MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO AMAZONAS. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no exercício da legitimação que lhe conferem o artigo 129, II e III da Constituição da República, o artigo 5º, inciso III, alínea e, e inciso IV e artigo 6º, VII, alínea c da Lei Complementar no 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), e os artigos 1o e 5o da Lei no 7.347/85, vem propor Ação Civil Pública com pedido liminar de antecipação de tutela em desfavor da UNIÃO FEDERAL, FEDERAL que receberá citação e intimações por meio da Procuradoria da União no Estado do Amazonas, situada na Av. Tefé, nº 611 - Ed. Luis Higino de Sousa Netto, Praça 14 de Janeiro, Manaus, Amazonas, da FUNASA, que receberá citação e intimações por meio da Procuradoria Federal Especializada junto à FUNASA no Estado do Amazonas, situada L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS na Rua Oswaldo Cruz, s/nº, Bairro da Glória - Manaus/AM CEP:69027-000, Telefone: (92) 3301-4150 / 4131 / 3671-2040 – Fax: (92) 3301-4144 I- CONVÊNIOS CELEBRADOS ENTRE A FUNASA E O INSTITUTO BRASILEIRO PELO DESENVOLVIMENTO SANITÁRIO PARA REALIZAÇÃO DAS AÇÕES DE ATENÇÃO À SAÚDE INDÍGENA NO DSEI YANOMAMI (PÓLOS BASE MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ. SUSPENSÃO DOS REPASSES. A FUNASA celebrou o convênio 1436/04 com o Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, com vigência de 17.12.2004 a 17.12.2005, o qual sofreu sucessivas prorrogações, estando ainda em vigor atualmente. De acordo com a informação do Coordenador do Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, a última prorrogação, ocorrida no final do ano de 2007, previu o repasse de R$ 2.251.242,00 para o ano de 2008 e o cronograma de desembolso previa o repasse de R$ 182.604, 00 em dezembro de 2007 e três parcelas de R$ 689546,00 nos meses de fevereiro, maio e agosto de 2008, mas somente foi efetivamente repassada a primeira parcea no valor de R$ 182.604,00 em abril de 2008. Em razão do atraso dos repasses, as atividades dos Pólos base Maturacá, Maiá e Inambu estão paralisadas desde março de 2008, acarretando não apenas prejuízo aos trabalhadores que estão sem receber salários há vários meses, mas sobretudo aos indígenas atendidos pelos referidos pólos base, além de inegável dano ao erário. O Convênio 1436/04, conforme informações encaminhadas por meio do ofício n.º 010/2008-DSEI-Yanomami/CORE-RR/FUNASA, é responsável pelo atendimento de três pólos base (Maturacá, Inambu e Maiá), com um total de sete aldeias (Maturacá- 573 índigenas, Inambu-96 índigenas, Maiá-460 indígenas, AriabúL:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS 596 indígenas, Nossa Senhora Auxiliadora- 45 indígenas , Nazaré- 104 indígenas e Tamaquaré- 41 indígenas). Em resposta ao Ofício n.º 988/2008/1º Ofício Cível/PR/AM, a FUNASA encaminhou manifestação da Coordenação Regional de Roraima nos seguintes termos: “Em resposta ao Ofício n.º 988/2008/1º Ofício Cível/PR/AM, informamos que o convênio n.º 1434/2007 (sic) celebrado entre a FUNASA e o IBDS, até o final de 2007 teve suas ações realizadas de forma regular, entretanto, a partir de 2008 foram detectados vários problemas na execução das ações. A referida conveniada sofreu várias denúncias por parte dos Yanomamis, atrasou sobremaneira a entrega da prestação de contas da parcela anterior, teve despesas glosadas em sua prestação de contas com condenação de devolução por aplicação indevida de recursos não previstos no plano de trabalho, por fim, a referida instituição não possui CND com receita previdenciária federal, impossibilitando o repasse de recursos para a mesma. Com o cenário apresentado a situação se agravou ao passo que por razão das irregularidades apontadas a instituição ficou impossibilitada de receber recursos financeiros da FUNASA e as ações começaram a sofrer solução de continuidade, atraso no pagamento dos funcionários e precariedade na prestação dos serviços. Por todo o exposto, providenciamos uma equipe de saúde, a fim de restabelecer o atendimento em área indígena naquela região. A referida equipe encontra-se sediada em São Gabriel da Cachoeira com condições de se locomover em toda região do amazonas, criamos uma nova rota aérea para região com o objetivo de maximizar o atendimento e manutenção da nova equipe. Um plano emergencial de atendimento foi desenvolvido em conjunto com o DSAI para que os serviços sejam retomados em sua totalidade pelo período de 90 dias, prazo esse suficiente para que possamos sanar o impasse. Seguem anexos os documentos encaminhados à conveniada.” L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS II- VIOLAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.DANOS CAUSADOS À SAÚDE INDÍGENA, ÓBITOS E AGRAVO DA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. DEMORA INJUSTIFICADA NO POSICIONAMENTO E NA ADOÇÃO EFETIVA DE MEDIDAS PARA GARANTIR A CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS. DANO AO ERÁRIO. A execução das ações de atenção à saúde indígena consubstancia serviço público de saúde, que submete-se ao princípio da continuidade dos serviços públicos. A paralisação ou interrupção destes serviços representa patente violação do direito à saúde, consagrado na Constituição da República de 1988 em diversos dispositivos: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... § 1º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.(grifo nosso). Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ... II - cuidar da saúde e assistência pública... Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). Art. 196 A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS A Lei 9836/99 regula o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do SUS e prevê que o mesmo deve se pautar por uma abordagem diferenciada, levando-se em consideração as especificidades culturais, epidemiológicas, operacionais etc. Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração. Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional. O referido subsistema foi concebido basicamente em três níveis, nos termos da Portaria nº 254/02: a) o atendimento nas aldeias (postos de saúde) por agentes indígenas de saúde, e pelas equipes multidisciplinares periodicamente; b) os Pólos-Base; c) integração com a rede do SUS para procedimentos de maior complexidade, com apoio das Casas de Saúde Indígena. A Portaria n.º 852 de 30 de setembro de 1999 da Presidência da FUNASA criou os distritos sanitários especiais indígenas, conforme previsto pelo art. 8º do Decreto 3156/99 (“Art.8ºA FUNASA contará com Distritos Sanitários Especiais Indígenas destinados ao apoio e à prestação de assistência à saúde das populações indígenas.”): Art. 1° – Ficam criados os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, de acordo com a denominação, vinculada administrativa, jurisdição territorial, sede, população, etnias, casas do índio e demais características constantes dos Anexo I a XXXIV. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Art. 2° – Ao Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI compete atuar como unidade de execução das ações destinadas à promoção, proteção e recuperação da saúde do índio, objetivando o alcance do equilíbrio bio-psico-social, com o reconhecimento do valor e da complementariedade das práticas da medicina indígena, segundo as peculiaridades e o perfil epidemiológico de cada comunidade. Parágrafo único – Ao Distrito Sanitário Especial Indígena cabe a responsabilidade sanitária sobre determinado território indígena e a organização de serviços de saúde hierarquizados, com a participação do usuário e sob controle social. Assim como previsto na política nacional de atenção à saúde indígena (Portaria GM 254/02), e pelo art. 1º, VI da Portaria GM n.º 70/2004, a estrutura dos DSEIs é composta da seguinte forma: a) Postos de Saúde situados dentro das aldeias indígenas, que contam com o trabalho do agente indígena de saúde (AIS) e do agente indígena de saneamento (Aisan); b)Pólos - Base com equipes multidisciplinares de saúde indígena; c)Casa do Índio (CASAI) que apóia as atividades de referência para o atendimento de média e alta complexidade. Apesar de se tratar de serviço público essencial de saúde, de natureza contínua, a FUNASA vem fazendo uso de convênios para terceirizar de forma ilegal a contratação de mão-de-obra, o que já é objeto de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, com efeitos nacionais, sob o n.º 0751-2007-018-10-00-4, no bojo da qual foi celebrado termo de ajustamento de conduta pelo qual se estabeleceu a progressiva substituição dos trabalhadores contratados mediante convênio. Vale lembrar que a própria Procuradoria da FUNASA já reconhecera a ilegalidade e inconstitucionalidade de tais convênios, por meio do L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Parecer n.º 501/PGF/FUNASA/GAB/2003 (cópia às fls. 412/419 do presente processo), afirmando que “A falta de complementaridade leva à terceirização, que é ilegal. Tal conclusão quanto à ilegalidade da atuação das ONG's não é novidade para aqueles que se debruçaram sobre o tema”. Para além da inconstitucionalidade da terceirização de mãode-obra para desempenho de atividade fim de caráter contínuo por meio da celebração de convênios, por violação do art. 37, II da Constituição da República, o que não é objeto desta ação civil pública, tem se verificado empiricamente a incompatibilidade de tal forma de execução dos serviços de atenção à saúde indígena com a contínua e adequada prestação de tais serviços. Esta incompatibilidade também já fora reconhecida há quase CINCO ANOS pela Procuradoria da FUNASA no parecer referido no parágrafo acima: “Em verdade, o meio convenial não é aplicável para ações continuadas. Não é possível admitir que a prestação à saúde seja interrompida por conta da inadimplência ou desvio cometido por gestores de entidades privadas. Mutatis mutandis, o modelo atual impõe que caso a organização não-governamental pratique qualquer irregularidade as pessoas ficarão sem a devida assistência.” Por meio destes convênios, a FUNASA transfere para entidades privadas, comumente chamadas de organizações não governamentais, a execução de atividades permanentes de atenção à saúde indígena que são de sua responsabilidade e, de forma rotineira, atrasa ou suspende os repasses previstos, seja por problemas internos ou em função de inadimplência, irregularidades ou atrasos nas prestações de contas, o que tem não apenas comprometido severamente a eficácia da atuação das entidades conveniadas, como acarretado desperdício de recursos públicos sem o atingimento dos objetivos e metas colimados. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS O que tem feito a FUNASA diante das suspensões acarretadas por comportamentos irregulares das entidades conveniadas?? Lamentavelmente, a questão tem sido tratada pela FUNASA como se ao invés de um convênio estivéssemos diante de contratos, em que os interesses são contrapostos e que a única interessada na regular execução do objeto do convênio é a entidade conveniada e para a FUNASA fosse indiferente. Suspendem-se os repasses e aguarda-se indefinidademente quanto tempo for preciso para que a situação se “resolva”, afinal o que a FUNASA tem a ver com isso? A entidade conveniada é sempre apontada como vilã e nada se faz. Não importa se isso vá levar três, seis, nove meses ou todo o ano, nem se os trabalhadores contratados ficarão sem receber salários, sem trabalhar, se a população indígena sem as ações de atenção à saúde indígenas, se as metas não serão atingidas e se os indicadores de saúde destas populações, já notoriamente mais vulneráveis, atingirão níveis ainda piores. A FUNASA simplesmente lava as mãos, como se a paralisação da conveniada não representasse a sua própria omissão, não representasse o seu próprio fracasso no desempenho de sua missão institucional, a qual transferiu de forma ilegal e inconstitucional para organizações não governamentais. Tal postura não apenas viola o princípio da razoabilidade, como representa abuso de poder consistente na negação e violação de direitos fundamentais das populações indígenas, o que pode inclusive ensejar providências junto à Unidade de Povos Indígenas e Minorias do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, como bem advertiu a I. Juíza Federal Titular da 1ª Vara Federal do Amazonas Jaiza Maria Pinto Fraxe nos autos da ação civil pública n.º 2007.32.00.8698-4. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade são critérios interpretativos tanto quando há possível colisão entre dois princípios, quanto quando há a necessidade de se tomar atitudes de concretização de tais valores. A observância destes princípios, normas jurídicas portanto, e não apenas mero aconselhamento moral, exortação etc, é aferida mediante a verificação da compatibilidade de determinada lei ou ato do Poder Público com três subprincípios que o compõe: a) adequação, idoneidade dos meios para alcançar os fins visados; b) necessidade ou vedação do excesso, o que significa que a medida adotada deve ser a menos gravosa, que restrinja os direitos fundamentais envolvidos em menor grau, dentre aquelas disponíveis para a consecução das finalidades perseguidas; c) proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, as restrições aos direitos fundamentais, os prejuízos gerados pela medida em análise devem ser menores que os benefícios gerados. É evidente que esperar vários meses para adotar alguma providência não atende ao princípio da razoabilidade, seja porque não constitui medida idônea para assegurar às populações indígenas o direito à saúde, finalidade prevista na Constituição da República e nas normas que instituiram o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, porque existia medida menos gravosa que era a assunção integral do objeto do convênio, logo que constatada a inviabilidade dos repasses, tal como previsto na cláusula décima do termo de convênio, ou porque os prejuízos causados à saúde indígena e o desperdício de recursos públicos suplantam em muito as supostas vantagens da manutenção de um convênio sem o repasse dos recursos previstos e de trabalhadores à disposição do empregador (entidade conveniada), aos quais terão que ser pagos salários (com recursos públicos!!!) sem que trabalhem e atinjam os fins previstos na Lei 9836/99 e no plano distrital de saúde elaborado para o período 2008/2010. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS A FUNASA sempre alega que só atrasou os repasses porque a conveniada cometeu alguma sorte de irregularidade, seja em relação à certidão negativa de débitos, prestação de contas etc. Ora, se a conveniada está em situação de irregularidade, cabe à FUNASA prever as conseqüências, é dizer, prever que isso acarretará atraso nos repasses e que sem repasses a entidade conveniada não pode executar o objeto do convênio. Se tudo isso é previsível, cabia-lhe também adotar a medida prevista na cláusula décima, qual seja, a assunção do objeto do convênio. Se tivesse feito isso de forma diligente e tempestiva, há quatro, cinco ou seis meses atrás, a situação não seria tão grave como se apresenta no momento e os prejuízos poderiam ter sido sensivelmente minorados. A FUNASA delega para terceiros não estruturados, que subsistem unicamente para gestão dos recursos do convênio, as atribuições da UNIÃO que lhe foram delegadas pelo Ministério da Saúde. Por óbvio, em se tratando de dinheiro público, a existência de irregularidades nas prestações de contas impede as transferências previstas e os repasses, quando ocorrem, são feitos com muito atraso. A população indígena fica sem as ações de saneamento e assistência à saúde ou estas são realizadas de maneira extremamente precária, mas os recursos destinados ao atendimento de tais finalidades são gastos, apesar de frustrados os objetivos. A FUNASA culpa as entidades conveniadas, mas não rescinde os convênios nem assume a execução de seu objeto, apesar de manifesta a ineficácia do instrumento adotado para a consecução de objetivos que não consubstanciam mero interesse da conveniada, mas a própria missão institucional da FUNASA. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Este quadro, além do risco iminente de óbitos e agravamento de situações emergenciais não atendidas tempestivamente, acarreta sério comprometimento em relação ao cumprimento das metas previstas no plano distrital de saúde 2008/2010, assim como das ações de saúde planejadas para o exercício de 2008 e representa, inexoravelmente, o não atingimento do objetivo previsto no art. 1º, II da Portaria GM 70/2004 (“O objetivo da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas é assegurar aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de modo a favorecer a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde”), caso não sejam adotadas com urgência as medidas necessárias para reverter tal quadro. É notório e reconhecido pela FUNASA que a adequada estruturação e funcionamento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena impõe-se não apenas como instrumento para assegurar o respeito do Estado Brasileiro ao multiculturalismo reconhecido e garantido pela Constituição da República de 1988, mas também como mencionado no art. 1º, II da Portaria GM 70/2004, como meio indispensável de “ superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde”. Apesar disso, a FUNASA vem tratando a questão de forma exacerbadamente burocrática, ineficiente e lenta, o que se mostra absolutamente incompatível com a necessidade de respostas céleres e condizentes com a importância da adequada e contínua prestação dos serviços de atenção à saúde indígena. Impõe-se, pois, que a FUNASA assuma efetivamente a responsabilidade que lhe foi delegada pela UNIÃO, por intermédio do Ministério da Saúde, e que é prevista na Constituição da República como direito fundamental das populações indígenas, com eficácia plena e aplicabilidade imediata, nos termos do art. 5º, parágrafo 2º e do art. 196 da Constituição da República, sem mencionar que tal L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS obrigação também é expressamente prevista (e ainda que não o fosse seria decorrência lógica da delegação convenial operada pela FUNASA) na cláusula décima do convênio 1436/2004, in verbis: “CLÁUSULA DÉCIMA- DA CONTINUIDADE Na hipótese de paralisação ou de fato relevante que venha a ocorrer a CONCEDENTE assumirá a execução do objeto deste convênio, de modo a evitar a descontinuidade das ações pactuadas.” Existem mandamentos constitucionais que garantem o direito à saúde às populações indígenas (principalmente o art. 196 da Constituição da República de 1988 ) e que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições...( art. 231, caput da Constituição da República de 1988 ), esta obrigação é prevista também na Lei 9836/99, assim como em inúmeras normas infralegais, a FUNASA detém atribuição legal por delegação para fazer cumprir tais mandamentos e existe previsão expressa nos termos de convênio de assunção pela concedente da execução do objeto dos mesmos na hipótese de paralisação ou outro fato relevante. Não se pode olvidar que a posição adotada pelo EstadoAdministração, por meio da FUNASA, é contrária também às últimas recomendações do Conselho de Direitos Humanos da ONU e às normas previstas na Convenção n.º 169 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 5051/04 , e na Declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas: Mecanismo de Revisão Periódica Universal das Nações Unidas País sob revisão: Brasil L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Documento da ONU: A/HRC/WG.6/1/BRA/4, apresentado em 15 de abril de 2008 nas Nações Unidas, em Genebra Recomendaçoes (...) 3) Além de dar continuidade às iniciativas positivas em curso, empenhar-se na avaliação dos resultados das atividades já planejadas em muitas dessas áreas: condições das prisões; sistema penal judiciário; sistema de internação de adolescentes em conflito com a lei; violência e execuções extrajudiciais praticadas pela polícia militar; tortura; proteção dos defensores de direitos humanos; violência contra as mulheres; comunidades indígenas; violência rural e conflitos agrários; trabalho infantil e escravo; e, por fim, impunidade, especialmente no caso do tráfico de pessoas e da corrupção (Reino Unido); (...) 5) Dar mais consideração às violações de direitos humanos contra os povos indígenas, à falta de segurança no país e às condições precárias das prisões brasileiras (República da Coréia); Convenção 169 da OIT Art.7º (...) 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria. Artigo 25 1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição dos povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a esses povos os meios que lhes permitam organizar e prestar tais serviços sob a sua própria responsabilidade e controle, a fim de que possam gozar do nível máximo possível de saúde física e mental. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS 2. Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais. 3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à formação e ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e se centrar no atendimento primário à saúde, mantendo ao mesmo tempo estreitos vínculos com os demais níveis de assistência sanitária. 4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com as demais medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país. Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas Artigo 24 1. Os povos indígenas têm direitos às suas próprias medicinas tradicionais e a manter suas práticas de saúde, incluindo a conservação de suas plantas, animais e minerais de interesses vital, sob o ponto de vista médico. As pessoas indígenas também têm direito ao acesso, sem discriminação alguma, a todos os serviços sociais e de saúde. 2. Os indígenas têm direitos a desfrutar igualmente do maior nível de saúde física e mental. Os Estados tomarão as medidas que sejam necessárias a fim de lograr progressivamente a plena realização deste direito. Cabe ressaltar que, segundo informações da própria entidade conveniada, no período de 25 de março de 2008 a 31.10.2008, data de encerramento dos contratos de trabalho, só foi prestado atendimento de emergência e realizadas campanhas de imunização, o que é confirmado pelos relatórios de produtividade encaminhados pela Chefia do DSEI Yanomami (fls. 263/275 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Mesmo considerando os atendimentos sem identificação de quem os realizou (informação demasiado frágil e sem possibilidade de auditagem), observa-se claramente que foram realizados apenas poucos atendimentos a partir de abril de 2008 (uns poucos em maio e junho e L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS nenhum a partir de Julho). A FUNASA foi formalmente comunicada pelo IBDS por meio do Ofício n.º 32/08 (fls. 196/199 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Ainda mais grave é o notável incremento no número de óbitos (ver quadro de fl. 273 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Enquanto nos meses de janeiro e fevereiro houve apenas um óbito em todas as aldeias, tendo como causa a SENILIDADE, a partir do mês de março houve quatro óbitos por PNEUMONIA , um óbito por PERITONITE AGUDA, dois óbitos por DESNUTRIÇÃO PROTEICO-CALÓRICA, um óbito por CHOQUE ANAFILÁTICO, dois óbitos por BRONQUITE AGUDA, um óbito por MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA, um óbito SEM ASSISTÊNCIA, dois óbitos por OUTRAS CAUSAS MAL DEFINIDAS e um óbito fetal por CAUSA DESCONHECIDA. E isso tudo conforme informações da própria FUNASA. A Coordenação do IBDS informara que “Nesse período em que as atividades foram paralisadas lamentamos as perdas de 37 pessoas dentre tantas o maior número foram de crianças.” (fls. 08/09 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84), um número muito maior do que o admitido oficialmente pela FUNASA. Além disso, os profissionais contratados pelo IBDS, embora tenham ficado impossibilitados de exercer suas atividades, seja pela ausência de meios de subsistência ou pela ausência de instrumentos para tanto, sob a ótica do Direito do Trabalho, estavam à disposição do empregador e por isso fazem jus à percepção de salários em todo o período, o que evidencia claramente a existência de dano ao erário, correspondente ao pagamento de salários sem a correspondente prestação plena de serviço, dano este imputável aos gestores da FUNASA que não adotaram tempestivamente as medidas para evitá-lo. A informação contida no Relatório elaborado pelos Servidores José Gilvan Oliveira de Moura e Fábio Gonçalves de Almeida, no sentido de que “Apesar dos profissionais terem recebido os salários só até janeiro de 2008, continuaram trabalhando até 29 de setembro de 2008” significa que os trabalhadores “não prestaram serviços nas aldeias, porém continuaram a trabalhar pelo IBDS e assinando freqüência na sede da instituição”, como esclarecido pela CORE-RR por meio do Ofício n.º .1242/GAB/Core-RR, sendo inegável o prejuízo causado pela suspensão dos repasses. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS A não execução plena do objeto do convênio é também confirmada pelos débitos acumulados até 31.10.2008, conforme relatório da FUNASA de fls. 311/318. Os recursos pendentes de repasse totalizam o montante de R$ 2.068.638,00 (dois milhões, sessenta e oito mil, seiscentos e trinta e oito reais), enquanto os débitos apurados pela FUNASA somam R$ 857.780,90, resultando em um saldo de cerca de R$ 1.200.0000,00. Foi expedida a Recomendação n.º 13/2008 à FUNASA (fls. 20/33 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84) para que a FUNASA assuma o objeto do convênio n.º 1435/04, celebrado com o Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, a fim de evitar maiores danos ao erário, prejuízos aos trabalhadores e aos serviços de atenção à saúde das populações indígenas, que substitua os trabalhadores contratados pela entidade conveniada e que assuma as obrigações pendentes efetivamente decorrentes da execução do objeto do convênio n.º 1436/06 e que não puderam ser satisfeitas em razão da suspensão dos repasses. Em resposta, por meio do Ofício n.º 730/DESAI/PRESI/FUNASA, o Presidente da FUNASA informou que aquela fundação já assumira as ações pactuadas com o IBDS desde o último dia 26.09.08, que foi desenvolvido um plano emergencial de ações para atendimento à saúde indígena naquela região, que tais ações serão iniciadas a partir do dia 24.10.2008 e que, quanto à obrigações pendentes decorrentes da execução do objeto do Convênio n.º 1435/04, que não puderam ser satisfeitas em razão da suspensão dos repasses, enviaria equipe de servidores da FUNASA à sede da conveniada, para providenciar o levantamento das obrigações pendentes e, junto com esse Ministério Público, formalizar Termo de Ajustamento de Conduta, para posterior repasse financeiro da na forma acordada, garantindo assim, a quitação dos referidos débitos. Após tratativas mantidas com o IBDS e com a Coordenação Regional da FUNASA em Roraima, que afirmava ter autorização do Presidente da FUNASA para negociar a celebração do termo de ajustamento (o que parecia L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS verossímil, considerando o conteúdo do Ofício n.º 730/DESAI/PRESI/FUNASA), o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho encaminharam à FUNASA proposta de termo de compromisso de ajustamento de conduta (cópia anexa), primeiramente, no dia 22.11.2008, via e-mail, ao Coordenador Regional de Roraima, Sr. Marcelo de Lima Lopes, e depois, no dia 24.10.2008, à Coordenadora Geral de Planejamento do Departamento de Saúde Indígena, Sra. Rosângela Barreto Marques Oliveira (OFÍCIO N.º 1077/2008/1º OFÍCIO CÍVEL/PR/AM, encaminhado via e-mail, posteriormente reiterado pelo OFÍCIO N.º 1094/2008/1º OFÍCIO CÍVEL/PR/AM, encaminhado via fax) Após considerável demora, ofícios e muitos telefonemas, foi encaminhada por e-mail cópia da manifestação da Procuradoria-Geral da FUNASA (até o momento não houve resposta formal do DESAI), nos seguintes termos: a) a Funasa, ao suspender o repasse de recursos financeiros à entidade convenente, apenas deu cumprimento ao que determina a legislação de convênios (art. 116, § 3º da Lei 8666/93 e art. 21, § 4º da Instrução Normativa n.º 01/97 da Secretaria do Teosuro Nacional), não havendo que se falar em prática de ato irregular ou ilegal por parte desta Fundação; b) o artigo 26 da Lei nº 10.522/2002 exige a demonstração de regularidade perante a Seguridade Social e ao reter as parcelas remanescentes, a FUNASA observa também o disposto na Lei n.º 10.522/2002; c) haveria ilegalidade imputada à FUNASA caso a referida Fundação firmasse o Termo de Ajustamento de Conduta nos precisos termos da minuta em análise, cumprindo a obrigação consignada na cláusula primeira do referido ajuste, uma vez que a legislação de regência veda o repasse de recursos na situação ocorrida no presente caso; d) a IN-STN n.º 01/1997 veda expressamente a utilização dos recursos com finalidade diversa da estabelecida no instrumento do convênio ou no respectivo plano de trabalho, ainda que L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS em caráter de urgência, sob pena de nulidade do ato e de responsabilidade do agente (art. 8º, IV da IN 01/1997-STN); e) não havendo ilegalidade na suspensão dos repasses, não há que se falar, no parágrafo primeiro da Cláusula Primeira, em definição de montante a ser repassado nos termos do caput, que seria feito com base em relatório a ser elaborado pela Funasa e deveria ter sido apresentado até 29.10.2008; f) em relação ao parágrafo segundo da mesma cláusula, observa-se que o termo em apreciação, que deveria visar à adequação da conduta da Funasa às exigências legais, pretende, ao contrário, afastar a aplicação de determinações constantes da IN n.º 01/1997; g) não vislumbra qualquer necessidade da FUNASA firmar um termo de ajustamento de conduta a fim de assumir o compromisso de executar ações que já seriam inerentes a sua atividade finalística; h) a Funasa, em virtude de seu compromisso institucional, já havia adotado providências por meio da Coordenação Regional para solucionar a situação em análise, antes da intervenção do Ministério Público Federal; i) a avaliação acerca do quantitativo de equipes multidisciplinares e “agentes indígenas de saúde” necessário a garantir a saúde indígena do povo Yanomami é um aspecto técnico a ser apreciado pelo DESAI, e não imposto por meio de um termo de ajustamento de conduta. ; j)nos incisos VI e VII, previu-se o fornecimento de insumos odontológicos, medicamentos e demais insumos necessários para atuação de equipes multidisciplinares e de combustível para as embarcações e veículos utilizados para deslocamento de tais equipes. Todavia, a possibilidade de tal fornecimento e a sua compatibilidade como o que foi proposto no plano emergencial também é aspecto a ser avaliado pelo setor competente; k)a contratação de colaboradores eventuais seria inadequada, tendo em vista que assegurar a saúde dos povos indígenas é uma atividade contínua, devendo, pois, ser prestada pela Funasa de forma permanente; L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS l)com relação aos bens previstos na cláusula 2ª, parágrafo 4º deve a área responsável avaliar se há disponibilidade de tais bens e serviços, ou, caso contrário, se há disponibilidade orçamentária para a contratação e tempo hábil para a realização do competente certame licitatório antes que se esgotem os prazos ali estabelecidos; m)No que se refere às obrigações trabalhistas decorrentes do convênio original e de suas sucessivas prorrogações, entende-se que há, na verdade, uma tentativa de aplicação do inciso IV da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sem a observância da condição estabelecida em sua parte final; n)não se entende razoável que a Funasa assuma voluntariamente uma obrigação trabalhista a que não está adstrita nem por força de lei, nem em virtude de determinação judicial. Como se vê, apesar de ter inicialmente sinalizado a viabilidade de adoção da via conciliatória, a FUNASA apresentou verdadeira defesa à proposta de termo de ajustamento de conduta, revelando total menosprezo pela situação resultante da não assinatura do termo de ajustamento de conduta e desintesse pela solução amigável do conflito. Desconsidera não apenas que a situação anômala de adotar convênios para atividades permanentes da FUNASA é, sem dúvida, a principal causa do impasse gerado, como que a inadimplência do IBDS com a Previdência Social já era conhecida pelo menos desde agosto de 2006 e, nada obstante, o Convênio n.º 1435/04 foi prorrogado por duas vezes, a partir de dezembro de 2006 e a partir de dezembro de 2007. Cabe transcrever os seguintes trechos dos relatórios de auditoria interna n.º 2006/017 e 2007/023 (anexo do inquérito civil público 1.13.000.000463/2008-23): Relatório n.º 2006/017 L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS “5.1.9.2.1 Constatou-se que a Entidade não havia efetuado os pagamentos com o INSS referentes aos meses de outubro a dezembro/2004 e janeiro/2005 até a presente data. Sendo orientada, por esta Equipe de Auditoria, à regularizar a situação, assim foi providenciado os recolhimentos dos meses de outubro a dezembro/04, conforme quadro abaixo, restando regularizar os pagamentos dos meses de janeiro/2005 até a presente data.” Relatório n.º 2007/023 “5.3.1. A verificação realizada demonstrou a existência de débitos referentes ao recolhimento de encargos sociais, tanto em relação às contribuições para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS; contribuições previdenciárias junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social- INSS e ao recolhimento do Imposto de Renda Retido na fonte (Anexo I). 5.3.2 Preliminarmente, quanto a celebração do convênio, vale mencionar que a regularidade do IBDS à época, inclusive junto ao INSS, foi atestada a inexistência de pendências no processo de habilitação n.º 25000.137703/2004-55, conforme informação do Serviço de Habilitação e Cadastro/CGCON/DEPIN de 16.12.2004 (fls. 78 do processo n.º 25100.034.208/2004-67. (transcrição dos arts. 3º e 21 da IN STN 01/97, com redação anterior) 5.3.4. Assim, em que pese a comprovação de regularidade junto ao INSS ter se realizado quando da celebração do convênio, conforme constou do procedimento de análise realizado pela CGCON, a ausência do recolhimento desse encargo verificada na execução do convênio, in tese, ensejaria a suspensão do repasse de recursos, pelo que se depreende do teor do art. 21 da IN-STN n.º 01/97. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS 5.3.5. Por outro lado, é fato o impacto negativo verificado na execução do convênio, tanto o descumprimento do cronograma de desembolso quanto o custeio de despesas realizadas em período anterior à sua celebração. 5.3.6. O quadro acima descrito motivou a ocorrência de “sobrestamento” de valores quando do repasse das parcelas ao IBDS, situação já avaliada por esta AUDIT no Relatório referente à base de Auditoria n.º AAF 2006/18 e já tratado, quanto aos seus aspectos de regularidade e adequação, na Nota Técnica n.º 62/2006- CGAUD/AUDIT. 5.3.7. A tabela que compõe o Anexo I deste relatório, demonstra um valor aproximado pendente de recolhimento ao INSS, até o mês de competência de dezembro/2006, superior à R$ 470.000,00, o que gerará um valor relacionado à juros, de aproximadamente R$ 40.000,00. Tal montante certamente sofrerá acréscimos quando do efetivo recolhimento, tendo em vista que os valores foram baseados em atualizações geradas e referências para pagamento em diversos meses, principalmente janeiro de 2007 (última coluna da tabela). 5.3.8. Outro agravante da situação diz respeito ao desconto da contribuição do INSS relacionada com o empregado, o qual vem sendo regularmente realizado e não repassado pelo IBDS àquele Instituto, fato que pde ensejar a configuração de ilícito tributário e penal (apropriação indébita) 5.3.9. Assim sendo, considerando já ter ocorrido o repasse do valor total pactuado, a providência que deve ser implementada com urgência , é a imediata regularização do débito junto ao INSS e a realização de levantamento para eventual suplementação de recursos em face do custeio de despesas no período de “lacuna” anterior à celebração do convênio.” Não há dúvida de que a FUNASA conhecia há muito os débitos do IBDS com o INSS. Há inclusive menção a um possível período de lacuna, em que o IBDS teria executado o objeto do convênio antes da assinatura do convênio, e a eventual suplementação de recursos para cobrir as despesas realizadas no período. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Nem cabe alegar que a exigência de comprovação da regularidade fiscal para as prorrogações só foi prevista a partir da alteração da IN STN 01/97 pela pela IN STN 04/07, que é de 17.05.2007, antes, portanto da última prorrogação. Não consta qualquer informação de que o IBDS tenha realizado o pedido de suplementação de recursos, nem que a FUNASA tenha adotado qualquer providência à respeito. A própria FUNASA, portanto, deu causa à anômala situação ora vivenciada e no, entanto, sob o argumento de suposta “obediência à legalidade”, recusa-se a adotar uma medida que resguarde os interesses tutelados, quais sejam, a saúde indígena, os intereresses dos trabalhadores, o erário e a seguridade social. O Administrador não pode, diante de situações difíceis, em que haja risco para bens constitucionalmente tutelados, simplesmente quedar-se inerte, buscando abrigar-se no escudo da legalidade formal, para satisfação de uma suposta segurança pessoal quanto á futura responsabilização, mormente quando deu causa a tais atropelos. A inação, a omissão em agir para atingir as finalidades colimadas pelas normas constitucionais e legais, assim como para evitar a ocorrência de danos ou minorá-los, representa, ao revés, gravíssima violação do dever de boa administração imposto a todo administrador, dever este expressamente derivado do princípio da eficiência, insculpido no art. 37, caput da Constituição da República. Neste sentido, bem observou o Desembargador Federal João Batista Moreira, nos autos de agravo de instrumento 2008.01.00.047215-4/AM, referente à situação análoga ocorrida no DSEI Manaus, que “O que não se admite, ante o princípio da eficiência, é sua patente inércia, conforme está retratado nos autos, sob o argumento de discricionariedade e de entraves meramente burocráticos.” A FUNASA, portanto, assumiu o objeto do convênio 1435/04 de forma extremamente precária, APÓS OITO MESES DE SALÁRIOS EM ATRASO, e ademais, não previu providências para garantir a reparação dos danos causados. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS III- EXISTÊNCIA DE MEIOS PARA GARANTIR A CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE NOS PÓLOS BASE MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ E A REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS. Tampouco se pode alegar insuficiência de meios para garantir o direito à saúde dos indígenas atendidos pelos Pólos Base do Maturacá, Inambu e Maiá, porquanto é possível o remanejamento de servidores subaproveitados, o retorno de servidores cedidos (que constitutem grande parte do quadro da FUNASA), a contratação por prazo determinado etc. Neste sentido, a Lei 8745/93, art. 2º, VI, teve alínea “m” pela Medida Provisória nº 431 de 14 de maio de 2008, incluída a que autoriza contratação temporária por prazo determinado para atividades de assistência à saúde junto à comunidades indígenas, in verbis: Art. 1º Para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, os órgãos da Administração Federal direta, as autarquias e as fundações públicas poderão efetuar contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos nesta Lei. Art. 2º Considera-se necessidade temporária de excepcional interesse público: (...) VI - atividades: (Redação dada pela Lei nº 9.849, de 1999). (...) m) de assistência à saúde junto a comunidades indígenas; e (Incluído pela Medida Provisória nº 431, de 2008). No caso da contratação por prazo determinado, evidentemente que se justifica a contratação dos mesmos profissionais atualmente contratados pela entidade conveniada, ante a impossibilidade de se realizar processo seletivo simplificado em tempo hábil. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS III- DISTRITO SANITÁRIO ESPECIAL INDÍGENA YANOMAMI. PÓLOS BASE MATURACÁ, MAIÁ E INAMBÚ. INOBSERVÂNCIA DA COMPOSIÇÃO MÍNIMA DAS EQUIPES MULTIDISCIPLINARES. FALTA DE ESTRUTURA MÍNIMA NOS PÓLOS BASE. INSUFICIÊNCIA DE MEIOS DE TRANSPORTE E DE COMUNICAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO PRÓPRIO PLANO EMERGENCIAL. Como já mencionado no tópico anterior, o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena foi concebido basicamente em três níveis, nos termos da Portaria nº 254/02: a) o atendimento nas aldeias (postos de saúde) por agentes indígenas de saúde, e pelas equipes multidisciplinares periodicamente; b) os Pólos-Base; c) integração com a rede do SUS para procedimentos de maior complexidade, com apoio das Casas de Saúde Indígena, in verbis: “Cada distrito organizará uma rede de serviços de atenção básica de saúde dentro das áreas indígenas, integrada e hierarquizada com complexidade crescente e articulada com a rede do Sistema Único de Saúde. As Comissões Intergestores Bipartites são importantes espaços de articulação para o eficaz funcionamento dos distritos. As equipes de saúde dos distritos deverão ser compostas por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e agentes indígenas de saúde, contando com a participação sistemática de antropólogos, educadores, engenheiros sanitaristas e outros especialistas e técnicos considerados necessários. O número, qualificação e perfil dos profissionais das equipes serão estabelecidos de acordo com o planejamento detalhado de atividades, considerando: o número de habitantes, a dispersão populacional, as condições de acesso, o perfil epidemiológico, as necessidades específicas para o controle das principais endemias e o Programa de Formação de Agentes Indígenas de Saúde a ser definido conforme a diretriz específica desta política. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Nas aldeias, a atenção básica será realizada por intermédio dos Agentes Indígenas de Saúde, nos postos de saúde, e pelas equipes multidisciplinares periodicamente, conforme planejamento das suas ações. Na organização dos serviços de saúde, as comunidades terão uma outra instância de atendimento, que serão os Pólos-Base. Os pólos são a primeira referência para os agentes indígenas de saúde que atuam nas aldeias. Podem estar localizados numa comunidade indígena ou num município de referência. Neste último caso, correspondem a uma unidade básica de saúde, já existente na rede de serviços daquele município. A maioria dos agravos à saúde deverão ser resolvidas nesse nível. As demandas que não forem atendidas no grau de resolutividade dos Pólos-Base deverão ser referenciadas para a rede de serviços do SUS, de acordo com a realidade de cada Distrito Sanitário Especial Indígena. Essa rede já tem sua localização geográfica definida e será articulada e incentivada a atender os índios, levando em consideração a realidade sócioeconômica e a cultura de cada povo indígena, por intermédio de diferenciação de financiamento. Com o objetivo de garantir o acesso à atenção de média e alta complexidades, deverão ser definidos procedimentos de referência, contra-referência e incentivo a unidades de saúde pela oferta de serviços diferenciados com influência sobre o processo de recuperação e cura dos pacientes indígenas (como os relativos a restrições/prescrições alimentares, acompanhamento por parentes e/ou intérprete, visita de terapeutas tradicionais, instalação de redes, entre outros) quando considerados necessários pelos próprios usuários e negociados com o prestador de serviço. Deverão ser oferecidos, ainda, serviços de apoio aos pacientes encaminhados à rede do Sistema Único de Saúde. Tais serviços serão prestados pelas Casas de Saúde Indígena, localizadas em municípios de referência dos distritos a partir da readequação das Casas do L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Índio. Essas Casas de Saúde deverão estar em condições de receber, alojar e alimentar pacientes encaminhados e acompanhantes, prestar assistência de enfermagem 24 horas por dia, marcar consultas, exames complementares ou internação hospitalar, providenciar o acompanhamento dos pacientes nessas ocasiões e o seu retorno às comunidades de origem, acompanhados das informações sobre o caso. Além disso, as Casas deverão ser adequadas para promover atividades de educação em saúde, produção artesanal, lazer e demais atividades para os acompanhantes e mesmo para os pacientes em condições para o exercício dessas atividades.” A Portaria GM n.º 70/2004, por seu turno, estabelece em seu art. 1º as diretrizes do modelo de gestão da saúde indígena , além de prever, em seu art. 6º quais são as atribuições, qual o papel dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs): Art. 1º O modelo de gestão de saúde indígena segue as seguintes diretrizes: I - A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, integrante da Política Nacional de Saúde, deve ser compatibilizada com as determinações da Lei Orgânica da Saúde e com a Constituição Federal, que reconhecem as especificidades étnicas e culturais e os direitos sociais e territoriais dos povos indígenas; II – O objetivo da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas é assegurar aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de modo a favorecer a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde; III - A implantação da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena adotará modelo de organização dos serviços voltados para a proteção, promoção e recuperação da saúde, que garanta aos povos indígenas o exercício da cidadania; IV – O Subsistema de Saúde Indígena fica organizado na forma de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), delimitação geográfica que contempla aspectos demográficos e etno-culturais, sob responsabilidade do gestor federal; V – Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas devem contar com uma rede interiorizada de serviços de atenção básica organizada de forma hierarquizada e articulada com a rede de serviços do Sistema Único de Saúde para garantir a assistência de média e alta complexidade; L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS VI - A estrutura do Distrito Sanitário Especial Indígena fica composta pelos Postos de Saúde situados dentro das aldeias indígenas, que contam com o trabalho do agente indígena de saúde (AIS) e do agente indígena de saneamento (Aisan); pelos Pólos - Base com equipes multidisciplinares de saúde indígena e pela Casa do Índio (CASAI) que apóia as atividades de referência para o atendimento de média e alta complexidade; VII - O processo de estruturação da atenção à saúde dos povos indígenas deve contar com a participação dos próprios índios, representados por suas lideranças e organizações nos Conselhos de Saúde locais e distritais; VIII – Na execução das ações de saúde dos povos indígenas deverão ser estabelecidos indicadores de desempenho e sistemas de informações que permitam o controle e a avaliação das referidas ações; e IX - A implantação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas deve respeitar as culturas e valores de cada etnia, bem como integrar as ações da medicina tradicional com as práticas de saúde adotadas pelas comunidades indígenas. Art. 6º Ao Distrito Especial de Saúde Indígena (DSEI), compete: I - Planejar, coordenar, e executar as ações integrais de saúde na área de abrangência do distrito sanitário especial indígena; II - Executar o fluxo de referência e contra referência de pacientes no distrito sanitário a serviços de média e alta complexidade; III - Acompanhar e avaliar todas as ações de saúde desenvolvidas em sua área de abrangência com base em indicadores de saúde e desempenho; IV - Avaliar e controlar a qualidade da assistência prestada em seu território de abrangência; V - Alimentar os sistemas de informação da saúde indígena e consolidar as informações epidemiológicas e de saúde referentes à sua área de abrangência; VI - Propor e executar programas e ações emergenciais, fundamentados em dados epidemiológicos; VII - Assegurar as condições para a implantação e implementação do Conselho locais de saúde indígena; VIII - Articular as práticas de Saúde Indígena com a medicina tradicional, respeitando as características culturais indígenas; IX - Executar em conjunto com o Setor de Engenharia e Saúde Pública o Saneamento e a Vigilância Ambiental; X - Executar em conjunto com Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde as ações de educação em saúde; XI - Fortalecer o controle social por intermédio dos Conselhos Locais e Distrital de Saúde Indígena; XII - O chefe do DSEI é a autoridade sanitária responsável pela saúde na área de abrangência do Distrito; e L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS XIII - Executar atividades administrativas relativas às ações de saúde indígena, nos termos fixados pela Presidência da FUNASA. (Quadro que consta no site www.funasa.gov.br com o título “Veja como é a organização interna de um Dsei e como se estabelece o Fluxo de Atenção à Saúde”. Acesso em 22.05.2008) Ademais, as equipes multidisciplinares que devem estar presentes nos pólos base têm sua composição mínima prevista na Portaria GM 1163/99 (art. 5º, parágrafo 2º) e na Portaria GM 1088/2004 (art. 2º): Art. 5º instituir o Fator de Incentivo de Atenção Básica aos povos indígenas, destinado às ações e procedimentos de Assistência Básica de Saúde. § 1º O incentivo de que trata este artigo, consiste no montante de recursos destinados a apoiar a implantação de agentes de saúde indígena e de equipes multidisciplinares para atenção à saúde das comunidades indígenas. § 2º As equipes serão compostas por médico, dentista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente indígena de saúde e poderão ser operadas direta ou indiretamente pela FUNASA, Estados ou por Municípios. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Portaria 1088/2004 Art. 2° Instituir como equipe multidisciplinar de atenção à saúde indígena no âmbito da atenção básica de saúde e terá a seguinte composição mínima: Médico, Enfermeiro, Odontólogo, Auxiliar de Enfermagem, Auxiliar de Consultório Dentário, Agente Indígena de Saúde - AIS, Agente Indígena de Saneamento – AISAN. A própria Portaria GM 2656/07 prevê em seu art. 5º a composição das equipes multidisciplinares, embora preveja que a definição da composição das equipes será feita com base nas características das regiões e povos atendidos, o que jamais poderá significar que dificuldades de acesso ou de contratação justificarão a precarização do atendimento prestado aos povos indígenas: Art. 5º Definir que a composição das Equipes Multidisciplinares de Atenção Básica à Saúde Indígena (EMSI) dar-se-á a partir dos seguintes núcleos: I - Núcleo Básico de Atenção à Saúde Indígena – responsável pela execução das ações básicas de atenção à saúde indígena, composto por profissionais de saúde como: Enfermeiro, Auxiliar ou Técnico de Enfermagem, Médico, Odontólogo, Auxiliar de Consultório Dental, Técnico de Higiene Dental, Agente Indígena de Saúde, Agente Indígena de Saneamento, Técnico em Saneamento, Agentes de Endemias e Microscopistas na Região da Amazônia Legal. II - Núcleo Distrital de Atenção à Saúde Indígena – responsável pela execução das ações de atenção integral à saúde da população indígena, sendo composto por profissionais que atuam na saúde indígena, não contemplados na composição referida no inciso I deste artigo, tais como nutricionistas, farmacêuticos/bioquímicos, antropólogos, assistentes sociais e outros, tendo em vista as necessidades específicas da população indígena. Parágrafo único. A definição de quais profissionais deverão compor as Equipes Multidisciplinares de Atenção à Saúde Indígena - EMSI priorizará a situação epidemiológica, necessidades de saúde, características geográficas, acesso e nível de organização dos serviços respeitando as especificidades étnicas e culturais de cada povo indígena, devendo atuar de forma articulada e integrada, aos demais serviços do SUS, com clientela adscrita e território estabelecidos. O acesso às áreas atendidas pelos Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambú é feito a partir da cidade de São Gabriel da Cachoeira, enquanto os referidos L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS pólos base são vinculados ao DSEI Yanomami, provavelmente com o objetivo de manter todos os indígenas da etnia Yanomami atendidos pelo mesmo DSEI, o que sem dúvida gera enorme dificuldade para o acompanhamento das ações de saúde, da execução física do convênio n.º 1435/04, porquanto a sede do DSEI Yanomami fica na cidade de Boa Vista, no Estado de Roraima. O Convênio 1436/04, conforme informações encaminhadas por meio do ofício n.º 010/2008-DSEI-Yanomami/CORE-RR/FUNASA, é responsável pelo atendimento de três pólos base (Maturacá, Inambu e Maiá), com um total de sete aldeias (Maturacá- 573 índigenas, Inambu-96 índigenas, Maiá-460 indígenas, Ariabú596 indígenas, Nossa Senhora Auxiliadora- 45 indígenas , Nazaré- 104 indígenas e Tamaquaré- 41 indígenas) e eram os seguintes os trabalhadores contratados especificamente para atuação nestas áreas: QUADRO DE FUNCIONÁRIOS POR PÓLO BASE SOB RESPONSABILIDADE DO IBDS FUNCIONÁRIO FUNÇÃO PÓLO BASE PERMANÊNCIA NELY LOPES DA CRUZ TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS ROSEMAR CRUZ ARANTES TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS ROSINEIDE MARIA MARINHO CASTILHO TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS JORGE LIMA MATEUS TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS ENEIDA BARRETO ASSUNÇÃO TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS CAROLINE DE SOUZA RABELO TEC. ENF. MATURACÁ 30 DIAS ARNALDO TEIXEIRA ROCHA AUX. DE ENDEMIAS. MATURACÁ 30 DIAS TATIANE TASSANARI ENFERMEIRA MATURACÁ/INAMBU 30 DIAS PEDRO RENATO FIGUEIREDO PILOTO DE DA SILVA EMBARCAÇÃO FLUVIAL MATURACÁ/INAMBU 30 DIAS EDIVALDO ALBUQUERQUE GASPAR TEC. ENF. INAMBU 30 DIAS RAIMUNDO ALEMÃO TEC. ENF. INAMBU 30 DIAS L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS GREGÓRIO ROBERTO CARLOS TRINDADE VIEIRA TEC. ENF. INAMBU 30 DIAS FRANCISNEY NASCIMENTO BATISTA ENFERMEIRO MAIA 30 DIAS CLAUDIA CORDEIRO TEC. DE ENF. MAIA 30 DIAS MARCELINO CORDEIRO DE OLIVEIRA TEC. ENF. MAIA 30 DIAS MARIA DO SOCORRO BATISTA DA SILVA TEC. DE ENF. MAIA 30 DIAS MAIA 30 DIAS ALAIR RODRIGUES FERREIRA PILOTO DE EMBARCAÇÃO No quadro V do Plano Distrital de Saúde ( ACESSO DOS POVOS INDÍGENAS AOS SERVIÇOS DE SAÚDE), consta informação na página 31 de que o acesso dos indígenas até os postos de saúde e aos pólos base é feito à pé ou por meio de transporte fluvial e que até a CASAI de São Gabriel da Cachoeira é feito por meio de transporte fluvial e após transporte terreste (Toyota), do que se conclui que o deslocamento das equipes multidisciplinares da sede do município também é feito por meio de transporte terrestre e fluvial. Seguem fotos da parte terrestre do percurso das equipes multidisciplinares, pela “rodovia” BR-307: L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Em função das péssimas condições da estrada, é sempre necessário utilizar duas toyotas bandeirante, para as situações,nada raras, em que um dos veículos fica atolado. O percurso terrestre correspondente ao trecho entre a sede administrativa e o km 85 da BR-307, com duração de 3 horas, apenas a ida. A partir deste ponto, os deslocamentos são feitos em voadeiras de 6 (seis) a 8 (oito) metros de comprimento e motores de popa de 15 a 40 HP. Na época de vazante dos rios, o acesso às comunidades Yanomami é dificultado devido ao baixo nível da água, gerando o aparecimento de pedras e troncos ao longo dos trechos, trazendo maiores riscos aos profissionais e dificultando a viagem. Para o Posto de Saúde de Nazaré, o tempo gasto para o percurso fluvial, à partir do km 85, é de 2 horas, enquanto para o Pólo Base Inambú é de 5 horas e para o Pólo Base Maturacá é de cerca de 9 horas. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Já para o Pólo Base Maiá o tempo gasto para o percurso fluvial é em média de 1(um) dia, à partir do Km 85 da BR-307, com parada para descanso, além de cerca de 1 (uma) hora e 30 (trinta) minutos de caminhada. Cachoeira no percurso para o Pólo Base Maiá L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Cachoeira no percurso para o Pólo Base Maiá Para o Posto de Saúde Tamaquaré o tempo gasto para o percurso fluvial é em média de 1(um) dia. De acordo com informações que constam no Plano Distrital de Saúde do DSEI Yanomami (p. 28), as equipes multidisciplinares para atendimento das aldeias Maturacá, Ariabú, Auxiliadora e Nazaré (Pólo Base Maturacá), Inambu (Pólo Base Inambú) e Maiá e Tamaquaré (Pólo Base Maiá) deveriam ser compostas de um médico, três enfermeiros, um odontólogo, quatorze Técnicos/Auxiliares, um Auxiliar de Consultório Dentário e 17 agentes indígenas de saúde. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Sede do Pólo Base Inambú Sede do Pólo Base Maiá L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Sede do Pólo Base Maiá Sede do Pólo Base Maturacá L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Sede do Pólo Base Maturacá Posto de Saúde Nazaré L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Posto de Saúde Nazaré Posto de Saúde Tamaquaré Verifica-se, de início, que já havia o descumprimento do plano distrital de saúde 2008/2010, porquanto não havia médico contratado, nem odontólogo L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS e apenas duas enfermeiras e de acordo com informação de fl. 316, só havia 10 agentes indígenas de saúde. Ao final do quadro IV ( EQUIPES MULTIDISCIPLINARES DE SAÚDE INDÍGENA) do plano distrital de saúde, consta observação de que o Médico e o Odontólogo são profissionais volantes, não não fixos em nenhum pólo base. Todavia, isso não os dispensa de definir quais profissionais serão responsáveis pelo atendimento de quais pólos base. O plano emergencial concebido pela Coordenação Regional de Roraima (fls. 186/189 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84) previa a contratação, mediante o pagamento de diárias como colaborador eventual, de 15 técnicos de enfermagem, 03 pilotos de embarcação fluvial, 02 auxiliares de entomologia, 02 motoristas, 01 técnico de laboratório, 02 assistentes administrativos, 02 técnicos de logística, 03 enfermeiros e 01 médico. Em reunião realizada na sede do IBDS, em São Gabriel da Cachoeira, foram entregues as listas de trabalhadores contratados para o plano emergencial. A primeira escala é composta de trabalhadores que se deslocaram de Boa Vista e a segunda incluiu os trabalhadores contratados pelo IBDS, a partir da formalização das rescisões dos contratos de trabalho. Deve-se destacar, primeiramente, que o plano emergencial não prevê a participação dos agentes indígenas de saúde, o que é injustificável, considerando que tais profissionais atuam direta e continuamente junto às comunidades e que os gastos são mínimos. Para se ter uma idéia, o valor das despesas geradas pelos 10 agentes indígenas de saúde no período de janeiro a outubro de 2008 foi de apenas R$ 40.000,00, valor ínfimo, ante os benefícios que proporciona em favor da saúde dos indígenas, mormente em momento de tamanha instabilidade. Verifica-se, outrossim, que nem mesmo o que foi previsto no plano está sendo observado, porquanto não foi contratado nenhum médico e não há L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS enfermeira na equipe que atende o pólo base Inambú. Ademais, só foram contratados 12 técnicos de enfermagem e não 15, como estipulado. O referido plano emergencial é apenas um paliativo e não há qualquer previsão de adoção de medidas para compensar os danos causados pela conduta da Ré e atingir as metas previstas no plano distrital de saúde. Assim, embora tenha formalmente assumido o objeto do convênio n.º 1435/04, o fez de forma extremamente deficiente. Não bastasse isso, não existe uma estrutura mínima para o desenvolvimento das ações de saúde pelas equipes multidisciplinares. No Ofício 32/2008, além das dificuldades relativas ao atraso dos repasses, o IBDS relata falta constante de medicamentos e insumos médicos, motores de popa demasiadamente antigos, precariedade dos grupos geradores de energia elétrica, falta de equipamentos básicos como microscópios para diagnóstico de malária, tuberculose etc, botes de alumínio (voadeiras) sem cobertura, carros sem condições adequadas ao transporte de pacientes debilitados de suas aldeias para os centros de referência do município. Ora, Excelência, os trabalhadores, para o desempenho de suas atividades, já são submetidos a condições demasiadamente adversas, como se viu acima, muitas das quais são inevitáveis. O mínimo que se pode exigir, portanto, é que sejam oferecidas condições adequadas às equipes muldisciplinares, naquilo que é possível minorar as dificuldades enfrentadas, razão pela qual se faz imprescindível que a FUNASA seja condenada a providenciar para os Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambu: a) comunicação contínua via rádio, da sede do DSEI Yanomami com as aldeias/pólos base, no prazo de 30 dias; b) 1 (um) aparelhos de raio-x portátil para uso em pacientes com impossibilidade de locomoção, no prazo de 60 dias; L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS c) 02 (dois) consultórios odontológicos para instalação nos pólos base Maturacá e Maiá, no prazo de 90 dias; d) 04 (quatro) microscópios, no prazo de 30 dias; e) substituição das duas caminhonetes atualmente utilizadas por caminhonetes novas, no prazo de 90 dias; f) 03 grupos geradores de energia, 6 KVA, motor à diesel, refrigerado a ar, no prazo de 60 dias; g) 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 60 dias; h) mais 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 90 dias. i) o fornecimento contínuo de de insumos odontológicos, medicamentos e demais insumos necessários para atuação das equipes multidisciplinares, devendo sanar eventual falta no prazo máximo de 05 dias; j) o fornecimento contínuo de combustível para as embarcações e veículos utilizados para deslocamento das equipes multidisciplinares, devendo sanar eventual falta no prazo máximo de 05 dias; k)o reparo dos equipamentos utilizados pelos referidos pólos base, em caso de quebra/ avaria, no prazo máximo de 10 dias. IV-COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA.LIMITES. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE RESERVA DO POSSÍVEL: INOPONIBILIDADE. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. MÍNIMO EXISTENCIAL. Inicialmente, cabe destacar que a moderna Doutrina do Direito Administrativo já reviu a clássica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários. Os tradicionalmente chamados atos “discricionários” são devem ser adequadamente denominados de “atos praticados no exercício de competência discricionária” e, como adverte L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Celso Antônio Bandeira de Melo “ a impropriedade da nomenclatura corrente (que leva à oposição ato discricionário/ato vinculado) é causa de inúmeros e graves equívocos jurídicos”1 Sob este prisma, é correto dizer que o exercício da referida atribuição legal implica determinado grau de discricionariedade. Isso não significa, no entanto, que se trate de um ato sujeito ao livre e desvinculado arbítrio do agente público competente, imune a todo e qualquer controle, inclusive jurisdicional, nos moldes da máxima vigente à época do Estado Absolutista The king can do no wrong, baseada na infalibilidade do monarca, verdadeiro representante de Deus na Terra. Celso Antônio Bandeira de Mello define discricionariedade como “ a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução univoca para a situação vertente” ( Op. Cit., p. 896) O mesmo Autor, em clara e lúcida manifestação, ensina que a liberdade conferida ao Administrador “não lhe é outorgada em seu proveito ou para que faça dela o uso que bem entenda” e que não se trata de “uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo“. Vale dizer: mesmo no exercício de competência discricionária, o Administrador está vinculado aos fins da norma de competência, tem dever de fundamentar suas decisões e está sujeito aos controles previstos na Constituição da 1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 18ª Edição, Malheiros Editores, p. 398. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS República, dentre os quais o controle jurisdicional. Vale transcrever os seguintes trechos: “97. Por outro lado, a “liberdade” que a norma haja conferido em seu mandamento ao administrador, quando lhe abre alternativas de conduta (agir ou não agir, conceder ou negar, praticar o ato “A” ou o ato “B”), não lhe é outorgada em seu proveito ou para que faça dela o uso que bem entenda. Tal liberdade representa apenas o reconhecimento de que a Administração, que é quem se defronta com a variedade uniforme de situações da vida real, está em melhor posição para identificar a providência mais adequada à satisfação de um dado interesse público, em função da compostura destas mesmas situações. Por isso, a lei, não podendo antecipar qual seria a medida excelente para cada caso, encarrega o administrador, pela outorga de discrição, de adotar o comportamento ideal: aquele que seja apto no caso concreto a atender com perfeição à finalidade da norma. 98.Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse público almejado pela lei aplicanda. Não se trata, portanto, de uma liberdade para a Administração decidir a seu talante, mas para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo. Logo, para verificar-se se o ato administrativo se conteve dentro do campo em que realmente havia discrição, isto é, no interior da esfera de opções legítimas, é preciso atentar para o caso concreto. Esta esfera de decisão legítima compreende apenas e tão-somente o campo dentro do qual ninguém poderá dizer com indisputável objetividade qual é a providência ótima, pois mais de uma seria igualmente defensável. Fora daí não há discrição. (...) A discricionariedade do ato só existe in concreto, ou seja, perante o quadro da realidade fática com suas feições polifacéticas, pois foi em função disto que a lei se compôs de maneira a obrigá-la. Assim, é óbvio que o Poder Judiciário, a instâncias da parte, deverá invalidar atos que incorram nos vícios apontados, pois nestes casos não há realmente discrição, mas vinculação, ou a discrição não se estende até onde se pretendeu que exista, já querepita-se- discricionariedade é margem de liberdade que existe perante o caso concreto. Discricionariedade ao nível da norma pode ou não engendrar discrição em face de uma específica situação ocorrente na realidade empírica, e, de toda sorte, estará sempre restringida aos limites que a situação vertente comporta.”2 2 Op. Cit., pp. 404/405. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Invocações de discricionariedade tout court, sem fundamentação adequada, sem análise do caso concreto, sem qualquer manifestação quanto às demais causas de pedir veiculadas na petição inicial e que pretendem emprestar aos atos praticados no exercício de competência discricionário um caráter de inquestionabilidade quase esotérico são manifestamente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição da República de 1988 e devem ser veementemente rechaçadas pelo Poder Judiciário. Lamentavelmente, foi isso que se observou na decisão recorrida: “ Entendo oportuno destacar que perfilho o entendimento de que não cabe a interferência do Poder Judiciário em assuntos relacionados à conveniência e oportunidade do ato administrativo, vez que não há como pretender que o Judiciário substitua o Poder Executivo no exercício de competências que lhes são inerentes, sob pena de se comprometer, irreversívelmente, o Estado de Direito que tema, na separação de funções soberanas do Estado, um dos seus mais importantes pilares. ( Precedente; TRF2ª Região, AC-327228, 7ª T Esp. , Rel. Sergio Schwaitzer, DJU: 25/05/2007, p. 300) Em decisão no RE 436996, confirmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de Mello averbou que “Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional.” e que “Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. “ Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é uníssona em reconhecer o direito à saúde como direito subjetivo público, não se podendo, pois, falar em “conveniência e oportunidade” do Administrador para decidir se e quando vai zelar pelo respeito e concretização do direito à saúde.Neste sentido: EMENTA: PACIENTES COM HIV/AIDS. PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196). PRECEDENTES (STF). - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médicohospitalar. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. - A legislação editada pelo Estado do Rio Grande do Sul (consubstanciada nas Leis nºs 9.908/93, 9.828/93 e 10.529/95), ao instituir programa de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.”( Informativo 202 do STF, Medicamentos para Pacientes com AIDS (Transcrições) RE 267.612-RS* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO )3 E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO INDISPENSÁVEIS CONSTITUCIONAL EM DO FAVOR ESTADO GRATUITO DE (CF, PESSOAS ARTS. DE MEDICAMENTOS CARENTES 5º, "CAPUT", - DEVER E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e 3 No mesmo sentido as seguintes decisões do STF: RE 236.200-RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - RE 247.900RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - RE 264.269-RS, Rel. Min. MOREIRA ALVES,RE 242.859-RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, RE 232.335-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO e RE 271.286-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, "caput", e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. MULTA E EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO DE RECORRER. - O abuso do direito de recorrer - por qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual - constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo ordenamento positivo, especialmente nos casos em que a parte interpõe recurso com intuito evidentemente protelatório, hipótese em que se legitima a L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS imposição de multa. A multa a que se refere o art. 557, § 2º, do CPC possui função inibitória, pois visa a impedir o exercício abusivo do direito de recorrer e a obstar a indevida utilização do processo como instrumento de retardamento da solução jurisdicional do conflito de interesses. Precedentes.(RE-AgR 393175 / RS - RIO GRANDE DO SUL, AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 12/12/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma ) PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MELHORIA DE ATENDIMENTO NO HOSPITAL MUNICIPAL SOUZA AGUIAR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. ART 1º DA LEI Nº 7.347/85. 1. A ausência de emissão de juízo de valor na origem, nem mesmo no âmbito dos embargos de declaração, dos dispositivos processuais invocados como contrariados implica ausência de prequestionamento, requisito essencial ao conhecimento do recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 2. A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Ministério Público funções da maior relevância, atribuindo-lhe um perfil muito mais dinâmico do que ocorria no antigo ordenamento jurídico, entre elas a competência para a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), por meio da ação civil pública (art. 129, III). 3. A legislação de regência da ação civil pública garante ao Parquet a utilização desse meio processual como forma de defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ou de outros interesses difusos e coletivos e de interesses individuais homogêneos. 4. É cabível o ajuizamento da presente ação civil pública que pugna pela defesa de interesses difusos, considerando-se que a tutela pretendida – direito à saúde (art. 6º da CF) – é indivisível, pois visa atingir a um número indeterminado de pessoas, ou seja, aquelas que são atendidas pelo Hospital Municipal Souza Aguiar. 5. Apoiado na conclusão do inquérito civil, o pedido formulado pelo Ministério Público não se mostra genérico, tampouco está baseado em reparação de danos, porque consistiu na condenação do Município na obrigação de fazer novas contratações, mediante concurso, para compor os quadros do Hospital Souza Aguiar de pessoal da área médica, assim como de renovar os contratos com técnicos de manutenção dos equipamentos existentes e compra de novos, como forma de garantir atendimento adequado e satisfatório, com o que se estará L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS cumprindo o mandamento constitucional de proteção à saúde, obrigação a que o Município vem se omitindo. 6. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 947.324/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19.02.2008, DJ 18.04.2008 p. 1) A respeito especificamente da Saúde Indígena, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou favoravelmente à intervenção do Poder Judiciário para assegurar que a mesma seja prestada adequadamente ante a eficácia imediata das normas que prevêem o direito à saúde: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS CONCRETAS. DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196 DA CF/88). EFICÁCIA IMEDIATA. MÍNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSÍVEL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. 1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 804595/SC, DJ de 14.12.2006 e Ag 794505/SP, DJ de 01.02.2007 2. A questão debatida nos autos - implementação do Modelo de Assistência à Saúde do Índio e à instalação material dos serviços de saúde à população indígena situada em área no Rio Grande do Sul - foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz de preceitos constitucionais, conforme se infere do voto condutor do acórdão recorrido, verbis: "(...)O direito fundamental à saúde, embora encontrando amparo nas posições jurídico-constitucionais que tratam do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à proteção da integridade física (corporal e psicológica), recebeu no texto constitucional prescrição autônoma nos arts. 6º e 196, in verbis: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Mesmo que situado, como comando expresso, fora do catálogo do art. 5º da CF/88, importante destacar que o direito à saúde ostenta o rótulo de direito fundamental, seja pela disposição do art. 5º, § 2º, da CF/88, seja pelo seu conteúdo material, que o insere no sistema axiológico fundamental valores básicos - de todo o ordenamento jurídico. INGO WOLFGANG SARLET, ao debruçar-se sobre os direitos fundamentais prestacionais, bem posiciona o tema: Preliminarmente, em que pese o fato de que os direitos a saúde, assistência social e previdência - para além de sua previsão no art. 6º da CF - se encontram positivados nos arts. 196 e ss. da nossa Lei Fundamental, integrando de tal sorte, também o título da ordem social, e não apenas o catálogo dos direitos fundamentais, entendemos não ser sustentável a tese de que os dispositivos não integrantes do catálogo carecem necessariamente de fundamentalidade. Com efeito, já se viu, oportunamente, que por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF, diversas posições jurídicas previstas em outras partes da Constituição, por equiparadas em conteúdo e importância aos direitos fundamentais (inclusive sociais), adquirem também a condição de direitos fundamentais no sentido formal e material, ressaltando, todavia, que nem todas as normas de ordem social compartilham a fundamentalidade material (e, neste caso, também a formal), inerente aos direitos fundamentais. Além disso, percebe-se, desde já, que as normas relativas aos direitos sociais do art. 6º da CF exercem a função precípua de explicitar o conteúdos daqueles. No caso dos diretos à saúde, previdência e assistência social, tal condição deflui inequivocamente do disposto no art. 6º da CF: 'São direito sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Além disso, poderia referir-se mais uma vez a íntima vinculação entre os direitos a saúde, previdência e assistência social e os direitos à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, renunciando, neste particular, a outras considerações a respeito deste aspecto. (in A eficácia dos direitos fundamentais, 3ª ed., Livraria do Advogado, 2003, Porto Alegre, p. 301/302). Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretação constitucional, são dotados de eficácia imediata. A Lei Maior, no que diz com os direitos fundamentais, deixa de ser mero repositório de promessas, carta de intenções ou recomendações; houve a conferência de direitos subjetivos ao cidadão e à coletividade, que se vêem amparados juridicamente a obter a sua efetividade, a realização em concreto da prescrição constitucional. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS O princípio da aplicabilidade imediata e da plena eficácia dos direitos fundamentais está encartado no § 1º, do art. 5º, da CF/88: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Muito se polemizou, e ainda se debate, sem que se tenha ocorrida a pacificação de posições acerca do significado e alcance exato da indigitada norma constitucional. Porém, crescente e significativa é a moderna idéia de que os direitos fundamentais, inclusive aqueles prestacionais, têm eficácia tout court, cabendo, apenas, delimitar-se em que extensão. Superou-se, assim, entendimento que os enquadrava como regras de conteúdo programático a serem concretizadas mediante intervenção legislativa ordinária. Desapegou-se, assim, da negativa de obrigação estatal a ser cumprida com espeque nos direitos fundamentais, o que tinha como conseqüência a impossibilidade de categorizá-los como direitos subjetivos, até mesmo quando em pauta a omissão do Estado no fornecimento do mínimo existencial. Consoante os novos rumos interpretativos, a par de dar-se eficácia imediata aos direitos fundamentais, atribuiu-se ao intérprete a missão de desvendar o grau dessa aplicabilidade, porquanto mesmo que se pretenda dar máxima elasticidade à premissa, nem sempre se estará infenso à uma interpositio legislatoris, o que não ocorre, vale afirmar, na porção do direito que trata do mínimo existencial.(...) Merece lembrança, ainda, que a atuação estatal na concretização da sua missão constitucional deve orientar-se pelo Princípio da Máxima Efetividade da Constituição, de sorte que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)." (JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208). Incumbe ao administrador, pois, empreender esforços para máxima consecução da promessa constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a conduta que se escuda na idéia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando complementação ordinária, porquanto olvida-se que, ao menos, emana da norma eficácia que propende ao reconhecimento do direito subjetivo ao mínimo existencial; casos há, inclusive, que a disciplina constitucional foi além na delineação dos elementos normativos, alcançando, então, patamar de eficácia superior que o mínimo conciliável com a fundamentalidade do direito. A escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS edificação do conceito da "reserva do possível". Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O Ministro CELSO DE MELLO discorreu de modo lúcido e adequado acerca do conflito entre deficiência orçamentária e concretização dos direitos fundamentais: "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à 'reserva do possível' (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, 'The Cost of Rights', 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerarse do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...) 3. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005. L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS 4. In casu, o Tribunal de origem pronunciou-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos embargos de declaração - nulidade do processo decorrente da ausência de intimação da Advocacia Geral da União, para oferecer impugnação aos embargos infringentes, consoante disposto nos arts. 35 e 36 da LC 73/93 e art. 6º da Lei 9.028/95, consoante se infere do voto-condutor exarado às fls. 537/542. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 811.608/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15.05.2007, DJ 04.06.2007 p. 314) Por fim, não se pode negar direitos fundamentais sob o argumento genérico da “reserva do possível”, apenas por se tratar de direitos fundamentais que demandam gastos públicos, porquanto este não é traço exclusivo dos direitos sociais, como bem ressaltou Ana Paula de Barcellos: “Assim, a diferença entre os direitos sociais e os individuais, no que toca ao custo, é uma questão de grau, e não de natureza. Ou seja: é mesmo possível que os direitos sociais demandem mais recursos que os individuais, mas isso não significa que estes apresentem custo zero. Desse modo, o argumento que afastava, tout court, o atendimento dos direitos sociais pelo simples fato de que eles demandam ações estatais e custam dinheiro não se sustenta. Também a proteção dos direitos individuais tem seus custos, apenas se está muito acostumado a eles.” (A eficácia jurídica dos princípios constitucionais- O princípio da dignidade da pessoa humana. Ed. Renovar, 2ª edição, p. 248) V- DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE POR VÁRIOS MESES. INCREMENTO NO NÚMERO DE ÓBITOS. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. O Código Civil Brasileiro preceitua sobre danos morais e materiais, in verbis: L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Insta ressaltar, que a responsabilidade civil do Estado, in casu, da FUNASA e, subsidiariamente, da União, pelos danos causados aos indígenas da etnia Yanomami atendidos pelos Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambú, independe da comprovação de culpa, muito embora esteja sobejamente caracterizada a desídia e a omissão da FUNASA. Trata-se da responsabilidade objetiva do Estado, bastando provar o dano e o nexo causal de que uma ação ou omissão do Estado causados a um indivíduo, uma coletividade, uma etnia, um grupo social, etc, mormente considerando que se trata da omissão de um dever específico. O dano moral é aquele que atinge o ofendido como pessoa, refletindo-se em bens que integram o direito de sua personalidade, acarretando dor, sofrimento, vexame e humilhação. Tal dano pode ser autônomo ou decorrente da lesão a um bem patrimonial da vítima, caso em que poderá vir cumulado a danos materiais (Súmula 37, STJ). L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS Vale lembrar que, por ser um dano que atinge a personalidade, não há, ordinariamente, prova em concreto a ser feita, nem é possível se alegar que se necessite de exames psicológicos para a sua caracterização, sendo suficiente a retratação da forma como ele se deu, a ser apreciado pelo órgão julgador. Tais são as posições abalizadas de Sergio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 2005, p. 108) e de Carlos Roberto Gonçalves (Comentários ao Código Civil – artigos 927 a 965, coord. A. J. Azevedo, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 352, grifamos), a qual será retratada: “O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em contrário, pois se passa no interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta. Desse modo, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não-inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante.” No mesmo sentido está a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Civil e Processo Civil. Danos patrimonial e moral. Art. 602 do CPC. 1. A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa).” (STJ, 4ª Turma, REsp nº 23.575-DF, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 09/06/1997) Cabe destacar, neste particular, além da não disponibilização das ações de saúde por vários meses, inegável incremento no número de óbitos (ver quadro de fl. 273 do Inquérito Civil Público n.º 1.13.000.001547/2008-84). Enquanto nos meses de janeiro e fevereiro houve apenas um óbito em todas as aldeias, tendo como causa a SENILIDADE, a partir do mês de março houve quatro óbitos por PNEUMONIA , um óbito por PERITONITE AGUDA, dois óbitos por DESNUTRIÇÃO PROTEICO-CALÓRICA, um óbito por CHOQUE L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS ANAFILÁTICO, dois óbitos por BRONQUITE AGUDA, um óbito por MÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA, um óbito SEM ASSISTÊNCIA, dois óbitos por OUTRAS CAUSAS MAL DEFINIDAS e um óbito fetal por CAUSA DESCONHECIDA. Como já demonstrado acima, estão patentemente configurados a existência de dano e o nexo de causalidade, do que resulta inafastável o dever de indenizar. VI- SAÚDE ATENÇÃO INDÍGENA. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PARA A ADMINISTRATIVA FUNASA. DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA UNIÃO. Não se pode olvidar que a FUNASA é entidade autárquica da Administração Indireta Federal, para a qual foram descentralizadas todas as atividades inerentes ao funcionamento do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Assim sendo, em última análise, a UNIÃO permanece responsável, de tal sorte que se houver inoperância da FUNASA ou insuficiência de meios ao alcance da mesma para desempenhar as atividades que lhe foram descentralizadas, cabe à UNIÃO, por meio do Ministério da Saúde, suprir a omissão, mal funcionamento ou insuficiência de recursos materiais e humanos. VII)DOS PEDIDOS: Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer: L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS a) a citação dos Réus para, querendo, contestar a presente ação, nos termos do art. 285 do CPC. b) a citação do Instituto Brasileiro pelo Desenvolvimento Sanitário, CNPJ n.º 041203480001-71, com sede na Av. 31 de março, s/n, Bairro Fortaleza, São Gabriel da Cachoeira-AM, representado por seu Diretor, Sr. Cleyton da Silva Carvalho, RG 1559496-3 SSP/AM, CPF 021.376.447-46 para que tome conhecimento da presente demanda e se manifeste como entender cabível. c) Que seja condenada a FUNASA a assumir INTEGRALMENTE a execução do objeto do convênio 1435/04, nos termos de sua cláusula décima, mantendo a composição mínima da equipe multidisciplinar prevista no Plano Distrital de Saúde do DSEI Yanomami para o triênio 2008/2010, seja realizando a contratação temporária dos trabalhadores necessários, com base na autorização expressa da Lei 8745/93, art. 2º, VI, “m”, incluído pela Medida Provisória n.º 431 de 14 de maio de 2008, ou pelo retorno de servidores da FUNASA cedidos ao Estado do Amazonas ou aos seus Municípios, no prazo máximo de 05 dias. d) Que seja condenada a FUNASA a assumir as obrigações pendentes efetivamente decorrentes da execução do objeto do convênio n.º 1435/04 e que não puderam ser satisfeitas em razão da suspensão dos repasses, conforme relatório elaborado pela Coordenação Regional de Roraima, seja realizando os pagamentos diretamente ou mediante repasse ao IBDS, no prazo de 15 dias, a fim de evitar que haja um progressivo aumento do débito. e) Que seja condenada a FUNASA a cumprir o planejamento das ações de saúde do DSEI Yanomami para o ano de 2008, bem como as ações e metas do plano distrital de saúde do DSEI Yanomami para o triênio 2008/2010 previstas para serem atingidas no L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS exercício de 2008, devendo a FUNASA adotar todas as medidas necessárias para que a suspensão dos repasses e a aplicação da cláusula décima do convênios 1435/04 não obste ao atingimento de tais resultados. f) Que seja condenada a FUNASA a providenciar comunicação contínua via rádio, da sede do DSEI Yanomami e da Sede Administrativa situada em São Gabriel da Cachoeira com os pólos base Maturacá, Inambu e Maiá, bem como todas as aldeias abrangidas pelos referidos pólos base, no prazo de 30 dias; g) Que seja condenada a FUNASA, em relação aos Pólos Base Maturacá, Maiá e Inambum, a: g.1) providenciar 1 (um) aparelhos de raio-x portátil para uso em pacientes com impossibilidade de locomoção, no prazo de 60 dias; g.2) providenciar 02 (dois) consultórios odontológicos para instalação nos pólos base Maturacá e Maiá, no prazo de 90 dias; g.3) providenciar 04 (quatro) microscópios, no prazo de 30 dias; g.4) providenciar a substituição das duas caminhonetes atualmente utilizadas por caminhonetes novas, no prazo de 90 dias; g.5) providenciar 03 grupos geradores de energia, 6 KVA, motor à diesel, refrigerado a ar, no prazo de 60 dias; g.6) providenciar 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 60 dias; g.7) providenciar mais 02 motores de 40 HP novos, no prazo de 90 dias. g.8) providenciar o fornecimento contínuo de de insumos odontológicos, medicamentos e demais insumos necessários para atuação das equipes multidisciplinares, devendo sanar eventual falta no prazo máximo de 05 dias; L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS g.9) providenciar o fornecimento contínuo de combustível para as embarcações e veículos utilizados para deslocamento das equipes multidisciplinares, devendo sanar eventual falta no prazo máximo de 05 dias; g.10) providenciar o reparo dos equipamentos utilizados pelos referidos pólos base, em caso de quebra/avaria, no prazo máximo de 10 dias. h) Que seja condenada a FUNASA a aplicar o saldo não executado referente ao Convênio n.º 1435/04, no valor de R$ 1210.857,10 ( um milhão, duzentos e dez mil, oitocentos e cinqüenta e sete reais e dez centavos), em investimentos para melhoria da estrutura dos pólos base Maturacá, Maiá e Inambú, nos termos dos itens “f” e “g”, além de investimentos para construção e/ou reforma das sedes dos referidos pólos base. i) Que seja condenada a FUNASA ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1000.000,00 (um milhão de reais), a ser revertido em favor do povo Yanomami como indenização pelos danos causados pela omissão da FUNASA, a ser aplicada em ações de preservação da cultura, da língua, dos costumes e tradições, atividades econômicas de sustentabilidade, de preservação ambiental e da proteção e vigilância de sua Terra Indígena; j) Que seja condenada a UNIÃO FEDERAL, por intermédio do Ministério da Saúde, a a responder subsidiariamente por todos os pedidos veiculados na presente ação civil pública em face da FUNASA. k) a intimação da FUNASA e da UNIÃO para se manifestarem sobre os pedidos de antecipação de tutela, nos termos do art. 2º da Lei 8437/92; l) a ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA IN LIMINE para determinar à FUNASA que dê cumprimento aos pedidos veiculados nos itens “c” a “h”, sob pena de L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO AMAZONAS multa pessoal diária de R$ 5.000,00 a ser suportada pelo Presidente da Funasa, nos termos do art. 461, § 4º do CPC e dos arts.11 e 12 da Lei 7347/85; m) a intimação pessoal do Presidente da FUNASA, mediante expedição de carta precatória para o Seção Judiciária do Distrito Federal, em caráter de urgência. n) a condenação dos Réus ao pagamento dos ônus de sucumbência. o) a isenção de custas e despesas processuais, nos termos da Lei. Protesta pela produção de todos os meios de provas admitidos em Direito, especialmente documental, testemunhal e pericial. Dá-se à causa o valor de R$ 1000,00. Manaus, 17 de novembro de 2008. Rodrigo da Costa Lines Procurador da República L:\GABINETES\CIVEL1\2008\Pecas\ACP e Improbidade\Inicial\ACP DSEI Yanomami -PB- Maturacá, Maiá e Inambu.doc 6