Doutrina
INFILTRAÇÃO
POLICIAL COMO
TÉCNICA DE
INVESTIGAÇÃO
Vladimir Aras
Mestre em Direito Público (UFPE)
Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU)
Procurador da República
Resumo
Este artigo aborda a infiltração
policial no Brasil. Analisa a
lei vigente (Lei 9.034/95) e
examina dois projetos de lei que
pretendem regulamentar esta
técnica especial de investigação,
destinada a persecução do crime
organizado (PLS 150/06) e à
ciberpedofilia (PLS 100/10). O
trabalho correlaciona as inovações
pretendidas pelo legislador com
a normativa constitucional e com
a legislação processual penal
brasileira, tendo em mira os delitos
comuns e os cibercrimes
P
oliciais poderão cometer
crimes no Brasil. A permissão está num projeto de lei que tramita no Congresso
Nacional. – “Qual a novidade?”,
perguntaria um cético ou um cínico.
Alguns maus policiais já cometem
crimes pelo país e não precisam de
lei tampouco pedem autorização de
quem quer que seja. Mas isto é diferente. Dois projetos que tramitam
no Congresso Nacional pretendem
regulamentar a infiltração policial no
Brasil.
O primeiro é o projeto de lei do
Senado 150/06 (PLS 150/06). Tratase de uma das propostas legislativas mais aguardadas pelos órgãos
de persecução criminal. Fruto de
sugestão da Estratégia Nacional de
Combate à Corrupção e à Lavagem
de Dinheiro (Enccla), a proposição
revoga a Lei do Crime Organizado
(Lei 9.034/95), conceitua organização criminosa, tipifica o crime de associação em organização criminosa
e disciplina a colaboração criminal
premiada (delação), a escuta ambiental, a ação controlada e a infiltração policial. O projeto foi aprovado
no Senado no final de 2009 e está sob
revisão da Câmara dos Deputados.
Se sancionado o projeto, cessará
a falsa polêmica sobre o conceito de
organização criminosa. Segundo o
art. 1º, § 1º, do PLS 150/06:
“Considera-se organização criminosa a associação, de três ou mais pessoas,
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática
de crimes cuja pena máxima seja igual
ou superior a quatro anos ou que sejam
de caráter transnacional.”
Na verdade, o art. 2º da Convenção de Palermo (Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional), promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015/04,
já nos dá o conceito de associação
criminosa ou grupo criminoso organizado, com força de lei federal
ordinária.
O art. 3º, inciso V, do PLS
150/06 prevê a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência em
tarefas de investigação, a ser realizada pelos órgãos especializados
pertinentes, dependendo de circunstanciada, motivada e sigilosa
autorização judicial. Curiosamente,
também existe a infiltração no sentido oposto, de criminosos no seio
do Estado. No filme Os Infiltrados
(The Departed, 2006), estrelado por
Leonardo di Caprio e Matt Damon,
este tema é muito bem exposto pelo
diretor Martin Scorsese.
O segundo projeto que merecerá
nossa atenção é o PLS 100/10, que
foi aprovado em maio de 2011 pelo
plenário do Senado Federal como
um dos resultados da profícua CPI
da Pedofilia. Aqui o foco da infiltração policial é a investigação de
cibercrimes de cunho sexual tendo
por vítimas crianças e adolescentes.
Se a internet é a ferramenta para a
prática de tais crimes, será também
o meio que permitirá a investigação
eficiente de casos de pedopornografia nos planos doméstico e transnacional.
Os dois projetos têm utilidade
para o direito penal e processual
penal informático, na medida em
que pedófilos atuam livremente
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no ciberespaço, sem temor, compartilhando este “território” com
organizações criminosas que corriqueiramente praticam ciberfraudes,
especialmente a subtração de dados
pessoais para falsa identidade (identity theft e false impersonation), a
clonagem de cartões de crédito e o
estelionato informático, ou se dedicam à formação de redes computacionais “zumbis” ou “escravizados”
(as chamadas botnets), destinadas a
concretizar ataques de negação de
serviço (distributed denial of service – DDoS) a infraestruturas informáticas relevantes, ou ainda que se
especializam em difundir vírus informáticos (malwares).
2. Conceito de infiltração de
agentes
A infiltração de agentes (e não
infiltração “policial”) é uma das chamadas técnicas especiais de investigação (TEI), empregada por órgãos
de persecução criminal, agências de
inteligência e serviços secretos em
todo o mundo. É meio de obtenção
ou coleta da prova, que se baseia na
dissimulação e no sigilo. Na infiltração, policiais e agentes de inteligência imiscuem-se em quadrilhas ou
organizações criminosas e também
em células terroristas, tornando-se
membros sob disfarce.
Para esta atividade, os infiltrados
(undercover agents) assumem falsas
identidades, baseadas em históriascobertura solidamente construídas
e bem decoradas e passam a agir
como se fossem verdadeiros integrantes do grupo criminoso. Para
encenar este papel, além de corajoso, o infiltrado deve ser um homem
(ou mulher) sensato, bem preparado
e emocionalmente equilibrado e que
também domine os hábitos, jargões
e socioletos do grupo no qual pretende infiltrar-se.
Esta e as demais técnicas especiais somente devem ser utilizadas
para a persecução de crimes graves,
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segundo o princípio da lesividade ou
da ofensividade. Eis aí a importância de se construir um conceito de
“crime organizado” (a exemplo do
que está na Convenção de Palermo)
como uma noção garantista, a fim de
traçar os limites dessas técnicas e de
outros institutos voltados à persecução da delinquência organizada.
De igual modo, deve haver formas de controle prévio, simultâneo
ou posterior (ex post facto), ou uma
combinação deles, sobre os órgãos
autorizados a empregar as TEI, com
supervisão por autoridades judiciais
ou por órgãos independentes como
o Ministério Público1, o que constitui o princípio da sindicabilidade
ou controlabilidade. Nesse tema do
controle do procedimento, inclui-se
o direito de o próprio investigado
verificar sua legalidade e questionálo em juízo, no contraditório ordinário, na via recursal ou por meio de
habeas corpus.
Ainda, deve-se ter em mira que
o emprego das TEI deve se conduzir de acordo com o princípio da
proporcionalidade, de sorte que as
técnicas mais invasivas somente sejam utilizadas para os crimes mais
graves ou quando absolutamente
necessário. Como se vê, a proporcionalidade está ligada à ideia de necessidade. Mesmo quando legítima
e legal, a técnica especial só deve
ser empregada se for necessária para
a elucidação do crime ou para a proteção de bens jurídicos relevantes.
O uso das TEI também está limitado pelo princípio da subsidiariedade. Só se permite sua implantação
se não houver outros meios menos
gravosos para a descoberta da verdade ou para a elucidação do crime2.
No contexto da pornografia infantil, convém lembrar também do
princípio da proteção integral, previsto na Constituição Federal e na
Lei 8.069/90, que exige do Estado
prestações positivas em várias áreas, inclusive de segurança pública
e de acesso à Justiça, voltadas para
a preservação da integridade física,
psíquica e moral de crianças e adolescentes.
3. Características da infiltração
de agentes
Este é o terreno dos agentes infiltrados ou undercover agents. Podem ser policiais ou servidores de
órgãos de inteligência, encarregados
de iludir um criminoso ou membros
de uma organização criminosa, fazendo-os crer que são seus cúmplices, colaboradores ou fornecedores.
A dissimulação, o ardil e o embuste
são empregados pelo Estado para
romper o silêncio mafioso (omertá)
de organizações criminosas ou para
obter informações cruciais de criminosos comuns.
A técnica, espécie do gênero das
operações encobertas, depende de
prévia autorização judicial e controle do Ministério Público. Nos casos
Lüdi vs. Suíça e Teixeira de Castro
vs. Portugal, o Tribunal Europeu
dos Direitos Humanos (TEDH )
concluiu pela legitimidade de infiltrações policiais. Porém, fixou que
a identidade e o papel do agente na
operação devem ser de conhecimento da autoridade judiciária, sob pena
de violação do devido processo legal, e que não pode haver provocação, não podendo a polícia funcionar como agent provocateur.
O agente manterá sigilo de sua
identidade ou assumirá uma falsa
persona. Esta técnica está prevista
nas diretivas do Grupo de Ação Financeira na América do Sul contra a
Lavagem de Dinheiro (GAFISUD)
e pode ser utilizada para a persecução da lavagem de dinheiro e dos
crimes antecedentes. A lei brasileira
deixa a desejar no ponto, porque não
estabelece as condições nem a duração da técnica, deixando que a autoridade judicial, ouvido o Ministério
Público, defina esses critérios. A
identidade do agente deve ser man-
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tida em sigilo, sua responsabilidade
criminal é suprimida em relação às
ações ou omissões necessárias ao
cumprimento da diligência, e deve
haver um sistema de proteção ao investigador e sua família.
A infiltração não é um fim em si
mesmo. Seu sucesso dependerá da
sua combinação com outros métodos, desde a observação, passando
pela vigilância eletrônica e a interceptação de sinais. É tática comumente usada em espionagem, inclusive na modalidade de hibernação
(dormant moles).
Há duas modalidades de infiltração: a) infiltração por um policial ou agente de inteligência; e b)
infiltração por um informante (colaborador). Se a infiltração policial
é objeto de um pedido de mutual
legal assistance (MLA), o agente
infiltrado tanto pode ser um policial do Estado requerido quanto um
agente do Estado requerente, que
executará a medida no território do
Estado requerido.
Questões éticas muito relevantes ligam-se a esta técnica investigativa. Indaga-se até que ponto o
Estado pode autorizar um de seus
servidores a praticar crimes. Seguramente deve haver uma vedação
ao concurso em delitos sexuais ou
crimes violentos (dolosos contra
a vida) e a tortura. Os agentes infiltrados devem ser judicialmente
autorizados a atuar como coautores
ou como meros partícipes numa
empreitada criminosa. Conforme
Wendt, a Lei 9.034/95 não permite ao agente, em momento algum,
inserir-se por completo no meio criminoso e cometer delitos junto com
os criminosos3.
Na infiltração, o investigador ou
detetive fica sujeito a grande risco
de vida e à sua integridade física.
Esta técnica só deve ser empregada
em condições absolutamente controladas, e quando realmente imprescindível para a investigação de
o devido processo legal e o direito
um crime grave. Além de arriscada,
ao fair trial, nos termos do art. 6º da
é dispendiosa, pois a polícia deverá
Convenção Europeia dos Direitos
contar com verbas orçamentárias
Humanos (CEDH).
para a locação da casa-teatro e aquiPara serem válidas em juízo, as
sição dos bens para a construção do
provas colhidas pelo undercover
personagem. Para o êxito da diligênagent devem derivar de atos precia, devem ser providenciados noparatórios iniciados espontaneavos documentos de identidade para
mente4 pelo investigado, ou devem
o infiltrado, com histórico pessoal
resultar de iter criminis por ele percrível.
corrido também espontaneamente.
Como se viu, na execução da
Cabe ao Ministério Público provar
técnica, o agente infiltrado não está
que não houve instigação e que o
autorizado a praticar qualquer decrime teria ocorrido mesmo sem a
lito, mas pode-lhe ser permitido
infiltração policial. Qualquer prova
transportar pessoas e produtos ilícique tinha sido obtitos, de modo a facida por provocação
litar a descoberta e a
A
INFILTRAÇÃO
do agente infiltrado
prova de uma infraNÃO
É
UM
FIM
é inadmissível, por
ção penal.
ilicitamente obtida5.
Esta técnica é exEM SI MESMO.
No HC 40.436/PR,
tremamente útil para
SEU SUCESSO
o STJ decidiu que
investigar crime orDEPENDERÁ
“não se deve confunganizado, lavagem
DA SUA
dir flagrante prepade dinheiro, terrorisrado com esperado
mo e corrupção lato
COMBINAÇÃO
– em que a atividade
sensu. Sua execução
COM OUTROS
policial é apenas de
deve ter em mira
MÉTODOS
alerta, sem instigar
o devido processo
qualquer mecanismo
legal. Por isto, no
causal da infração”6.
Brasil, não é tolerado o chamado
As sting operations são diferenentrapment, tática policial em que
tes do entrapment (provocação).
predominam as práticas dos agentes provocadores ou incitadores. A Naquele gênero, acham-se a infiltração policial e outras práticas de
infiltração não se pode converter
atração de criminosos, pelo uso dos
em instigação, induzimento ou inchamados honey traps ou bait cars,
citação. No caso Teixeira de Castro
como veículos deixados em locais
vs. Portugal, o TEDH decidiu que a
públicos, sob vigilância policial,
infiltração policial foi ilegal porque
para que sejam subtraídos por laa polícia não logrou demonstrar que
drões de carros. Estas táticas, que
o réu estava propenso à prática do
correspondem a operações encobercrime antes da entrada em cena do
tas, são erroneamente tachadas de
agente encoberto. Entendeu-se que
crime impossível (rectius: “flagrana infiltração não se circunscreveu a
te preparado”), posição consolidada
uma investigação passiva.
pelo STF na Súmula 145: “Não há
Posteriormente, em Ramanuskas
crime, quando a preparação do flav. Lituânia, o tribunal avançou no
grante pela polícia torna impossíseu veto ao entrapment, entre nós
vel a sua consumação.”
conhecido como “flagrante provoSegundo Tereza Molina Peréz,
cado”, e afirmou que o interesse
em 19757 o Tribunal Supremo espúblico não justifica o uso de propanhol abandonou entendimento
vas obtidas como resultado de instisemelhante ao adotado pelo STF.
gação policial, pois tal prática viola
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Atualmente, para a corte espanhola
o delito provocado só ocorre quando
a polícia faz surgir na mente do suspeito a intenção de cometer o crime,
que de outra forma não seria cometido8. Na verdade, não há entrapment
quando o suspeito está predisposto
à prática do crime e a autoridade
policial simplesmente cria a oportunidade para sua consumação, sem o
provocar, incitar ou instigar.
Para legitimar uma operação
deste tipo, a cogitação de cometer
o ilícito e a iniciativa de fazê-lo devem partir do suspeito, ao passo que
a intervenção da polícia deve ser
passiva. Atendidos esses critérios
subjetivos e objetivos, não há flagrante preparado nem entrapment9.
O TEDH admite que na infiltração
o agente não desempenhe um papel
exclusivamente passivo (caso Lüdi),
mas não tolera a provocação (caso
Teixeira de Castro). Há provocação
quando a conduta do infiltrado ou do
agente encoberto é decisiva para a
consumação do crime. Não há provocação quando o dolo (cogitatio)
é latente e antecede ao induzimento
policial, não havendo ardil ou persuasão dos investigadores para viciar a
vontade do suspeito ou fazer surgir a
intenção criminosa10.
Na provocação, o agente faz surgir a ideação ou deliberação e leva
o suspeito a percorrer todo o iter
criminis até a execução. A atuação
do agente provocador é a verdadeira
causa do crime, pois no sujeito provocado não existia qualquer vontade
primária de praticar o ilícito. Este,
sim, é um crime impossível, pela intervenção ab initio da força policial,
antes da cogitação11. Segundo o Tribunal Supremo da Espanha a prova
assim obtida é ilícita, não existindo
nem tipicidade nem culpabilidade12.
Diversamente, na infiltração e nas
sting operations, o dolo já existe. Os
suspeitos já desejaram e planejaram
o crime, ou já iniciaram seus atos
preparatórios.
40
Por isto, a corte decidiu que viola
o devido processo legal uma condenação baseada exclusivamente no
depoimento de um agent provocateur13. Parece haver relação da provocação com o tema da coautoria e
da participação. De fato, segundo
o art. 62, incisos II e III, do CP, há
agravante no concurso de pessoas quando o agente induz outrem à
prática material do crime ou instiga ou determina a cometer o crime
alguém sujeito à sua autoridade ou
não punível.
Segundo o TEDH, no caso Lüdi
vs. Suíça, não é possível invocar o
direito à privacidade para nulificar
infiltrações legalmente autorizadas.
Para a corte, se o suspeito está envolvido em atividades ilícitas, deve
estar ciente do risco de deparar-se
com um agente infiltrado cuja missão é expor suas atividades clandestinas. E, como se decidiu no caso
Teixeira de Castro vs. Portugal, se
o agente encoberto limitar-se a observar passivamente as atividades
ilícitas do suspeito, não há ofensa
ao direito a um julgamento justo
(fair trial), nos termos do art. 6º da
CEDH.
Para que a infiltração seja legítima, é preciso que exista uma investigação preliminar formalizada14
(um inquérito policial ou um procedimento investigativo criminal).
A medida deve ser autorizada pelo
juiz criminal competente, por prazo
certo, e devidamente acompanhada
pelo Ministério Público, no papel de
titular da ação penal e de órgão de
controle externo da atividade policial.
Outro problema surge quando se
verifica a impossibilidade de inquirição (cross-examination) do agente
infiltrado pela defesa durante o processo penal. O agente (precious witness) deve ter a identidade, imagem
e voz preservadas, por fins de segurança pessoal e de sua família, assim
como para facilitar seu engajamen-
to em outras operações policiais do
mesmo tipo15. Esta preocupação é
relevante porque nem todo policial
é talhado para essa perigosa e delicada atividade de agente infiltrado.
Por fim, é de se assinalar que a
tradição jurídica europeia e a praxe brasileira admitem a infiltração
por agentes colaboradores, desde
os meros informantes até os réus
vinculados por acordos de delação
premiada16.
4. Cenário histórico no plano
normativo brasileiro
O instituto foi introduzido no
Brasil em 2001, pela Lei 10.217/01,
que alterou a Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/95). Mais de 10
anos depois são escassos os casos de
utilização da infiltração em investigações relevantes.
Sobre ela pairam severas dúvidas, que vão da constitucionalidade
à moralidade. Infelizmente, o art. 2º,
inciso V, da Lei 9.034/95, em vigor,
limita-se a descrever o instituto, não
tratando da matéria operacional e da
forma de sua utilização em processos criminais, nem das graves consequências que podem advir do mau
emprego da técnica:
“Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem
prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação
e formação de provas: (...)
V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de
investigação, constituída pelos órgãos
especializados pertinentes, mediante
circunstanciada autorização judicial.”
O cenário legislativo não mudou com a introdução da infiltração
policial no art. 53, inciso I, da Lei
11.343/06 (Lei Antidrogas), que
também se contenta, sem mais, em
prever o instituto:
“Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes
previstos nesta Lei, são permitidos,
além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério
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Público, os seguintes procedimentos investigatórios:
I – a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes.”
A técnica também é objeto do
art. 20 da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de
Palermo), promulgada no Brasil
pelo Decreto 5.015/04, e do art. 50
da Convenção das Nações Unidas
contra a Corrupção (Convenção de
Mérida), integrada ao ordenamento
jurídico pelo Decreto 5.687/06, nos
quais é denominada de “operação
encoberta” (do inglês, undercover
operation).
5. Procedimento da infiltração
de agentes no Brasil
Embora não haja detalhamento
legislativo sobre as atividades dos
investigadores introduzidos em esquemas criminosos como insiders,
tem-se como consenso que os policiais e agentes infiltrados não estão
autorizados a cometer certos crimes
graves, entre eles os delitos de homicídio e estupro. Quanto aos demais, sua conduta será considerada
estrito cumprimento do dever legal
de investigar e obter provas, o que
exclui a ilicitude (art. 23, III, do Código Penal). Portanto, não haverá
crime. Há quem defenda que a conduta desses agentes é atípica por não
estar marcada pela antinormatividade e por ser fomentada pelo próprio
direito, o que faz incidir a teoria da
tipicidade conglobante.
Para a infiltração deve haver
decisão judicial fundamentada e
circunstanciada, precedida de pedido ou manifestação do Ministério
Público, que, além de ser o titular
da ação penal (art. 129, I, da Constituição), também atua como órgão
de controle externo da atividade policial, nos termos do art. 129, VII, da
CF, do art. 9º da Lei Complemen-
tar 75/93 e da Resolução 20/07 do
CNMP.
Durante a infiltração, o policial
deve documentar toda a operação
e pode tornar-se testemunha do Ministério Público numa ação penal, se
reunidos os elementos necessários
à deflagração do processo judicial.
Alguns países permitem a preservação da identidade do agente infiltrado, para a proteção de sua vida e dos
seus familiares.
Para atingir este fim, duas são
as soluções: adota-se o depoimento
pessoal do infiltrado com imagem
velada, voz alterada e preservação
dos seus verdadeiros dados de qualificação (testemunha “sem rosto”);
ou o depoimento em juízo será prestado pelo superior imediato do agente infiltrado, que terá tido acesso aos
áudios interceptados ou gravados,
às fotografias e às imagens captadas
em vídeo, assim como aos relatórios elaborados pelo próprio agente
e pela equipe de acompanhamento e
proteção.
No Brasil, no atual cenário (o
instituído em 2001) a primeira solução pode ser viabilizada pela aplicação da Lei 9.807/99, que estabelece
regras para a proteção da vítima,
testemunhas e do réu colaborador,
inclusive mediante a ocultação dos
dados de qualificação (identidade)
da testemunha.
6. Ciberinfiltração em
investigações de pedofilia
Em maio de 2011, como resultado da CPI da Pedofilia, o Senado
aprovou um projeto que permite a
policiais infiltrar-se em salas de chat
(bate-papo) e em redes sociais na
internet, a fim de descobrir esquemas de ciberpedofilia, identificar e
prender esses predadores sexuais,
inclusive aqueles que se dedicam ao
grooming, isto é, os que desde cedo
“afagam”, “acariciam”, “cevam” e
“criam” suas pequenas “presas” por
meio de lições e conselhos ilusórios,
exagerada atenção de cunho sexual,
entrega de dádivas e presentes e falsas manifestações de carinho e preocupação.
O grooming é uma das principais estratégias da ciberpedofilia.
Envolve a manipulação psicológica
da criança ou adolescente, para que
este passe a confiar no pedófilo, com
quem estabelecerá vínculos emocionais, que, ao fim, eliminarão as inibições da vítima, abrindo as portas
para atividade sexual presencial ou
telepresencial, neste caso por meio
de webcams.
Esta matéria é objeto do PLS
100/10, que altera a Lei 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente). Tal modalidade de infiltração, que mais se assemelha a uma
ação controlada, pois realizada à
distância, por meio da própria internet, será sempre precedida de autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, que
estabelecerá os limites da infiltração
para a obtenção de prova. Poderá ser
feita a pedido da polícia ou do Ministério Público, para investigações
por prazo de até 90 dias, mas sem
exceder o máximo de 720 dias, em
caso de efetiva necessidade, a critério do juiz.
Se a proposta for aprovada pela
Câmara dos Deputados e sancionada pela Presidência da República, cinco artigos serão inseridos no
ECA, do art. 190-A ao 190-E, na
seção denominada de “infiltração
de agentes para a investigação de
crimes contra a liberdade sexual de
criança ou adolescente”.
Neste tipo de teleinvestigação,
o agente policial faz-se passar por
uma criança, por um adolescente
ou por um pedófilo e participa das
salas virtuais e das redes sociais ou
visita sites de ciberpedofilia como
se fosse uma potencial vítima ou um
consumidor de imagens de pedopornografia. Toda a operação corre em
sigilo, com acesso aos autos apenas
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rável: o estupro de vulnerável (art.
pelo Ministério Público, pela autori217-A, CP), a corrupção de menores
dade policial e pelo juiz competente.
(art. 218, CP), a satisfação de lascíSomente após a conclusão da invesvia mediante presença de criança ou
tigação, concede-se vista à defesa,
adolescente (art. 218-A) e o favonos termos do art. 5º, LV, da Consrecimento da prostituição ou outra
tituição e da Súmula Vinculante 14.
forma de exploração sexual de vulÉ direito do defensor, no interesnerável (art. 218-B, CP).
se do representado, ter acesso amplo
Este dúplice rol, que é taxativo,
aos elementos de prova que, já donão afasta a serendipidade. Isto é,
cumentados em procedimento inse no curso da investigação surgivestigatório realizado por órgão com
rem provas de que o suspeito está
competência de polícia judiciária,
envolvido em outros crimes não
digam respeito ao exercício do direilistados no referido
to de defesa (STF).
artigo 190-A do PLS
O art. 190-A que
O AGENTE
100/10, a autoridade
o projeto pretende
INFILTRADO NÃO
policial e o Ministério
inserir na legislação
ESTÁ AUTORIZADO
Público poderão deprotetiva permitirá a
flagrar investigação
infiltração de agentes
A PRATICAR
autônoma para apuráde polícia na internet
QUALQUER
los, aproveitando-se a
com o fim de investiDELITO, MAS
prova fortuitamente
gar os crimes previsdescoberta.
tos nos arts. 240, 241,
PODE-LHE SER
Como em todas
241-A, 241-B, 241-C
PERMITIDO
as técnicas especiais
e 241-D do Estatuto
TRANSPORTAR
de investigação inda Criança e do AdoPESSOAS
E
trusivas, esta também
lescente e nos delitos
deverá observar os
dos arts. 217-A, 218,
PRODUTOS
princípios da neces218-A e 218-B do
ILÍCITOS
sidade e da proporCódigo Penal. Os cricionalidade, pois não
mes ali listados são
será admitida a infiltração se a prova
os de produção, reprodução, regispuder ser obtida por outros meios.
tro, guarda, armazenamento, aquisiEste modelo é semelhante ao adotação, posse, distribuição, exposição,
do pela Lei 9.296/96, para o deferidivulgação, troca, disponibilização,
mento de interceptação de comunivenda, comercialização de material
cações telefônicas e telemáticas.
pedopornográfico (“pornografia inA representação policial ou a pefantil”), inclusive fotografias, vídeos
tição do Ministério Público deverá
e outros registros gráficos exibidos,
conter a demonstração da necessipostados, disponibilizados ou transdade da infiltração, a descrição das
mitidos pela internet, assim como a
tarefas dos policiais e os nomes ou
conduta de aliciar, assediar, instigar
apelidos das pessoas investigadas
ou constranger, por qualquer meio
(inclusive nicknames, avatares ou
de comunicação, criança, com o fim
nomes de tela) e, quando possível, os
de com ela praticar ato libidinoso.
dados de conexão (em especial, data,
Além dos crimes da Lei
hora e os logs de IP – Internet Pro8.069/90, a infiltração informática
tocol) ou os dados cadastrais (nome,
poderá ser empregada para invesendereço do assinante ou usuário)
tigar delitos sexuais tipificados no
que permitam a sua identificação.
Código Penal, que tenham crianças
Para a fiscalização da medida,
ou adolescentes como vítimas, a sao juiz e o Ministério Público pober, os crimes sexuais contra vulne42
derão requisitar relatórios parciais
da operação antes da conclusão do
prazo da infiltração. Considerando
a existência da captação de diálogos
(conteúdo comunicacional) entre o
investigador e o investigado e entre
este e uma vítima real, aplica-se a
cláusula de privacidade do art. 5º,
inciso X, da Constituição. Os autos
da investigação, com o seu relatório,
serão encaminhados ao juízo competente, que dará vista ao Ministério
Público, para que promova a ação
penal, requisite novas diligências ou
promova o arquivamento dos autos.
Segundo o art. 190-E do ECA,
a ser introduzido pelo PLS 100/10,
todos os diálogos e atos eletrônicos
ocorridos durante a diligência policial de infiltração deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério
Público, juntamente com relatório
circunstanciado. Tais dados também
são sigilosos, cabendo ao delegado,
ao juiz, ao Ministério Público, ao
acusado e seu advogado ou defensor
e aos servidores da Justiça a preservação da intimidade das crianças e
adolescentes envolvidos.
De acordo com o art. 190-E, a
identidade do agente infiltrado será
mantida em sigilo, o que significa
que não deverá, em regra, ser listado como testemunha pelo Ministério
Público ou como informante do juízo, já que todos os eventos da operação encoberta terão sido documentados. Porém, se seu depoimento for
imprescindível, o policial infiltrado
deverá ser ouvido com ocultação de
seus dados de qualificação (nome,
matrícula, lotação, endereço etc.),
com velamento de sua imagem e
distorção de sua voz, aplicando-se
subsidiariamente o art. 7º da Lei
9.807/99:
Art. 7º. Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: (...)
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Doutrina
IV – preservação da identidade,
imagem e dados pessoais;
VIII – sigilo em relação aos atos
praticados em virtude da proteção concedida.
Pelos mesmos motivos (ou seja
a existência de completa e cabal
documentação da operação), as vítimas também não são depoentes essenciais para a persecução criminal.
O Ministério Público e o juiz devem
evitar a vitimização secundária, para
que tais crianças e adolescentes não
sejam compelidos a cerimônias processuais repetitivas que as façam
reviver os crimes de que foram vítimas. Em sendo absolutamente necessário ouvir tais menores, o ato judicial deve realizar-se com o acompanhamento de seus responsáveis
legais e no formato do “depoimento
sem dano”, com a intermediação de
um psicólogo ou terapeuta especializado, em sala reservada, por meio
de videoconferência, nos termos do
art. 217 do CPP:
“Art. 217. Se o juiz verificar que a
presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à
testemunha ou ao ofendido, de modo
que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade
dessa forma, determinará a retirada do
réu, prosseguindo na inquirição, com a
presença do seu defensor.”
Os limites da investigação são
objeto do art. 190-C do PLS 100/10.
O agente policial infiltrado que deixar de observar estritamente a finalidade da investigação deve responder pelos excessos praticados, nos
âmbitos administrativo-disciplinar,
civil e criminal, se for o caso. A apuração caberá à corregedoria respectiva, à autoridade policial designada
e ao Ministério Público.
De forma desnecessária, o parágrafo único do projetado art. 190-C
do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece uma cláusula expressa e específica de exclusão do
crime para o agente infiltrado. Diz o
projeto que “Não comete o crime o
policial que oculta a sua identidade
para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos
crimes” objeto da investigação. A
regra geral do art. 23, inciso III, do
CP é plenamente aplicável. Trata-se
de estrito cumprimento do dever legal.
Para a execução da operação, a
falsa identidade do agente poderá
ser incluída nos “órgãos de registro
e cadastro público”. É o que diz o
art. 190-D proposto pelo Senado.
Isto é, os cartórios do registro civil
de pessoas naturais, as Secretarias
de Segurança Pública, a Receita
Federal (para o CPF) e os demais
institutos de identificação civil, poderão, sob autorização judicial e
estrito sigilo, registrar a identidade
fictícia a ser usada pelo agente infiltrado. Portanto, se necessário, o policial poderá usar um nome fantasma (de pessoa natural falsa ou um
alias) para identificar-se na internet,
nos diálogos que manterá com o
pedófilo investigado; nos negócios
que eventualmente realizar (como
compra de imagens de pedofilia);
ou pessoalmente, se indispensável
o contato pessoal com o indivíduo
alvo da investigação policial.
A introdução da ciberinfiltração
no ordenamento jurídico brasileiro
aperfeiçoará a persecução criminal
em todo o país, tornando mais eficiente a identificação e localização
de suspeitos e eliminando dúvidas
sobre a validade da prova colhida
pela polícia em situações similares.
Além disso, a regulamentação desta
técnica de teleinvestigação permitirá a prestação de auxílio a outras nações na persecução de ciberdelitos
transnacionais.
Embora (lamentavelmente) o
Brasil (ainda) não seja signatário da
Convenção de Cibercriminalidade
do Conselho da Europa (Convenção de Budapeste, 2001), o país tem
cooperado com investigações inter-
nacionais sobre cibercrimes, especialmente sobre pornografia infantil
via internet. O rastreamento de suspeitos e a coleta probatória em território nacional têm sido viabilizados
mediante os acordos bilaterais de
assistência jurídica mútua em matéria penal (os MLATs), ou com base
na Convenção das Nações Unidas
sobre Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), ou
ainda por intermédio da Interpol.
A possibilidade de infiltração dos
cybercops brasileiros em nichos de
pedófilos poderá ser muito útil para
apurações de alcance global, no
marco do art. 20 da Convenção de
Palermo, que dispõe:
“Técnicas especiais de investigação
1. Se os princípios fundamentais
do seu ordenamento jurídico nacional
o permitirem, cada Estado Parte, tendo
em conta as suas possibilidades e em
conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as
medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e,
quando o considere adequado, o recurso
a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações
de infiltração, por parte das autoridades
competentes no seu território, a fim de
combater eficazmente a criminalidade
organizada.”
7. A infiltração de
investigadores segundo o PLS
150/06
Um dos projetos de lei que pretende regulamentar minudentemente a técnica de infiltração policial
é o PLS 150/06, que teve início no
Senado e lá foi aprovado no final de
2009. Entre outros meios de obtenção de prova para a persecução do
crime organizado, esta proposta dispõe sobre a colaboração premiada
(“delação premiada”), a ação controlada e a interceptação ambiental,
em perfeita harmonia com a Convenção de Palermo.
Os artigos 11 a 15 do PLS 150/06
disciplinarão a infiltração policial,
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Doutrina
nos termos da Súmula Vinculante
que o projeto adequadamente de14, toda a documentação da operanomina de “infiltração de agentes
ção deverá acompanhar a denúncia
em tarefas de investigação”, o que
do Ministério Público, para o conengloba policiais e servidores de outraditório, assegurando-se, porém, a
tros órgãos do sistema brasileiro de
preservação da identidade do agente
inteligência, inclusive da ABIN.
(art. 13, § 2º, do PLS 150/06).
Os pressupostos para a infiltraA infiltração será excepcional
ção são a existência de pedido ou
(art. 11, § 1º, do PLS), só podendo
manifestação prévia do Ministério
ser permitida para a
Público (nas suas cainvestigação de cripacidades de titular
PARA LEGITIMAR
mes praticados por
da ação penal, fiscal
UMA OPERAÇÃO
organização criminoda lei, ombudsman
DESTE
TIPO,
sa se a prova não pue responsável pelo
A COGITAÇÃO
der ser produzida por
controle externo da
outros meios menos
atividade policial),
DE COMETER
gravosos ou arriscaseguida de “circunsO ILÍCITO E A
dos.
tanciada, motivada e
INICIATIVA
DE
A autorização jusigilosa autorização
FAZÊ-LO DEVEM
dicial será concedida
judicial, que estabepelo juiz criminal ou
lecerá seus limites”.
PARTIR DO
tribunal competente
A pretensão deve ter
SUSPEITO
para eventual ação
justa causa, baseada
penal (na função de
na existência de indíjuiz das garantias) por até seis mecios de autoria e da materialidade da
ses, permitidas tantas renovações
infração cometida por organização
quantas forem necessárias. Aqui
criminosa.
se deve atentar para o requisito da
A autoridade policial poderá
razoabilidade, que se relaciona disolicitar a medida mediante a deretamente com a regra da “duração
monstração da sua necessidade,
razoável do processo”, inserida no
do alcance das tarefas dos agentes
art. 5º, inciso LXXVIII, da Constie, quando possível, dos nomes ou
tuição.
apelidos das pessoas investigadas e
Ao final da infiltração, o delegao local da infiltração. O art. 12 do
do de polícia apresentará relatório
PLS 150/06 não o diz, mas a reprecircunstanciado da operação ao juiz
sentação policial deve ser dirigie ao Ministério Público, sem prejuda ao Ministério Público, que, em
ízo da requisição por estes de inforentendendo-a cabível, a veiculará
mes periódicos e detalhados sobre a
em juízo, em conformidade com o
atividade investigativa dissimulada,
modelo acusatório.
quando ainda em curso.
O contraditório é diferido ou
Ao final de cada período de inpostergado, já que a diligência deve
filtração, os relatórios periódicos
ser executada em sigilo (art. 13),
deverão ser encaminhados ao juiz
com interação do agente (undercompetente (art. 13, § 1º, do PLS
cover agent) com os investigados,
150/06), que decidirá em 24 horas,
ocultação da identidade do infiltrado
após a manifestação do Ministério
e dissimulação de seu papel e históPúblico, a respeito da prorrogação
rico, a fim de preservar a utilidade
ou não da operação e sobre as proda operação encoberta e a integrividências necessárias para o êxito
dade física do servidor público. Se
das investigações e a segurança do
não for possível o acesso da defesa
agente infiltrado.
aos autos da infiltração encerrada,
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Exatamente por isto, o § 3º do
art. 13 do projeto prevê que, em havendo indícios consistentes de que
o agente infiltrado sofre risco iminente sobre sua integridade física, a
operação será sustada pelo delegado
de polícia encarregado da investigação, dando-se imediata ciência ao
Ministério Público e à autoridade
judicial.
Quanto aos limites e consequências da operação, o art. 14 do PLS
150/06 determina a responsabilização administrativa, civil e criminal
do agente infiltrado que violar a proporcionalidade, entendida esta como
a correlação entre os propósitos da
apuração e a conduta por ele praticada, tendo em conta os bens jurídicos
atingidos pela ação ou omissão do
policial. Aqui entram em questão as
proibições categóricas para a prática
de homicídio, genocídio, estupro,
lesão corporal grave e tortura pelo
agente infiltrado. O § 1º de tal artigo veda expressamente a prática de
crimes dolosos contra a vida, contra
a liberdade sexual e de tortura. Nos
demais casos, o policial estará ao
abrigo da causa excludente de ilicitude denominada estrito cumprimento
do dever legal (art. 23, III, do CP).
Caso o agente seja levado ou
compelido a praticar infrações penais diversas daquelas para as quais
foi autorizado, a operação poderá
ser imediatamente suspensa por ordem judicial, ouvido o Ministério
Público, apurando-se se o infiltrado
agiu acobertado por qualquer outra
excludente de ilicitude (como a legítima defesa) ou se praticou o fato no
exclusivo interesse da investigação.
Embora proibido de praticar homicídio, obviamente o infiltrado não
está impedido de agir em legítima
defesa de sua própria vida, se descoberto. Outra proibição se impõe:
o infiltrado não pode converter-se
em agente provocador (agent provocateur). O Estado não pode incitar, instigar ou induzir a prática de
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crimes. O agente está ali para colher
provas destinadas a viabilizar a persecução de crimes pretéritos e para
evitar futuros delitos, e não para
provocá-los hoje.
Devido aos elevados riscos que
este tipo de investigação comporta,
é discutível se tais operações devem
ser permitidas pela legislação. Se
o forem, as infiltrações não podem
apartar-se de seu caráter excepcional, como técnica de persecução
cuja utilização deve dar-se em último caso, sob rígida fiscalização
judicial, policial e do Ministério Público, este no exercício do controle
externo (art. 129, VII, da Constituição), e sob o escrutínio da defesa,
após o seu encerramento.
Não podemos perder de vista
que o agente infiltrado corre severo perigo. Para minimizá-lo ou
evitá-lo, o art. 15 do projeto institui
alguns direitos para o agente destacado para a operação. O primeiro e
mais óbvio deles é a voluntariedade. O policial não pode ser obrigado a trabalhar como infiltrado, tanto
que poderá recusar a designação ou
fazer cessar, motu proprio, a operação, sem prejuízo do que for apurado até ali.
O art. 15, inciso II, proposto e
aprovado pelo Senado, diz que, em
sendo absolutamente necessário,
o agente poderá ter sua identidade
civil alterada após a operação, nos
termos do art. 9º da Lei 9.807/99,
que estabelece as regras de proteção
a vítimas, testemunhas e réus colaboradores. A inclusão do novo nome
no registro civil deve ser feita em sigilo, sob rigoroso controle judicial.
Independentemente disto, também poderão ser empregadas em favor do agente as demais medidas de
proteção ali elencadas (art. 7º da Lei
9.807/89), como escolta; segurança
em residência; alteração de endereço domiciliar; suspensão temporária
das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos
ou vantagens, quando servidor público ou militar; apoio e assistência
social, médica e psicológica.
Também será possível a simples
preservação da identidade (nome e
qualificação), imagem, voz e dados
pessoais do agente, salvo decisão
judicial em contrário (art. 15, inciso
III, do projeto), inclusive em relação
aos meios de comunicação social
(inciso IV), o que pode gerar conflitos interpretativos entre a liberdade
de imprensa (art. 93, IX, e art. 220,
caput e § 1º, CF) e a tutela da imagem e da intimidade (art. 5º, incisos
X e LX, CF).
Conclusão
Em todos os seus aspectos, o
tema é complexo e controvertido.
Envolve problemas de direito penal, direito processual e de ética e
questões de responsabilidade civil.
Quem reparará os danos causados a
terceiros pelo agente estatal infiltrado? Poderá haver ação de regresso
do Estado contra o agente infiltrado?
Esta ação cível tramitará em sigilo?
Os investigados podem acionar civilmente o Estado em caso de abuso
praticado pelo infiltrado?
Mais ainda. Quais são os limites
da infiltração? Que tipo de delitos o
agente está “autorizado” a cometer?
Se o agente praticar um crime para
além da “autorização” que lhe foi
concedida, poderá responder criminalmente pelo excesso? O excesso
anulará a operação? Se o agente infiltrado “mudar de lado”, quais são
os efeitos sobre a prova colhida?
Só uma coisa é certa. A infiltração policial só deve ser autorizada
para crimes graves, inclusive cibercrimes próprios e impróprios, respeitado o princípio da proporcionalidade. O risco deste tipo de técnica
investigativa é grande demais para
todos os envolvidos. Enfim, se aprovados esses novos regramentos, os
agentes policiais e de inteligência
poderão praticar crimes em nome
da lei. Talvez este seja um sinal do
tempo em que vivemos.
Notas
1 Na Alemanha, em situações de urgência, o
Ministério Público pode autorizar (Eilkompetenz)
a implantação de certas TEI na fase investigatória.
2 Recomendação COE n. 10, de 20 de abril
de 2005.
3 WENDT, Emerson. Inteligência de segurança pública e DNISP: aspectos iniciais. Disponível em: http://www.inteligenciapolicial.com.
br/2010/03/inteligencia-de-seguranca-publica-e.
htmlInteligência policial. Acesso em: 10.set.2010.
4 TEDH, caso Sequeira vs. Portugal.
5 TEDH, caso Khudobin vs. Rússia.
6 STJ, 5a. Turma, HC 40.436/PR, relatora ministra Laurita Vaz, j. em 16/mar./2006.
7 MOLINA PEREZ, Tereza. Técnicas especiales de investigación del delito: el agente
provocador, el agente infiltrado y figuras afines. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/
servlet/articulo?codigo=2567878. Acesso em:
8.maio.2011.
8 STS, de 6 de julho de 2005.
9 A Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou o tema pela primeira vez em Sorrells v.
United States, 287 U.S. 435 (1932). Veja também
United States v. Russel (1973) e Hampton v. United States (1976).
10 KOSTER, Philippe de. Terrorism: special
investigation techniques: analytic report. COE Publishing, Strasbourg, 2005, p. 31.
11 Vide a STS, de 13 de fevereiro de 1996.
12 MOLINA PEREZ, Tereza. Op. cit.
13 KOSTER, Philippe de. Terrorism: special
investigation techniques: analytic report. COE
Publishing, Strasbourg, 2005, p. 31.
14 TEDH, caso Lüdi vs. Suíça.
15 TEDH, caso Ludi vs. Suíça.
16 Em 2005, na Operação TNT, o MPF no
Paraná fez uso dessa técnica conjugada, sob a coordenação do procurador regional da República
Januário Paludo. O réu colaborador Xis realizou
interceptação ambiental, mediante autorização judicial proferida pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba.
Referências
KOSTER, Philippe de. Terrorism: special
investigation techniques: analytic report. COE Publishing, Strasbourg, 2005, p. 31.
MOLINA PEREZ, Tereza. Técnicas especiales de investigación del delito: el agente
provocador, el agente infiltrado y figuras afines. Disponível em: http://dialnet.unirioja.es/
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8.maio.2011.
WENDT, Emerson. Inteligência de segurança pública e DNISP: aspectos iniciais. Disponível em: http://www.inteligenciapolicial.com.
br/2010/03/inteligencia-de-seguranca-publica-e.
htmlInteligência policial. Acesso em: 10. set.
2010.
Revista Bonijuris | Junho 2012 | Ano XXIV, n. 583 | V. 24, n. 6 | www.bonijuris.com.br
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