A Psicologia do Esporte e do Exercício: para além da otimização da performance atlética Marcos Daou Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano. Mestre em Psicologia; Especialista em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental; Graduado em Psicologia e Educação Física. A Psicologia do Esporte e do exercício possui como principal foco o entendimento e a intervenção com sujeitos envolvidos em contextos esportivos e em suas respectivas instituições. Via de regra tem como principais objetivos, mapear as situações, avaliá-las, explicá-las e intervir junto às variáveis envolvidas no Esporte e Exercício que produzem efeitos nos processos Psicológicos dos sujeitos, bem como, intervir nas habilidades Psicológicas que interferem de alguma maneira no desempenho Físico e Esportivo dos Sujeitos (Samulski, 2002; Weinberg & Gould, 2001). A visão, de certa forma, naturalizada, de que no Brasil o Psicólogo do Esporte desenvolve, exclusivamente, trabalhos de motivação com atletas e com equipes esportivas de alto-rendimento, esta sendo sobrepujada pela concepção mais ampla de atuação, de que se faz necessária a análise dos fenômenos envolvidos nas variáveis esportivas e de atividade física, seja em que modalidade for, seja em que grau de competição o sujeito estiver. Quando se desenvolve um plano de ação com sujeitos em contextos esportivos, sempre haverá a produção de efeitos Físicos e Psicológicos; e serão com estas variáveis que estaremos direcionando nossas intervenções. Devido a complexidade do entendimento do sujeito em Exercício Físico, é que deve ser requerido do Psicólogo as habilidades, competências e conhecimentos derivados da área da Educação Física, Ciências da saúde, Medicina do Esporte, bem como um amplo conhecimento das teorias Psicológicas. Ou seja, o profissional deve dialogar com campos de saber que se propõem investigar as relações Biológicas, fisiológicas, Psicológicas para entender a resposta de cada um as demandas expostas. Além do mais, espera-se que o profissional saiba como utilizar o esporte e a atividade física como ferramenta para potencializar, bem como desenvolver variáveis Psicológicas que de alguma forma estão incidindo no seu jeito de ser e na prática esportiva, assim como ter o pleno entendimento de como determinadas características Psicológicas poderiam ser beneficiadas pelos aspectos advindos do Esporte e do Exercício. De aplicação no esporte de alto-rendimento desde o seu surgimento, no final do Século XIX e começo do Século XX, o campo de intervenção da Psicologia do Esporte e do Exercício vem sendo ampliado consideravelmente, nas últimas décadas, principalmente pela apropriação e interesse em desenvolver pesquisas e intervenções na iniciação esportiva; na reabilitação de sujeitos com lesão esportiva; na intervenção com sujeitos que desejam se engajar em um processo de modificação de hábitos de vida (como por exemplo, pessoas com Sobrepeso e Obesidade; com Síndrome Metabólica; com Cardiopatias; com Diabetes). Projetos sociais que envolvem o desenvolvimento do sujeito para vida através dos valores aprendidos pelo esporte, assim como, projetos com terceira idade e de transição de atletas para aposentadoria tem sido muito bem explorados. Com o objetivo de dar conta da demanda que o esporte produz nos sujeitos, se faz de tom imperativo que o profissional que atue neste campo aproprie-se dos conhecimentos advindos da metodologia de treinamento esportivo; da Cinesiologia; da Fisiologia do Exercício; da Bioquímica; dos Processos Grupais; dos Estilos de Liderança e gerenciamento; das Teorias da Aprendizagem; do Desenvolvimento Humano e motor; da Psicopatologia; da Genética; das Teorias da Personalidade; da Neuropsicologia; das Neurociências, entre outros. Esta ampla exigência denota a característica complexa e híbrida de entendimento das demandas de análise e intervenção que se atravessam na constituição do sujeito e da situação esportiva. Não basta o profissional saber os conhecimentos da Psicologia para se tornar um profissional capacitado, assim como, se torna insuficiente o profissional ter conhecimento somente da parte da Educação Física. Sendo assim, entende-se que o profissional para atuar na área da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico deve apresentar competências e habilidades híbridas que se intercruzam entre as áreas da Ciência do Movimento Humano, das Ciências da Saúde e das Ciências Humanas. Basicamente, a Psicologia deve dialogar com os conhecimentos da Educação Física para poder contribuir de melhor forma no desenvolvimento de intervenções para suprir a demanda e propor um trabalho de maior e melhor abrangência. Atualmente, uma das aplicabilidades da Psicologia do Esporte, pode ser vistas a implementação de atividades físicas como complemento da prática Psicoterápica (sujeitos com características depressivas, com ansiedade, com dificuldade de concentração e resolução de problemas) vem demonstrando melhores respostas ao atendimento quando se engajam a atividades físicas com um atendimento combinado com a Psicoterapia. As Neurociências tem contribuído significativamente na produção de pesquisas que apontam os benefícios das atividades físicas, que interferem diretamente nos neurotransmissores e hormônios que acabam por produzir efeitos positivos nas respostas tanto Psicológicas, como Fisiológicas dos sujeitos (Ratey & Hagerman, 2012; Gapin, Etnier, 2010) Outro foco de apropriação da ciência dá-se junto às intervenções com a iniciação esportiva e/ou nas “escolhinhas” que visam à aquisição de alguma habilidade esportiva com crianças e adolescentes. O trabalho do Psicólogo pode contribuir imensamente ao planejar, organizar e/ou conduzir atividades pré-desportivas, ou físicas que visam o desenvolvimento de habilidades Psicológicas em cada sujeito. O foco do trabalho na iniciação esportiva, sempre com caráter interdisciplinar, deve ser o de potencializar habilidades Psicológicas que contribuam na constituição da Personalidade e demais competências para enfrentamento das demandas da vida. Atividades que visam o desenvolvimento da percepção de competência; da assertividade; da motivação para mudança e para o social; auto-eficácia; socialização; resiliência e tolerância a frustração; respeito; disciplina; auto-estima; habilidades sociais; por exemplo, se fazem essenciais nas atividades junto a este público. O objetivo é pensar em como determinada atividade física pode proporcionar psicologicamente algum benefício para aquele sujeito para manejar e se constituir enquanto sujeito para o entendimento e posicionamento na vida. (Gapin, Etnier, 2010; Samulski, 2002; Weinberg & Gould, 2001) O foco não será unicamente a performance atlética, pois de maneira resumida, os estudos na parte de treinamento desportivo, apontam que para cada 100 sujeitos que praticam atividade física nas categorias de base, somente um poderá ter algum destaque em sua modalidade. Deste modo, justifica-se o foco da Psicologia em poder utilizar o esporte como ferramenta para desenvolvimento de habilidades psicológicas que vão facilitar para que se produza a conscientização nas pessoas com valores e ética voltadas para o social, do que direcionar as intervenções para a produção de um atleta. Deve-se sempre focalizar no sujeito e não somente a constituição do atleta (Weineck, 2003). Outra possibilidade de atuação se materializa ao trabalhar com pessoas que necessitam de intervenções para modificação de hábitos de vida, como por exemplo, Obesos, Cardiopatas, Diabéticos. Faz-se necessário um entendimento interdisciplinar sobre os fenômenos para poder entender diante das limitações, físicas, fisiológicas e psicológicas, de que maneira podem ser traçadas estratégias para que o sujeito possa se engajar no tratamento para modificação do estilo de vida que vem repercutindo negativamente em cada caso. Os fatores motivacionais dos sujeitos devem ser identificados, assim como os fatores preditivos de tais limitações, tais quais as influências das habilidades psicológicas como a auto-eficácia, auto-estima e os estilos de personalidade que estarão agindo sobre o modo de ser de cada sujeito. Identificando cada fator, podem ser pensadas estratégias de maior efetividade para responsabilização e ação frente ao plano de mudança. A entrevista Motivacional e o Modelo Transteórico de Mudança, podem ser utilizados no campo da Psicologia do Esporte e do exercício para implementação de um trabalho mais efetivo com esta população (Miller & Rollnick, 2001; Prochaska, Diclemente,1982) No Alto-rendimento, ou seja, no trabalho com atletas em nível profissional, amador, categoria de base, o trabalho da psicologia deve ser realizado sempre respeitando dois princípios básicos: o da individualidade de cada sujeito na prática esportiva (competências emocionais psicológicas, técnicas, táticas e físicas); e o da característica da modalidade esportiva (demandas energéticas, metodologias de treinamento; habilidades Físicas, Técnicas – Táticas – Emocionais requeridas; Estilo de liderança; variáveis culturais e situacionais do esporte e/ou do clube; representação, expectativas e aprendizagem da modalidade). Ao respeitar estas características, deve-se de alguma forma, alicerçar a prática a partir da avaliação da demanda ( a)quais são as situações-problema de cada caso – b)quais os efeitos Psicológicos, físicos e comportamentais que estão sendo gerados a partir da situação – c) desenhar um plano de intervenção para lidar com a situação; sempre tendo como imperativo uma pluralidade de intervenções para cada caso, pois as intervenções se ajustarão ao longo do tempo) (Samulski, 2002; Weinberg, Gould, 2001). Realizada a primeira etapa da avaliação da demanda, é de fundamental importância elaborar, planejar e periodizar a preparação mental dos sujeitos participantes do trabalho. Os micro-ciclos e macro-ciclos se fazem importantes para o desenvolvimento das habilidades individuais ou grupais, de acordo com o cronograma de treinamentos e competições estabelecidos ao longo do ano. Dessa forma, já se faz importante o entendimento de que o trabalho do Psicólogo do Esporte e do Exercício deve ser elaborado de acordo com as necessidades, possibilidades e demandas ao longo do treinamento e não somente em momentos agudos, de crise ou de necessidade de desempenho. Por esta razão, um trabalho de preparação mental, na qual conta com o Treinamento Psicológico (treino mental), deve ser planejado em metas de curto, médio e longo prazo. Por exemplo, para o desenvolvimento de habilidades psicológicas como a concentração, a ativação, o gerenciamento do estresse, a motivação, o trabalho deve ser organizado de maneira com que as fases pré-competitivas e competitivas sejam respeitadas e que o trabalho produza efeito positivo para a habilidade do atleta, intercalando com as atividades que estejam sendo direcionadas para o treinamento das demandas físicas, técnicas e táticas. Quando mais puder envolver as variáveis psicológicas junto ao treinamento das outras demandas, melhor para o atleta, pois estará tornando o treinamento em um laboratório de preparação mental para os dias de competição (Samulski, 2002; Weinberg, Gould, 2001). O presente trabalho teve como foco principal elucidar as possibilidades de intervenção do Psicólogo do Esporte e do Exercício, bem como demonstrar de forma sucinta de que forma o profissional pode contribuir com o seu conhecimento nas intervenções nos mais distintos contextos. Percebeu-se que o campo do trabalho com atletas e clubes de alto-rendimento não são os únicos que podem se beneficiar do trabalho do Profissional da Psicologia. Crianças e adolescentes em contextos de iniciação esportivas podem obter muito proveito do trabalho interdisciplinar junto com os campos da Educação Física, Pedagogia, Fisioterapia, Nutrição e Medicina; principalmente no que tange os aspectos de utilização da atividade física como ferramenta para potencialização de habilidades psicológicas. No trabalho com populações que estejam procurando a modificação de estilo de vida e que apresentam alguma doença crônica como Obesidade, Diabetes, Cardiopatias, que através do entendimento das variáveis das doenças, das características psicológicas e do planejamento de ações, pode contribuir para a efetivação de tratamentos mais assertivos e funcionais para cada caso. A imagem do Psicólogo do Esporte atrelado a do motivador, a do recreacionista, a do entusiasta pelo esporte e porque não assim dizer, a do atleta “frustrado”, deve ser substituída, pela imagem de um profissional sério; com intervenções baseadas em evidência; com intervenções estruturadas e planejadas contando com o máximo de entendimento interdisciplinar sobre o sujeito e com o alto desenvolvimento de competências e habilidades por parte dos profissionais que estão procurando se desenvolver para melhor entender as variáveis do Esporte e do Exercício. Referências: Gapin, J., Etnier, J. (2010) The relationship between Physical activity and executive function performance in Children with attention-deficit hyperactivity disorder. Jornal of sport & exercise Psychology. 32, 753-763. Miller, W.R. & Rollnick, S. (2001). Entrevista Motivacional: preparando as pessoas para modificação de comportamentos aditivos. Porto Alegre: Artmed. Prochaska, J. O.; Diclemente, C. (1982). Transtheorical therapy: Toward a more integrative model of change. Psycotherapy: Theory, Research and Practice, v. 20, p. 161-173. Ratey, J.J. & Hagerman, E. (2012). Corpo ativo, mente desperta: a nova ciência do exercício físico e do cérebro. Rio de Janeiro: Objetiva. Samulski, D. (2002). Psicologia do Esporte. São Paulo; Manole. Weinberg, R. S. & Gould, D. (2001). Fundamentos da Psicologia do Esporte e do Exercício. Porto Alegre: Artmed. Weineck, J. (2003). Treinamento Ideal: instruções técnicas sobre o desempenho fisiológico, incluindo considerações especificas de treinamento infantil e juvenil. São Paulo: Manole.