Entrevista
D
Mais
Mélanie Laurent
“Conheci Tarantino e
não falava uma palavra
de inglês, menti-lhe”
Da mentira que lhe
abriu as portas a um
dos filmes mais
aclamados de 2009 ao
novo filme
“Beginners”, em que
fala sempre em inglês,
passando pelo álbum
que lançou em Maio.
Mélanie Laurent, uma
das actrizes francesas
do momento, falou de
tudo. Até das férias
36
—16 Junho 2011
MARGARIDA VIDEIRA DA COSTA
[email protected]
em Londres
Mélanie Laurent é o protótipo da francesa gira. Representa, escreve peças de teatro, dirige filmes e agora também canta
(com Damien Rice). Fuma cinematograficamente durante a entrevista, falha palavras em inglês e ri-se, ri-se muito. Tem
razões para isso – aos 28 anos já fez mais
de 20 filmes. Contracenou com Brad Pitt
sob as ordens de Quentin Tarantino. Abriu
o festival de Cannes este ano. No seu novo
filme, que chega a Portugal em Setembro, é Anna, uma actriz por quem Ewan
McGregor se apaixona.
O papel de Anna parece ter as suas
medidas. Como chegou a “Beginners”?
Não sei, recebi o guião um dia e fiz uma
curta com quatro cenas com um cão falso, com música. O Mike Mills [realizador]
ligou-me logo a dizer “Oh meu Deus, é
exactamente o filme que quero fazer, vou
escolher-te!” Queria mesmo fazê-lo porque achei a história linda e sempre tive o
sonho de fazer um filme independente
americano. Têm algo de especial, que nós,
os franceses, não sabemos fazer, delicadeza e peculiaridade. Três semanas depois
estava em L.A. a filmar. Era a primeira
vez que tinha de representar em inglês.
Toda a gente se esquece, mas em “Sacanas sem Lei” só falava francês.
Como foi a preparação para Anna?
No início de tudo, o Mike levou-nos à montanha-russa. Conheci o Ewan nessa tarde. Quando demos por nós estávamos no
topo de uma montanha-russa. Era o tipo
de coisas que eu adorava quando era miúda, mas depois cresci. Portanto, não fazia
sentido nenhum fazer isto. Então lá estávamos os três. E só perguntávamos “Mike:,
porquê?” E ele gritou: “Estão assustados?”
E nós: “Sim”. “Mas estão entusiasmados?”
“Sim.” “Pronto, o filme é sobre isto.” O
medo e a excitação. O momento em que
sabes que te vais apaixonar e estás excitado mas cheio de medo. A partir daí ficámos rendidos ao Mike, faríamos tudo o
que ele quisesse. Sem cumplicidade nada
funciona. Há coisas que não podes fingir.
O que eu adoro no filme é que ele tirou
algo de nós que é especial. Quando me rio,
é mesmo o meu riso. Pareço eu, sem ser.
Foi mais fácil conseguir projectos americanos depois de “Sacanas sem Lei”?
Não sei bem. Quando conheci Tarantino
não falava uma palavra de inglês. Então
menti-lhe, porque queria muito aquele
papel. Ele precisava de uma actriz francesa que falasse inglês e escolheu-me. Passei a ver os episódios de “Gossip Girl” sem
legendas. Como foi uma produção gigantesca, com um elenco gigante, às vezes
sentia-me assustada. Havia uma grande
pressão para que estivesse bem. A experiência foi fantástica e depois daquilo só
pensava que podia fazer qualquer coisa.
Ok, eu menti, aprendi a falar inglês em
três meses… Hmm, acho que consigo fazer
tudo. Depois disso estive em Paris, no teatro, e parecia-me que afinal o filme tinha
sido mais fácil. E mais tarde gravei um
CD e estive em palco como cantora. Gosto de me desafiar a cada três meses. Por
isso, tudo me parece super fácil.
Porquê tantos desafios?
Normalmente as pessoas perguntam-me
surpreendidas: “Porquê?” Não sei. É terrível ser assim. Fico aborrecida de ser
actriz muito rapidamente. Temos de esperar muito para actuar. Não posso passar
a minha vida nisto, só a esperar. Por isso,
não sei. Sempre fui assim desde pequena. Dizia que ia pintar, cantar, tocar piano e experimentar isto e aquilo. E os meus
pais sempre me disseram, faz tudo o que
quiseres. Experimenta tudo.
Porque queria cantar?
Não sei, sempre quis fazê-lo. Sonhava em
trabalhar com o Damien Rice e acabei
por fazê-lo. É um artista fantástico. Não
“Acho que consigo fazer
tudo. Gosto de me
desafiar a cada três
meses. Por isso, tudo me
parece super fácil”
“Fico aborrecida de ser
actriz rapidamente.
Temos de esperar muito.
Não posso passar
a vida a esperar”
01
01 Em “Beginners”, Oliver
(Ewan McGregor) lida com
a saída do armário e a
morte do pai homossexual. Anna (Mélanie Laurent) vai ajudá-lo a redefinir o sentido da vida
D. R.
02 A actriz ficou a viver em
Los Angeles no mesmo
hotel em que se passam
as cenas do filme. “Foi um
pouco estranho, mas dava
jeito descer só um andar
pela manhã”
D. R.
02
sei, mas acho que quando és artista queres tocar em tudo e quanto mais experiência acumulas mais te sentes inspirada. Queres fazer tudo.
Vai andar em digressão?
Sim, tenho um grande concerto em Paris
daqui a uns dias, é assustador.
Como é estar em palco?
Quero sempre morrer antes. E perguntas-te porque raio é que estás a fazer isto
a ti própria. Depois a primeira música é
complicada. Sou obcecada pelas letras.
Estou sempre a pensar se são as certas.
É assustador, mas sinto-me viva.
Sente o mesmo vazio que Anna, que
vive num quarto de hotel?
Depende. Quando estamos a filmar muito tempo, opto por ficar num apartamento, para poder cozinhar e não sobreviver
à base de hambúrgueres. Mas não tenho
nada a ver com a Anna, ela vê tudo muito difícil, é muito complicada.
Não é complicada?
Bem, sou um pouco, porque faço muitas
coisas e pareço maluca, mas sou positiva,
com alegria e motivação. Na verdade custa-me estar muito tempo longe da minha
família, amigos e do meu gato. Eu percebo-a, mas a Anna está triste porque não
quer fazer aquele filme. Sente-se traída
por aquilo que queria ser. Quando fiz o
meu primeiro filme tinha 14 anos e sempre tive a postura rebelde de recusar trabalhos. É o início da liberdade. Dizer que
não porque não é a história ou o realizador certos. E nunca me arrependi. Houve
dois anos em que não trabalhei como actriz.
O que fez então?
Estive apaixonada, escrevi guiões, peças
de teatro.
Também já realizou curtas-metragens...
Sim, é algo que quero fazer mais. Acho
que vem da minha avó. Ela estava sempre a encenar coisas. Na Páscoa escondia-me ovos e dizia que tinha de responder a questões para os encontrar. Houve
um ano que estava ao fundo do jardim,
vestida de indiana. Cozinhávamos juntas,
era uma festa. Cresci com ela e sempre
quis usar a imaginação para criar coisas.
Ser realizador é criar um mundo novo,
uma atmosfera. O seu novo universo. Só
tenho que criar personagens, um ambiente [começa a brincar com as canetas] E
depois dizer, OK, agora ela vai morrer
uhuh, as pessoas vão ficar tão tristes. E
agora vamos torná-lo cómico para se rirem.
Adoro isso. É o melhor.
E depois não se torna horrível filmar
sob as ordens de outra pessoa?
Sim, é verdade. Há cinco anos, estava a
fazer um filme em França e quando cheguei estava toda a equipa reunida no set
a olhar para mim. E o discurso deles foi:
bem, nós achamos que talvez seja melhor
seres tu a filmar esta cena. Fá-lo. E eu
peguei na câmara e fiz. Não sei, acho que
ficou claro que teria mesmo de fazer um
filme. Não sabia que era assim tão visível
para os outros. A verdade é que nunca
vou para o meu quarto, estou sempre no
set, a ver como tudo funciona e os técnicos adoram isso, mas é porque também
querem que eu faça as coisas por eles.
Deve parecer um pouco louca.
Sim, mas já vários realizadores quiseram
fazer um segundo filme comigo, por isso
não devo parecer demasiado.
Neste filme deu muitas sugestões?
Não, mas houve muita improvisação. Houve muita liberdade para isso e correu muito bem. O Ewan também ajudou muito.
Nas cenas de casais é bom que haja a liberdade de improvisação para pequenos pormenores. Quando é para parecer que estou
loucamente apaixonada por alguém, as
actuações muito rígidas não funcionam.
Se o realizador acha que tenho de lhe dar
a mão e tu achas que não lhe deves dar a
mão. Neste filme falámos sobre isto com
o Mike e ele deu-nos toda a liberdade. Um
bom realizador é aquele que confia nos
actores. Um mau realizador acha que sabe
tudo e não aceita sugestões. É uma questão de insegurança. Se não confia em si
mesmo, como pode confiar nos outros?
Há alguém com quem quisesse mesmo
trabalhar?
Bem, fiz um filme com o Brad [Pitt], agora com o Ewan [McGregor]. Acho que fui
bastante sortuda. Fiz filmes espectaculares com os melhores realizadores franceses, essa parte já está feita. Talvez venha
a fazer um grande filme nos EUA nos próximos meses. Não posso falar sobre isso,
mas tem um elenco fabuloso.
É o desafio dos próximos três meses?
Não, o próximo desafio vão ser as férias.
Três semanas. É tão assustador. Vou
para uma pequena ilha em França e
convidei todos os meus amigos. Mas
espero descansar. Não sei muito bem
como se faz porque tenho trabalhado
non-stop durante os últimos cinco anos.
Acho que vou tentar escrever todos os
dias
Então mas assim já não são férias.
As minhas férias perfeitas são assim. Uma
casa com todos os meus amigos. Dormir
de manhã e depois do almoço. Depois da
sesta escrever três horas. E mais tarde
jantar, “rosy time” [qualquer coisa como
“período pornográfico”].
Não convidou crianças?
Teve de ser. O meu namorado tem uma
bebé, o meu melhor amigo tem uma criança de quem eu sou madrinha e convidei
um amigo que tem mais duas. E não cabemos todos em casa, alguns vão ter de dormir no jardim, vai ser uma confusão, mas
bom. Há sempre alegria, gritos, e tudo
isso.
—16 Junho 2011
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Conheci Tarantino e não falava uma palavra de inglês, menti-lhe