/405.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Invocações
de
discricionariedade
tout
court,
sem
fundamentação
adequada, sem análise do caso concreto, sem qualquer manifestação quanto às demais
causas de pedir veiculadas na petição inicial e que pretendem emprestar aos atos
praticados
no
exercício
de
competência
discricionário
um
caráter
de
inquestionabilidade quase esotérico são manifestamente incompatíveis com o Estado
Democrático de Direito inaugurado pela Constituição da República de 1988 e devem ser
veementemente rechaçadas pelo Poder Judiciário.
Lamentavelmente, foi isso que se observou na decisão recorrida:
“ Entendo oportuno destacar que perfilho o entendimento de que não
cabe a interferência do Poder Judiciário em assuntos relacionados à
conveniência e oportunidade do ato administrativo, vez que não há como
pretender que o Judiciário substitua o Poder Executivo no exercício de
competências que lhes são inerentes, sob pena de se comprometer,
irreversívelmente, o Estado de Direito que tema, na separação de funções
soberanas do Estado, um dos seus mais importantes pilares. ( Precedente;
TRF2ª Região, AC-327228, 7ª T Esp. , Rel. Sergio Schwaitzer, DJU:
25/05/2007, p. 300)
Em decisão no RE 436996, confirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal
Federal, o Ministro Celso de Mello averbou que “Embora inquestionável que resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar
políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por
descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório,
vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais
impregnados de estatura constitucional.” e que “Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula
da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não
pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa,
puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de
um sentido de essencial fundamentalidade. “
Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça é uníssona em reconhecer o direito à saúde como direito subjetivo
público, não se podendo, pois, falar em “conveniência e oportunidade” do Administrador
para decidir se e quando vai zelar pelo respeito e concretização do direito à saúde.Neste
sentido:
EMENTA: PACIENTES COM HIV/AIDS. PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS
FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E
196). PRECEDENTES (STF). - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médicohospitalar. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem
por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a
organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que
determina a própria Lei Fundamental do Estado. - A legislação editada pelo Estado do Rio
Grande do Sul (consubstanciada nas Leis nºs 9.908/93, 9.828/93 e 10.529/95), ao instituir programa
de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, dá efetividade a preceitos fundamentais
da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um
gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada
têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.
Precedentes do STF.”( Informativo 202 do STF, Medicamentos para Pacientes com AIDS
(Transcrições) RE 267.612-RS* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO )3
E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA
MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE
SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À
VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR
RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO
ESSENCIAL
-
FORNECIMENTO
INDISPENSÁVEIS
CONSTITUCIONAL
EM
DO
FAVOR
ESTADO
GRATUITO
DE
(CF,
PESSOAS
ARTS.
DE
MEDICAMENTOS
CARENTES
5º,
"CAPUT",
-
DEVER
E
196)
-
PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE
MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE
REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO
DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria
Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente
tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder
Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e
econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e
3
No mesmo sentido as seguintes decisões do STF: RE 236.200-RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 247.900RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 264.269-RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES,RE 242.859-RS, Rel. Min.
ILMAR GALVÃO, RE 232.335-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO e RE 271.286-RS, Rel. Min. CELSO DE
MELLO.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder
Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da
organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da
saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em
grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA
PROGRAMÁTICA
NÃO
PODE
TRANSFORMÁ-LA
EM
PROMESSA
CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra
inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes
políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do
Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional
inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele
depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de
seu
impostergável
dever,
por
um
gesto
irresponsável
de
infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS
ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM
DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição
gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na
concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde
das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a
consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes
do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso
do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado
ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido
pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe
recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função
inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a
indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução
jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.(RE-AgR 393175 / RS - RIO
GRANDE DO SUL, AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min.
CELSO
DE
MELLO
Julgamento: 12/12/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma )
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MELHORIA DE ATENDIMENTO NO
HOSPITAL
MUNICIPAL
SOUZA
AGUIAR.
OBRIGAÇÃO
DE
FAZER.
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. ART 1º DA LEI Nº 7.347/85.
1. A ausência de emissão de juízo de valor na origem, nem mesmo no âmbito dos embargos de
declaração, dos dispositivos processuais invocados como contrariados implica ausência de
prequestionamento, requisito essencial ao conhecimento do recurso especial. Incidência das Súmulas
282/STF e 211/STJ.
2. A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público funções da maior relevância,
atribuindo-lhe um perfil muito mais dinâmico do que ocorria no antigo ordenamento jurídico, entre
elas a competência para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), por meio
da ação civil pública (art. 129, III).
3. A legislação de regência da ação civil pública garante ao Parquet a utilização desse meio processual
como forma de defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ou de outros interesses difusos
e coletivos e de interesses individuais homogêneos.
4. É cabível o ajuizamento da presente ação civil pública que pugna pela defesa de interesses
difusos, considerando-se que a tutela pretendida – direito à saúde (art. 6º da CF) – é
indivisível, pois visa atingir a um número indeterminado de pessoas, ou seja, aquelas que
são atendidas pelo Hospital Municipal Souza Aguiar.
5. Apoiado na conclusão do inquérito civil, o pedido formulado pelo Ministério Público não
se mostra genérico, tampouco está baseado em reparação de danos, porque consistiu na
condenação do Município na obrigação de fazer novas contratações, mediante concurso,
para compor os quadros do Hospital Souza Aguiar de pessoal da área médica, assim como
de renovar os contratos com técnicos de manutenção dos equipamentos existentes e compra
de novos, como forma de garantir atendimento adequado e satisfatório, com o que se estará
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
4
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
cumprindo o mandamento constitucional de proteção à saúde, obrigação a que o Município
vem se omitindo.
6. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 947.324/RJ, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19.02.2008, DJ 18.04.2008 p. 1)
A respeito especificamente da Saúde Indígena, o Superior Tribunal de
Justiça já se manifestou favoravelmente à intervenção do Poder Judiciário para
assegurar que a mesma seja prestada adequadamente ante a eficácia imediata das
normas que prevêem o direito à saúde:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA.
MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE
DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART.
535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.
1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional,
descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar
competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a
competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação
infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 804595/SC, DJ de 14.12.2006 e Ag
794505/SP, DJ de 01.02.2007 2. A questão debatida nos autos - implementação do Modelo de
Assistência à Saúde do Índio e à instalação material dos serviços de saúde à população indígena
situada em área no Rio Grande do Sul - foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz de preceitos
constitucionais, conforme se infere do voto condutor do acórdão recorrido, verbis: "(...)O direito
fundamental à saúde, embora encontrando amparo nas posições jurídico-constitucionais que tratam
do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à proteção da integridade física (corporal e
psicológica), recebeu no texto constitucional prescrição autônoma nos arts. 6º e 196, in verbis: Art. 6º
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, importante
destacar que o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, §
2º, da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental valores básicos - de todo o ordenamento jurídico. INGO WOLFGANG SARLET, ao debruçar-se sobre
os direitos fundamentais prestacionais, bem posiciona o tema: Preliminarmente, em que pese o fato de
que os direitos a saúde, assistência social e previdência - para além de sua previsão no art.
6º da CF - se encontram positivados nos arts. 196 e ss. da nossa Lei Fundamental, integrando de tal
sorte, também o título da ordem social, e não apenas o catálogo dos direitos fundamentais, entendemos
não ser sustentável a tese de que os dispositivos não integrantes do catálogo carecem necessariamente
de fundamentalidade.
Com efeito, já se viu, oportunamente, que por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas
posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e
importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos
fundamentais no sentido formal e material, ressaltando, todavia, que nem todas as normas de ordem
social compartilham a fundamentalidade material (e, neste caso, também a formal), inerente aos
direitos fundamentais. Além disso, percebe-se, desde já, que as normas relativas aos direitos sociais do
art. 6º da CF exercem a função precípua de explicitar o conteúdos daqueles.
No caso dos diretos à saúde, previdência e assistência social, tal condição deflui inequivocamente do
disposto no art. 6º da CF: 'São direito sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição. Além disso, poderia referir-se mais uma vez a íntima vinculação entre os direitos a
saúde, previdência e assistência social e os direitos à vida e o princípio da dignidade da pessoa
humana, renunciando, neste particular, a outras considerações a respeito deste aspecto. (in A eficácia
dos direitos fundamentais, 3ª ed., Livraria do Advogado, 2003, Porto Alegre, p. 301/302).
Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretação constitucional, são dotados
de eficácia imediata. A Lei Maior, no que diz com os direitos fundamentais, deixa de ser mero
repositório de promessas, carta de intenções ou recomendações;
houve a conferência de direitos subjetivos ao cidadão e à coletividade, que se vêem amparados
juridicamente a obter a sua efetividade, a realização em concreto da prescrição constitucional.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
O princípio da aplicabilidade imediata e da plena eficácia dos direitos fundamentais está encartado no
§ 1º, do art. 5º, da CF/88: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata. Muito se polemizou, e ainda se debate, sem que se tenha ocorrida a pacificação de posições
acerca do significado e alcance exato da indigitada norma constitucional. Porém, crescente e
significativa é a moderna idéia de que os direitos fundamentais, inclusive aqueles prestacionais, têm
eficácia tout court, cabendo, apenas, delimitar-se em que extensão. Superou-se, assim, entendimento
que os enquadrava como regras de conteúdo programático a serem concretizadas mediante intervenção
legislativa ordinária.
Desapegou-se, assim, da negativa de obrigação estatal a ser cumprida com espeque nos direitos
fundamentais, o que tinha como conseqüência a impossibilidade de categorizá-los como direitos
subjetivos, até mesmo quando em pauta a omissão do Estado no fornecimento do mínimo existencial.
Consoante os novos rumos interpretativos, a par de dar-se eficácia imediata aos direitos fundamentais,
atribuiu-se ao intérprete a missão de desvendar o grau dessa aplicabilidade, porquanto mesmo que se
pretenda dar máxima elasticidade à premissa, nem sempre se estará infenso à uma interpositio
legislatoris, o que não ocorre, vale afirmar, na porção do direito que trata do mínimo existencial.(...)
Merece lembrança, ainda, que a atuação estatal na concretização da sua missão constitucional deve
orientar-se pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, de sorte que "a uma norma
constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em
relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da
actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos
fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos
direitos fundamentais)." (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5ª
edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p.
1208). Incumbe ao administrador, pois, empreender esforços para máxima consecução da promessa
constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a
conduta que se escuda na idéia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando
complementação ordinária, porquanto olvida-se que, ao menos, emana da norma eficácia que propende
ao reconhecimento do direito subjetivo ao mínimo existencial; casos há, inclusive, que a disciplina
constitucional foi além na delineação dos elementos normativos, alcançando, então, patamar de
eficácia superior que o mínimo conciliável com a fundamentalidade do direito.
A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas,
tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
edificação do conceito da "reserva do possível". Porém, tal escudo não imuniza o administrador de
adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais
considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também
inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores
básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O Ministro CELSO DE MELLO
discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização
dos direitos fundamentais: "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo
relevo ao tema pertinente à 'reserva do possível' (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, 'The
Cost of Rights', 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação
(sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo
adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras
de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela
gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável
vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se
poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do
comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação
de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o
ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e
a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de
justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerarse do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...) 3. Inexiste ofensa ao
art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a
questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado.
Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde
que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta
Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005.
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
4. In casu, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos
embargos de declaração - nulidade do processo decorrente da ausência de intimação da Advocacia
Geral da União, para oferecer impugnação aos embargos infringentes, consoante disposto nos arts. 35
e 36 da LC 73/93 e art. 6º da Lei 9.028/95, consoante se infere do voto-condutor exarado às fls.
537/542.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp 811.608/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.05.2007, DJ
04.06.2007 p. 314)
Por fim, não se pode negar direitos fundamentais sob o argumento
genérico da “reserva do possível”, apenas por se tratar de direitos fundamentais que
demandam gastos públicos, porquanto este não é traço exclusivo dos direitos sociais,
como bem ressaltou Ana Paula de Barcellos:
“Assim, a diferença entre os direitos sociais e os individuais, no que toca ao custo, é
uma questão de grau, e não de natureza. Ou seja: é mesmo possível que os direitos
sociais demandem mais recursos que os individuais, mas isso não significa que estes
apresentem custo zero. Desse modo, o argumento que afastava, tout court, o
atendimento dos direitos sociais pelo simples fato de que eles demandam ações
estatais e custam dinheiro não se sustenta. Também a proteção dos direitos
individuais tem seus custos, apenas se está muito acostumado a eles.” (A eficácia
jurídica dos princípios constitucionais- O princípio da dignidade da pessoa
humana. Ed. Renovar, 2ª edição, p. 248)
V- DANOS MORAIS
COLETIVOS. NÃO PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE
ATENÇÃO À SAÚDE POR VÁRIOS MESES. INCREMENTO NO NÚMERO DE
ÓBITOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.
O Código Civil Brasileiro preceitua sobre danos morais e materiais,
in verbis:
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Insta ressaltar, que a responsabilidade civil do Estado, in casu, da
FUNASA e, subsidiariamente, da União, pelos danos causados aos indígenas da etnia
Yanomami atendidos pelos Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambú, independe da
comprovação de culpa, muito embora esteja sobejamente caracterizada a desídia e a
omissão da FUNASA.
Trata-se da responsabilidade objetiva do Estado, bastando provar o
dano e o nexo causal de que uma ação ou omissão do Estado causados a um indivíduo,
uma coletividade, uma etnia, um grupo social, etc, mormente considerando que se trata
da omissão de um dever específico.
O dano moral é aquele que atinge o ofendido como pessoa,
refletindo-se em bens que integram o direito de sua personalidade, acarretando dor,
sofrimento, vexame e humilhação. Tal dano pode ser autônomo ou decorrente da lesão
a um bem patrimonial da vítima, caso em que poderá vir cumulado a danos materiais
(Súmula 37, STJ).
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
Vale lembrar que, por ser um dano que atinge a
personalidade, não há, ordinariamente, prova em concreto a ser feita, nem é possível se
alegar que se necessite de exames psicológicos para a sua caracterização, sendo
suficiente a retratação da forma como ele se deu, a ser apreciado pelo órgão julgador.
Tais são as posições abalizadas de Sergio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade
Civil, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005, p. 108) e de Carlos Roberto Gonçalves
(Comentários ao Código Civil – artigos 927 a 965, coord. A. J. Azevedo, São Paulo, Saraiva,
2003, p. 352, grifamos), a qual será retratada:
“O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por
exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado,
dispensa prova em contrário, pois se passa no interior da personalidade e existe in re
ipsa. Trata-se de presunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar que
sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu
a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não-inserção de seu nome no uso
público da obra, e assim por diante.”
No mesmo sentido está a Jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça:
“Civil e Processo Civil. Danos patrimonial e moral. Art. 602 do CPC. 1. A
concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do
agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum
in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não
havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para
que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa).” (STJ, 4ª Turma,
REsp nº 23.575-DF, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 09/06/1997)
Cabe destacar, neste particular, além da não disponibilização das ações
de saúde por vários meses, inegável incremento no número de óbitos (ver quadro de fl. 273
do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Enquanto nos meses de janeiro e
fevereiro houve apenas um óbito em todas as aldeias, tendo como causa a SENILIDADE, a
partir do mês de março houve quatro óbitos por PNEUMONIA , um óbito por PERITONITE
AGUDA, dois óbitos por DESNUTRIÇÃO PROTEICO-CALÓRICA, um óbito por CHOQUE
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
ANAFILÁTICO, dois óbitos por BRONQUITE AGUDA, um óbito por MÁ-FORMAÇÃO
CONGÊNITA, um óbito SEM ASSISTÊNCIA, dois óbitos por OUTRAS CAUSAS MAL
DEFINIDAS e um óbito fetal por CAUSA DESCONHECIDA.
Como
já
demonstrado
acima,
estão
patentemente
configurados a existência de dano e o nexo de causalidade, do que resulta inafastável o
dever de indenizar.
VI-
SAÚDE
ATENÇÃO
INDÍGENA.
DESCENTRALIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA
PARA
A
ADMINISTRATIVA
FUNASA.
DA
RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO.
Não se pode olvidar que a FUNASA é entidade autárquica da
Administração Indireta Federal, para a qual foram descentralizadas todas as atividades
inerentes ao funcionamento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
Assim sendo, em última análise, a UNIÃO permanece responsável,
de tal sorte que se houver inoperância da FUNASA ou insuficiência de meios ao alcance
da mesma para desempenhar as atividades que lhe foram descentralizadas, cabe à
UNIÃO, por meio do Ministério da Saúde, suprir a omissão, mal funcionamento ou
insuficiência de recursos materiais e humanos.
VII)DOS PEDIDOS:
Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer:
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
a) a citação dos Réus para, querendo, contestar a presente ação, nos termos do art. 285
do CPC.
b) a citação do Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, CNPJ n.º
041203480001-71, com sede na Av. 31 de março, s/n, Bairro Fortaleza, São Gabriel da
Cachoeira-AM, representado por seu Diretor, Sr.
Cleyton da Silva Carvalho, RG
1559496-3 SSP/AM, CPF 021.376.447-46 para que tome conhecimento da presente
demanda e se manifeste como entender cabível.
c) Que seja condenada a FUNASA a assumir INTEGRALMENTE a execução do objeto
do convênio 1435/04, nos termos de sua cláusula décima, mantendo a composição
mínima da equipe multidisciplinar prevista no Plano Distrital de Saúde do DSEI
Yanomami para o triênio 2008/2010, seja realizando a contratação temporária dos
trabalhadores necessários, com base na autorização expressa da Lei 8745/93, art. 2º, VI,
“m”, incluído pela Medida Provisória n.º 431 de 14 de maio de 2008, ou pelo retorno de
servidores da FUNASA cedidos ao Estado do Amazonas ou aos seus Municípios, no
prazo máximo de 05 dias.
d) Que seja condenada a FUNASA a assumir as obrigações pendentes efetivamente
decorrentes da execução do objeto do convênio n.º 1435/04 e que não puderam ser
satisfeitas em razão da suspensão dos repasses, conforme relatório elaborado pela
Coordenação Regional de Roraima, seja realizando os pagamentos diretamente ou
mediante repasse ao IBDS, no prazo de 15 dias, a fim de evitar que haja um progressivo
aumento do débito.
e) Que seja condenada a FUNASA a cumprir o planejamento das ações de saúde do
DSEI Yanomami para o ano de 2008, bem como as ações e metas do plano distrital de
saúde do DSEI Yanomami para o triênio 2008/2010 previstas para serem atingidas no
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
exercício de 2008, devendo a FUNASA adotar todas as medidas necessárias para que a
suspensão dos repasses e a aplicação da cláusula décima do convênios 1435/04 não
obste ao atingimento de tais resultados.
f) Que seja condenada a FUNASA a providenciar comunicação contínua via rádio, da
sede do DSEI Yanomami e da Sede Administrativa situada em São Gabriel da Cachoeira
com os pólos base Maturacá, Inambu e Maiá, bem como todas as aldeias abrangidas
pelos referidos pólos base, no prazo de 30 dias;
g) Que seja condenada a FUNASA, em relação aos Pólos Base Maturacá, Maiá e
Inambum, a:
g.1) providenciar 1 (um) aparelhos de raio-x portátil para uso em pacientes com
impossibilidade de locomoção, no prazo de 60 dias;
g.2) providenciar 02 (dois) consultórios odontológicos para instalação nos pólos base
Maturacá e Maiá, no prazo de 90 dias;
g.3) providenciar 04 (quatro) microscópios, no prazo de 30 dias;
g.4) providenciar a substituição das duas caminhonetes atualmente utilizadas por
caminhonetes novas, no prazo de 90 dias;
g.5) providenciar 03 grupos geradores de energia, 6 KVA, motor à diesel, refrigerado a
ar, no prazo de 60 dias;
g.6) providenciar 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 60 dias;
g.7) providenciar mais 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 90 dias.
g.8) providenciar o fornecimento contínuo de de insumos odontológicos, medicamentos
e demais insumos necessários para atuação das equipes multidisciplinares, devendo
sanar eventual falta no prazo máximo de 05 dias;
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
g.9) providenciar o fornecimento contínuo de combustível para as embarcações e
veículos utilizados para deslocamento das equipes multidisciplinares, devendo sanar
eventual falta no prazo máximo de 05 dias;
g.10) providenciar o reparo dos equipamentos utilizados pelos referidos pólos base, em
caso de quebra/avaria, no prazo máximo de 10 dias.
h) Que seja condenada a FUNASA a aplicar o saldo não executado referente ao
Convênio n.º 1435/04, no valor de R$ 1210.857,10 ( um milhão, duzentos e dez mil,
oitocentos e cinqüenta e sete reais e dez centavos), em investimentos para melhoria da
estrutura dos pólos base Maturacá, Maiá e Inambú, nos termos dos itens “f” e “g”, além
de investimentos para construção e/ou reforma das sedes dos referidos pólos base.
i) Que seja condenada a FUNASA ao pagamento de indenização por danos morais
coletivos no valor de R$ 1000.000,00 (um milhão de reais), a ser revertido em favor do
povo Yanomami como indenização pelos danos causados pela omissão da FUNASA, a
ser aplicada em ações de preservação da cultura, da língua, dos costumes e tradições,
atividades econômicas de sustentabilidade, de preservação ambiental e da proteção e
vigilância de sua Terra Indígena;
j) Que seja condenada a UNIÃO FEDERAL, por intermédio do Ministério da Saúde, a
a responder subsidiariamente por todos os pedidos veiculados na presente ação civil
pública em face da FUNASA.
k) a intimação da FUNASA e da UNIÃO para se manifestarem sobre os pedidos de
antecipação de tutela, nos termos do art. 2º da Lei 8437/92;
l) a ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA IN LIMINE para determinar à
FUNASA que dê cumprimento aos pedidos veiculados nos itens “c” a “h”, sob pena de
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS
multa pessoal diária de R$ 5.000,00 a ser suportada pelo Presidente da Funasa, nos
termos do art. 461, § 4º do CPC e dos arts.11 e 12 da Lei 7347/85;
m) a intimação pessoal do Presidente da FUNASA, mediante expedição de carta
precatória para o Seção Judiciária do Distrito Federal, em caráter de urgência.
n) a condenação dos Réus ao pagamento dos ônus de sucumbência.
o) a isenção de custas e despesas processuais, nos termos da Lei.
Protesta pela produção de todos os meios de provas
admitidos em Direito, especialmente documental, testemunhal e pericial.
Dá-se à causa o valor de R$ 1000,00.
Manaus, 17 de novembro de 2008.
Rodrigo da Costa Lines
Procurador da República
L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc
6
Download

Convênios para a realização de ações de saúde no DSEI