UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” SUPORTES IDEOLÓGICOS DO PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA MARCIA CRISTINA FERNANDES ORIENTADOR: PROF. Ms. ANTONIO FERNANDO VIEIRA NEY RIO DE JANEIRO MARÇO/2003 I UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” SUPORTES IDEOLÓGICOS DO PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA MARCIA CRISTINA FERNANDES Apresentação de monografia ao Conjunto Universitário Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Terapia de Família. RIO DE JANEIRO MARÇO/2003 II AGRADECIMENTO Este é mais um momento importante de minha vida. E, para que ele se tornasse realidade muitas pessoas contribuíram – cada uma a sua maneira. Assim agradeço: ... a minha família pelo incentivo e apoio que me deu em continuar, apesar das dificuldades. ... a Valmir, meu namorado e companheiro pela paciência e compreensão nos momentos em que esta trajetória nos impediu de ficarmos juntos. ... às amigas Denise e Rita de Cássia e ao amigo Sylvio pelo apoio , amizade e companheirismo que demonstraram durante o período em que estivemos juntos. ... a todos os professores e, em especial àqueles que, tendo verdadeiro compromisso com os alunos contribuíram, efetivamente, para nosso crescimento profissional. ... a todos os funcionários da Universidade que com presteza nos serviram. ... a Deus, por ter me dado forças nessa trajetória e também por ter colocado pessoas maravilhosas e especiais no meu caminho. Por que cada uma, do seu jeito deu sua contribuição para o meu crescimento pessoal e profissional. III DEDICATÓRIA Dedico esta monografia a todas as pessoas que, de alguma forma, tiveram participação em minha trajetória como estudante de PósGraduação em Terapia de Família. IV EPÍGRAFE “Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. (Antoine de Saint Exupéry) V SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 CAPÍTULO I Um pouco de história da Ação Comunitária Sal da Terra 09 CAPÍTULO II Afinal, o que é uma ONG? 14 CAPÍTULO III Política social: um tema com muitas definições 31 CAPÍTULO IV Algumas reflexões acerca da política social no Brasil 47 CAPÍTULO V O processo de trabalho do serviço social na ação Comunitária Sal da Terra 53 CONCLUSÃO 67 BIBLIOGRAFIA 68 ÍNDICE 69 ANEXOS 70 FOLHA DE AVALIAÇÃO 71 VI INTRODUÇÃO O tema deste trabalho surgiu da experiência que adquirimos no trabalho voluntário realizado no Serviço Social da Ação Comunitária Sal da Terra – uma ONG, obra social da Paróquia S. Tiago Apóstolo, no bairro Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro no período de janeiro de 2000 até janeiro de 2001. Atuar no plantão de atendimento do Serviço Social onde os usuários traziam as mais diversas demandas – alimentos, roupas, calçados, remédios dentre outros levou-nos a observar que aquela população carente que buscou o Serviço Social estava totalmente “abandonada” no que se refere aos direitos básicos – saúde, educação, moradia, emprego , lazer, e tantos outros garantidos na Constituição Federal Brasileira e que a ausência de políticas sociais mais amplas por parte do Estado contribuía para que, aquela comunidade buscasse no Serviço Social a “solução “ para os seus problemas cotidianos. Foi atendendo no Plantão, que tivemos a oportunidade de observar que a busca incessante dos usuários por tantas demandas evidenciava uma questão fundamental: apesar de buscarem o Serviço Social por tanto tempo aquelas famílias continuavam na mais profunda miséria e dependência dos serviços oferecidos pela instituição. Parecia faltar algo, então começamos a refletir sobre o que poderia levar a tanta procura e buscamos analisar como estavam as políticas sociais no nosso país. Sabemos que a política neoliberal adotada pelo governo visando ajustar a estrutura de nossa economia gera seqüelas sociais cada vez mais graves e que tal política contribui para que se desmonte as estruturas organizacionais públicas que prestam atendimento à população, através da privatização das mesmas e, se observarmos, o descaso do Estado como aumento das desigualdades sociais tem contribuído e muito para o aumento da miséria e conseqüentemente para o surgimento das ONG’S que crescem rapidamente, não só no Brasil, mas em nível mundial. VII O fato de termos trabalhado como voluntários em uma ONG despertou-nos o interesse sobre a importância e o papel dessas organizações na sociedade. Seriam as ONG’s as substitutas do Estado na implementação de políticas sociais? Ou seriam elas os instrumentos da sociedade civil para cobrar do Estado as políticas públicas reivindicadas pelos excluídos. E assim, começamos a produzir esse trabalho. Para melhor compreensão, nosso estudo foi subsidiado em cinco capítulos. No primeiro capítulos buscamos resgatar a história do surgimento da Ação Comunitária Sal da Terra como uma ONG, pontuando os serviços que ela oferece à comunidade, bem como a implantação do Serviço Social na mesma. Sendo o Sal da Terra uma ONG, procuramos no segundo capítulo abordar a discussão das ONG’s, buscando entender: o que são? Como funcionam? Para que servem? Nesse capítulos, a fala da assistente social entrevistada nos dá a noção de como alguns atores sociais que fazem parte das ONG’s encaram essa forma de organização social. Além da fala da assistente social sobre o tema citamos exemplos de algumas ONG’s brasileiras. A política social é enfatizada no capítulo três onde buscamos apontar algumas definições dessa temática enfocando duas perspectivas: a tradicional e a marxista ressaltando suas funções política, econômica e social e no capítulo quatro damos continuidade a essa temática, porém priorizando algumas reflexões sobre a política social no Brasil. De posse das reflexões construídas nos capítulos anteriores, no capítulos V abordamos o processo de trabalho do Serviço Social na Ação Comunitária Sal da Terra. VIII CAPÍTULO I UM POUCO DE HISTÓRIA DA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA A falta de registros oficiais e fontes documentais sobre a Ação Comunitária Sal da Terra fez com que durante quase todo o período como voluntários desconhecêssemos a história dessa Ação e conseqüentemente sobre os reais objetivos e propostas da mesma. No momento em que buscamos investigar/repensar nossa prática como voluntários, percebemos que história poderíamos somente através do resgate melhor entender ao trabalho do dessa Serviço Social neste espaço. Dessa forma, optamos por entrevistar a assistente social da Ação Comunitária Sal da Terra e através de seus longos relatos fomos (re)construindo a história dessa Ação. Os dados e fatos que ora apresentaremos nesse capítulos são frutos desses depoimentos colhidos na entrevista realizada em dezembro de 2000. Queremos deixar claro que, a assistente social entrevistada foi o primeiro agente do Serviço Social dessa instituição sendo também um membro da comunidade com expressiva participação na organização da mesma, por isso seus depoimentos possuem extrema relevância no resgate da história da Ação Comunitária Sal da Terra. Assim, para entendermos o significado da Ação Comunitária Sal da Terra é necessário que, inicialmente, se faça um breve comentário sobre a Paróquia S. Tiago Apóstolo, em virtude daquela ser uma obra social desta última. IX Em julho de 1968 surge, no bairro Lins de Vasconcelos, a Paróquia S. Tiago Apóstolo como resultado de um desmembramento da Igreja Nossa Senhora da Consolação. De acordo com explicação da entrevistada, tal desmembramento ocorre quando o número de fiéis aumenta ao ponto espaço físico da do Igreja não comportar mais pessoas. Nesse caso, Arquidiocese vai criando outros espaços de evangelização. Assim, o espaço físico escolhido para ser a sede da Paróquia S. Tiago Apóstolo foi uma antiga fábrica de papelão, no Lins d e Vasconcelos. No início a Igreja era apenas um galpão com um altar onde eram celebradas as missas. O primeiro nome da paróquia foi S. Jaime em homenagem a D. Jaime de Barros Câmara que a inaugurou. Nesse período iniciava-se um processo de mudanças no Vaticano II. Tais mudanças religiosas se davam ao nível da formação e orientação , pois a Igreja começava a modificar a sua linguagem com relação ao povo. Desde 1968, quando foi criada até os dias de hoje, a Paróquia S. Tiago Apóstolo contou com a presença de vários padres, visto que essa mudança, de acordo com a Assistente Social, é um procedimento normal nas Igrejas. Em 1977, a paróquia recebeu um novo padre cuja preocupação estava centrada na questão da educação e da formação religiosa. Tal preocupação levou-o a ampliar na comunidade, as Pastorais, porém dando maior prioridade a Pastoral da Catequese, em virtude de haver, na comunidade, muitas crianças e adolescentes - alvos de sua preocupação. Nesse período, ainda não havia um Centro Comunitário, pois como relatado acima o espaço físico da Igreja ainda não era estruturado como atualmente é. Na época, não haviam espaços para trabalhos individualizados ou mesmo em grupo. A única coisa que havia era a missa aos Domingos. X Esse padre, doutor em arte sacra, também tinha como preocupação a parte artística e cultural da comunidade e por isso incentivou o movimento comunitário na busca de espaços adequados para desenvolver sua proposta, dinamizando a comunidade para criar um Centro Comunitário. Tal objetivo foi atingido com a criação do Centro Comunitário no Morro D. Francisca que foi inaugurado em 1982. Esse Centro, além de funcionar como uma capela também servia como espaço para diversas atividades da Igreja e do Serviço Social. Através dele foi possível iniciar a ampliação do trabalho de evangelização da comunidade, já que facilitou o acesso das pessoas aproximando-as mais da Igreja. Um dado importante lembrado pela assistente social é que, em toda a época de Campanha da Fraternidade, que é anual, a Igreja tem uma preocupação no aspecto social. No ano em que a saúde foi alvo da campanha, a Igreja contou com a participação de uma pediatra que deu atendimento às crianças da comunidade e quando o tema foi a educação, a alfabetização de adultos – trabalho que já existia na Igreja – mas uma vez foi priorizada. Segundo a Assistente Social cabe ressaltar que a Paróquia S. Tiago Apóstolo não cria algo apenas por causa dessas campanhas como outras Igrejas fazem, e que após a campanha costumam abandonar o trabalho iniciado, mas pelo contrário procura dar continuidade aos trabalhos. De 1983 para 1984 ocorreu mais uma mudança de padres. Tal mudança se deu entre um padre de uma Paróquia da favela da Rocinha e o da Paróquia S. Tiago. O que veio para a S. Tiago trouxe consigo uma grande experiência social do trabalho que desenvolveu na Rocinha. Nessa época as atividades da Igreja eram efetuadas no Centro Comunitário que era coordenado por um grupo de freiras, responsáveis pela evangelização da comunidade e que coordenavam os círculos bíblicos onde se fazia uma leitura, uma reflexão sobre passagens bíblicas. Através desses círculos bíblicos, onde a comunidade participava diretamente, criou-se XI um movimento em que foram apresentadas algumas necessidades – a principal foi a de se fazer algo para as crianças da comunidade que ficavam muito abandonadas. A proposta das mães foi a de que era necessário criar uma creche comunitária. Assim, em 1984 iniciou-se o movimento pró-creche onde foram feitas diversas campanhas para construir uma creche. Em 1985 a Creche Chameguinho foi inaugurada conta do com o trabalho de voluntários e com a ajuda da Prefeitura que fornecia alimentos, inclusive uma das exigências dela, era a de que se tivesse um freezer o qual foi comprado com o dinheiro doado pelo matemático Oswald Souza. Na época da inauguração da Creche Chameguinho, a comunidade já usufruía de diversos serviços oferecidos pela Paróquia como: atendimento com advogado; cursos de corte e costura, marcenaria, de alfabetização de adultos dentre outros – todos efetuados por voluntários. Assim, com a experiência adquirida nos diversos trabalhos sociais e, principalmente, com a criação da Creche Chameguinho percebeu-se a importância de se constituir uma pessoa jurídica para coordenar todo o trabalho social que havia, visto que a Prefeitura para mandar os alimentos para a Creche tinha como principal exigência que os convênios fossem efetuados com pessoa jurídica. A antiga LBA (Legião Brasileira de Assistência) na época com o Projeto Creche Casulo também exigia que os convênios fossem fechados com pessoa jurídica. Essa pessoa jurídica seria uma ONG – Organização Não Governamental – como coloca a entrevistada: “ Aí é que vem, o que é ONG? Hoje sabemos que isso é ONG, mas na época, com certeza não tínhamos noção de nada”. Vemos assim, que mesmo com a pouca clareza sobre as funções de uma ONG dentro da sociedade, a Ação Comunitária Sal da Terra foi fundada devido às exigências feitas para o funcionamento da Creche. XII Na verdade, a criação da pessoa jurídica visava representar os trabalhos sociais desenvolvidos pela igreja. Desse modo, o padre criou um movimento convidando a entrevistada para fazer parte da obra social. Era um momento que começava-se a definir as pessoas que constituiriam essa Ação Comunitária e muitas delas já estavam ligadas diretamente ao trabalho, sendo que algumas tinham representação dentro da comunidade. Ao todo foram convidadas, para fazer parte da coordenação da obra social, dezoito pessoas. O nome da instituição foi definido através de eleição e o nome escolhido foi o Sal da Terra. A Ação Comunitária Sal da Terra foi registrada no dia 12 de junho de 1985 oferecendo às comunidades dos diversos morros que cercam a Paróquia S. Tiago Apóstolo - sede da obra social - os serviços de atendimento com advogado, dentista , psicólogo, médico, ambulatório; os cursos de marcenaria, corte e costura e alfabetização de adultos; o Projeto Educar Para a Vida; a Creche Chameguinho dentre outros serviços. Como pessoa jurídica o Sal da Terra é formado por uma diretoria executiva e por um conselho deliberativo, porém não tem sede própria tendo que dividir o mesmo espaço físico com a igreja. Portanto, são duas instituições num só espaço. Cabe ressaltar, que, o fato de atuar como membro na Paróquia há muitos anos pode ter contribuído para que, em 1987, quando nossa entrevistada formou-se em Serviço Social, o padre fizesse o convite para que ela desse sua contribuição à recém criada obra social, porém dessa vez como profissional e não como conselheira. Assim, o Serviço Social passou a se mais um serviço prestado à comunidade pela Ação Comunitária Sal da Terra. XIII CAPÍTULO II AFINAL, O QUE É UMA ONG? Desde o início de nosso trabalho voluntário sabíamos da Ação Comunitária Sal da Terra. Não tínhamos conhecimento das exigências que levaram essa instituição a se registrar como ONG e muito menos o que significava uma ONG do ponto de vista político/social. Por isso, durante a entrevista realizada indagamos da assistente social a respeito do papel das ONG’s em nossa sociedade e as razões de seu surgimento. Obtivemos a seguinte resposta: “As ONG’s serão o caminho da organização comunitária ou de organização social. Todo mundo vai ter que viver dentro de uma ONG” e completou dizendo que, atualmente, “nenhum cidadão pode deixar de participar de uma ONG. Tem que participar de alguma organização: é a organização do seu prédio, é a organização do seu condomínio, da sua igreja, do seu trabalho, da sua faculdade. Tem que estar envolvido com alguma organização. Por que é nela que você vai aprender esse senso social. NA parte social vai aprender também a parte do uso coletivo das coisas, do bem-comum, então são pontos até em níveis doutrinais enquanto igreja... a dignidade humana, o bem-comum, o respeito ao próximo; a sociabilidade; a sociedade em si; a sua hierarquia e as ONG’s, por que, hoje, a política social está diretamente ligada às ONG’s”. XIV Após ter afirmado que, atualmente, as ONG’s estão diretamente ligadas às políticas sociais a entrevistada buscou nos explicar como entende essa ligação: “Através dos Conselhos é que são criadas as políticas sociais. Mas o que são os Conselhos? Com a reforma constitucional de 1988 o poder com relação a aplicação dos recursos; aos direitos, deveres e obrigações foi descentralizado passando do nível federal para o nível municipal. É a municipalização, que , no entanto, ainda não ocorreu em todos o s municípios devido cada um apresentar barreiras com relação a essa mudança. Esses conselhos são constituídos assim, metade governamental e metade não governamental, que é constituída por indivíduos da sociedade civil que atuam como representantes das ONG’s. Na verdade, o governo conta com as ONG’s para definir as políticas sociais através dos Conselhos que administram os recursos. Por exemplo a LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social – determina o que pode ser cumprido ao nível de assistência social e o Conselho Municipal da Assistência Social é que administra o recurso dela criando as políticas sociais. O Conselho é que vai operacionalizar, fiscalizar e implementar as políticas”. O depoimento supracitado, parte de constatações superficiais, genéricas e muito confusas do ponto de vista teórico. A simplificação do verdadeiro papel das ONG’s, ao nosso ver revela a falta de clareza por parte da entrevistada, sobre o que vem a ser realmente uma ONG. Se toda organização social que não nasce do Governo é ONG como parece crer a entrevistada então sempre existiram ONG’s. Sendo assim, onde reside a tão divulgada novidade? XV Com base nessa indagação procuramos aprofundar um pouco mais essa discussão buscando também entender a ligação, até então, ainda pouco clara para nós entre as ONG’s e as políticas sociais. Desse modo, procuramos construir, nesse estudo, algumas reflexões que nos ajudassem a entender essas questões. 2.1. ONG’s, COMO FUNCIONAM E PARA QUE SERVEM A expressão ONG – Organização Não Governamental – de acordo com La Rocca, criador do Projeto Axé, de Salvador “foi criada pela ONU – Organização das Nações Unidas – na década de 40 para designar entidades não oficiais que recebiam ajuda financeira para executar projetos de interesse de grupos ou comunidades”. (Revista Veja, 1994, p. 75) As ONG’s brasileiras possuem um perfil político e de acordo com Ponte e Bava tal perfil “é fruto de mais de vinte anos de trabalho pela construção dos direitos de cidadania junto aos movimentos populares e aos demais atores da sociedade civil”. (Ponte e Bava, 1996, p. 136) Assim é importante revermos um pouco como se construiu tal perfil. A década de 80, no Brasil foi marcada pela participação de movimentos populares urbanos. No campo popular teve início uma maior indagação e questionamento sobre o novo caráter dos movimentos populares; e no campo das práticas, não exclusivamente populares, surge um interesse da parte de pesquisadores por outros tipos de movimentos sociais como XVI movimento de mulheres; da ecologia; dos negros, índios, dentre outros que naquele período ganhavam expressão. De acordo com Gohn, o fato de surgirem esses novos estudos “demarcou duas novidades, a saber: uma nova concepção para o novo e uma divisão paradigmática”. (Gohn, 1997, p. 27) O novo passou a se referir a movimentos que tinham como demandas não somente bens e serviços fundamentais para a sobrevivência cotidiana cujas demandas estavam inscritas mais no campo dos direitos sociais tradicionais: direito à vida; à alimentação; à moradia dentre outros direitos básicos, mas também se referia a outra ordem de demanda, vinculada aos direitos sociais modernos que trazem a idéia de igualdade e liberdade nas relações de gênero, raça e sexo. Com relação à divisão paradigmática, ocorreu ao nível das interpretações das ações, das análises, sendo que predominaram as análise de cunho marxista para os movimentos populares. Os novos tipos de movimentos criados no início dos anos 80, foram frutos da conjuntura político-econômica do momento. Tais movimentos não se igualavam aos movimentos sociais clássicos e muito menos aos que haviam surgido na década de 70. Os novos movimentos foram os dos desempregados e os das “diretas já” cuja luta começara pela ausência de trabalho e pela necessidade de se mudar o regime político brasileiro - a ditadura. Nesses movimentos, já haviam, ainda que embrionariamente, algumas questões relativas ao plano da moral, da ética na política que mais tarde, em 80, já seriam questões mais evidenciadas na sociedade. Com relação às fases dos movimentos sociais no Brasil, no decorrer da década de 80 eles passaram como coloca Gohn XVII “no plano da atuação e no plano das análises que lhes são feitas, da fase do otimismo para a perplexidade e, depois, para a descrença”. Vários fatores contribuíram para estas mudanças, destacando-se as alterações nas políticas públicas e na composição dos agentes e atores que participam da implementação, gestão e avaliação das mesmas políticas; o consenso; a generalização e o posterior desgaste das chamadas práticas participativas em diferentes setores da vida social; o crescimento enorme do associativismo institucional, particularmente nas entidades e órgãos públicos, que cresceram muito em termos numéricos ao longo doa anos 80, absorvendo grande parcela dos desempregados do setor produtivo privado; o surgimento de grandes centrais sindicais e de entidades aglutinadoras dos movimentos sociais populares, especialmente no setor da moradia; e, fundamentalmente, o nascimento e o crescimento, ou a expansão, da forma que viria a ser quase que uma substituta dos movimentos sociais nos anos 90: as ONG’s (Organizações Não Governamentais)”. (Gohn, 1997, p. 28) Juntamente com esse cenário havia a decepção da sociedade civil que não concordava com a prática política das elites dirigentes, bem como com aquela praticada pelos partidos políticos. Todas essa alterações levaram a redução da capacidade de mobilização e de esforço que podia ser observada na sociedade civil, na década de 70. Iniciava-se a mudança, pois os “militantes, assessores e simpatizantes deixam de exercitar a política por meio da atuação nos XVIII movimentos sociais, movidos pela paixão, pela ideologia ou por acreditarem em algumas causas e valores gerais”. (Gohn, 1997, p. 29) Nos movimentos, a profissionalização ou “liberação” trouxe efeitos contraditórios, visto que criou uma camada de dirigentes que se distanciavam cada vez mais das bases dos movimentos, e aproximavam-se das ONG’s. Esses dirigentes passaram a ter como ocupação a elaboração de “pautas e agendas de encontros e seminários(nacionais nos anos 80 e internacionais nos anos 90, como a ECO-92; a; a Conferência de Estocolmo, em 1995; o Encontro Mundial das Mulheres em Pequim, em 1995; o Hábitat-96, na Turquia etc.)”. (Gohn, 1997, p. 29) Nos anos 90, a consolidação dos movimentos sociais como estruturas da sociedade civil não foi reconhecida sendo considerada como um projeto utópico no cenário político das décadas de 70 e 80, período em que o Estado era tido como inimigo. Com a produção de conhecimento sobre os movimentos sociais surge o “novo” numa dupla dimensão: a primeira, em que ele aparece como elaborador de espaços de cidadania, através das novas l eis que se estabeleceram no país e que o melhor exemplo é o da nova Constituição brasileira, em 1988, de modo particular o capítulos sobre os novos direitos sociais e , a segunda, na reviravolta teórica que se inicia no plano das análise onde podem ser destacadas as novas categorias que passaram a fazer parte da agenda dos estudiosos sobre os movimentos sociais como: Heller (1982); Bobbio (1991); Arendt (1989); Lefébvre (1969,1971) etc. que tanto contribuíram para XIX “os novos olhares com que passaram a ser apreendidos e analisados os movimentos. A dicotomia público e privado; a questão da cidadania; a cultura política presente nos espaços associativos; a importância das experiências cotidianas etc. ganham destaque no lugar das categorias macroexplicativas anteriores”. (Gohn, 1997, p. 30) Com a chegada dos anos 90, o cenário das lutas sociais, no Brasil, é redefinidao, visto que a política neoliberal, que teve seu campo preparado desde a época da ditadura militar, período em que “começou o processo de dilapidação do Estado brasileiro, que prosseguiu sem interrupções no mandato “democrático” de José Sarney” e que “propiciou o clima para que a ideologia neoliberal, então já avassaladora nos países desenvolvidos, encontrasse terreno fértil para uma pregação antisocial. Aqui no Brasil, não apenas pelos reclamos anitestatais (na verdade, anti-sociais) da grande burguesia, mas sobretudo pelos reclamos do povão, para o qual o arremedo de social-democracia ou do Estado de bemestar, ainda que de cabeça para baixo, tinha falhado completamente”. (Oliveira, 1998, p. 25) No Brasil, “a eleição de Collor deu-se nesse clima, no terreno fértil onde a dilapidação do Estado preparou o terreno para um desespero popular, que via no Estado desperdiçador, que Collor simbolizou com os marajás, o bode XX expiatório da má distribuição de renda; da situação depredada da saúde, da educação e de todas as políticas sociais. Foi esse voto de desespero que elegeu o Bismarck das Alagoas”. (Oliveira, 1998, p. 25) Assim, na década de 90 acentua-se a crise, em parte significativa dos movimentos sociais populares urbanos. A crise se dá tanto no nível interno com as crises de militância, de participação, de credibilidade nas políticas públicas, de confiabilidade e legitimidade dos movimentos junto à própria população quanto no nível externo com as crises “decorrentes da redefinição dos termos do conflito social entre os diferentes atores sociais e entre a sociedade civil política, tanto em termos nacionais como em termos dos referenciais internacionais( queda do muro de Berlim; fim da União Soviética; crise das utopias, ideologias etc.”. (Gohn, 1997, p. 30) A temática da participação social, já nos anos 80, era um elemento constante da pauta na agenda política das elites políticas deixando claro que, por um lado, as estruturas de poder do Estado estavam desgastadas e deslegitimadas pelo autoritarismo e por outro, as demandas expressas pelos movimentos sociais, sejam novos ou velhos, começavam a ganhar legitimidade e a conquistar espaços institucionais sendo aceitos como interlocutores. A agenda política das elites dirigentes sofre mudanças em função tanto de problemas internos como das alterações geradas pela globalização e pelas novas políticas sociais internacionais impostas ao mundo capitalista. Assim, cabe destacar que: XXI “nesta nova agenda Sá há lugar para a participação e para os processos de descentralização construídos no interior da sociedade política, por iniciativa dos dirigentes, segundo critérios estabelecidos pelo poder público, no qual a base de estruturação dos colegiados deixa de ser o critério de representatividade institucional, após processo de debate e consulta às mesmas, e passa a ser o critério pessoal, individual, de indicação, baseado nas qualidades de ser “ um notável” em determinada área de atuação. (...) as políticas são formuladas para segmentos sociais dentro de um recorte que privilegia os atores sociais que serão os parceiros, e não mais os segmentos segundo o recorte das classes sociais (...) os sujeitos das ações transfiguram-se em problemáticas: a fome, o desemprego, a falta de moradia. Antes eram os favelados, os sem-terra, os sem-teto etc.”. (Gohn, 1997, p. 31) Importa lembrar que a década de 80, considerada por muitos como “década perdida” foi um período em que a “sociedade civil” demonstrou intensa vitalidade”, pois “ao contrário do pessimismo de uma teoria política economicista, que associa queda na taxa de crescimento econômico e apatia e estados de anomia, à desorganização social, enfim a sociedade mostrou uma extraordinária capacidade de responder ao ataque neoliberal, organizando-se(...) nesta da década foram construídas as três grandes centrais sindicais de trabalhadores, com diferenças programáticas e ideológicas, sem dúvida, mas num movimento totalmente contrário àquilo que o pessimismo indicava como sendo o roteiro da derrota da sociedade”. (Gohn, 1997, p. 31) XXII Mesmo com a criação das centrais sindicais como forma de resistência dos trabalhadores, os neoliberais não se deixaram abater e deram continuidade a uma das propostas da política neoliberal que visa “destruir a capacidade de luta e de organização que uma parte importante do sindicalismo brasileiro mostrou. É este o programa neoliberal em sua maior letalidade: a destruição da esperança e a destruição das organizações sindicais,, populares e de movimentos sociais que tiveram a capacidade de dar uma resposta à ideologia neoliberal no Brasil”. (Oliveira,1998, p. 28) E ainda na década de 80 – como um fenômeno recente – se dá “o período de crescimento e expansão no Brasil de entidades que surgiram e se auto-identificaram como ONG’s” (Gohn, 1997, p. 59) e que se somaram “as demais entidades e movimentos que lutam pela democratização do país, por condições dignas de vida para todo cidadão brasileiro” (Pontes e Bava, 1996, p. 136). Em décadas anteriores, já haviam organizações e entidades assistenciais e/ou filantrópicas, que, no entanto, não se autodenominavam como “ não governamentais”. Na verdade, já faziam parte da vida sociopolítica brasileira, porém como entidades caritativas, porém “cumpre registrar também que as principais ONG’s brasileiras não são assistenciais/filantrópicas, mas as cidadãs, embora as filantrópicas sejam a maioria em termos numéricos”. (Gohn, 1997, p. 59) Assim sendo, o termo ONG, no Brasil está relacionado XXIII “a um tipo peculiar de organização da sociedade. Trata-se de um agrupamento de pessoas, organizado sob a forma de uma instituição da sociedade civil, que se declara sem fins lucrativos, com o objetivo de lutar e/ou apoiar causas coletivas”. (Gohn, 1997, p. 60). Ainda de acordo com Gohn “a diminuição dos movimentos sociais organizados foi proporcional ao crescimento e surgimento de redes de Organizações Não Governamentais, voltadas para o trabalho em parceria com as populações pobres ou fora do mercado formal de trabalho” (Gohn, 1997, p. 12) Assim sendo, a partir dos anos 90 começa a ser construída uma nova estrutura de relações sociais, pois “trata-se de soluções engendradas pelas ações coletivas populares, baseadas em planos coletivos de baixo custo e com utilização do trabalho comunitário, no cenário brasileiro, tanto urbano como rural”. (Gohn, 1997, p. 12) E para se criar uma ONG não parece ser muito difícil, pois como coloca LA Rocca, criador do Projeto Axé: “Basta reunir um determinado número de associados, fazer a ata da primeira reunião e registrá-la em cartório” (Veja, 1994, p. 75). No entanto, cada ONG criada tem uma preocupação distinta como por exemplo: a questão da fome e da miséria; da cidadania; do desemprego; da ecologia; da educação; dos direitos da mulher, da criança , do adolescente, do idos, do negro, dos índios, dos sem-teto, dos sem-terra dentre outros. Portanto, o modo de atuação das ONG’s ocorre também de forma diferenciada. XXIV Espalhadas por todo o país, tais entidades multiplicam-se no Brasil da crise dedicando-se a diversas causas. Algumas ensinam crianças a ler e escrever; outras dedicam-se a alfabetização de adultos; outras oferecem cursos profissionalizantes diversos; buscam “soluções” para reduzir a questão da fome; em fim buscam respostas para problemas sociais que muitas vezes o governo não dá conta, ou até mesmo não se preocupa em reduzir com políticas sociais. Na reportagem da Revista Veja de 09.02.1994, Ernesto Bernardes e Kaíke Nanne deram exemplos de ONG’s bem sucedidas: “Wagner dos Santos, a testemunha-chave da chacina da Candelária, em que sete meninos de rua foram assassinados pela polícia, continua vivo porque está sob proteção de duas dessas entidades, no interior da Bahia. Santos acredita que já teria sido liquidado se não tivesse essa proteção paralegal; em Salvador, o Projeto Axé, criado pelo advogado e pedagogo italiano Cesare de La Rocca, 55 anos, gasta no máximo 50 dólares mensais para alimentar e educar cada uma das 2.7474 crianças que salvou das ruas nos últimos anos; em Santarém, no Pará, a Fundação Saúde e Alegria está conseguindo acabar com a cólera e outras doenças causadas por água contaminada, como a esquistossomose; enquanto o ensino público cai aos pedaços, a Federação de Organização de Assistência Social e Educacional – FASE – do Rio de Janeiro, mantém núcleos de alfabetização e escolas rurais em quinze Estados, nos quais estudam milhares de pessoas”. (Revista Veja, 1994, p. 70) Outra ONG destacada na reportagem da revista Veja, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE – criado por Herbert de Souza, o Betinho pode não ser tão popular, mas a campanha nacional contra XXV a fome e a miséria merece destaque: “comandada a partir do quartel-general do IBASE, no Rio de Janeiro liderada por Betinho que “conseguiu(...) dramatizar um problema a que os brasileiros já não prestavam mais atenção, despertando os impulsos de solidariedade adormecidos em cada cidadão”. (Revista Veja, 1994, p. 70) No Brasil, a idéia do Estado como uma entidade poderosa, capaz de tudo, predominou durante várias décadas. No entanto, como coloca Leôncio Martins, professor da Universidade de Campinas “a proliferação de entidades civis como as ONG’s é prova de que existe uma saudável desconfiança em relação aos poderes do Estado numa sociedade cada vez mais disposta a assumir tarefas que antes se julgava serem exclusivas do governo”. (Revista Veja, 1994, p. 72) Ampliando o s horizontes de nossas reflexões podemos perceber que, neste fim de século, as grandes correntes ideológicas parecem ter deixado de empolgar as pessoas – aprece haver uma crise utópica. A pretensão, agora, não é a de “salvar os oprimidos” de todo o mundo, mas de buscar amenizar as injustiças e incentivar o progresso através de tarefas bastante diferentes realizando conquistas que apear de pequenas podem contribuir para “modificar” a vida das comunidades onde ocorrem. Essa é uma característica das ONG’s, pois, geralmente, o trabalho de cada ONG está vinculado a uma causa diferente. Ainda que as ONG’s contribuam para amenizar determinadas questões sociais como a fome e a miséria, isso não significa que devam substituir o Estado em seu papel de criar políticas sociais, e nem que são a solução para acabar com a desigualdade social, no entanto, cabe ressaltar que, elas cumprem um papel importante na sociedade que é o de levar grande XXVI parte dos indivíduos a participar e refletir e assim contribuir na elaboração de “soluções” para os problemas coletivos. Tal participação tem aumentado a cada dia, seja na área da assistência social; do meio ambiente ou qualquer outra em que se produza “melhoria” das condições de vida dos indivíduos. Apesar da maioria da liderança das ONG’s estar nas mãos de antigos militantes de esquerda, como Carlos Minc e como já esteve com Betinho, outras pessoas que não têm um “passado vermelho” na carteira começam a se engajar nessa nova proposta de organização da sociedade. Ainda de acordo com dados colhidos na entrevista da revista Veja, a multiplicação das ONG’s constitui-se um fenômeno mundial, pois “nos Estados Unidos existem 785.000 entidades, que movimentam anualmente 20 bilhões de dólares e envolvem entre 10% e 20% da população do país (...) na Europa são 400.000 organizações, com orçamento anual estimado em 10 bilhões de dólares”. Talvez haja tantas ONG’s devido a pouca rigidez quanto á hierarquia e porque estão livres de qualquer controle burocrático o que lhes dá uma série de vantagens sobre as instituições tradicionais”. (Revista Veja, 1994, p. 73) As ONG’s podem ser consideradas como “um laboratório de idéias na sociedade” como bem coloca Jorge Eduardo Durão, presidente da ABONG Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – que completa dizendo: “Elas propõem alternativas de desenvolvimento que nem o governo nem as instituições tradicionais conseguem produzir”. (Revista Veja, 1994, p. 74) É bastante provável que a globalização da economia e da informação tenha contribuído, em grande parte, para que as ONG’s crescessem mundialmente. Elas são produtos da transformação do planeta XXVII numa aldeia global – sem fronteiras. Os meios de comunicação reduziram a distância entre os indivíduos no mundo. Podemos observar isso porque após o fenômeno da globalização o movimento negro brasileiro pôde manter intercâmbio como o movimento negro de outras partes do mundo, assim como algumas ONG’s brasileiras passaram a receber ajuda financeira de países do primeiro mundo. A internacionalização da militância torna-se evidente pelas redes multinacionais de ONG’s. Na Inglaterra a entidade “Amigos da Terra, com escritórios em 47 países, tornou-se uma autêntica ONU do meio ambiente” (Revista Veja, 1994, p. 75) e no Canadá, o Greenpeace, criado na década de 70 “tem 5 milhões de filiados em 29 países”. As ONG’s possuem muitos patronos famosos: artistas; roqueiros; aristocratas e autoridades que são contratados para promover campanhas e acabam se beneficiando do marketing quando associam a própria imagem à defesa do meio-ambiente, dos índios ou de crianças que vivem nas ruas. Muitos desses patronos famosos fazem doações como Paul Mac Cartney que, em 1994, na cidade de S. Paulo doou a renda do show à filial brasileira do Greenpeace ou fundam entidades como Bianca Jagger, ex-mulher do roqueiro Mick Jagger que criou a entidade Amanaka para defender os direitos dos índios da América do sul. Outros como Richard Gere assinam contratos com empresas promovendo campanhas como a feita pela Harrod’s que, preocupada, contratou o ator para desfazer sua imagem que iria desmoronar com a manifestação feita pelos “Amigos da Terra”, em frente a sua sede em Londres, pois a Harrod’s vendia móveis fabricados com mogno extraído das florestas do sul do Pará. Apesar de não apresentar tantas dificuldades para ser criada, é preciso que as pessoas estejam atentas ao fazerem doações para determinadas ONG’s, pois como coloca Larronde na entrevista à Revista Veja XXVIII “a tradição da malandragem carioca cataloga como um dos golpes mais antigos vender o Pão de Açúcar aos mineiros. Mais tarde, passaram a vender a Ponte Rio-Niterói. Hoje, o negócio é vender árvores da Amazônia aos estrangeiros. Quem conhece a região sabe que é mais seguro comprar um terreno na lua”. (Revista Veja, 1994, p. 76) Devido a essas falcatruas Roberto Esmeraldi diz que jamais daria dinheiro a uma entidade com esse propósito e completa dizendo que “casos como esse ocorrem pela falta de controle sobre a atividade das ONGs”. (Revista Veja, 1994, p. 76). As ONG’s sendo entidades sem fins lucrativos estão livres de pagar impostos ou de qualquer fiscalização gerando um problema sério porque como bem coloca Esmeraldi “tão fácil quanto receber doações é fazer maracutaias com o dinheiro. Na prática, ninguém sabe direito quanto entra e quanto sai dos cofres dessas entidades”. (Revista Veja, 1994, p. 74) Para Denise Paiva assessora do presidente Itamar Franco , na campanha contra fome isso acontece porque “aqui no Brasil, para montar um botequim o cidadão precisa de dúzias de documentos. Para montar uma ONG, não precisa de absolutamente nada e ninguém vai fiscalizá-la”. (Revista Veja, 1994, p. 76) Contudo, apesar das corrupções existentes muitas pessoas de países ricos ainda preferem mandar o dinheiro para essas entidades do que entregar seus recursos a Órgãos Governamentais, pois os meios de XXIX comunicação estão sempre divulgando sobre os recursos entregues a determinados governos, que, são desviados por corruptos ou mesmo desperdiçados por indivíduos incompetentes e inconseqüentes. O que a sociedade civil busca é contribuir para minimizar ou reduzir a miséria; a violência, o desemprego, o desespero da população brasileira que parece enfrentar um momento de total abandono por parte do Estado. No entanto, para que a realidade atual possa ser modificada, é necessário “conhecê-la a fundo, identificar os mecanismos geradores da exclusão e do aprofundamento da desigualdade, e propor novas políticas que se utilizem dos fatores disponíveis na conjuntura, para sua execução”. (Pontes e Bava, 1996, p. 142) e que nós assistentes sociais possamos “produzir diagnósticos que dêem conta de interpretar a realidade atual em cada campo concreto de nossa intervenção” (Pontes e Bava, 1996, p. 142), a fim de que possamos efetivar as possibilidades de contribuirmos para “modificar” a realidade que se nos apresenta no cotidiano. XXX CAPÍTULO III POLÍTICA SOCIAL: UM TEMA COM MUITAS DEFINIÇÕES Ao tentarmos entender a conexão entre as ONG’s e as políticas sociais, começamos a perceber que não existe um consenso em torno da definição de tais políticas. As diferentes percepções sobre as mesmas decorrem, sobretudo, das perspectivas teóricas de seus estudiosos e como explica Joaquina Barata Teixeira: “A política social tem sido abordada sob perspectivas teóricas e práticas divergentes, ou seja, sob contraditórias visões de mundo; de grupos, em posição diversificada na estrutura social. São posições que revelam o caráter real da oposição de interesses particulares, de interesses de classe. E, é claro que o profissional não está fora deste conflito, quer ao nível do discurso ideológico, quer ao nível das práticas históricas”. (Joaquina Barata Teixeira, 1980, p. 22) Desse modo, consideramos importante ressaltar as duas vertentes básicas eu compõem/orientam o conjunto das reflexões sobre o tema: a perspectiva tradicional e a perspectiva marxista. 3.1. A PERSPECTIVA TRADICIONAL Na perspectiva tradicional, as políticas sociais são vistas como conjunto de ações implementadas pelo Estado, que visam um reduzir as desigualdades sociais. Tais políticas seriam pensadas como um meio de “correção” dos efeitos negativos gerados no processo de acumulação capitalista. Assim sendo, como coloca Alejandra Pastorini “as entendidas XXXI políticas sociais são como um conjunto sistemático de ações do Estado que têm uma finalidade redistributiva”. (Alejandra Pastorini, 1995, p. 81) Nesta perspectiva, tais mecanismos estatais seriam vistos como a tendência geradora da reversão das desigualdades sociais que há entre os indivíduos e que muitas vezes são tidas como necessárias ou até mesmo “naturalizadas”. Essas desigualdades derivam da forma como se dá a participação na divisão social do trabalho; da riqueza do mercado. São elas que geram uma sociedade heterogênea, com situações de extrema pobreza, de privação, de insatisfação das necessidades básicas. Para alguns autores que seguem a perspectiva tradicional, todas essas problemáticas requerem políticas sociais que podem ser entendidas como “concessões” feitas pelo Estado e definidas como mecanismos que tendem a redistribuir os “escassos recursos sociais” tendo como finalidade gerar o bem-estar da população como um todo, principalmente, aqueles prejudicados pelo mercado. De acordo com essa visão pode-se deduzir que a “solução” para redução das desigualdades sociais estaria na redistribuição da renda ou numa distribuição menos desigual dos recursos sociais. Nesse sentido, as políticas sociais apresentam-se como ações que buscam reestabelecer o equilíbrio social através da redistribuição da renda. Partindo-se da idéia de que não há igualdade de oportunidades, de que a desigualdade social predomina, surgem as políticas sociais, cujo objetivo é compensar os que foram “prejudicados” na distribuição. Como principal fonte de arrecadação de “recursos escassos” destinados ao processo de redistribuição temos a tributação. Os recurso obtidos por esse meio são destinados `população mais carente, seja diretamente como ajuda econômica ou indiretamente como serviços, visando o XXXII “reequilíbrio social” de acordo com autores que seguem esta linha de pensamento. Cabe ressaltar, que Marshall, um desse autores, identificou quatro “categorias” de política social, a saber: de educação; de saúde; de pobreza e da indústria, cujo objetivo era a proteção dos trabalhadores por um lado, e por outro, a assistência aos pobres e indigentes, visto que a existência do seguro se restringia às pessoas que estavam empregadas e aos que possuíam renda inferior a um máximo estabelecido. Assim, Marshall entende que: “isto deu a impressão de que a população como um todo estava dividida agora em duas classe – a dos que contribuíam e a dos que recebiam. parecia que o fato de receber ajuda de um órgão público deixara de acarretar o estigma da indigência, mas se transformara num índice de classe social. E levantou pela primeira vez em sua forma moderna, o problema de decidir se os serviços sociais deviam ser utilizados como um instrumento para a redistribuição de renda entre uma classe e outra. O auxílio à indigência nunca provocara essa questão, visto que se tratava de um tipo de caridade pública que não exercia nenhuma influência sobre a sociedade como um todo”. (Marshall apud Pastorini, 1997, p. 83) Podemos perceber que na análise efetuada por Marshall o ponto central encontra-se na discussão da ajuda e da assistência do Estado aos trabalhadores e aos indigentes levando a pensar as políticas sociais como meros instrumentos de redistribuição da renda entre diferentes grupos ou classes sociais. XXXIII Já Graciarena, sociólogo da CEPAL, entende as políticas sociais de uma outra forma. Para ele: “as políticas sociais são elaborações apendiculares, cuja função central é a correção mediante a assistência social dos efeitos malignos que produz uma determinada estratégia de crescimento capitalista”. (Graciarena apud Pastorini, 1997, p. 83) As políticas sociais, para Graciarena surgem no momento em que o mercado como instância distributiva e eqüitativa começa a ser questionado aparecendo, assim, a necessidade da intervenção estatal. Elas seriam as alternativas para o combate às desigualdades sociais. Dessa forma, as políticas sociais como ação do Estado ganham um caráter compensatório, paliativo e corretivo das desigualdades geradas no mercado como conseqüência do desenvolvimento capitalista. Numa linha de análise semelhante, um outro autor conceitua as políticas sociais como: “a intervenção na realidade , por meio de ações (...) que outorgam recursos escassos para aumentar o bem-estar da população em seu conjunto. O que em geral se alcança (sobretudo) diminuindo os setores que vivem em situação de pobreza”. (Franco apud Pastorini, 1997, p. 84) Essa análise deixa evidente a exaltação da busca do bem “comum” por parte do Estado; a naturalização sem solução, da origem das desigualdades sociais e da pobreza geradas nas sociedades com “recursos escassos”, além da diminuição “quase mágica” dos setores espoliados através da execução de políticas sociais, sem se tocar em qualquer elemento estrutural. XXXIV Partindo do princípio que em toda sociedade há desequilíbrios “naturais” o mesmo autor acrescenta que: “a desigualdade é um componente estrutural inevitável de toda a sociedade (...) onde as políticas sociais são só um elemento entre os outros para atingir as sociedades menos desiguais”. (Franco apud Pastorini, 1997, p. 84) Assim, a redistribuição dos recursos sociais apresenta-se como alternativa válida perante a “naturalização” das desigualdades entrando em cena as políticas sociais, essencialmente ligadas a modelos de estado benfeitores, de caráter “populista”, democráticos. Essas políticas, vistas como meras concessões por parte do Estado, cuja pretensão é reverter as desigualdades “naturais” produzidas na sociedade e no mercado vão se fundamentar numa lógica de “desigualdade” de signo contrário, de acordo com Pastorini. Nessa perspectiva as políticas sociais são criadas como mecanismo compensatório das desigualdades próprias do mercado, o que torna necessário que tais políticas sejam tão desiguais quanto o mercado, porém num sentido contrário, s o mercado privilegia a uns e desfavorece a outros, as políticas sociais “redistributivas” tem como papel fundamental favorecer somente aos desfavorecidos pela lógica do mercado. Isso caracteriza esse mecanismo como de compensação que, de acordo com o pensamento desses autores é o responsável pelo equilíbrio das desigualdades e leva ao combate da pobreza. Pode-se considerar essa visão como romântica, visto que , a redistribuição através das políticas sociais não é suficiente para compensar as desigualdades sócio-econômicas e políticas manifestadas no mercado e geradas na esfera produtiva, pois na realidade tais pensadores aludem à “redistribuição e não a “distribuição”. Para eles, a finalidade das políticas sociais estaria na repartição dos recursos escassos, cujos custos são XXXV socializados por meio da tributação e nessa socialização a sociedade como um todo é que contribui e não apenas os mais favorecidos, detentores do poder, os privilegiados na sociedade e responsáveis pela geração das desigualdades. Por estarem as políticas sociais ligadas à “redistribuição”, e não à distribuição, assumem um papel de instrumento “dócil” que serve ao sistema capitalista. Elas não incidem, questionam ou condicionam a distribuição desigual, cuja origem encontra-se na esfera produtiva e se realiza no mercado. O fato do Estado intervir através das políticas sociais, não implica que tal intervenção se dê de modo significativo revertendo as desigualdades sociais, principalmente porque a intenção do Estado, na verdade, acaba sendo a de reforçar a lógica capitalista – contribuindo para valorizar o capital – através da concessão de poucos benefícios aos prejudicados pelo mercado. Nesta concepção, o principal aspecto abordado é o econômico, redistributivo em detrimento dos demais aspectos – a aspecto político e o político-econômico. De acordo com Alejandra Pastorini é possível que os autores que adotam essa concepção se esqueçam que as políticas sociais se constituem como um produto concreto do desenvolvimento capitalista; de suas contradições; da acumulação crescente do capital, sendo portanto, um produto histórico, e não fruto de um desenvolvimento “natural”, pois nessa concepção o Estado surge como representante do “bem comum”, como um instrumento que atende igualmente aos diversos interesses da sociedade no seu conjunto, buscando elevar os níveis de vida de todos maximizando a igualdade e o bemestar da população, porém num ilusório contexto onde os conflitos sóciopolíticos estão ausentes ou são minimizados. XXXVI 3.2. A PERSPECTIVA MARXISTA A perspectiva marxista surge em oposição a concepção tradicional das políticas sociais que coloca a necessidade de se pensar tais políticas como “concessões e conquistas” e não apenas como concessões. Nesta perspectiva predomina a idéia de que as políticas sociais não podem ser pensadas como meras concessões por parte do Estado. Não há uma relação bipolar, mas sim, múltipla, que envolve pelo menos três sujeitos protagonistas: as classe hegemônicas; o Estado, como intermediador e hegemonizado pelas classes dominantes e as classes trabalhadoras e subalternas como beneficiários das políticas sociais. Desse modo, partindo-se da idéia de que esses três atores principais encontram-se em conflito e tensão constante podemos refletir sobre a impossibilidade de se estender as políticas sociais como simples “concessões” de apenas um desses sujeitos e sim buscar entendê-las como produtos das relações conflitivas entre os diferentes atores envolvidos. Com isso, para se analisar o fenômeno das políticas sociais não basta considerar somente a atitude e o “produto final”, o benefício ou o serviço prestado pelo Estado, é fundamental não desconhecer as lutas prévias e os conflitos anteriores que levaram o Estado a esse ato de “conceder”. Os autores dessa perspectiva - a marxista – vêem a constituição das políticas sociais como um instrumento “redistributivo”, mas que, simultânea e principalmente, cumprem outras funções políticas e econômicas. Isso significa que as políticas sociais não devem ser vistas como meros instrumentos de prestação de serviço, mas , de modo contrário, é preciso analisar a sua contraparte que refere-se , principalmente, ao barateamento da força de trabalho através da socialização dos custos de sua própria reprodução. XXXVII De acordo com Pastorini, a perspectiva marxista apresenta avanços com relação a perspectiva tradicional, que podem ser sintetizados em dois elementos fundamentais: o primeiro, que foi a incorporação da perspectiva da totalidade às análises das políticas sociais e o segundo elemento, que foi a incorporação a estas pesquisas da centralidade e da relevância da luta de classes. Partindo-se de uma perspectiva da totalidade, o estudo das políticas sociais nos leva a apreensão conjunta dos momentos de produção e de distribuição como elementos que constituem uma totalidade, além de nos levar a considerar os indissolúveis entrelaçamentos que há entre economia e política. Sendo assim, como coloca Pastorini “só poderemos capturar a complexidade de um fenômeno social se compreendermos os seus vínculos com a economia e a política; sem descuidar nem de uma nem de outra dimensão da totalidade social”. (Pastorini, 1997, p. 87) Na perspectiva da totalidade, percebe-se como erro, primeiro, o entendimento das políticas sociais apenas como ações, cuja tendência seria diminuir as desigualdades sociais, e segundo como reestabelecedoras do equilíbrio social através da redistribuição de recursos. Partindo de um enfoque antagônico, de acordo com Pastorini, “a perspectiva marxista entenderá as políticas sociais como mecanismos de articulação, tanto de processos políticos, que visam o consenso social, a aceitação e legitimação da ordem, a mobilização/desmobilização da população, a manutenção das relações sociais, a redução de conflitos etc. quanto econômicos, procurando a redução dos custos de manutenção e reprodução da XXXVIII força de trabalho, favorecendo a acumulação e valorização do capital etc.”. (Pastorini, 1997, p. 87) O alvo de tais políticas sociais encontra-se nas seqüelas da “questão social”, que , como bem coloca Netto é “aquele conjunto de problemáticas sociais, políticas e econômicas que se gesta com o surgimento da classe operária, dentro de uma sociedade capitalista”. (Netto apud Pastorini ,1997, p. 87) Assim, as políticas sociais têm como objetivo garantir as condições essenciais ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção e também a concentração e a centralização peculiares ao capital e não somente a simples correção dos efeitos nefastos, negativos desses processos. A perspectiva marxista trás em seu bojo o entendimento de que só há possibilidade de analisar as políticas sociais partindo-se de uma ótica da totalidade, a medida em que os elementos econômicos sejam estudados, não isoladamente, mas em conjunto com os elementos sociais e políticos. O desenvolvimento das políticas sociais no mundo capitalista apresenta funções e Pastorini ressalta as duas que considera como principais: a função social e a econômica. Com relação ã função social pode-se afirmar que as políticas têm por objetivo gerar certa redistribuição dos recursos sociais de um lado, através da prestação de serviços sociais e assistenciais e, de outro, concedendo um complemento salarial à parcela carente da população. Ocorre que, tal função social, na verdade, encobre e mascara as principais funções que as políticas sociais desempenham no mundo capitalista, quando se apresentam perante os indivíduos como mecanismos institucionais cuja tendência é diminuir as desigualdades sociais redistribuindo seus XXXIX escassos recursos em oposição ao mercado onde o que tem menos será o que mais receberá das políticas sociais. No entanto, esse sistema de solidariedade social encobre e oculta o centro da questão – que neste caso, são as funções políticas e econômicas das políticas sociais e que podem ser observadas na análise de Iamamoto quanto ao significado dos serviços sociais desenvolvidos através das políticas sociais, tanto para os que as usam quanto para os setores que as implementam. Para ela: “ do ponto de vista das classe trabalhadoras, estes serviços podem ser encarados como complementares, mas necessários à sua sobrevivência, diante de uma política salarial que mantém os salários aquém das necessidades mínimas, historicamente estabelecidas para a reprodução de suas condições de vida(...) Porém, à medida que a gestão de tais serviços escapa inteiramente ao controle dos trabalhadores(...) tendem a ser utilizadas como meio de subordinação dessa população aos padrões vigentes(...) Do ponto de vista do capital, tais serviços constituem meios de socializar os custos da reprodução da força de trabalho”. (Iamamoto apud Pastorini, 1997, p. 88) Na análise de Iamamoto é possível observar a existência de uma dualidade contraditória nas políticas sociais. Por um lado, mostram aos beneficiários uma imagem “redistributiva”, que atua como reparadora , e por outro, para as classes dirigentes/dominantes desempenham um papel de redução dos custos de manutenção e reprodução da força de trabalho, socializando o que deveria ser um custo exclusivo do empregador. Há uma outra função, que é a de legitimar a ordem estabelecida e inibir as eventuais crises sociais. Nesse sentido, tornam-se evidentes as funções econômicas, políticas e sociais que as políticas públicas cumprem. Com relação a outra função – a econômica – cabe ressaltar que o Estado capitalista através da implementação de políticas sociais contribui para XL o barateamento da força de trabalho. Isso se dá por meio da socialização dos custos da sua reprodução. Desse modo, como coloca Pastorini “as políticas sociais – juntamente com seus programas de ajuda social (por exemplo as transferências de bens e recursos), subsídios e subvenções – têm como um dos objetivos principais contribuir com a reprodução da força de trabalho”. (Pastorini, 1997, p. 89) No entanto, o financiamento da tais políticas se dá com recursos públicos recolhidos através de impostos, especialmente os indiretos, que a população paga. Com isso no processo de produção o custo com a reprodução do trabalhador acaba sendo pago pela sociedade como um todo, que subsidia e contribui para a geração de recursos destinados à garantir a sobrevivência dos trabalhadores e de suas famílias quando deveria ser de total responsabilidade dos mais favorecidos, dos que dominam, dos verdadeiros responsáveis pelo acirramento da questão social. Portanto, é possível observar que as políticas sociais apresentam dupla contribuição, visto que, favorecem à subordinação do trabalho ao capital gerando facilidades, bem como criando as condições necessárias para o desenvolvimento capitalista quando preservam e controlam tanto a força de trabalho ocupada quando a excedente servindo também para adequar e controlar a mão-de-obra futura atuando com instrumento oposição à tendência ao subconsumo como observa Netto quando se refere a função da política social: “a funcionalidade essencial da política social do Estado burguês no capitalismo monopolista se expressa nos processos referentes à preservação e ao controle da força de trabalho – ocupada, mediante a regulação das relações capitalistas/trabalhadores”. (Netto apud Pastorini, 1997, p. 89) XLI Tal fenômeno deve-se a existência de políticas sociais como as políticas de saúde, que visam manter o trabalhador saudável para a produção; as políticas na área da educação, cujo principal papel é capacitar os trabalhadores de acordo com as exigências do processo de produção; há também as destinadas à prevenção de acidentes de trabalho; as que são criadas para dar assistência às creches, nos casos em que o trabalho feminino é requerido dentre outras. Tais políticas são criadas visando assegurar as exigências necessárias à valorização do capital. Há também políticas sociais, cujo destino é atender a força de trabalho excedente, excluída do processo de produção capitalista – a população que tem como função servir como exército industrial de reserva, que não é atendida pelos seguros sociais ou pelos aposentados e pensionistas alvos da Previdência Social. Neste sentido, as políticas seriam estratégias do Estado na busca por integrar a força de trabalho na relação de trabalho assalariado. Com isso, a questão social termina por ser pensada de modo fragmentado e parcializado, transformando as políticas sociais que são direcionadas ao atendimento de problemática particulares e específicas, individualizando-se as questões sociais, o que faz com que a solução para tal problema escape ao controle dos trabalhadores. Essas políticas sociais têm como principal função subordinar os trabalhadores à ordem vigente, o que leva à reprodução das desigualdades sociais que derivam da diversidade de participação no processo de produção. Como já vimos as políticas sociais cumprem também uma função política, isto é, por seu intermédio ocorre maior integração dos setores populares com a vida política e social, assim como à ordem sócio-econômica contribuindo para a criação de padrões de participação, de espaços onde participar, porém a participação apresenta limitações que podem ser observadas na fala de Pastorini quando diz: XLII “este é um mecanismo para enquadrar, limitando institucionalmente a participação, ou seja, pretende-se por meio da integração e adaptação dos indivíduos ao sistema conjuntamente com as alianças entre os diferentes setores, contrapor o avanço dos subalternos, como forma de ampliar o controle social”. (Pastorini, 1997, p. 90) Assim pode-se perceber que as políticas sociais têm participação na reprodução das estruturas política, econômica e social. Elas reproduzem as condições de dominação e subordinação, portanto fortalecendo as desigualdades sociais e contribuindo para a aceitação e legitimação essenciais à manutenção da ordem vigente como destaca Netto: “o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmica e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado ao buscar legitimação política através do jogo democrático. É permeável a demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele sues interesses e suas reivindicações imediatas(...) É somente nestas condições que as seqüelas da “questão social”’ tornam-se – mais exatamente podem tornar-se – objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado”. (Netto apud Pastorini, 1997, p. 90) Em sua fala Netto deixa claro que as políticas sociais podem e devem ser pensadas “dentro dos quadros da totalidade social”, como produtos da articulação tanto do aspecto econômico como do político e não separadamente como na perspectiva anterior. Cabe ressaltar um outro elemento que a perspectiva marxista incorpora às análises das políticas sociais, que é a importância de pensá-las sim, porém sem esquecer de incluir um fator que permeia o modelo de sociedade capitalista – a luta de classes. XLIII Como já vimos, os principais envolvidos na produção de políticas sociais são: o Estado, as classes hegemônicas e as classe subalternas. Assim, as políticas sociais surgem como produtos das lutas de classes e da correlação de forças existentes na sociedade capitalista. Importa destacar uma definição de Faleiros sobre as políticas sociais, que as vê como: “formas de manutenção da força de trabalho econômica e politicamente articuladas para não afetar o processo de exploração capitalista e dentro do processo de hegemonia e contra-hegemonia da luta de classes”. (Faleiros apud Pastorini, 1997, p. 91) Nessa relação conflitiva o Estado atua como mediador de conflitos, como o condensador das relações entre as forças sociais e também como expressão das contradições de classe. Isto porque em sua atuação o Estado deve incorporar algumas das reivindicações e demandas dos setores subalternos, a fim de garantir a legitimação do modo de produção capitalista. Dessa forma, se estabelece um “pacto de dominação” implícito em que cabe ao Estado incluir e dar respostas a determinados interesses e demandas das classes menos favorecidas para obter em troca a sua legitimação. Com isso, as políticas sociais podem ser entendidas como instrumentos úteis que servem para mediar os elementos conflitivos das lutas de classes transformando-as num elemento de pacto entre classes opostas. Neste sentido, para se compreender o fenômeno das políticas sociais em sua amplitude e complexidade – suas funções econômicas, políticas e sociais – torna-se fundamental que se incorpore a presença das lutas de classes ao estudo das mesmas. XLIV Desse modo, ressaltamos a importância da perspectiva marxista que inseriu no debate das políticas sociais a perspectiva da luta de classes determinando uma relação entre sujeitos protagonistas, bem como a perspectiva da totalidade cuja importância está em se pensar as políticas sociais nos três níveis fundamentais à constituição da sociedade: o político, o econômico e o social de forma conjunta. Geralmente, o Estado atende às reivindicações feitas por determinados grupos de indivíduos outorgando um benefício ou serviço como conseqüência direta da organização dos mesmos, porém em alguns momentos o Estado – um ator com capacidade de iniciativa – pretendendo evitar os conflitos sociais busca se antecipar e atender a eventuais demandas desses segmentos mesmo que ainda não tenham sido declaradas. Podemos perceber que a possibilidade de haver pressão e lutas exerce um papel central para a implementação de políticas sociais por parte do Estado, que certamente não se anteciparia se tal possibilidade não existisse. Para completar essas breves reflexões sobre as políticas sociais, cabe ressaltar, a importância de se levar em consideração o processo de “demanda, luta, negociação e outorgamento” na análise dessas políticas, seja esse processo implícito ou explícito, visto que de todas as formas esses elementos encontram-se presentes no processo de elaboração, definição e implementação da políticas sociais. Isto posto, nos colocamos mais uma indagação: as ONG’s possuem um potencial político capas de mobilizar os indivíduos, no sentido de fortalecer suas reivindicações frente ao Estado, ou ao contrário, elas substituem/ocupam as funções das políticas sociais desresponsabilizando cumprimento dos direitos do cidadão? XLV o Estado no Com base na perspectiva marxista, procuraremos, no decorrer deste estudo responder a essa questão. Antes, porém, consideramos importante tecermos algumas considerações acerca da realidade das políticas sociais em nosso país. XLVI CAPÍTULO IV ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA POLÍTICA SOCIAL NO BRASIL Apesar de ter passado por muitas modificações até os dias atuais, a política social no Brasil não conseguiu eliminar todas as barreiras necessárias para o enfrentamento das questões sociais. Atualmente, ela ainda esbarra em limites. Consequentemente são muitas as carências da população brasileira que não tem acesso as mesmas e dependem do assistencialismo de organizações como a que enfocamos neste estudo e como fica claro no que diz Yasbek: “no caso do assistencial, o Estado, muitas vezes, abarca as iniciativas da rede solidária de entidades e movimentos da sociedade civil direcionados ao enfrentamento de questões relativas à minimização da pobreza. Esta articulação é na maior parte das vezes regulada por contratos ou convênios nos quais o Estado aparece como agente financiador e supervisor da produção de serviços sociais pelas entidades”. (Yasbek, 1996, p. 52) Para se ter um idéia da problemática da política social em nosso país, é importante recordar sua trajetória nesta latitude. Após incorporadas ao 1830, no costume Brasil, as reformas político tendo constitucionais continuidade na foram República, principalmente, após a década de 20. Cabe lembrar que a última reforma constitucional neste país ocorreu em 1988. XLVII Na verdade, o papel das reformas constitucionais é o de atender às exigências da classe dirigente, que, no Brasil, constitui-se, historicamente, como uma classe cada vez mais subordinada à modernização imposta de fora. Dessa forma, cada nova constituição que surge apresenta atrasos com relação às novas exigências da classe dirigente, visto que a mesma está sempre elegendo novas regras, com a justificativa de que, para manter a estabilidade e o crescimento do país mudanças tornam-se necessárias. Isso pode ser observado na fala de Evaldo A. Vieira que entende que: “a política social percorre dois momentos políticos distintos e marcantes do século XX no Brasil: o primeiro, período de controle da política, correspondendo a ditadura de Getúlio Vargas e ao populismo nacionalista, com influência para além de sua morte em 1954; e o segundo, período de política do controle, cobrindo a época da instalação da ditadura militar em 1964 até a conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988”. (Evaldo A. Vieira, 1997, p. 68) Em tais períodos, a política social brasileira sofreu mudanças, no entanto, conservou o seu caráter fragmentário, setorial e emergencial permanecendo voltada à necessidade de legitimar governos que necessitam apoiar-se em bases sociais, a fim de garantir sua continuidade chegando a aceitar, de forma seletiva, algumas reivindicações e, até mesmo, pressões da sociedade. Segundo Vieira, a política social no Brasil, atualmente, encontra-se em seu terceiro período de existência ”que teve início a partir de 1988 constituindo-se o que ele chama de uma “política social sem direitos sociais”. XLVIII Com a reforma constitucional de 1988, muitos direitos nos campos da educação, saúde, assistência, previdência social, trabalho, lazer, maternidade, infância, segurança dentre outros foram garantidos. Chegou-se a definir: definir: direitos específicos dos trabalhadores urbanos e dos trabalhadores rurais; da associação profissional ou sindical; de greve; da participação de trabalhadores e empregadores em colegiados dos órgãos públicos; da atuação de representantes dos trabalhadores no atendimento direto com empregadores. Apesar de tais direitos estarem garantidos constitucionalmente, na realidade, como coloca Vieira: “ poucos desses direitos estão sendo praticados ou ao menos regulamentados, quando exigem regulamentação”. (op. cit., p. 68) que complementa “o mais grave é que em nenhum momento histórico da República brasileira, os direitos sociais sofrem tão clara e sinceramente ataques da classe dirigente do Estado e dos donos da vida em geral, como depois de 1995”. (idem) A revolução tecnológica, a partir dos anos 70 ampliou-se levando o capitalismo a ingressar numa nova fase de acumulação acompanhada de uma crise estrutural, de caráter fortemente depressivo, cuja manifestação “mais flagrante e inquestionável” encontra-se no crescimento exagerado da taxa de desemprego. Nessa sua nova fase, o capital adota o neoliberalismo como modelo de política social negando os direitos sociais, e garantindo o mínimo aos “indigentes” que encontram-se fora do mercado formal de trabalho, visto que exige contrapartida para o gozo dos benefícios, que vincula o nível de vida diretamente ao mercado, transformando-o em mercadoria. Geralmente, a elaboração de políticas sociais envolve diversos fatores como “direitos sociais, projetos, diretrizes, orçamentos, executores, resultados, impactos etc.” e com isso, torna-se evidente a necessidade das políticas sociais passarem sempre por uma avaliação. Tal avaliação XLIX apresenta-se como uma exigência fundamental, obrigatória, principalmente, nos casos em que os recursos para implementação da s políticas sociais saem do “bolso “ do “povo” através dos impostos que pagam. Na falta desses recursos emerge a “crise fiscal do Estado” contribuindo para o crescimento dos avaliadores, que de acordo com Vieira apresentam como justificativa a preservação do bem e do patrimônio públicos. Assim, os avaliadores tendem a igualar os elementos necessários a implementação de políticas sociais como os “direitos sociais, os projetos, os executores, os processos, a eficiência, a eficácia , os resultados, os impactos. Para Vieira” esta nova fase de acumulação capitalista não se importa com direitos. Seus filhos mais queridos, os recentes avaliadores, nutrem-se do relativismo tão a gosto da meritocracia”. (op. cit., p. 71) Em referência a meritocracia atual, Vieira cita Cristopher Lasch que retrata em sua fala a idéia de que: “as novas elites, sentem-se à vontade em trânsito, a caminho de uma conferência importante, da festa de inauguração de uma nova franquia, de um festival internacional de cinema, ou de uma estação de águas ainda inexplorada. A sua visão de mundo é, essencialmente a de um turista – não é uma perspectiva que possa incentivar uma apaixonada dedicação à democracia (...) Quando falamos de democracia, hoje, estamos nos referindo, quase sempre, à democratização da auto-estima”. Lasch ao enfocar a meritocracia ressalta que: “o cosmopolitismo de uns poucos favorecidos, por desconhecerem a prática da cidadania, acaba sendo uma forma superior de provincianismo. Em vez de apoiar os serviços públicos, as novas elites aplicam o seu dinheiro na melhoria de seus próprios encraves fechados em si L mesmos. Pagam com prazer as escolas particulares dos subúrbios, a polícia particular, os sistemas particulares de coleta de lixo; mas conseguiram se livrar, impressionantemente, da obrigação de contribuir para o tesouro nacional. Seu reconhecimento das obrigações cívicas não vai além de seus vizinhos mais próximos”. (idem) Numa visão democrática, a avaliação dos elementos essenciais à implementação das políticas sociais deveria levar, minimamente, em conta o respeito aos direitos sociais reconhecendo sua superioridade por constarem na Constituição Federal de 1988. Assim, cabe ressaltar três conseqüências políticas geradas pela supressão dos direitos sociais colocadas por Vieira: “a) Tidas como naturais e independentes, as leis da economia, lamentavelmente, transmitem a impressão de que se extinguem as sociedades sobrevivendo apenas os mercados e os grupos unidos a ele. Em conseqüência, arruinam-se as classes sociais, os movimentos sociais, as teorias e o próprio pensamento , no mundo em incontrolável mudança. b) O processo produtivo submete-se, intensamente, ao capitalismo financeiro: este acumula mais lucro com a especulação do que com a produção. Ao mesmo tempo, se internacionalizam a criação e a difusão das indústrias de comunicação, tornandose a “globalização econômica” em crescente “americanização” da cultura de massa. c) Os “ajustes estruturais” ou a “livre circulação dos capitais” debilitam os processos produtivos das sociedades, sujeitando-se às aventuras do capitalismo financeiro e à “americanização” da cultura”. (Vieira, 1997, p. 72) LI Para Vieira “mesmo em ocasiões de negação explícita de sua presença na economia, o Estado funciona como salvaguarda e propulsor dos detentores de capital”. (Vieira, 1997, p. 73) Ao analisarmos as políticas sociais, no Brasil de hoje, podemos perceber, não somente sua deterioração e privatização, como também um distanciamento cada vez maior dos indivíduos no seu interior, os canais de participação da população nas políticas sociais são praticamente inexistentes sendo poucos e frágeis os movimentos sociais que ainda lutam por essa participação. Neste contexto, considerarmos que o papel das ONG’s na sociedade brasileira não deixa de ter sua importância, a medida que atende diversas demandas colocadas pela questão social, no entanto, é preciso que estas organizações não sejam encaradas como responsáveis pela criação das políticas sociais, mas como um elemento capaz de fortalecer os movimentos sociais levando-as a pressionar o Estado no cumprimento dessas políticas sociais, tendo em vista que toda política social é fruto da correlação de forças presente na sociedade. Assim sendo, com essa nova etapa de desemprego em massa e de privações ilimitadas, que atingem a maior parte da sociedade atualmente, a intervenção do Estado torna-se imprescindível para que os direitos sociais contidos na Constituição de 1988 sejam concretizados, visando assegurar a segurança social no Brasil, e não apenas o Estado de bem-estar social, que as ONG’s devem “forçar” o Estado com relação ao cumprimento de suas funções políticas e sociais junto à sociedade civil e não retirar a responsabilidade dele nesta tarefa. LII CAPÍTULO V O PROCESSO DE TRABALHO DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA Durante nossa experiência na Ação Comunitária Sal da Terra foi possível perceber que o modo como se desenvolveu o processo de trabalho do Serviço Social nesta instituição está intimamente ligado à história de vida da assistente social que gerencia tal processo. Neste sentido, é importante assimilar que a trajetória da assistente social que atua no Sal da Terra antecede a criação dessa obra social, visto que toda a sua família sempre foi católica e participativa nas atividades da Igreja. Enquanto membro ativo da Igreja e da comunidade, ela teve sua atuação ampliada no período – durante seis anos - em que esteve como coordenadora da catequese, que durante alguns anos contou com a presença de cerca de 600 crianças que vinham das comunidades dos diversos morros próximos á Igreja. A dificuldade que havia para desenvolver esse trabalho pode ser observada na fala da assistente social: “E isso, exigia da gente um desgaste muito grande, um trabalho de organização. Tanto organização para atendimento às crianças quanto organização enquanto catequistas, ao nível de coordenação. Eu e outra colega que coordenávamos juntas”. A responsabilidade de criar atividades, de organizar os materiais a serem utilizados era atribuição delas enquanto coordenadoras cuja preocupação envolvia além das crianças, os pais, os catequistas, a Igreja dentre outras questões. LIII Cabe ressaltar que, a assistente social, na época já utilizava grande parte de seu tempo a serviço da Igreja. Pudemos perceber isso em sua fala: Às vezes, as pessoas dizem assim: você fica o sábado inteiro na Igreja... Eu já fico na Igreja há mais de 20 anos. Não foi o Serviço Social que me levou a trabalhar sábado na Igreja. Há mais de 20 anos que eu faço isso! Então, já faz parte do meu trabalho, da minha disponibilidade para o serviço à Igreja. Conforme mencionado acima, houve época em que na catequese haviam 600 crianças dos diversos morros: Amor, Cachoeirinha, D. Francisca, Barro Preto, Barro Vermelho, Cabuçu, dentre outros próximos à Igreja e que, na verdade, levavam para a aula de catecismo todos os seus problemas de fome, de miséria, de dificuldades econômicas, enfim todas as questões sociais que envolviam aquelas comunidades carentes e que exigiam das catequistas alguns programas de ação imediata para atender àquelas necessidades que chegavam. Assim, “ nenhuma criança deixava de fazer a catequese porque não tinha um livro ou de participar de um teatro porque não tinha dinheiro para comprar aquela roupa. Ninguém deixava de fazer primeira comunhão porque não tinha dinheiro para comprar sapato. Essas coisas, trabalhávamos ,solidariamente, buscando alternativas”, complementa a assistente social. Em sua fala a entrevistada revela que aprendeu bastante com essa vivência comunitária, com esse trabalho de coordenação. Com relação à solidariedade explicou: “Claro que já é um pouco de nós. Faz parte da nossa personalidade...” e foi nesse trabalho de coordenação que ela começou a sentir necessidade de se aprofundar em algum conhecimento, algo mais técnico, apesar de não ter muita clareza do que era. Desse modo, na época em que se viu compelida a buscar uma profissão através do ensino universitário, pensou em duas possibilidades: a Pedagogia e o Serviço Social, porém sem ter o devido esclarecimento sobre qualquer uma das profissões. LIV Nessa época trabalhando como caixa do Banco do Brasil, um trabalho bem diferente do que a entrevistada realizava na coordenação da catequese que assumiu também “sem conhecer bem toda essa fundamentação bíblica, doutrinária, embora sendo católica a vida inteira... sempre fui desde muito criancinha...” ela reconhece que “no sentido de formação técnica... que é muito importante...” não tinha conhecimento algum, no entanto, com relação ao trabalho como coordenadora da catequese complementa: “ aprendi muito nessa época para poder preparar material. Fiz cursos, ainda vou fazer um dia, se Deus quiser a Teologia, para ter mais bagagem de conhecimento”. A dúvida entre a Pedagogia e o Serviço Social surgiu mesmo tendo feito a inscrição para as duas faculdades, no entanto, no dia da prova para pedagogia “um serviço religioso” a impediu de fazer a prova – foi ser madrinha da filha de uma prima – tendo que optar entre ser madrinha ou fazer a prova e... “ o sentido religiosos foi mais forte”. Assim sendo, ela acabou fazendo a prova para o Serviço Social na faculdade Veiga de Almeida e foi aprovada. Mesmo nunca tendo tido contato com um assistente social, de não ter noção do que um assistente social fazia buscou essa profissão para contribuir com o trabalho que exercia na Igreja e pensou “ vou ver no que vai dar, ver o que é isso... mas também sem muita clareza da profissão em si”. No período em que fez estágio teve que “abandonar” a coordenação da catequese e os compromissos religiosos, visto que seu estágio se dava também aos sábados, em horário integral. Antes de terminar a faculdade de Serviço Social, em 1987, a entrevistada já atuava como conselheira na Ação Comunitária Sal da Terra, tendo sido convidada pelo padre que fez um novo convite após ela ter concluído a faculdade. Ela lembra: “ fui convidada pelo padre... para ... ajudálo. Não sei se a palavra certa é ajudar, mas dividi com ele muitas das demandas que vinham para a Igreja à procura dele, mas eram coisas sociais e LV que ele enquanto padre como se diz... estava apenas se preocupando com o social. Não estava se preocupando com a parte da evangelização. Mas essas coisas se misturam. Elas não são divididas. Por isso, como naquela sua pergunta sobre o agente cristão e o agente social... você não é isso ou aquilo. Você está na Igreja, você é cristã, mas você está ali recebendo uma demanda que... seja espiritual ou seja social, você, entre aspas, precisa dar conta ou orientar , apresentar alguns caminhos” e assim, “ ele me chamou para... que eu começasse como assistente social na Igreja”. Já formada como assistente social voltou a atuar na catequese, porém dessa vez, não como coordenadora, mas como catequista aos sábados. Com isso o atendimento do Serviço Social ficou para os dias úteis à noite, visto que ela trabalhava durante o dia todo. Assim sendo, reservou um dia da semana para atuar como assistente social, no entanto a demanda era muito grande, pois como já vimos anteriormente, há diversas comunidades, na sua maioria carentes, nos morros próximos à Igreja, que buscavam o Serviço Social. Era sua primeira experiência enquanto profissional sem recursos, sem idéias do que fazer ou como fazer... para dar conta de tanto trabalho. Em sua fala ela explicita essa dificuldade” ...não sabia de nada, Por mais que você possa ter aprendido algumas coisas no estágio...” e principalmente porque no estágio “Esse tipo de trabalho, naquela época de implantação desses projetos na comunidade estava numa linha metodológica do Boris Alex Lima, que era uma linha assim de... a comunidade vai participar, não temos que ir atrás da comunidade. Temos que estar lá para orientar,... tem que partir deles”. Para a assistente social tudo isso era complicado porque, enquanto estagiária sentia-se incomodada porque na Igreja estava acostumada a trabalhar num “pique louco” e no estágio o ritmo de trabalho era diferente. No entanto, apesar das dificuldades ela foi à luta e jogou sua experiência de trabalho anterior. LVI No campo de estágio, porém após formar-se e ter que atuar como profissional diz ter percebido que” é diferente, você de um dia para uma noite, já é um profissional e como é que faz?”. Essa dúvida constitui-se um eixo comum, articulador dos diferentes campos problemáticos com que se defronta o Assistente Social, é o debate sobre o papel profissional: a que venho, para que, com que função? (Iamamoto, 1992, p. 201) Apesar das dificuldades enfrentadas inicialmente, a assistente social contou por um período com um trabalho “interdisciplinar” na instituição e lembra: “ tivemos um período que na nossa igreja teve esse trabalho conjunto... nos reuníamos uma vez por semana ou de quinze em quinze dias. Tinhe eu de assistente social, o advogado que atendia, a Dra. Ana, padre Gustavo. Celinha, educadora e uma outra educadora também catequista, a Carmencita que era psicóloga. Juntávamos um grupo onde se discutia tanto ao nível doutrinal , em termos de Igreja quanto ao nível do trabalho social da comunidade na qual trabalhávamos”. Desse modo, temos a impressão que, o Serviço Social, para a assistente social parece estar, intimamente, ligado à religião, pois nessa sua fala demonstrou valorizar o estudo da doutrina religiosa como fator complementar para o desenvolvimento da prática profissional. É como se ela estivesse investida “ de uma missão de apostolado decorrente... da adesão aos princípios católicos”. (Iamamoto,1982, p. 223) Nesse sentido, a prática profissional dessa Assistente Social se enquadra no que Iamamoto considera como “messianismo utópico” que “privilegia as intenções, os propósitos do sujeito profissional individual, num voluntarismo marcante, que não dá conta do desenvolvimento social e das determinações que a prática profissional incorpora nesse mesmo movimento. O messianismo traduz-se numa visão “heróica”, ingênua das possibilidades LVII revolucionárias da prática profissional, a partir da visão mágica da transformação social”. (1992, p. 115-116) 5.1. A INFLUÊNCIA DO IDEÁRIO CATÓLICO NA TRAJETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA Após esses comentários preliminares sobre a trajetória do Serviço social na Ação Comunitária Sal da Terra, que, na verdade, está diretamente relacionada a trajetória da assistente social em foco pretendemos discorrer um pouco sobre o Serviço Social – profissão cuja implantação está relacionada “diretamente às profundas transformações econômicas e sociais pelas quais a sociedade brasileira é atravessada, e à ação dos grupos, classes e instituições que interagem com essas transformações”. (Iamamoto, 1996, p. 220) e que surgiu no “seio do bloco católico mantendo por um período relativamente longo um quase monopólio da formação dos agentes sociais especializados, tanto a partir de sua própria base social, como de sua doutrina e ideologia”. (Iamamoto, 1996, p. 220) Começou a desenvolver-se a partir do momento em que a Igreja se mobilizou, visando recuperar, bem como defender seus interesses e “privilégios corporativos” buscando reafirmar sua “influência normativa na sociedade”, portanto, essa profissão, inicialmente, esteve vinculada às idéias do voluntarismo e do assistencialismo e apesar do movimento de reconceituação ocorrido na década de 60, atualmente, alguns profissionais do Serviço Social LVIII permanecem com uma atuação voltada para uma prática de caráter assistencialista. Na Ação Comunitária Sal da Terra, o trabalho do Serviço Social apresenta um caráter de missionarismo com: “a visão messiânica e a histórica do Serviço Social; deslocada do solo da história, de cunho voluntarista e subjetivista, ingênua quanto às possibilidades revolucionárias da profissão, muitas vezes embalada por um discurso com propostas e veleidades críticas. Marcada por uma visão mágica da transformação social, que passa a ser reduzida a uma questão de princípios. Muitas vezes, esse discurso se reduz ao compromisso individual do Assistente Social, como se a nossa vontade e propósitos individuais fossem unilateralmente suficientes para alterar a dinâmica da vida social, caindo, não raras vezes, numa concepção basista da condução do exercício profissional”. (Iamamoto, 1996, p. 24) Há dois fatores que nos levam a concordar com essa reflexão: o primeiro, é o fato da prática profissional se desenvolver em uma instituição religiosa, visto que o Sal da Terra é uma obra social da Paróquia S. Tiago Apóstolo, uma Igreja Católica cujo espaço físico é a sede da própria paróquia e segundo que, a assistente social é católica praticante há mais de vinte anos e que em sua fala demonstra claramente acreditar que a prática do Serviço Social e a evangelização não se separam como fica claro em sua fala sobre a evangelização já mencionada “... mas essas coisas se misturam. Elas não são divididas... Você está na Igreja, você é cristã... Assim, torna-se fundamental ressaltar que nesse espaço institucional a assistente social com a sua visão da profissão como um “apostolado social ” não permite que os profissionais tenham uma prática LIX reflexiva que como Ana Maria Vasconcelos define: consiste em “... uma prática educativa, crítica, criativa, politizante, que aponte para a ruptura com o instituído...” (1997, p. 3). Pelo contrário, utiliza as reuniões efetuadas com os profissionais para informar sobre os projetos e parcerias que o Sal da Terra faz com a prefeitura ou com as outras instituições, do que para discutir a sua prática profissional, porque sendo a prática um ato, um movimento “necessita ser pensada, analisada, avaliada quanto aos seus objetivos, metas, resultados, dando visibilidade ao seu desenvolvimento” (Vasconcelos, 1997, p. 10). 5.2. AS ATIVIDADES DO SERVIÇO SOCIAL NA AÇÃO COMUNITÁRIA SAL DA TERRA No período em que atuamos como voluntários na Ação Comunitária Sal da Terra percebemos que a demanda principal, que chegava ao Serviço Social, era a necessidade de alimento, visto que a maioria dos usuários cadastrados, conforme registro no Plantão de Atendimento, apresenta renda muito baixa, cuja média fica em torno e 1 a 2 salários mínimos/mês por família. Com isso, o primeiro problema enfrentado pelo Serviço Social nessa instituição é a questão da fome gerada pelos baixos salários e pelo aumento crescente do desemprego, principalmente, porque essas famílias tendem a ser numerosas, seja pelo número de filhos ou pelos “agregados” (primos, tios, avós, netos ,irmãos dentre outros) que as constituem. Um outro grupo de indivíduos – os aposentados - também contribuem para engrossar a fila dos que buscam alimentos, por que muitos, com o que ganham têm que pagar contas, aluguel, comprar alimentos, remédios, enfim têm de sobreviver e buscam no Serviço Social a “a solução” para complementar a renda mensal e levar uma vida mais digna, com menos dificuldades. LX O alimento não é a única demanda que chega para o Serviço Social, há outras como remédios, roupas, calçados, móveis; outros procuram creche para os filhos menores, a fim de que possam trabalhar; outros mostram-se interessados por cursos, porque acreditam que os ajudará a ter melhores chance para conseguir um emprego; outros ainda buscam atendimento do ambulatório, do dentista e até mesmo o advogado que orienta as pessoas quanto aos seus direitos; muitos perderam documentos e pedem orientação sobre onde tirar a 2a via e até mesmo a 1a via de documentos onde não tenham que pagar. E o Serviço Social vai enfrentar essas questões utilizando-se dos serviços oferecidos pelo Sal da Terra como a Creche Chameguinho, no morro D. Francisca que atende 55 crianças com idade entre 02 e 06 anos de idade, em horário integral contribuindo para que muitas mulheres possam também trabalhar e assim, ajudar no orçamento doméstico; o Projeto Educar Para a Vida que atende, prioritariamente, as crianças que saem da creche até completarem 11 anos de idade, porque ao saírem da creche essa crianças vão para a escola pública, cujo horário não é integral, o que preocupa as mães, que, tendo que trabalhar temem sair para o trabalho deixando seus filhos expostos à influência dos traficantes e marginais que moram na comunidade e a presença constante da polícia, em fim expostos à violência cotidiana dos morros e no caso de irem para o Projeto Educar após a escola, as mães podem ficar mais tranqüilas; os cursos de eletricista , de core]te e costura, de marcenaria e o de informática são bastante procurados pela população que, em sua maioria estando desempregada, acredita que com alguma “ profissão” pode ter maior chance de encontrar emprego. A instituição, além do alimento também faz doações de roupas, sapatos, móveis, material escolar, remédios dentre outras. A questão da fome é enfrentada através do programa da bolsa de alimentos que é distribuída, mensalmente, às famílias que participam do Projeto Amizade, financiado pela ONG Visão Mundial e que atende 100 crianças; há também adolescentes inscritos nos diversos cursos oferecidos LXI pela instituição, sendo que são “ beneficiados” até 20 adolescentes e também os idosos que fazem parte do Projeto Rio Experiente. Em virtude da demanda por alimentos se constituir maioria, o Serviço Social da Ação Comunitária Sal da Terra busca recursos que são obtidos através de doações de tickets-refeição por funcionários do Banco do Brasil para compra de alimentos, bem como da campanha do quilo feita na Igreja , mensalmente, e que são doados às famílias que participam do Projeto Amizade e também através de parcerias entre a instituição e a Prefeitura do Município do Rio de Janeiro que sustenta os projetos Rio Jovem e Rio Experiente doando bolsas de alimentos. Assim sendo, o processo de trabalho do Serviço Social no Sal da Terra ocorre, basicamente, através de três atividades: o Plantão de Atendimento; as visitas domiciliares e as reuniões mensais com os usuários que recebem a bolsa de alimentos. Para isso a assistente social conta com a presença de estagiárias de Serviço Social de três universidades: UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), UFF (Universidade Federal Fluminense) e UVA (Universidade Veiga de Almeida), bem como assistentes sociais voluntários. No Plantão de Atendimento – porta de entrada do Serviço Social – a intervenção profissional se inicia pela entrevista feita com o usuário. Na verdade, a entrevista é aberta e se desenvolve através da “escuta” pelo estagiário ou pelo profissional que buscam junto com o usuário fazer uma reflexão sobre o problema apresentado e direcionam cada caso aos recursos oferecidos pela instituição (alimentos, cursos, creche, dentista, advogado, creche) além de efetuarem encaminhamentos dos usuários para outras instituições (Postos de Saúde: Centro de Defesa da Cidadania, Fetranspor, Banco da Providência) LXII Cabe ressaltar que, todo atendimento é registrado num documento individual, uma espécie de “prontuário” onde são relatadas todas as demandas trazidos pelo usuário; onde o profissional registra os procedimentos adotados. Há também uma documento onde se anota cada doação recebida pelo usuário. Concordamos que é importante registrar os relatos dos usuários, como bem coloca Vasconcelos: “o contato direto com os usuários produz dados a serem utilizados nesse processo de construção do espaço profissional que, além de ser concomitante à prestação de serviços, é sistemático e permanente”. (Vasconcelos, 1997, p. 17) portanto necessita ser registrado. Na entrevista, instrumento utilizado para anotar-se tanto os dados trazidos pelo usuário como a forma de intervenção do profissional, o estagiário pode perceber através da fala do usuário outras demandas que, não se enquadrando nos serviços oferecidos pela instituição podem, posteriormente, ser pensadas, analisadas, a fim de que sejam criadas formas diferenciadas de atuar e intervir na realidade apresentada, como podemos observar na fala de Vasconcelos: “são os assistentes sociais, no caso do Serviço Social, os responsáveis por criar os serviços a serem oferecidos – espaços, rotinas, atividades – tendo como base o movimento institucional – recursos objetivos dos diferentes segmentos envolvidos – tendo como parâmetro as demandas posta, explícita ou implicitamente. A responsabilidade pela definição dos projetos profissionais, das possibilidades de atenção às demandas, não pode ser atribuída aos usuários, a LXIII outros profissionais, nem ignorar a qualidade e quantidade das demandas dirigidas ao serviço. Por exemplo, na definição dos instrumentos de trabalho não cabe priorizar o trabalho individual, tendo em vista o gosto e/ou a facilidade do profissional em trabalhar com entrevistas se, a grande quantidade de demanda, na maioria dos espaços profissionais – queixa constante dos assistentes sociais – exige a priorização do trabalho coletivo, tendo-se ou não facilidade de trabalhar com reuniões”. (Vasconcelos, 1997, p. 25) Com efeito, os assistentes sociais, devido a sua formação profissional e ao lugar que ocupam na divisão social do trabalho, são os que mais possuem condições de se debruçarem “criticamente sobre a riqueza de dados e informações que acumulam e/ou podem acumular sobre as instituições, os segmentos populares envolvidos, o cotidiano de sua prática. A eles é permitido abrir arquivos, ter acesso a todo tipo de documentação; dados; recursos; pesquisas; projetos; governamentais e não governamentais – podendo criar tempos; espaços; rotinas; diferentes atividades, objetivando uma prática de qualidade”. (Vasconcelos, 1997, p. 16) Assim sendo, cabe aos assistentes sociais “ realizar levantamentos, pesquisas” a fim de produzirem conhecimento sobre o espaço institucional, sobre o próprio processo de trabalho, “sobre os dados que fazem emergir da atenção prestada aos usuários, nas suas inter-relações, interpretações dissecando e intercruzando esses dados para que, explicitando o movimento da realidade social trabalhada possam se colocar criticamente, LXIV definindo prioridades , estratégias, alianças, limites e possibilidades, avaliando as conseqüências das ações realizadas”. (Vasconcelos, 1997, p. 16) É importante que o assistente social tenha preocupação com a produção de conhecimento, para que se sinta seguro ao “ se colocar frente à complexidade das demandas institucionais e dos usuários”, e sobretudo seguindo nessa direção terá as condições essenciais para que possa construir as bases “para, mesmo no cotidiano em movimento” ter a noção “do espaço profissional ocupado e a ocupar”, bem como de saber o porquê, o como e o que está oferecendo aos usuários mantendo-se atento às respostas institucionais a serem dadas no cotidiano de sua prática. A racionalidade burocrática aparece na forma como o processo de trabalho do Serviço social está organizado no espaço de intervenção do assistente social na ONG Sal da Terra. O Plantão de Atendimento, as Visitas Domiciliares e as Reuniões – atividades realizadas aos sábados, pela assistente social , pelas estagiárias e pelos profissionais voluntários - são os espaços da prática profissional. Assim sendo, relataremos um pouco dessa prática. Normalmente o Plantão de Atendimento e as Visitas Domiciliares ocorrem pela manhã, à tarde há reuniões com as famílias e também as reuniões com os estagiários e os profissionais voluntários, no entanto cabe deixar claro que, tais reuniões não ocorrem concomitantemente, mas pelo contrário, ocorrem em sábados diferentes. No período que atendemos no Plantão de Atendimento nos foi possível perceber a racionalidade burocrática nessa atividade, visto que a rotina do Plantão se limita a ”escuta”, ao preenchimento da ficha de acompanhamento onde se anota o relato de cada usuário; aos encaminhamentos para outras instituições e também de alguns formulários preenchidos para controle das doações que entram e que saem da instituição; LXV as fichas sociais elaboradas com perguntas “fechadas” onde alguns dados representam interesses da Igreja sendo preenchidas, não de imediato, mas após o usuário já ter sido atendido pelo Plantão pelo menos por duas vezes. Um outro tipo de racionalidade – a racionalidade técnica – pode ser percebida na organização do processo de trabalho do Serviço Social através da forma como são obtidos os recursos: são feitas parcerias e convênios com a Prefeitura, com o Banco do Brasil e outras instituições que contribuem com os recursos necessários ao atendimento das demandas trazidas pela população usuária que o Sal da Terra busca atender. A assistente social tem que prestar contas de como estão sendo utilizados os recursos obtidos através das parcerias, das campanhas do quilo feitas na Igreja e também dos tickets-refeição doados pelos funcionários do Banco do Brasil assinalamos que, possivelmente, o objetivo institucional seja o de reduzir, ainda que parcialmente, as dificuldades com relação à alimentação das famílias que buscam o Serviço Social na Sal da Terra, principalmente, por que grande parte desses indivíduos encontra-se fora do mercado de trabalho. Na Sal da Terra, a triagem dos que vão ter acesso ou não a algum“ benefício material” (alimentos, roupas, remédios) ou aos cursos oferecidos pela instituição é feita pelos estagiários e profissionais voluntários do Serviço Social, no Plantão de Atendimento e nas Visitas Domiciliares. Quanto formulários) são aos instrumentos profissionais (fichas, documentos, elaborados pela assistente social, responsável pela organização das atividades e pelo gerenciamento do processo de trabalho do Serviço Social. Algumas vezes estagiários e profissionais voluntários (assistentes sociais) contribuem para elaboração de tais instrumentos. LXVI CONCLUSÃO Por ser a temática ONG, um assunto bastante recente e complexo em nossa sociedade, e em virtude de ainda não haver consenso sobre o conceito de política social buscamos nesse estudo, priorizar a discussão acerca dessas organizações, principalmente as mesmas, atualmente, apresentam-se como alternativas para o mercado de trabalho do Serviço Social e pelas políticas sociais serem o campo clássico de inserção da profissão. O fato da Ação Comunitária Sal da Terra ser uma obra social da Igreja Católica e da assistente social ter uma atuação significativa nesse espaço, enquanto profissional e membro da Igreja nos levou a perceber que a prática do Serviço Social nessa ONG possui limites que interferem na mediação entre a teoria e a prática profissional. A existência de tais limites se deve aos suportes ideológicos – vinculados à religião – que sustentam a prática dessa assistente social, que fazendo parte da Igreja desde muito jovem e não tendo se atualizado após ter se formado, vem atuando como um “moderno agente da caridade” e apesar de seu discurso ser moderno(falar em ONG, em parcerias) na prática segue o viés religioso, com fortes marcas do messianismo, do voluntarismo e da prática caritativa presentes no surgimento da profissão como se a intervenção profissional fosse um “ apostolado social”. Esses limites permeando a prática dessa assistente social impedem uma reflexão que garanta uma totalidade para melhor compreensão e contextualização da prática junto aos usuários do Serviço Social. Assim, a crítica às pioneiras dessa profissão parece não ter valor para essa assistente social que, “investida de uma missão de apostolado”, tem sua prática pautada, principalmente, nos princípios católicos. Esperamos que esse estudo possa contribuir par a que os profissionais do Serviço Social nessas organizações possam refletir sobre a prática profissional tendo uma visão crítica da realidade social, a fim de evitar os mesmos “equívocos” da profissão quando do seu surgimento. BIBLIOGRAFIA LXVII GHON, Maria da Glória Marcondes. Os Sem Terra, ONGS e cidadania: a sociedade civil brasileira na era da globalização. São Paulo: Cortez, 1997. IAMAMOTO, Marilda Villela e CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação históricoMetodológica. 11. ed., São Paulo: Cortez,1996. IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 4. ed., São Paulo: Cortez, 1997. IASZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 2. ed., São Paulo: Cortez, 1996. PASTORINI, Alejandra. “Quem mexe os fios da políticas sociais? Avanços e limites da categoria “concessão-conquista””. In: Serviço Social e sociedade, n. 53. 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LXVIII ÍNDICE FOLHA DE ROSTO AGRADECIMENTO DEDICATÓRIA EPÍGRAFE INTRODUÇÃO II III IV V 07 CAPÍTULO I Um pouco de história da Ação Comunitária Sal da Terra 09 CAPÍTULO II Afinal, o que é uma ONG? 2.1. ONG’s, como funcionam e para que servem 14 16 CAPÍTULO III Política social: um tema com muitas definições 3.1. A perspectiva tradicional 3.2. A perspectiva marxista 31 31 37 CAPÍTULO IV Algumas reflexões acerca da política social no Brasil 47 CAPÍTULO V O processo de trabalho do serviço social na Ação Comunitária Sal da Terra 53 5.1. A influência do ideário católico na trajetória do Serviço Social na Ação Comunitária Sal da Terra 58 5.2. As atividades do Serviço Social na Ação Comunitária Sal da Terra 60 CONCLUSÃO 67 BIBLIOGRAFIA ANEXOS FOLHA DE AVALIAÇÃO 68 70 71 LXIX ANEXOS LXX FOLHA DE AVALIAÇÃO UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES Instituto de Pesquisa Sócio-Pedagógicas Pós-Graduação “Latu Sensu” Título da Monografia Data da Entrega: ___________________________ Avaliado por: ______________________________Grau: ________________ Rio de Janeiro, ______ de ______________________ de ________ _______________________________________________________________ Coordenação do Curso LXXI